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Aula 02 – Teorias da Pena (Prof.

Luiz Greco)
Legitimidade da Pena
Quando é e quando não é pena? O que é a pena? Onde está a diferença entre prisão
processual e prisão pena? Multa de trânsito x multa penal? Imposto de renda x multa
penal?

A pretensão de pena do Estado é “pretensiosa”, ou justificada?

Abolicionistas
A pena é ilegítima; a pena deve desaparecer da sociedade. ZAFFARONI. Refletir sobre
a pena é perda de tempo, a pena é ilegítima e imoral. Entende-se que todo poder estatal
é ilegítimo [abolicionistas anarquistas], ou certa manifestação dele (a pena) o é
[abolicionistas estatalistas].

Crítica aos abolicionistas: Se alguém crê que o Estado ou o Direito como um todo são
instrumentos de dominação de uma classe sobre outra, opressão, manifestação que
reproduz relações de desigualdade e dominação numa sociedade, não é o âmbito da
discussão do Direito Penal.

Estatalistas
Apriorístico - TOLSTOI: a pena, por ser imposição de um mal a outra pessoa, sempre é
algo ilegítimo, pois existe uma proibição moral de fazer mal. Implausível. Justificável a
imposição de um mal (legítima defesa, demissão com justa causa). TOLSTOI defendia
um pacifismo, imperativo moral de virar a outra face.

Empírico – ZAFFARONI: o direito penal e a pena são seletivos e desiguais, portanto,


ilegítimos (direito fundamental à igualdade). Logo, se ela respeitar a igualdade, será
menos (ou nem será) ilegítima. Não se nega os fundamentos e a legitimidade da pena.
Igualdade na imposição da pena é um requisito de sua legitimidade. Aceita as
“regras jurídicas” do jogo e a própria legitimidade do Direito.

Pena
Para a imposição de pena, é necessário o atendimento de uma série de requisitos,
sobretudo a culpabilidade. Só pode ser imposta por juiz, diante de existência de lei
prévia e limitada. Todas essas limitações são existentes no Direito Penal e não
necessariamente nos outros ramos.

Qual o mal específico da pena a ponto de ela necessitar dessas garantias?

Tradição clássica da pena – a pena é um mal


KANT: “a pena é uma dor imposta a alguém que cometeu um delito”. FEUERBACH:
“a pena é imposição de um mal em resposta ao cometimento de um delito”.

Conceito insuficiente. Multas e impostos, prisão preventiva, também são um mal em


resposta ao cometimento de um ilícito. Não diferencia pena de outras sanções.

Tradição moderna da pena – a pena é uma comunicação


A diferença entre pena e outras sanções está na dimensão comunicativa, pois multa
enquanto pena contém reprovação/censura, e multa enquanto sanção administrativa não
contém. Neutralidade/mensagem em perspectiva ético-social. Posição do TFC alemão.

Conceito insuficiente. Se é só uma censura social, para que tantas garantias que a
prescindem? Tenta “adoçar” o direito penal, escondendo que aplica um mal físico a
alguém. Transforma em pena muitas coisas que não o são (instaurar processos contra
mortos – pena como censura OK, pena como imposição de mal físico NÃO). Juiz não
tem autoridade para formular censura moral a alguém.

Conceito formulado – Luís Greco


Pena leva o apenado à dor. A resposta (reação) possui lugar de destaque. Uma punição
deve ser uma REAÇÃO A ALGO errado presente no passado.

Pena não é sanção mais severa que a sanção administrativa. É sanção qualitativa, que
atinge direitos “inatos” (vida, corpo, liberdade) versus os direitos “adquiridos”
(cidadania, propriedade). Os direitos inatos são protegidos contra intervenções de
interesse público.

 Pena é uma reação imposta pelo Estado sobre direitos inatos.

Obs: prisão preventiva como reação a uma atitude, é pena e, portanto, ilegítima.
Teorias da Legitimidade e Justificação
Discussão no plano da moral. Quem pode pedir justificação da pena é o apenado, ou a
sociedade (que é limitada pela cominação de uma pena e arca com seus custos).

Retributivistas – justiça da pena


(Séc. XVIII) KANT – Metafísica da Moral: pena imposta pelo fato de o autor ter
cometido algo errado no passado. Não é imposta para obter nada de bom nem nada
futuro; castigar é um imperativo categórico.

A pena está justificada por razões de justiça, e não por conveniência. Expiar as culpas.

(Sec. XIX) HEGEL – Direito como relação de reconhecimento e respeito entre pessoas,
e o delito é a negação do direito (nulo). O Estado deve intervir e “nulificar” a
nulificação do direito, por meio de uma pena.

Atualmente, Alemanha e Anglo-Saxônia. MOORE (EUA): o sofrimento do culpado é


intrinsecamente bom, exemplos intuitivos. Razões de justiça.

O retributivismo demonstra que é intrinsecamente injusto punir um inocente, sem mais.


