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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

AULA 01 – 17/02/2016
TEMA: PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL E A JURISPRUDÊNCIA DOS
TRIBUNAIS SUPERIORES
PROFESSOR ROGÉRIO SCHIETTI

O STJ tem a competência de interpretar as leis penais.

O Direito Penal, nas suas configurações atuais, surgiu com o Iluminismo.

1. EVOLUÇÃO RECENTE DO DIREITO PENAL

1.1. DO ANTIGO REGIME AO ILUMINISMO

A) Irracionalismo punitivo e confusão entre: Direito e moral; Estado e Igreja; Crime e


Pecado; O Direito Penal se restringia a normas relacionadas à moral religiosa.

No caso de Tiradentes, além da morte, ele foi esquartejado, seus restos


corporais expostos ao público, e sua casa recebeu sal.

A pena de prisão de liberdade era mais utilizada como forma de guardar a


pessoa até o momento da morte.

Nos casos de crime de heresia, a Igreja declarava a sentença de morte, e o


Estado realizava a execução.

1.2. DIREITO PENAL PÓS-ILUMINISMO (MEADOS DO SÉCULO XVIII)

Marquês de Beccaria (Dos delitos e das penas, 1764)  marco divisor do


Direito Penal. Principais idéias: finalidade preventiva das penas, presunção de
inocência, proibição de tortura, certeza e não severidade da punição como freio ao
crime, humanidade na execução das penas, legalidade, proporcionalidade,
necessidade e utilidade da pena, processo público e célere, leis claras.

A tortura era meio legítimo para a obtenção de provas.

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1.2.1. Características

 Limitações ao poder punitivo;


 Prisão como novo paradigma das punições: dos suplícios corporais para a
privação de liberdade passa-se a punir mais a alma (pelo tempo e sofrimento do
cárcere) do que o corpo. A prisão passa a ser a inovação humanizadora da pena;
 Positivação dos direitos naturais em códigos;
 Discrição na execução da pena: “No fim do século XVII e começo do XIX, a
despeito de algumas grandes fogueiras, a melancólica festa de punição vai-se
extinguindo” (FOUCAULT);

2. FINS DO DIREITO PENAL

a) Limitar o papel punitivo e repressivo do Estado (pune o violador e impede que


o próprio Estado abuse do poder;
b) Prevenir crimes e reações informais da sociedade;
c) Tutelar positivamente os bens jurídicos e interesses sociais, nos limites da
primeira função assinalada;

3. PENA COMO RESPOSTA ESTATAL AO DESVIO, NÃO COMO VINGANÇA

Opinião dos jusnaturalistas (e acolhida por retributivistas e utilitaristas). A


pena é, por primeiro, o produto da socialização e, ao depois, da estatização da
vingança privada.

FERRAJOLI critica: Historicamente, o direito penal nasce não como


desenvolvimento, mas sim como negação da vingança, não com o propósito de
garanti-la, mas sim de impedi-la. “[...] Nesse sentido, podemos dizer que a história
do direito penal e da pena corresponde a uma longa luta contra a vingança [...]”; “o
direito penal nasce, precisamente, neste momento, quando a relação bilateral
ofendido/ofensor é substituída por uma relação trilateral, que coloca em posição
imparcial uma autoridade judiciária”.

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4. DIREITO PENAL MÍNIMO, SIM; ABOLICIONISMO, NÃO

“Precisamente, monopolizando a força, delimitando-llhe os pressupostos e as


modalidades e precluindo-se o exercício arbitrário por parte dos sujeitos não
autorizados – a proibição e a ameaça penal protegem os possíveis ofendidos contra
os delitos, ao passo que o julgamento e a imposição da pena protegem, por mais
paradoxal que pareça, os réus (e os inocentes suspeitos de sê-lo), contra as
vinganças e outras reações mais severas. Assim, a lei penal se justifica como a lei
do mais fraco, voltada para a tutela dos seus direitos contra a violência arbitrária do
mais forte”.

“[...]E sob esta base que as duas finalidades preventivas - a prevenção dos
delitos e aquela das penas arbitrárias - são, entre si, conexas, vez que legitimam,
conjuntamente, a "necessidade política" do direito penal enquanto instrumento de
tutela dos direitos fundamentais, os quais lhe definem, normativamente, os âmbitos
e os limites, enquanto bens que não se justifica ofender nem com os delitos nem
com as punições. Esta legitimidade [...] não é "democrática" no sentido que não
provém do consenso da maioria. É, sim, "garantista", e reside nos vínculos impostos
pela lei à função punitiva e à tutela dos direitos de todos [...]. o monopólio estatal do
poder punitivo é tanto mais justificado quanto mais baixos forem os custos do direito
penal em relação aos custos da anarquia punitiva [...]” (FERRAJOLI).

O direito penal traz uma relação de forças, seja do infrator com a vítima, seja
do infrator com o Estado.

DIREITO PENAL MÍNIMO: condicionado e limitado ao máximo, corresponde


não apenas ao grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio
punitivo, mas também a um ideal de racionalidade e de certeza.

DIREITO PENAL MÁXIMO: incondicionado e ilimitado, é o que se caracteriza,


além de sua excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das
condenações e das penas. Ele trabalha com a ideia de quanto maior a punição,
menor o cometimento de crimes.

Um sistema que trabalha com o direito penal máximo costuma ser o que mais
comete erros judiciários.

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“A certeza perseguida pelo direito penal máximo está em que nenhum


culpado fique impune, à custa da incerteza de que também algum inocente possa
ser punido. A certeza perseguida pelo direito penal mínimo está, ao contrário, em
que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum
culpado possa ficar impune” (FERRAJOLI).

5. FINS DA PENA

Teorias dos fins da pena Verbos/ Expressões verbais


Retribuição Responder, pagar,
A lei penal pretende desestimular, inibir,
Prevenção geral negativa
intimidar, a prática de novos crimes;
Jakobs; quando se tem um direito penal
respeitado, a sociedade vive melhor;
Prevenção geral positiva afirmação da norma, reforço de valores,
produzir confiança, dar credibilidade às
instituições;
Prevenção especial negativa
Prevenção especial positiva

A geral volta-se para toda a coletividade, enquanto a especial para um


indivíduo específico para que não volte a delinquir.

A METÁFORA DOS CINCO ESTUDANTES (Louk Hulsman) – um deles


destrói a televisão do grupo. Seus companheiros reagem de formas diversas:

Um se enfurece e exige a prisão do que causou o estrago (deve ser punido –


meramente retributiva);

Um exige a compra de uma nova TV (reparação do dano);

Um fica chocado e pede que o amigo seja levado ao médico (visão


terapêutica);

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Um pensa em analisar todo o convívio dos estudantes e ver quais atitudes e


motivos causaram a reação de seu amigo (versão mais filosófica e observadora dos
acontecimentos);

6. PRINCÍPIOS

Os princípios, de um modo geral, asseguram a interpretação e a aplicação do


Direito, tendo como referência valores e fins reconhecidos, explícita ou
implicitamente, pela ordem jurídica de um dado país. No caso do Brasil, a CF, já em
seu preâmbulo, afirma que somos um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Os princípios, como acentua R. ALEXY, operam com um mandado de


otimização, visto que ordenam que algo seja realizado dentro da realidade existente
e na medida das possibilidades. Por isso, a maioria dos princípios não conduz a uma
única, linear e inflexível interpretação, mas, ao contrário, devem estar sempre
abertos a construções judiciais que assegurem sua progressiva implementação.

