Art. 40º CP
Ponto de partida e chegada para a pergunta de qual a finalidade da aplicação de uma
pena.
Teorias Monistas
Perspetiva monista em que há só uma finalidade das penas
Hegel: crime é negação do direito; pena é a negação da negação – servia para anular o crime e
revalidar a vinculatividade do Direito.
A pena é mal necessário “porque” se praticou o crime.
O crime permite revelar o Direito, pois quando se viola o Direito isso demonstra que ele
existe – havendo contradição com a Ordem Jurídica a pena vem reafirmá-la.
o Aplica-se a pena porque tem de ser afirmar a norma jurídica.
o A pena é negação do crime, constituindo uma reafirmação dialética do Direito.
o A pena é inerente ao conceito de crime, faz parte dele num sentido lógico.
Pena é modo de honrar o criminoso e não como um instrumento ao serviço da
sociedade, através do qual a dignidade do criminoso como pessoa possa ser prejudicada.
Não há um entendimento moral da pena, a qual deve pertencer exclusivamente à
racionalidade do Estado – objetividade do Direito, a partir das características da
generalidade e abstração da norma;
o A pena, tal como o crime, não vale em função do merecimento da vontade
nem dos autores do crime nem de quem impõe a pena, mas enquanto afirma
ou nega o Direito num plano das ideias e num plano meramente lógico.
Pena surge como entidade independente de fins – construções que vêm as penas como fins em
si mesmos e que não visam alcançar finalidades extrínsecas.
Pena é justo equivalente do facto que se cometeu e da culpa do agente
Estas teorias vêm criar o conceito de que tem de haver culpa para haver pena – esse apelo à
ideia de culpa cabe no art. 40º/2.
Críticas
1. Teoria parte de uma ideia de responsabilidade individual baseada no liberum arbitrium
indiferentiae que o conhecimento científico não permite comprovar – somente é
aceitável presumir que as pessoas são livres na medida em que a sociedade e o Direito
reconhecem a responsabilidade individual.
2. Pressuposto da retribuição é a culpa ética, surgindo como sua consequência
necessária. Não cabe ao Estado, num contexto de EDD, promover uma ética ou moral
em si mesmas, mas apenas, quando muito, na medida indispensável à preservação das
condições sociais de existência.
3. Retribuição conflitua com art. 18º/2 CRP – princípio da necessidade da pena que
postula que a pena só pode ser aplicada quando for necessária para a preservação da
sociedade.
4. Confusão concetual entre retribuição e reafirmação do Direito.1
5. Não pode ser considerada uma teoria dos fins das penas, pois a pena é considerada
como entidade independente de fins.
1
Não estando a reafirmação do Direito, em causa, se for articulada com um princípio liberal da
necessidade da pena, de adequação e proporcionalidade ao facto da mesma.
6. Não cabe na letra do art. 40º/1 em que a finalidade não é retributiva e aplica-se uma
pena “para que”.
Prevenção Geral
FD: Pena é instrumento de política criminal que visa atuar psiquicamente sobre a generalidade
das pessoas/comunidade, afastando-as da prática de crimes através da ameaça penal
estatuída pela lei, da realidade da sua aplicação e da efetividade da sua execução.
Prevenção geral positiva/Integração: pena existe para levar os cidadãos a confiar nas normas
gerais.
Penas têm de demonstrar que a Ordem Jurídica é inquebrável.
Penas visam conferir confiança à comunidade, para que as pessoas possam confiar no
Direito Penal.
Art. 40º/1 CP visa a proteção de bens jurídicos – promove uma atuação preventiva e liga
umbilicalmente à preservação dos bens.
Críticas
1. Configurar como a pena a partir de orientações pragmáticas e numa lógica de eficiência
viola a Dignidade da Pessoa Humana, que é tida como mero instrumento.
A pessoa não é, em caso algum, um meio ao serviço de fins sociais.
2. Não se consegue justificar a atribuição da pena ao criminoso por algo que ele tenha feito
e com base na medida da gravidade do facto – a pena deixaria de poder ser vista como
consequência do crime.
3. Tendência para penas mais severas e longas, pois nunca se sabe qual o quantum de
pena que vai intimidar os sujeitos.
4. Baseia-se numa lógica de psicologia de multidões e de expetativas sociais.
5. Levado às últimas consequências poderia permitir a punição de pessoas que não
cometeram crimes apenas para serem exemplos.
