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Aula 01 – Teoria da Criminalização (ofensa a um bem jurídico)

Não se trata de quando, como ou porque punir; é quando, como e porque proibir. O que
é esta proibição (o NÃO jurídico criminal).

Introdução histórica
Ordenações Filipinas – criminalização de condutas de ordem sexual (sodomia, sexo
entre homossexuais), benzer um animal, pecados contra a natureza. Marca do tempo.
Moral cristã. Segregação de classes e credos (uma cristã que casasse com um “infiel”).
Por outro lado, novas condutas surgem com o passar do tempo: meio ambiente, crimes
cibernéticos, concorrência desleal. A condição de imigrante pode ser criminalizada?
Agravar um crime (roubo, furto, etc.)? Há um denominador comum para essa
realidade? É possível achar um elo entre realidades tão distintas?

Conceito formal de crime


A primeira resposta vem de natureza positivista. Crime é um comportamento descrito
como crime pela lei penal e por ela sancionado. Carrega a ideia de legalidade. Nullum
crimen nulla poena sine praevia. (conquista do iluminismo penal). Mas não é uma
questão fechada. No âmbito do direito penal internacional se discute a necessidade de
previsão, o desvalor por si só já poderia ser considerado crime.

Conceito formal não é conceito legal. O último é definido pela legislação penal. Mas o
conceito formal não resolve o problema do conteúdo do crime, ou seja, o que é o crime.

Há alguma limitação?
O crime não é algo in natura, um dado. É um constructo cultural e historicamente
datado. Logo, o crime também é marcado pelo tempo. Mas há limites! O exercício de
poder no Estado Democrático de Direito que venha a limitar comportamentos deve
possuir justificativa racional (razão piu forti), construída em volta dos parâmetros
(constitucionais) que valoram o Estado.

Crime é ofensa culpável a um bem jurídico penal -> conceito comprometido em nível
dogmático, sistemático, ideológico e principiológico.

Objetivismo penal. Eleva o ilícito na construção do conceito de crime. O ilícito vai se


projetar no conceito de tipo. Tipo enquanto tipo de ilícito e ilícito enquanto ilícito
típico. O tipo deve ser um injusto com relevante penal. Coloca o resultado da ação como
o principal (mas não único) elemento do crime.

Ideologicamente, se opõe à escola de Kiel (Nazista - ilícito enquanto violação de um


dever, mera desobediência). Também se opõe a um direito penal de autor/ da vontade/
de inclinação, que visa punir alguém enquanto condição (periculosidade pessoal,
indesejabilidade social).

Necessidade de construção de um direito penal do fato, de resultado, construído pelos


efeitos que um comportamento produz no mundo, e não pelo simples comportamento de
alguém ou suas razões pessoais. Há uma tomada de posição do Direito Penal.
Secularização.

História – crime e pecado


No momento pré-iluminismo, crime e pecado se confundem, assim como Igreja e
Estado. Há uma busca por legitimação/fundamento. Não pode ser mais a ideia do
pecado, mal, mas elementos secularizados da sociedade civil.

Christian Thomasius e Cezare Beccaria. Não deve haver espaço para a punição da
dimensão interna, só externa. À religião cabe o controle da intensão/inclinação/pecado.
Ao Estado caberia apenas as condutas que se projetassem para fora e produzissem
efeitos danosos à sociedade. Não mais a vontade, mas o dano social passa a ser o núcleo
do desvalor. “A única e verdadeira medida dos ilícitos é o dano causado à nação, e
portanto erraram aqueles que acreditaram como verdadeira medida dos delitos a
intenção daqueles que os cometem.” A vontade TEM relevo quando há resultado!

Dano
Quando há, o que é o dano? Violação ao direito subjetivo. FEUERBACH. “Crime é a
ofensa contida em uma lei penal ou em uma ação que, sancionada por uma lei penal,
contraria o direito de outrem.” É ilegítimo para o direito Penal a instrumentalização do
homem sem que haja ofensa a um direito de terceiro. Harm principle (MILL). “A minha
liberdade só pode ser limitada quando vou de encontro à liberdade do outro. Uma
autolesão não pode ser punida”. Limites ao poder de incriminação.

[BIRNBAUM, e depois BINDING] Não se consegue precisar a violação a valores


transindividuais. Furto, roubo, lesão corporal: direito subjetivo à bolsa existe. Afeto o
objeto da pretensão. Reconhecimento de um bem jurídico como objeto da norma.
“Crime é a ofensa a bens [jurídicos]”.

Quando o dano vira crime? Até agora é um ilícito (civil ou penal).

O bem jurídico
Quando uma sociedade desvalora uma conduta, por que ela o faz? Eu só chego a um
desvalor se eu partir de uma valoração positiva. O homicídio é um desvalor porque eu
valoro a vida. E nós enquanto comunidade histórica valoramos comportamentos.
Primeiro eu reconheço um valor positivo, para depois desvalorar.

Valor é sempre para alguém, há subjetividade. A compreensão deve ser de um grupo


comunitário, e moldar a qualidade de valor é uma das grandes críticas da teoria do bem
jurídico.