A propósito, vale sempre recordar a lição de Alexy quanto à classificação dos


princípios e das regras como espécies do gênero normas. Havendo colisão entre
duas regras, uma elimina a outra, por juízo de validade (tudo ou nada). Se dois
princípios, porém, aparentemente estão em conflito, um deles prepondera, mediante
juízo de proporcionalidade, sobre o outro no momento da resolução do embate, ante
as condições fáticas e jurídicas da situação concreta.

6.1. FUNÇÕES DOS PRINCÍPIOS

a) Programática ou diretiva (vinculante e não meramente abstrata): são


instruções que o legislador emite para servir como norte de atuação para os agentes
públicos;

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b) Integrativa (na ausência de lei clara e expressa);


c) Interpretativa (no processo judicial de aplicação das normas em geral,
inclusive dos princípios);
d) Fundamentadora: “Os princípios são o oxigênio das Constituições na época
do pós-positivismo” (Paulo Bonavides); “Os princípios são fundamento de regras,
isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas,
desempenhando, por isso, uma função nomogenética fundamentante” (J.J. GOMES
CANOTILHO).

6.2. LIMITAÇÃO INTERPRETATIVA AO JUIZ NO POSITIVISMO

 Confiança maior nos legisladores;


 Prevalece o direito positivado em Códigos e leis;
 Na tradição do civil Law imaginou-se que a lei e os códigos deveriam ser tão
claros e completos que não poderiam suscitar quaisquer dúvidas ao juiz;
 Juiz “Bouche de La Loi” – boca da lei - os juízes da nação não são mais do
que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não
podem moderar nem a força nem o rigor das leis (MONTESQUIEU, século
XVIII);
 Beccaria (século XVIII): em nome da segurança jurídica, “nem mesmo a
autoridade de interpretar as leis pode caber aos juízes criminais, pela própria
razão de não serem eles os legisladores”;
 Século XIX: positivação dos direitos naturais nos códigos e limitação ao poder
judicial de interpretar a norma;

7. A SUPERAÇÃO DO POSITIVISMO

Com o positivismo jurídico os princípios ferais do Direito passaram a integrar


o ordenamento, passando a servir como recursos para o preenchimento de lacunas
do Direito. Exemplo nos dá a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cujo
art. 4º dizia: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

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Somente a partir da segunda metade do século XX os princípios passaram a


a ter a devida dimensão, com a constitucionalização de muitos deles.

Com isso assumem eles, não somente no Direito Constitucional, mas em todo
o Direito, uma valoração e eficácia nunca antes ocorrida, pois passam a ser as
“normas-chave” de todo o sistema jurídico (BONAVIDES).

8. PRINCÍPIOS PENAIS

Já os princípios penais, em particular, refletem a evolução das ciências


jurídico-penais (dogmática penal, criminologia e política criminal) ao longo dos
últimos dois séculos, período em que, progressivamente, o mundo ocidental foi
plasmando, em normas escritas ou não, comandos informadores de um Direito
Penal compatível com as conquistas civilizatórias pós-iluministas.

Esses princípios, analisados em conjunto, constituem as “normas fundantes e


nucleares de um sistema” (Celso Antônio Bandeira de Melo), no caso o penal, a
pressupor, portanto, a convivência harmoniosa entre eles. São, enfim, diretrizes,
normas, fins ou valores dos quais deve sujeitar-se o direito penal caracterizado pela
racionalidade punitiva.

8.1. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Exemplos de regras e princípios que decorrem da dignidade da pessoa


humana e dos valores que a ela subjazem:

a) A punição às discriminações atentatórias dos direitos e liberdades


fundamentais (inciso XLI);
b) A incriminação da prática de racismo (inciso XLII);
c) A inafiançabilidade e a insuscetibilidade de graça ou anistia dos crimes de
tortura (inciso XLIII);
d) A intranscendência da pena (inciso XLV);
e) A individualização da pena (inciso XLVI);

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f) A proibição de penas desumanas, cruéis e infamantes (inciso XLVII);


g) A individualização executiva da pena (XLVIII e L);
h) A dignidade do acusado (inciso XLIX);

Julgado do STJ – AgRg no HC 297.069/RS – Relator Ministro Rogério


Schietti:

“1. Na situação em que o apenado submetido ao regime semiaberto


ou aberto estiver cumprindo pena de modo mais gravoso, por
inexistência de vaga em local próprio, é permitida, excepcionalmente,
a concessão de prisão em regime aberto ou, persistindo a falta de
vaga, de prisão domiciliar. Isso porque é inadmissível a submissão
do apenado a um regime mais gravoso do que o fixado na execução
penal por deficiência do sistema carcerário estatal, em afronta ao
princípio da dignidade da pessoa humana. 2. Agravo regimental não
provido.”

8.2. LEGALIDADE (RESERVA LEGAL)

8.2.1. Fundamentos

a) Político: tem como fonte a Teoria da Separação dos Poderes, de


Montesquieu, e implica a ideia de que somente o Poder Legislativo está legitimado a
definir o que é infração penal. Com isso também se proíbe a criação de crimes e a
punição com base em costumes ou com uso de analogia.
b) Jurídico: a prévia definição de quais são os crimes e de quais são as
respectivas penas, pelo legislador é condição para a convivência em sociedade que
necessita da segurança jurídica, de modo a permitir aos homens saberem quais são
as normas que regem suas condutas e quais as consequências para a sua
desobediência.

No sistema garantista de FERRAJOLI, o principio da legalidade é destacado


em uma função mais ampla. “[...] Enquanto o axioma de mera legalidade se limita a
exigir a lei como condição necessária da pena e do delito (nulla poena, nullum
crimen sine lege), o princípio da legalidade estrita exige todas as demais garantias
como condições necessárias da legalidade penal (nulla lex poenalis sine
necessitate, sine injuria, sine actione, sine culpa, sinejudicio, sine accusatione, sine
probatione, sine defensione) [...]”.

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8.2.2. Desdobramentos/especificações do Princípio da Legalidade

a) “nulla poena, nullum crimen sine lege”: Não há crime nem pena sem lei
prévia. Só se pode punir alguém por algo se a lei estiver na vigência no momento do
cometimento, logo, pendendo de vacatio legis, ao indivíduo não pode ser imputada a
determinada conduta;

Se uma lei nova alterar o crime, pode ocorrer abolitio criminis ou a lei pior.
Sendo lei que piore a situação do réu, ela jamais irá retroagir ao momento dos fatos.
Porém, se a lei nova extinguir o crime ou trouxer qualquer benefício, irá retroagir
para beneficiar o réu. Efeitos ultrativos da lei melhor e não retroativos da lei pior.

Há vedação do direito consuetudinário para edição de leis.

A analogia não pode ser utilizada para prejudicar o réu.

A lei anterior deve ser certa, não pode gerar dúvidas ao indivíduo nem ao
intérprete. Os seus conceitos devem ser compreensíveis, não pode ser abstratos,
deixando brechas à várias interpretações.

8.3. INTERVENÇÃO MÍNIMA (ULTIMA RATIO)

Segundo JUZARES TAVARES, o princípio da intervenção mínima não


coincide com os princípios da subsisdiariedade e da fragmentariedade do Direito
Penal, ou mesmo com o princípio da intervenção mínima “... constitui, antes de mais
nada, um princípio de ordem política, que vincula o legislador, previamente a
qualquer elaboração legislativa, de modo que esse se veja obrigado a verificar se a
lei que irá propor, formular, discutir, redigir ou promulgar se harmoniza com os
postulados dos direitos humanos”.