Prevenção Especial
Pena surge como instrumento de prevenção individual – atuação sobre o agente que prevaricou
e focada nesse indivíduo. Intervenção sobre o cidadão delinquente, através da coação
psicológica, inibindo-o da prática de crimes ou eliminando nele a disposição para delinquir.
Ideia da prevenção da reincidência.
Platão -> Protágoras: exemplo de racionalidade e de prevenção especial – toda a virtude se ensina e se
aprende.
A punição deve ser para ensinar.
Não se deve acrescentar um mal ao mal, deve querer produzir-se um bem.
o Pena retributiva visa produzir no futuro um mal e não um bem.
o Ao mal do ilícito junta-se o mal da pena.
o Deve é reabilitar-se para que no futuro haja um bem
“Ninguém pune o delinquente só pela simples razão de que cometeu uma injustiça, a não ser
aquele que, como um animal irracional, se procura vingar; aquele que pretende punir de modo
racional não castiga por causa do ilícito já cometido – não faz com que o que esteja feito deixe
de estar – mas em vista do futuro, para que daí em diante o delinquente não volte a cometer
injustiças e também não os outros, que veem como ele é punido”
Kraus influencia este pensamento, bem como a Escola Correcionista, perfilhada por Levy
Maria Jordão.
Todos os homens são suscetíveis de serem corrigidos e é isso que se devia fazer aos
delinquentes.
Críticas
1. A prevenção especial negativa viola a dignidade da pessoa humana e a
autodeterminação do indivíduo.
2. Quer a negativa quer a preventiva, a prevenção nunca pode ser tomada como a única
finalidade da pena, pois ela teria de ser prolongada até se ter a certeza que o agente
não cometeria novos crimes – levava ao instituto da pena absolutamente
indeterminada2
2
Não as do art. 83º e ss. CP – que são penas relativamente indeterminadas, mas, em que sabemos que a
pena vai acabar.
3. Crimes muito graves poderiam ficar impunes se não existisse perigo de reincidência e
crimes menos graves poderiam justificar a prisão perpétua ou a morte.
4. Investigação empírica não permite apoiar em dados absolutamente seguros a prognose
sobre a delinquência futura3
Howard Zehr – ideia que a pena deve ter finalidades específicas de reparação
Braithwaue também adere a esta tese, influenciado por vir de Estados retributivos – o Estado
apropriou-se do crime e devolver-se o crime às pessoas.
Ideia de mediador penal – deve recentrar-se a noção de pena na vítima; noção de concertação
e reparação da vítima e do opressor
Finalidade da pena pode ser a de operar a possível concertação entre o agente e a
vítima através da reparação dos danos – não apenas necessariamente patrimoniais,
mas também morais – causados pelo crime.
Há diálogo entre a vítima, opressor e a comunidade afetada, numa lógica de
participação.
Prática do crime gera práticas de responsabilização e reparação.
3
MFP: E, aliás, a pena é criminógena, de modo que as próprias condenações aumentam as probabilidades
de reincidência.
Teorias Mistas
São teorias eclética ou unificadoras.
Dizem-nos que não pode haver um único fim da pena – já desde a obra de Beccaria que a isso
se apela: que defende que a pena só é legítima se for necessária (para o bem da sociedade).
MFP: o “para que” pode ser resposta ao “porque” nos fins das penas
Teoria da prevenção especial não é idónea para fundamentar o direito penal, porque não pode
delimitar os seus pressupostos e consequências, porque não explica a punibilidade de crimes
sem perigo de repetição e porque a ideia de adaptação social coativa, mediante a pena, não se
legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de
considerações.
Teoria da prevenção geral encontra-se exposta a objeções semelhantes às outras duas: não
pode fundamentar o poder punitivo do Estado nos seus pressupostos, nem limitá-lo nas suas
consequências; é político-criminalmente discutível e carece de legitimação que esteja em
consonância com os fundamentos do ordenamento jurídico.
Roxin: tentativa de sanar defeitos justapondo as 3 conceções distinta tem de forçosamente
fracassar, já que a mera adição, não somente destrói a lógica imanente a cada conceção, como
aumenta o âmbito de aplicação da pena, a qual se converte assim num meio de reação apto
para qualquer realização.
Efeitos de cada teoria não se suprimem, multiplicam-se.
Teoria unificadora aditiva pode ser até perigosa.