FIGUEIREDO DIAS: “bem jurídico é a expressão de um interesse da


pessoa/comunidade na manutenção ou integridade de um certo estado ou objeto ou
bem em si mesmo socialmente relevante, e por isso, juridicamente reconhecido como
valioso.”. JESCHECK: “valor da ordem social”. Possui requisitos (critérios críticos da
criminalização):

Corporificação: corporificação em dados de realidade do mundo, concretização em


realidades suscetíveis de ofensa. A vida enquanto valor ideal não é bem jurídico
(destruir toda a vida na Terra – vilão). Contudo, enquanto vida de alguém, concreta, esta
sim é corporificada. Patrimônio concreto (carteira, carro, $ no banco). Bem jurídico de
alguém. E os bens não-individuais? Ex.: águas, meio ambiente. Determinado curso
d’água, ações concretas com resultados concretos que inviabilizam o exercício dos
direitos inerentes àquele bem jurídico (meio-ambiente valor). Eu retorno do valor para o
concreto.

Transcendência: um bem jurídico não pode ser um valor criado pelo Direito. O
direito apenas pode reconhece-lo, dá-lo um valor de bem jurídico, mas o valor já existe,
transcende ao Direito. Para a realização do tipo, era visto como necessário um dano à
comunidade (teoria comunista - substancialista).

Analogia teleológico-constitucional: o bem jurídico deve ser um valor constitucional, ou


seja, expressamente previsto na Constituição? (no BR, meio-ambiente é previsto na CF).
O bem jurídico deve estar em harmonia com os parâmetros axiológicos (modelo de
Estado) adotados pela CF. Ex.: crimes de opção sexual.

Objeto de tutela nem sempre é o problema, mas a forma de tutela. Ex.: art. 25 da LCP
“ter alguém em seu poder depois de condenado por furto ou roubo, chaves falsas, etc.”.
O bem jurídico tutelado é o patrimônio (legítimo), mas e a forma de tutela? Possuir as
chaves? Ex.: homicídio x atos preparatórios (planos de matar alguém x terrorismo).
Criminalização de atos preparatórios a bem jurídico futuro (lei de drogas, desobediência
nos crimes ambientais). Mera violação a uma norma administrativa pode ser
criminalizada?

A noção de ofensividade diz que é necessária uma ofensa, na forma de um perigo ou


lesão, não podendo antecipar a noção de perigo. Limitar a criminalização a condutas
que produzem efeitos ofensivos. Perigo concreto.

O perigo pode ser lido de três formas: subjetiva, objetiva e realidade normativa.

Subjetiva: “O perigo é o fruto de nossa ignorância, incapacidade de conhecer o curso


causal dos acontecimentos”. Não é algo do mundo (concreto), mas fruto da nossa
ignorância (medo).

Objetiva: O perigo é um dado da natureza.

Normativa: Perigo é uma realidade fundada em juízo de valor, prognóstico de


desdobramento.

Para a teoria da ofensividade, o perigo deve representar uma forma de desvalor. Para
que seja ofensa, teria o perigo efetivo desvalor? A comunidade é capaz de perceber o
perigo como desvalor em si. O perigo é uma realidade indesejada pela comunidade, e
portanto, efetivo desvalor de resultado.

Crimes de perigo (concreto e abstrato) são técnicas de tutela. Perigo concreto trazem o
perigo na redação típica: “Expor a perigo a vida de alguém”, “Causar incêndio, expondo
a perigo a vida de alguém” – elementares do tipo. Perigo abstrato: “Envenenar água
potável destinada a consumo”, “arremessar projétil contra veículo em movimento,
destinado a transporte público”. Não traz o perigo como elementar do tipo. Perigo
presumido.
Resumindo
Klaus Roxin (2014, p. 74-75) buscou criar uma teoria do bem jurídico crítico ao
legislador, impendido que este pudesse obrar de maneira arbitrária e violadora das
liberdades individuais a partir da criminalização ilegítima de condutas que nadam
afetam a vida em sociedade.

É dizer, Roxin buscou impor limites à atuação legislativa. Com efeito, a criminalização
de uma conduta, para o penalista alemão, apenas seria viável e legítima se esta atentasse
contra um bem jurídico digno de proteção, não sendo tarefa do direito penal reprovar
condutas que tão somente ataquem a moral coletiva ou atinjam valores políticos e
religiosos individuais ou de determinados grupos.

A teoria do penalista alemão parte do princípio de que o direito penal detém uma
missão. Esta missão imposta ao direito penal seria a de proteger bens jurídicos,
garantindo, assim, a toda coletividade que goze de todas as condições necessárias para
um desenvolvimento livre e pacífico, quando nenhum outro ramo do ordenamento
jurídico fosse suficiente para realizar tal desiderato.

Em suma, seria a proteção subsidiária de bens jurídicos. Com base nisso, o legislador
estaria limitado em sua atuação, no que se refere à criminalização de condutas, ao
âmbito de proteção de bens jurídicos. O que quer dizer, na verdade, que se for
vislumbrado que uma conduta apenas atenta contra a moral ou contra valores sociais,
não pode ser criminalizada.

Isso somente seria possível e legítimo se a conduta pudesse interferir na coexistência


livre e pacífica dos seres humanos, pois aí estaríamos diante de uma verdadeira lesão
(ROXIN, 2013, p. 19).

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