8.4. SUBSIDIARIEDADE E FRAGMENTARIEDADE

A primeira exige que somente se qualifique como crime aquelas condutas que
ofendam significativamente os bens jurídicos tutelados pela norma penal. Deve ser
uma ofensa que traga risco de perecimento do bem jurídico.

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A segunda traz a ideia de que o direito, como um complexo normativo que se


desdobra em diversos ramos, pode encontra soluções pra punir certas condutas que
violem de diversas formas, sem que seja necessário valer-se do direito penal, mas,
por exemplo, do direito civil ou administrativo.

Costumam vir articulados com o princípio mais amplo, o da intervenção


mínima, e implicam reconhecer que o Direito Penal, pelo seu caráter fragmentário,
“só pode intervir quando se trate de tutelar bens fundamentais e contra ofensas
intoleráveis, o que justifica a imposição da medida extrema da pena e seus
maléficos efeitos”.

Já o caráter subsidiário significa que a norma penal exerce uma função


meramente suplementar da proteção jurídica em geral, só valendo a imposição de
suas sanções quando os demais ramos do Direito não mais se mostrem eficazes na
defesa dos bens jurídicos (JUAREZ TAVARES).

A mesma ideia vem exposta por BUSTOS RAMIREZ, que salienta o aspecto
policialesco que o Estado pode assumir na hipótese de pretender impor, pela
violência do controle formal, a solução punitiva. Em semelhante situação, as
pessoas viveriam sob permanente tensão e ameaça de serem punidas, o que seria a
própria negação do Estado de Direito.

BINDING, o formulador inicial do princípio da fragmentariedade, em seu


Tratado de Direito Penal Alemão Comum, de 1896, afirmava que o Direito Penal
desempenhava uma função tuteladora fragmentária de bens jurídicos, somente
justificável nas hipóteses em que a conduta fosse merecedora de pena.

8.5. NECESSIDADE

“Toda pena que não derive da necessidade é tirânica” (MONTESQUIEU).

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “a lei apenas


deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias”, texto repetido na
Constituição Francesa de 1791.

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Alguns autores SILVA SANCHEZ, HASSEMER e MUNOZ CONDE afirmam


que há ofensa a intervenção mínima pelo judiciário ao impedir a determinação, no
caso concreto, da pena abaixo do mínimo cominado, quando se revela excessivo
para o crime praticado. E na execução penal também se verificaria a violação a esse
princípio na hipótese em que o apenado já se encontra totalmente apto a retornar ao
convívio antes do término de sua reprimenda, e nada se pode fazer a não ser
aguardar o tempo pré-fixado.

8.6. PROPORCIONALIDADE

Diz respeito à aplicação da pena, a sua quantidade a ser aplicada.

Se punir  intervenção mínima, necessidade da pena, fragmentariedade e


subsidiariedade do Direito Penal.

Quanto (em que medida) de pena a ser imposta  proporcionalidade

Há proporcionalidade na:

 Cominação das penas (legislador);


 Exposição das penas (juiz da condenação);
 Execução das penas (juiz da execução);

O STJ (HC 177.972-BA) considerou inconstitucional o preceito secundário do


art. t. 273, § 1º-B, V, do CP, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade.

8.7. OFENSIVIDADE

O princípio da lesividade ou ofensividade, de acordo com o qual o direito


penal só deve incriminar condutas materialmente lesivas ao bem jurídico protegido,
possui quatro funções, segundo NILO BATISTA:

I – Proíbe a incriminação de uma atitude interna: ideias, crenças e convicções


não podem ser punidas, pois existentes apenas no plano psicológico, nem em casos
em que se orientem para a prática de um delito;

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II – A norma penal não pode incriminar a conduta que não exceda o âmbito do
próprio autor;

III – Proíbe a incriminação de simples estados ou condições existenciais. No


dizer de ZAFFARONI, “um direito que reconheça e ao mesmo tempo respeite a
autonomia moral da pessoa jamais pode apenas o ser, senão o fazer dessa pessoa,
já que o próprio direito é uma ordem reguladora de conduta”;

IV – Proíbe a incriminação de comportamentos que, embora desviados do


padrão social, não provocam lesão a interesse ou bem jurídico;

8.8. INSIGNIFICÂNCIA PENAL

É um princípio de aplicação judicial, na analise concreta do caso. Sua origem


mais remota vem do Direito Romano, e passou a ser difundido por Claus ROXIN, na
década de 60 do século passado.

No Brasil foi popularizado sobretudo por Francisco Assis TOLEDO, quando,


em conhecida obra, pontuou que “segundo o princípio da insignificância, que se
revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza
fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não
deve ocupar-se de bagatelas”.

Trata-se, assim, de instrumento de interpretação restritiva da conduta


humana, de modo a afastar de punição aquelas que, embora formalmente estejam
descritas em um tipo penal, não atingem, de modo relevante o bem jurídico tutelado
pela norma jurídica. Quer como exclusão da tipicidade material, quer como exclusão
da punibilidade do agente, certo é que o princípio da insignificância afasta do âmbito
do Direito Penal as condutas humanas que não possuem significância.

STF – Ministro Celso de Melo:

o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância


de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo
somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria
proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que
lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os
valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou
potencial, impregnado de significativa lesividade.

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O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam


resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa
a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo,
prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à
integridade da própria ordem social.”

(RTJ 192/963-964, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O postulado da insignificância – que considera necessária, na


aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de
certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do
agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu
processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o
caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função
dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do
Poder Público em matéria penal.

8.9. CULPABILIDADE

Ele decorre que ninguém pode ser condenado ser que seja culpado. Não há
crime, nem pena, sem culpabilidade (nulla poena sine culpa).

Encontra-se implícito na atual CF, art. 5, inciso XLV, sob a ótica material.

Para a ocorrência de crime e imposição de sanção ao seu autor é preciso que


se demonstre tenha agido com dolo ou culpa (se prevista para a hipótese).

A responsabilidade penal é, portanto, subjetiva, não se presume e não


decorre de mero exercício de cargo, mandato ou profissão, sendo também
necessário comprovar o liame causal entre a ação ou omissão dolosa do paciente e
a suposta ilicitude penal.

HC 177.293/ SP – Ministra Maria Tereza:

“[...] É ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da


execução penal, diante de depredação de bem público quando,
havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de
quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da
culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do
reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina

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por impactar o status libertatis do condenado" (STJ/HC 177.293/SP,


relª. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24.4.2012).”

9. O SISTEMA GARANTISTA (SG) DE LUIGI FERRAJOLI – 10 AXIOMAS GO


GARANTISMO PENAL

PENA  Quando e como punir


A1. Nulla poena sine crimine Retributividade
A2. Nullum crimem sine lege Legalidade
A3. Nulla Lex poenalis sine necessitate Necessidade

CRIME  Quando e como proibir


A4. Nulla necessitas sine injuria Lesividade
A5. Nulla injuria sine actione Materialidade
A6. Nulla actio sine culpa Culpabilidade

PROCESSO  Quando e como julgar


A7. Nulla culpa sine judicio Jurisdicionalidade
A8. Nullum judicium sine accusatione Acusatório
A9. Nulla accusatio sine probatione Ônus da prova
A10. Nulla probatio sine defensione Contraditório

AULA 02 – 24/02/2016
TEMA: HISTÓRIA DO DIREITO PENAL POSITIVO BRASILEIRO
PROFESSOR ANDRÉ ESTEFAM

Livro indicado: Códigos Penais do Brasil – José Henrique Pierangeli.