Tem que se procurar a justificação para a aplicação de penas no que legitima o Estado a punir
os seus cidadãos – direito penal tem o fim de garantir a todos os cidadãos uma vida em comum
livre de perigos e isso resulta do dever que incumbe ao Estado de garantir a segurança dos seus
membros.
Direito penal tem que assegurar os bens jurídicos, punindo a sua violação.
MFP: teorias não podem ser casadas, pois os seus princípios são logicamente incompatíveis –
na lógica exclusiva de cada uma das teorias não há compatibilidade.
Nenhuma são compatíveis com a CRP e não são compatíveis entre si.
O ponto de partida da discussão tem de ser a realidade da pena e não aquilo que ela idealmente
deveria ser
Qual a solução, à luz da CRP, para os fins das penas?
Claus Roxin
Pena tem finalidades preventivas e serve fins racionais – garante as funções de existência.
Divide a conceção em 2 momentos:
Plano abstrato – pena serve fins de prevenção geral e visa a tutela de bens jurídicos
Plano concreto de aplicação – prevenção geral e prevenção especial; lógica de evitar a
reincidência mas também atendendo à culpa
Medida da culpa não é dada por ponto exato da escala penal e tem de haver pena com base
numa moldura de culpa.
Os limites de prevenção geral mínima têm de ser satisfeitos.
o O fim da prevenção geral da punição apenas se pode conseguir na culpa
individual.
Na execução específica da pena atende-se a critérios de prevenção especial positiva.
Aplicação da pena serve para a proteção subsidiária e preventiva, tanto geral como individual,
de bens jurídicos e de prestações estatais, através de um processo que salvaguarde a autonomia
da personalidade e que, ao impor a pena, esteja limitado pela medida da culpa.
Faria Costa
Teoria neoretributiva
Culpa é fundamento da pena, num encontro entre Direito Penal e Filosofia .
Retribuição é expressão das ideias de responsabilidade e igualdade.
Pena não deve ser valorada como um mal, pois ela retrata a pluralidade axiológica
positivamente relevante.
“a pena a aplicar tem que ser envolvida pelo olhar que quer ver o pretérito” – vê o facto
criminoso na contextualização com o seu passado e é por isso que se aplica pena.
Sousa e Brito
Pena retributiva é a que mais serve para finalidades de prevenção especial – que deve ter
primazia sobre a prevenção geral.
Medir a pena pela culpa pode ser incompatível com exigências de prevenção especial.
A medida da culpa nunca pode ser ultrapassada.
Pena visa retribuir a culpa e é atribuída em função da culpa (art. 71º/1), mas a culpa sendo
fundamento ou pressuposto essencial, e por isso limite da pena, só é retribuída na medida
necessária à proteção dos bens jurídicos.
É impossível obedecer à proibição de a pena ultrapassar a medida da culpa – ou ao
comando equivalente de a manter dentro da medida da culpa – sem medir a pena pela
culpa.
o Medir a pena pela culpa é o conteúdo essencial da ideia de retribuição.
Todo o direito penal não é mais do que um elaborado sistema de escolher a culpa que se pune e
de medir a pena pela culpa.
Nem a teoria da prevenção especial nem a da prevenção geral determinam a escolha e a medida
das prestações de prevenção especial devidas pelo criminoso em termos idênticos entre si ou
idênticos com a determinação que resulta da reparação da culpa no direito penal de Estado de
Direito. Por outro lado, só estes últimos respeitam o princípio constitucional da culpa.
As teorias da pena como prevenção de crimes futuros não podem recuperar o conceito de pena
como “expressão de um juízo de valor moral de quem pune”, de que fala von Lisxt. Não pode
recuperar um autêntico juízo de desvalor ético do julgador, mas apenas os juízos morais de
desvalor da maioria da comunidade como elementos de facto que contribuem positivamente
para a prevenção geral.
A teoria da retribuição pretende, porém, medir à partida a culpa do agente e não
recuperar os juízos de culpa da comunidade como critério da prevenção geral.
Caráter jurídico da reparação da culpa pela pena e a sua fundamentação ética pressupõe o
postulado da liberdade humana.
Pelo art. 40º/2 e pelos comandos constitucionais, a reparação da culpa é o único dos fins de
pena que é específico da pena.
Pena retributiva é a que melhor serve as exigências de prevenção especial – a prevenção
especial é que dá conteúdo material à reparação da culpa, de acordo com o seu
fundamento racional.
Figueiredo Dias
Natureza exclusivamente preventiva das finalidades da pena
Finalidade visada pela pena é a da tutela necessária dos bem jurídico-penais no caso concreto.