A pena deve ser merecida. Leva a sério que a pena deve ser justificada diante do
indivíduo.

Porém, deixa de lado a perspectiva da sociedade, que arca com os custos da pena sem
ganhar qualquer vantagem. Justiça não é o único valor a ser realizado pelo Estado, nem
tão valioso a se justificar os gastos com a pena.

Preventivas – utilidade da pena


A razão da pena não está ligada ao fato pretérito, mas em algum bem obtido por meio da
punição.

Prevenção geral
Busca obter algo bom (prevenção de delitos) da sociedade.

Prevenção geral negativa: “Busca intimidar a sociedade. FEUERBACH (teoria da


coação psicológica) “O legislador, quando formula leis e comina pena, gera uma
razão, para cada pessoa que pensar em cometer um crime, não o cometa.”.
FERRAJOLI. O crime não compensa. (razões de prudência).
Prevenção geral positiva: Integração, pacificação, reafirmação da norma,
restabelecimento da confiança no ordenamento jurídico. JACOBS: “A sociedade é um
conjunto de normas que regulam a comunicação (poder/não poder algo), e aquele que
comete um delito declara que aquela norma não vige mais”. Negação da norma,
colocando em xeque a sociedade (e a legitimidade do Estado). Sociedade clama pela
punição. O crime é inaceitável, respeite os outros. (razões morais).

Crítica à prevenção geral: Terrorismo estatal. A pena tende sempre a endurecer. A


maneira mais fácil de prevenir delitos é a dureza da pena? A (ameaça de) punição
realmente previne crimes? Castigado: “a sociedade ganhar alguma coisa não é
problema meu, estou sendo usado em benefício dos outros” (instrumentalização).

Prevenção especial
Busca obter algo bom (prevenção de delitos) daquele que é castigado. A pena concreta é
que deve reduzir a criminalidade. LIZST: “A pena existe como pena-fim, meio para
combate aos delitos, e é aplicada a um autor, devendo este ser o objeto de preocupação
do Direito Penal.

a) Autores ocasionais: não necessitam de correção, e se espera que a pena lhes


sirva de lição/intimidação futura/lembrete.
b) Autores habituais corrigíveis: se espera que a pena opere um efeito de
correção. Ressocialização. Proeminência teórica.
c) Autores habituais incorrigíveis: se espera que sejam
neutralizados/inocuizados.

A ressocialização funciona? Depende da realidade e da pena aplicada? Artigo:


“Anything works? Nothing Works”. A prevenção especial de inocuização não encontra
limites, ignora a ideia de pena merecida, e é formulada da perspectiva da sociedade
(instrumentalização). Submeter um direito inato ao cálculo de utilidade é trata-lo como
se fosse direito adquirido. A ressocialização evita que se volte pior. É por isso que não
podemos aplicar penas cruéis? Esse tipo de comportamento é incompatível com o
reconhecimento do outro como sujeito de direito. Preso é pessoa.
Posições modernas
Expressivistas
Autores de língua inglesa. Insistem em não ser preventivistas, mas retributivistas
(justiça da pena). “O delito é um ato imoral, e a pena deve corrigir essa imoralidade.
Pena como censura. Conceito comunicativo. Censura só se justifica quando
merecido.”. Turva os limites entre Direito Penal e moralidade. Problemático. Moral
para quem? Olhando para os direitos do cidadão não se fala em moral. Moral é ideal,
modelo de vida boa, sob um parâmetro.

Direito da vítima
A pena é um direito da vítima. O delito é uma afirmação no mundo moral. Fere a vítima
e declara que está acima dela. A pena declara à vítima que isso não é verdade. A
personalidade da vítima é negada. Alcance limitado a certos delitos de vítima concreta.
“Não existe possibilidade de uma teoria da pena unitária”. Ponderação dos direitos do
criminoso com os interesses da vítima, colocando o autor em uma posição precária.

Contribuição do cidadão
PAVLICH: a sociedade em que vige o Direito é uma ordem de liberdade, onde todos
podem ser cidadãos (possuem uma esfera de liberdade). Essa manutenção da ordem de
liberdade custa de todos, e a principal contribuição é a de não cometer delitos. Mau
cidadão, colhe os frutos dos outros mas não contribui.

Opinião do Professor
Justificar a pena tanto diante do indivíduo, quanto diante da sociedade.

 Diante do indivíduo: a pena não pode passar do merecido. Proporcionalidade.


Retributivismo é bom quando limita o Estado. Ir além do proporcional
deslegitima o Estado diante do apenado. Este não é dono da liberdade dos
cidadãos. Culpabilidade como limite (e não fundamento) da pena.
 Diante da sociedade: prevenção geral negativa. O Estado pode educar
mediante a criação de penas: “não cometa crimes”. Educar privando a liberdade
parece errado (prevenção geral positiva). Quando castiga, fala apenas em
violação das regras, se distancia da moralidade.

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