Onde há convívio social, há Direito. Inclusive entre os nativos brasileiros,


podendo identificar também o Direito Penal.

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A sistemática cultural do Direito Brasileiro, e em particular, do Direito Penal,


vem de origem Portuguesa.

1. ORDENAÇÕES DO REINO

Em 1500, em Portugal estavam vigentes as Ordenações Afonsinas (1446/47-


1521) que eram divididas em cinco livros, sendo o Direito Penal tratado no último, o
Livro V. Tendo em vista o lapso temporal, não chegaram a serem aplicadas em
território brasileiro.

Em seguida, as Ordenações Manuelinas (1521- 1623) também cuidavam do


Direito Penal no Livro V, mas não há registro de aplicação no Brasil.

Nas cartas de doação das capitanias, a Coroa Portuguesa concedia ao


donatário o direito de aplicar naquele território, a lei que ele preferisse. Desse modo,
as leis vigentes em Portugal não chegaram a possuir registro de aplicação nas
capitanias hereditárias.

Em seguida, surgiram as Ordenações Filipinas (1603 – 1830).

Em Portugal, ate meados de 1900, aplicavam-se as ordenações do reino no


âmbito cível.

Tiradentes foi condenado pelo crime inscrito no Livro VI, o crime de lesa-
majestade. A pena atingiu a pessoa de Tiradentes e até suas gerações futuras. As
partes do corpo de Tiradentes ficaram expostas em grandes locais de circulação
para servir de exemplo.

O caso de Tiradentes é a prova que a delação premiada já existiu no país,


porque ele foi delatado e seu delator foi eximido da penal.

Era comum a “morte para sempre” (indivíduo morre já no sepulcro, sem


velório), em que o corpo ficava pendurado na forca até ficar em estado de
decomposição até o dia 01 de novembro do ano quando os religiosos retiravam o
corpo e no dia seguinte, finados, enterravam o corpo.

As penas comuns era a morte, o confisco de bens e a declaração de infâmia


até a quarta geração masculina, como aconteceu com Tiradentes.

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Uma característica era o Direito Penal do Terror, aquele que trabalha com a
ideia do terror, em que as pessoas ficariam com temor da pena e não cometeriam
delitos. Tratava-se de um Direito penal de grande submissão.

O crime de lesa-majestade possuía um rol de condutas que tipificavam o


crime, por exemplo, derrubar estátuas postas em homenagem ao rei de modo
jocoso.

É notório, portanto, total violação à proporcionalidade da conduta com a pena.

Também era crime a prática sexual com judeus e mouros, sendo queimado
na fogueira.

O adultério feminino dava ao esposo o direito de matar a esposa e o amante,


a não ser que esse fosse fidalgo ou desembargador. O marido traído podia perdoar
a esposa, mas seu amante seria degredado para o Brasil.

Já o adultério masculino era fato atípico, nada acontecia.

Desse modo, percebe-se o caráter discriminatório.

Existia a figura do marido condescendente, aquele que sabia da infidelidade


da esposa e nada fazia, sendo isso condenado pela Coroa e gerava uma pena
desse ter que vestir um chapéu com dois chifres.

Isso configura a ofensa ao princípio da dignidade humana.

O crime de estupro era chamado de crime de Forçamento, e possuía duas


modalidades, o consentido, que era o sexo feito com mulher solteira ou com viúva
honesta; e o violento, que tem o sinônimo de hoje. Todavia, se fosse cometido
contra prostituta não havia pena.

Na ocorrência do estupro violento, porém, a mulher deveria sair gritando


“vede o que fulano me fez”, encontrar duas pessoas e dirigir-se a uma autoridade
pública, caso contrário, não poderia sustentar uma denúncia contra o agressor.

A legítima defesa era prevista em linhas gerais quando tratava do homicídio.

2. CARACTERÍSTICAS DO LIVRO V DAS ORDENAÇÕES FILIPINAS

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a) Procurava intimidar as pessoas pelo “terror”;


b) Concedia diversos privilégios (e preconceitos) em relação ao sexo, a
condição social e a religião;
c) Mesclava normas penais e processuais;
d) Não havia divisão metodológica entre Parte Geral e Parte Especial;
e) Cominava pena de morte a boa parte de infrações;
f) Possuía várias modalidades de pena de morte;

Beccaria: estudando na Franca do século XVIII, absorveu pensamentos


iluministas de valorização dos atos individuais frente ao Estado. Escreveu “Dos
Delitos e Das Penas”. É um marco contra as atrocidades do Direito Penal daquela
época.

3. CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO (1824)

Em 1822 houve a Independência do Brasil, e por uma questão prática, as


ordenações portuguesas permaneceram vigentes no país enquanto não fossem
criadas as próprias.

Em 25 de março de 1824, foi outorgada a Constituição do Império por Dom


Pedro I. E mesmo sendo outorgada, ela foi editada pela assembléia constituinte e
tinha caráter liberal, e garantia, inclusive, o Tribunal do Júri para julgar causas cíveis
(mas não chegou a ser regulamentado, e não ocorreu) e criminais.

4. CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO (1830)

Seis anos após a Constituição do Império, surgiu o Código Criminal do


Império (1830), e o motivo da demora foram as longas discussões parlamentares
acerca da manutenção ou não da pena de morte em tempos de paz.

No final, foi decidido pela manutenção da pena de morte, isso ocorreu muito
em função da escravidão, a pena, portanto, foi utilizada para punir amplamente os
escravos.

Exceto pela pena de morte, que é considerada uma mancha, o Código


Criminal do Império era uma legislação bem feita, e chegou a inspirar a elaboração
de Códigos da América Latina e também os Europeus, como o da Espanha.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

5. CARACTERÍSTICAS DO CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO 1830

a) Manutenção da pena de morte em tempo de paz;


b) Elaborava uma divisão sistemática entre Parte Geral e Parte Especial;
c) A Parte Geral era divida em duas partes, “Dos Delitos” e “Das Penas”;
d) Legislação influenciada pelo pensamento iluminista;
e) Adotava a técnica de elaboração de tipos penais (preceito primário –
conduta; preceito secundário – pena);
f) Continha menção expressa ao Principio da Legalidade;
g) Responsabilidade sucessiva (Lei 5.250/67) dos crimes de imprensa;
h) Foi a primeira lei penal a instituir o sistema do dia-multa;
i) Previa a responsabilidade penal nos casos de embriaguez (era
considerada atenuante) – Teoria da “Actio libera in causae”.

Os crimes de imprensa deveriam ser processados na comarca onde era


impresso. E no caso de radio ou TV, no local onde se deu a transmissão. A Lei de
imprensa foi declara não recepcionada por inteira pelo STF.

A responsabilidade sucessiva, também chamada “em cadeia”, informava que


primeiro deveria ser julgado o autor do escrito gerador do crime de imprensa, e caso
esse não fosse identificado, em seguida, a responsabilidade recaia sobre o editor do
jornal ou outro meio de comunicação. Identificando-se o primeiro da cadeia, os
demais já estavam isentos.

O sistema dias-multa é bifásico, conjuga a gravidade do fato com a condição


econômica do réu.