Não numa perspetiva retrospetiva, face a um crime já verificado, mas com um
significado prospetivo, pela necessidade da tutela da confiança e expetativas da
comunidade na manutenção da vigência da norma violada.
Existe uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias, não
podendo ser excedida (princípio da necessidade) por considerações de qualquer tipo,
nomeadamente exigências de prevenção especial.
Essa medida ótima não fornece ao juiz um quantum exato da pena.
Abaixo do ponto ótimo ideal existirão outros em que aquela tutela é ainda efetiva e
consistente.
o Isto até se alcançar um limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico,
abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem
se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.
Prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção dentro da qual atuam
considerações de prevenção especial, que determinam a medida concreta da pena.
Função da culpa no sistema punitivo reside numa incondicional proibição do excesso – a culpa
não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite
inultrapassável.
Estabelece um máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da
dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos
quadros próprios dum EDD.
É barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um vetor incondicional
aos apetites abusivos que ele possa suscitar.
o Limiar da pena concreta é sempre a culpa – nunca a pode exceder, mesmo que
as exigências de culpa excedam o ponto ótimo social, nunca pode ultrapassar a
medida da culpa. Mas não pode descer abaixo do limiar mínimo.
Crítica MFP:
Razões de ordem sistemática – art. 71º CP; não se pode dizer que a culpa não
fundamenta, embora isso não signifique que se ceda às teorias retributivas
Razões e ordem constitucional – art. 1º CRP e DPH
4
CP democrático que sucedeu a um CP do séc. XIX – que sobreviveu a vários regimes – código de Melo
Freire e de grande pendor liberal.
Este CP de 1982 é inspirado no projeto de Eduardo Correia, cujo teor era muito revolucionário para a
época, tendo um espírito de prevenção especial, humanismo e etc.
Figueiredo Dias transpôs algumas ideias para o CP 1982
5
Art. 40º CP foi introduzido com a revisão de 1995 como norma orientadora quanto às penas, numa fase
em que se pretendeu ultrapassar as rotinas judiciais retributivas.
Princípio da culpa – deriva da DPH (art. 1º CRP)
Princípio da necessidade da pena (art. 18º/2 CRP)
CP estabelece que a culpa do agente é o critério fundamental da medida da pena, que justifica
a sua variação entre o máximo e o mínimo (art. 71º CP), o que coloca logo a objeção do critério
da medida judicial da pena poder ser de natureza diversa do fundamento legal da punição.
Questiona-se também como é que a culpabilidade do agente, que é um elemento do conceito
de crime e um pressuposto essencial de toda a atribuição de responsabilidade (nullum crimen
sine culpa), patente na teoria geral do crime (art. 3º/2, 17º, 35º, 37º), pode ser reduzida a
critério restritivo, acessório, de uma responsabilidade baseada na prevenção geral positiva
(proteção de bens jurídicos e promoção da segurança geral) coadjuvada pela prevenção
especial.
Princípio da culpa é expressão de uma consideração plena da igual dignidade da pessoa bem
como da igual consideração dos interesses de todos e da justa oportunidade de cada pessoa
de orientar o seu comportamento pelas normas penais – art. 1º, 13º e 27º CRP
Dimensão que nada tem a ver com a ideia de retribuição, mas sim com a ideia de uma
relação punitiva justa a partir de comportamentos que só são verdadeiramente dignos
de tutela penal porque os seus autores tiveram as devidas condições para se
reconhecerem como responsáveis, tendo, assim, cabimento um juízo de censura pessoal
pela prática de certos comportamentos.
No art. 40º, não cabe só uma perspetiva de satisfação do interesse geral da comunidade ou
mesmo de uma necessidade objetiva de proteger bens, mas, cabe também a consideração de
um certo nível de desvalor da ação e de uma exigibilidade média de um outro comportamento
a quem viola uma norma.
Exigibilidade ética de certos comportamentos não é algo posterior às decisões
legislativas de incriminação, mas a própria consideração da atribuição de uma censura
pessoal, que é condição da legitimidade constitucional da incriminação de certos
comportamentos, ou da sua negação, num plano abstrato-normativo.
Prevenção geral e especial são admissíveis desde que atendendo à medida da culpa.
Culpa condiciona critérios de necessidade de pena, de merecimento devido à conduta
do agente.
o Nunca é retributiva