Na atualidade, a embriaguez não isenta o agente, somente nos casos de


inimputabilidade, e sendo a embriaguez involuntária.

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

I - a emoção ou a paixão;

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou


substância de efeitos análogos.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez


completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento.

§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o


agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força
maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena
capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.

Quando bebe para cometer o crime, é a embriaguez pré-ordenada, que


consiste em agravante.

Tobias Barreto, considerado o Nelson Hungria de sua época, fez comentários


críticos ao Código Criminal do Império:

a) Ausência de previsão do crime culposo;


b) Falta de menção/critério para tratamento de crimes omissivos;

Pela teoria causal ou naturalista da omissão, o omitente responde quando


deu causa ao evento. Para que tenha dado caso basta que ele tenha o poder de
agir. É o entendimento de Tobias Barreto.

O CP atual exige o poder/possibilidade e o dever de agir.

O Código de 1830 ainda pecava por conceder privilégios em função de:


cidadãos livres (em detrimento dos escravos), da religião católica. Apesar disso,
deve-se levar em consideração que o Código foi elaborado sob a égide da
Constituição de 1824, que trazia a religião católica como a oficial do país.

Um exemplo do privilégio se configurava no crime de perturbação de culto,


que apenas existia se fosse contra a religião católica, então oficial.

No tocante à prostituição, durante as ordenações, havia proibição do lenocínio


(ato de incentivar a prostituição alheia), e a prostituta não podia ser vítima de
estupro (Manoelinas), não era crime.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Já no Código Criminal do Império, o lenocínio não era proibido, e quanto ao


estupro de prostituta, tratava-se de crime com punição máxima de dois anos, ou
seja, era punível, mas com pouco rigor.

Os crimes contra os costumes, segundo Hungria, visavam proteger o padrão


sexual médio dentro do desenvolvimento da sexualidade.

Havia o crime de sedução visava proteger a virgindade da mulher solteira. O


crime consistia em seduzir mulher virgem, solteira, e com promessa de casamento.

Na legislação atual, o Título VI do Código Penal traz os Crimes contra a


dignidade sexual (antigo crimes contra os costumes). No título VI, há o capítulo V
que trata do lenocínio (arts. 231 e 231-a) e tráfico de pessoas para fins de
prostituição ou outra forma de exploração sexual (arts. 227-230).

A dignidade sexual é a dignidade humana sob a ótica da sexualidade, sendo


esse o bem jurídico protegido pelo título.

No Brasil, a prostituição em si nunca foi crime. O código atual não pune a


prostituição, mas as condutas que incentivam e tiram proveito da prostituição, na
chamada prostituição intermediada. Logo, a prostituição autônoma é permitida.

6. FIM DO IMPÉRIO

Alguns fatos históricos como a abolição da escravatura (1888) e a


Proclamação da República (1889) trouxeram a necessidade de reajustamento das
normas jurídicas.

Em 1890, foi elaborado o Código Penal Republicano, e em seguida, em 1891,


a Primeira Constituição da República.

Percebe-se, desse modo, que o código foi feito às pressas, antes mesmo da
Constituição, tendo sido considerado motivo de vergonha, com inúmeras falhas e
incongruências, de modo que, logo publicado, já foi objeto de reformas.

7. CÓDIGO PENAL REPUBLICANO (1890)

Foi o responsável por abolir a pena de morte em tempo de paz, é um ponto


positivo que trouxe.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Observações sobre o Código:

a) Teve como características a influência da Escola Clássica;

As Escolas Penais surgiram na Itália no século XIX. As grandes rivais foram


a Clássica e a Positiva.

A primeira sustentava o método dedutivo (parte do geral para o particular),


entendia que o crime era um ente jurídico, sendo o livre arbítrio o fundamento
jurídico de punir, e finalidade da pena era eminentemente retributiva.

Já a Positiva utilizava o método indutivo (parte do particular para o geral),


estuda-se o crime, o criminoso; um dos expoentes foi Lombroso – afirmava a
existência do “criminoso nato” e passou a descrever o crânio de quem “nasceu para
delinquir”. Foi considerado o “pai da criminologia”. O crime era considerado um “ente
de fato”. Em tal escola, a pena tinha finalidade preventiva.

b) Crimes de imprensa – responsabilidade solidária: é possível


responsabilizar qualquer uma das pessoas envolvidas na publicação do periódico. O
órgão acusador escolhia quem iria processar. Além disso, poderia imputar o crime
contra quem nem sabia daquela publicação, ou seja, alguém que não tenha atuado
nem dolosa nem culposamente.

Isso, portanto, veda o Princípio da Responsabilidade Penal Subjetiva e o da


Culpabilidade (CP. Arts. 18 e 19).

c) Multa: previa a multa na Parte Geral, mas não a cominava em nenhum


crime na Parte Especial;
d) Criou a excludente da “privação dos sentidos” (art. 27, §4º): não
responde pelo fato aquele que atua com os sentidos privados.

Tal excludente foi excluída, criando a excludente da “perturbação dos


sentidos”. Isso, porém, dava ao agente a chance de alegar que as emoções
tornaram seus sentidos perturbados, e que, por isso, não poderia ser condenado.
Todavia, quando o individuo comete um ilícito, os seus sentidos ficam perturbados,
a não ser que seja um psicopata ou similar que não sinta nada.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

A constituição de 1891 concedeu o Direito dos Estados criarem sua própria


legislação processual penal.

A excludente a perturbação, em muitos casos, proporcionou a impunidade.

O CP/40 criou uma regra que permanece vigente até hoje: a emoção e a
paixão não excluem o crime. Essa regra surge em resposta à perturbação dos
sentidos, que absolveu muitas pessoas sob tal alegação.

Ainda que a legislação não autorizasse mais o homicídio da mulher adúltera,


a legislação (a lei não permitia, mas ainda era usado culturalmente), por meio da
perturbação dos sentidos, permitia que o esposo traído matasse a esposa e não
fosse penalizado. Era utilizado o argumento de legitima defesa da honra.

8. CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS PENAIS (1832)

Em 1932 houve a consolidação das Leis Penais – trabalho do


Desembargador Vicente Piragibe em compilar todas as alterações do CP. De tão
bem feito, o governo transformou o material em lei para que todos os juízes
tivessem acesso ao arquivo.

Ressalte-se, portanto, que é o Código Penal de 1890 com todas as suas


alterações.

Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas assumiu a presidência da


República, pondo fim à República Velha.

9. CONSTITUIÇÃO DE 1934

Concedeu poderes ao executivo, adotou medidas democráticas e criou as


bases da legislação trabalhista, assim como sancionou o voto secreto e o feminino.

Anunciando um possível golpe comunista, Vargas anulou a CF e dissolveu o


legislativo, passando a governar com amplos poderes, inaugurando o Estado Novo.

10. CONSTITUIÇÃO DE 1837 – A POLACA

É a segunda constituição outorgada (a primeira foi do império).

Foi sob esse momento que surgiu o atual Código Penal de 1940.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

11. CÓDIGO PENAL DE 1940 (DECRETO LEI 2.848, de 07 de dezembro de


1940)

O Anteprojeto era chamado de Projeto Alcântara (elaborado pelo jurista


Alcântara Machado), cuja comissão revisora era composta por Nelson Hungria,
Lyra, Costa e Silva, e Narcélio de Queiros.

Há quem diga que o projeto original de Alcântara e a versão final dos


revisores são totalmente distintos.

11.1.CARACTERÍSTICAS

a) O CP não se filiou a nenhuma Escola Penal, mas adotou critério de


ambas;
b) Adotou o sistema de duplo binário, ou seja, a aplicação de pena e
medida de segurança (tal sistema foi abandonado em 1984, quando foi adotado o
Sistema Vicariante, só se aplicando uma das duas). Em 1985, aqueles que estavam
presos sob aquele sistema antigo foram automaticamente soltos, inclusive aqueles
de alta periculosidade.
c) Previa dois tipos de pena criminal, a pena privativa de liberdade
(reclusão e detenção) e a pena de multa, prefixada e cominada no tipo penal. Com a
Reforma de 1984 que alterou a Parte Geral, a PPL foi mantida em suas formas,
sendo introduzidas as Penas Restritivas de Direitos, que foram ampliadas em 1998,
em decorrência da Lei 9.714. No tocante à multa, houve o retorno ao sistema do
dias-multa, assim como os valores prefixados foram removidos do Código. Houve
também a criação da multa vicariante (ou substitutiva), aquela que o juiz aplica em
substituição a ppl.
d) O Estupro não distinguia mais se a vítima era ou não prostituta; mas
alguns crimes informava que apenas a mulher honesta (no tocante ao
comportamento sexual, aquela que não se prostituíam), poderia figurar como vítima
de determinados crimes. Desse modo, persistia o tratamento desigual entre a
prostituta e a não prostituta. A expressão “mulher honesta” foi retirada em 2005.

12. CÓDIGO PENAL DE 1969

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Em 1964 houve a instalação da Ditadura Militar, e cinco anos depois, em


1969, surge uma tentativa de mudança da legislação penal, o Código Penal de 1969
(DL 1.004/69), e como iria impor grandes mudanças, o seu vacatio legis foi de nove
anos (1978). Porém, após tanto tempo em vacância, já estava desatualizado e foi
revogado sem mesmo entrar em vigor.

13. REDEMOCRATIZAÇÃO

Em 1984 houve a Reforma do Código Penal, inserido a nova e atual Parte


Geral (Lei nº 7.209/84). Nesse ano também houve a publicação da Lei de Execução
Penal (Lei nº 7210/84).

Os anos seguintes foram marcados pela constituinte e, em seguida, com a


Promulgação da Constituição de 1988.

AULA 03 – DIA 02/03/2016


TEMA: APLICAÇÃO DA LEI PENAL
PROFESSOR YURI COELHO CARNEIRO

1 - TEMPO DO CRIME

A aplicação da lei penal pressupõe a definição do momento em que ocorreu o


delito, ou seja, do tempo do crime1 e no CP esta definição vem no art.4º, que adotou
a teoria da atividade, ou seja, o tempo do crime é o tempo da ação ou omissão do
agente. As teorias do RESULTADO e a mista não foram adotadas em nosso
ordenamento.

1.1 RELAÇÕES DO TEMPO DO CRIME COM SUAS ESPÉCIES E OUTROS


INSTITUTOS PENAIS

A) CRIMES PERMANENTES

No sequestro (art. 148 do CP), que é um crime permanente, o tempo do delito


é o tempo de duração deste sequestro, ou seja, da manutenção da vítima com sua
liberdade privada.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Súmula nº 711 do STF “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado
ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou
da permanência.”

B) CRIMES HABITUAIS

O tempo do crime segue a mesma regra do crime permanente (art. 284, CP).

C) CRIMES OMISSIVOS

O tempo do crime será o tempo da omissão do agente, quando tinha o dever


de solidariedade imposto pela norma para agir (omissivos próprios), ou quando tinha
o dever de garantidor, de impedir a produção do resultado (omissivos impróprios ou
comissivos por omissão), consoante a regra do art. 13, § 2º, do CP.

D) CONCURSO DE PESSOAS

Aqui o tempo do crime é definido pela participação de cada pessoa, pelo


momento da contribuição individual de cada agente do delito.

E) CRIME CONTINUADO

O tempo do crime se define pela prática de cada ação ou omissão do agente,


levando-se em consideração a prática do último ato.

F) MENORIDADE PENAL

Cumpre ainda salientar, em relação à menoridade penal, aspecto fundamental


no tocante ao tempo do crime: o CP define o tempo do crime como o momento da
ação ou da omissão do agente. Consequentemente, caso menor que possua, por
exemplo, 17 anos, 11 meses e 20 dias de vida cometa uma tentativa de homicídio e
a vítima venha a falecer em decorrência dessa ação quando o praticante do crime
tenha completado 18 anos e dois dias de vida, responderá o jovem na forma do
ECA, posto que, ao momento da ação, era menor, não podendo responder pelas
regras do CP.

1.2. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO

1.2.1 A REGRA GERAL – IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

A Constituição Federal estabelece, em seu art. 5º, inciso XL que: “a lei penal
não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, trata-se do princípio da irretroatividade
da lei penal mais gravosa, que se conjuga, para efeito de interpretação dos conflitos
intertemporais do Direito Penal, com o princípio da ultratividade da lei penal previsto
no art. 2º, caput, do CP e da retroatividade da lei penal mais benéfica, constante do
art. 2º, parágrafo único, do CP. A regra geral é, portanto, de que a lei penal não deve
retroagir, salvo no caso das hipóteses em que ela venha beneficiar de alguma
maneira o agente. Quais são as hipóteses em que se demonstra a aplicabilidade do
princípio da retroatividade penal benéfica? Existe alguma situação em que não se
aplicaria esse princípio, fazendo-se a norma mais gravosa retroagir? Vejamos as
seguintes situações hipotéticas:

A) LEI NOVA QUE CRIMINALIZA CONDUTA ANTERIORMENTE


ATÍPICA

Os fatos anteriores, não regidos pela lei nova, são atípicos, “toda lei penal
nova que se apresenta como prejudicial não retroage”.4 Ex: Novatio legis
incriminadora, que criou o art. 154-A do CP, dos delitos informáticos.

B) LEI NOVA QUE AUMENTA A PENA DE UM DELITO

C) LEI NOVA QUE ALTERA O REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA

D) LEI NOVA QUE CRIA UMA CIRCUNSTÂNCIA QUE AGRAVE OU


AUMENTE A PENA

Hipótese de lei nova que impõe causa de aumento de pena ou agravamento


do art. 61 do CP.

E) LEI NOVA QUE ALTERE O PRAZO PRESCRICIONAL OU VENHA REVOGAR


ALGUMA CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

F) VACATIO LEGIS E LEI NOVA INCRIMINADORA: na hipótese de uma lei penal


nova, de caráter incriminador, trazer prejuízo ao réu, seja publicada e esteja em
período de vacatio legis, não se aplicará aos fatos ocorridos neste período, em
virtude de seu caráter prejudicial .

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

G) CRIME CONTINUADO, PERMANENTE E IRRETROATIVIDADE PENAL

Neste caso, em hipótese de crime permanente e continuado, regula-se a


matéria pela Súmula 711 do STF. Súmula 711 STF “A lei penal mais grave aplica-se
ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à
cessação da continuidade ou da permanência. ”

1.2.2 A RETROATIVIDADE BENÉFICA

“Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de
considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da
sentença condenatória. Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo
favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença
condenatória transitada em julgado.”

1.2.2.1 ABOLITIO CRIMINIS

Ocorre quando uma lei posterior a determinado fato deixa de considerá-lo


como um crime, consoante a disposição do caput do art. 2º do CP, cessando, em
virtude de sua incidência, todos os efeitos penais da sentença condenatória Com a
incidência da abolitio criminis, deve ser extinta a punibilidade do agente na forma do
art. 107, inciso III do CP, devendo-se incidir esta causa de extinção da punibilidade
em qualquer circunstância como a)inquérito em andamento; (b) processo em
andamento; (c) execução da pena; (d) pena cumprida, mas com efeitos da sentença
condenatória em plena vigência.

Abolitio Criminis Temporária: é um fenômeno que traz a suspensão da


tipicidade penal da norma por um período específico. Isso pode ser feito, inclusive
por Medida Provisória. O STF diz que a MP pode tratar de assuntos penais quando
for para beneficiar o réu.

SÚMULA nº 513 do STJ: A 'abolitio criminis' temporária prevista na Lei n.


10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) aplica-se ao crime de posse de arma de
fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de
identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Na hipótese do crime habitual, vai se levar em consideração o último


momento em que comete o ato delitivo.

Toda e qualquer decisão favorável ao réu, será aplicada em qualquer


momento.

O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVA TÍPICA ocorre quando a lei


é alterada, mas a conduta regulada permanece delituosa. Para que seja
configurado, a conduta pode até mudar de nome, mas as condutas devem ser as
mesmas, por exemplo, o atentado violento ao pudor que foi absorvido pelo crime de
estupro.

1.2.2.2 LEI MAIS FAVORÁVEL (NOVATIO LEGIS IN MELLIUS)

O art. 2º, parágrafo único, do CP determina que a lei posterior, que de


qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que
decididos por sentença condenatória transitada em julgado. A regra, portanto, será
sempre a de aplicar-se a lei penal mais favorável, independentemente, inclusive, de
ter ocorrido ou não uma sucessão de leis penais no tempo que leva, por exemplo, a
passagem de três leis diferentes até a aplicação da pena

1.2.2.3 COMBINAÇÃO DE LEIS PENAIS

É possível combinar-se duas leis em seus aspectos mais favoráveis? Alguns


argumentam que poder-se-ia arguir que o juiz não poderia proceder à combinação,
pois estaria ferindo o princípio da separação de poderes.

Segundo Frederico Marques “a norma do caso concreto é construída em


função de um princípio constitucional, com o próprio material fornecido pelo
legislador.

Se ele pode escolher, para aplicar o mandamento da lei Magna, entre duas
séries de disposições legais, a que lhe pareça mais benigna, não vemos porque se
lhe vede a combinação de ambas, para assim aplicar, mais retamente, a
Constituição. Se lhe está afeto escolher o ‘todo’, para que o réu tenha tratamento
penal mais favorável e benigno, nada há que lhe obste selecionar parte de um todo
e parte de outro para cumprir uma regra constitucional que deva sobrepairar a
pruridos de lógica formal. Primeiro a Constituição e depois 5 “Art. 107 – Extingue-se

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

a punibilidade: [...]; III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato
como criminoso;” o formalismo jurídico, mesmo porque a própria dogmática legal
obriga a essa subordinação, pelo papel preponderante do texto constitucional. A
verdade é que não estará retroagindo a lei mais benéfica, se, para evitar-se a
transação e o ecletismo, a parcela benéfica da lei posterior não for aplicada pelo
Juiz; e este tem por missão precípua velar pela Constituição e tornar efetivos os
postulados fundamentais que ela garante e proclama os Direitos do homem”.

A combinação de duas normas penais, em nosso entendimento, não


demanda nenhuma violação ao princípio da separação dos poderes, tendo em vista
que este princípio não é absoluto sendo relativizado em diversos momentos, como,
por exemplo, nos poderes que possui o presidente da república de editar MP(s).

O STJ, entretanto, em 2013, resolveu criar a Súmula 501, que veda a


combinação de leis penais: “É cabível a aplicação retroativa da Lei nº 11.343/2006,
desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais
favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei nº 6.368/1976, sendo vedada
a combinação de leis.”

Há quem diga que se o juiz tiver que ficar combinando as leis para aplicá-la,
irá acabar legislando porque criaria uma lei nova.

1.2.2.4 NORMAS PENAIS EM BRANCO E RETROATIVIDADE PENAL

É possível a aplicação da retroatividade benéfica, quando da revogação de


norma complementar da norma penal, ou seja, do complemento proveniente de
outro texto normativo.

A doutrina e a jurisprudência não se opõem à aplicabilidade dos efeitos de


norma penal mais benéfica em caso de revogação de texto normativo de norma
penal em branco.

As normas penais em branco podem ser Homogêneas, dentro do mesmo


seguimento, ou heterogêneas, quando precisam ser reguladas por órgão diverso,
por exemplo, a lista de substâncias tóxicas é editada pela ANVISA.

1.2.2.5. LEI EXCEPCIONAL OU TEMPORÁRIA –

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

“Art. 3º A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração


ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado
durante sua vigência.”

Lei temporária - possui prazo determinado em lei para sua exigência, vigora
até cessada esta vigência.

Lei excepcional - Foi criada para vigorar em face de situações extraordinárias,


tais quais guerra, calamidade pública, estado de emergência e situações similares.

Exemplo: Crime militar em tempo de guerra, constante do CPM, tal qual o


delito do art. 355, sob a rubrica de traição.

1.2.2.6. SUCESSÃO DE LEIS PENAIS

Não se tratando de lei excepcional ou temporária, irá aplicar e retroagir a lei


mais benéfica ao réu. Todavia, se a norma anterior excepcional ou temporária for
mais gravosa, a mais benéfica não irá retroagir.

1.2.2.7. RETROATIVIDADE BENÉFICA E JURISPRUDÊNCIA. SÚMULA


VINCULANTE E A RETROATIVIDADE DA NORMAL PENAL.

Diante de uma súmula (não vinculante), a doutrina garantista entende que é


possível fazer retroagir a jurisprudência mais benéfica para atingir fatos passados,
mas uma mais prejudicial não. Ela pode ser aplicada, mas essa aplicação não pode
ser imposta.

2 - LEI PENAL NO ESPAÇO

2.1. LUGAR DO CRIME

Art. 6º Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu


a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se
produziu ou deveria produzir-se o resultado.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

A Teoria da ubiquidade é adotada pelo Direito penal Brasileiro, apontando que


lugar do crime tanto pode ser o local onde ocorreu a ação ou omissão do agente,
quanto o lugar em que se produziu o resultado.

2.2. CONCEITO DE TERRITÓRIO

Territorialidade

“Art. 5º Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções,


tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no
território nacional.

§ 1º Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do


território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de
natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer
que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações
brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se
achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou
em alto-mar.

§ 2º É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a


bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de
propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no
território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente,
e estas em porto ou mar territorial do Brasil.”

“Art. 355. Tomar o nacional armas contra o Brasil ou Estado


aliado, ou prestar serviço nas forças armadas de nação em
guerra contra o Brasil: Pena – morte, grau máximo; reclusão,
de vinte anos, grau mínimo.”

Qualquer crime praticado no Brasil terá a aplicação da lei penal brasileira


incidindo sobre ele, excetuando-se, por exemplo, situações provenientes de tratados
ou convenções. O território é o espaço em que o Estado exerce sua soberania,
sendo este um conceito de caráter jurídico-político, compreendendo tanto o espaço

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

terrestre – superfície – quanto as águas territoriais e o espaço aéreo, submetendo à


jurisdição do país em que o fato foi praticado o agente do delito.

O território abarca todo o espaço terrestre, tanto quanto o mar territorial, o


espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo, conforme o art. 2º da
Lei nº 8.617/93.

Na zona contígua, o país também pode exercer uma atividade fiscalizatória,


buscando evitar o descumprimento de leis, regulamentos aduaneiros, fiscais, de
imigração ou sanitários, no seu território, ou em seu mar territorial.

Na zona econômica exclusiva o Brasil exerce também sua soberania,


entretanto, com outra abrangência, qual seja: tem direitos de soberania para fins de
exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou
não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e
no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da
zona para fins econômicos, e tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação
científica marinha, a proteção e preservação do meio marítimo, bem como a
construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e
estruturas, na forma dos arts. 7º e 8º da Lei 8.617/93.

O direito de passagem inocente diz respeito ao direito das embarcações


privadas de passarem pelo nosso mar territorial em direção à outro território.
Ocorrendo um delito nesta embarcação aplica-se a lei da bandeira caso não se afete
o interesse nacional, não sendo prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do
Brasil, conforme o art.3º, § 1º da lei nº8617/93.

Consoante o art. 4º da Lei nº 8.617/93, temos que: “Art. 4º A zona contígua


brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas
marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do
mar territorial.”

2.3 EXTRATERRITORIALIDADE

A extraterritorialidade tem por função regulamentar a aplicação da lei penal


brasileira aos fatos ocorridos fora do território brasileiro, sendo classificada em duas

32
Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

espécies, quais sejam: a extraterritorialidade condicionada e a extraterritorialidade


incondicionada.

a) EXTRATERRITORIALIDADE INCONDICIONADA

Trata-se das hipóteses previstas no art. 7º, inciso I, do CP, sendo que as
alíneas a, b e c são positivações do princípio real ou de defesa, e a alínea d é
decorrência do princípio da universalidade. Não existe exceção às regras de
extraterritorialidade.

b) EXTRATERRITORIALIDADE CONDICIONADA

Hipóteses: os crimes: (a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a


reprimir; (b) praticados por brasileiro; (c) praticados em aeronaves ou embarcações
brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e
aí não sejam julgados; e (d) cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do
Brasil, se, reunidas as condições previstas no § 2º do art. 7º do CP, não foi pedida
ou foi negada a extradição e houve requisição do Ministro da Justiça.

Condições para aplicabilidade das regras da extraterritorialidade


condicionada: (a) entrar o agente no território nacional; (b) ser o fato punível também
no país em que foi praticado; (c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a
lei brasileira autoriza a extradição; (d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro
ou não ter aí cumprido a pena; (e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou,
por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

2.3.1.PRINCÍPIOS

Os princípios que orientam as regras de extraterritorialidade:

a) PRINCÍPIO REAL OU DE DEFESA

A lei penal aplicada deve ser do Estado titular do bem jurídico lesado ou
ameaçado de lesão.

b) PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE OU DA PERSONALIDADE

Aplica-se a lei penal do agente do delito, independentemente do lugar em que


este se encontre.

33
Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

c) PRINCÍPIO DA REPRESENTAÇÃO, DA BANDEIRA OU DO PAVILHÃO

Aplica-se a lei da bandeira ou do país em que está registrada a aeronave ou a


embarcação em que ocorreu o delito e que não foi julgado fora do país.

d) PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE

Princípio de Justiça Universal, aplica-se da lei penal, quando regulamentada


por um tratado, regras ou convenção internacional.

3. A LEI PENAL RELATIVA ÀS PESSOAS

3.1. IMUNIDADES

Classificação: Imunidade parlamentar e imunidade diplomática.

3.1.1. IMUNIDADE PARLAMENTAR

Regulada na CF é uma causa pessoal de isenção de pena, subdividindo-se


em imunidade material e imunidade formal.

a) IMUNIDADE MATERIAL

A imunidade material diz respeito à inviolabilidade, civil e penal, pelas


opiniões, palavras e votos emitidos no exercício do mandato, conforme dispõe o art.
53, caput, da CF. A imunidade material é irrenunciável, podendo ser suspensa, em
caso de Estado de sítio, mediante o voto de dois terços dos membros da Casa
respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que
sejam incompatíveis com a execução da medida, isto é, com o próprio Estado de
Sítio, na forma do art. 53, § 8º, da CF.

Essa prerrogativa extraordinária busca garantir ao parlamentar absoluta


liberdade de pensamento, de debate e voto,11, restringindo-se ao exercício do
mandato.

O exercício do mandato também pode ser realizado fora dos recintos


parlamentares, se relacionados com o mandato. A imunidade material aplica-se a
todos os Deputados12 – Federais e Estaduais –, Senadores e Vereadores.

b) IMUNIDADE FORMAL

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Nesta modalidade de imunidade parlamentar, trata-se da aplicação de regras


que são estabelecidas para regulamentar os processos a serem movidos contra
parlamentares e, também, as condições de prisão que os afetarem. A
regulamentação dessa matéria encontra-se disposta na CF, nos parágrafos do art.
53,14. No presente momento, a Constituição estabelece que o STF não mais precisa
de licença do Congresso Nacional para conferir andamento aos processos contra
seus congressistas, apenas devendo dar ciência à casa legislativa da existência de
processo contra seu parlamentar a fim de que, se a Câmara ou o Senado assim
desejar, na forma do § 3º do art. 53 da CF, suste o andamento do processo.

A sustação do processo é vinculada aos fatos ocorridos após a diplomação do


parlamentar, não em relação aos fatos anteriores à sua diplomação.

3.1.2. IMUNIDADE DIPLOMÁTICA

A imunidade diplomática vem regulamentada na Convenção de Viena, que o


Brasil promulgou através do Decreto nº 56.435/65.

a) IMUNIDADE MATERIAL

A imunidade aqui diz respeito à inviolabilidade de sua pessoa, enquanto


agente de relações institucionais diplomáticas entre países, na medida em que as
nações devem deferir, reciprocamente, condições de absoluta segurança e
estabilidade para que seus agentes diplomáticos possam desenvolver o seu
trabalho, bem representando os interesses de seu Estado.

Essa imunidade vem prevista no art. 29 da Convenção de Viena, que retrata


sua inviolabilidade, salientando que o agente não poderá ser objeto de nenhuma
forma de detenção ou prisão.

b) IMUNIDADE FORMAL

O agente diplomático goza de imunidade formal, de jurisdição penal, não


podendo ser processado no Estado acreditado, mas podendo ser processado no
Estado que representa, pela aplicação do princípio de reciprocidade.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Salientando-se que o país do diplomata poderá também, mediante


comunicado formal de liberação da garantia da imunidade deixar de aplicar as suas
normas e permitir que o país em que o fato ocorreu aplique sua própria legislação.

Os funcionários do corpo administrativo e técnico da missão diplomática e os


membros de suas famílias que com eles vivam, desde que não sejam nacionais do
estado acreditado nem nele tenham residência permanente, gozarão dos privilégios
e da imunidade de jurisdição penal16. A imunidade é uma causa pessoal de isenção
de pena.

AULA 04 – 09/03/2016
TEMA: DIREITO PENAL DO INIMIGO
PROFESSOR ALEXANDRE ROCHA (aram.mp@gmail.com)

1. Visão da sociedade pós-moderna


2. Os novos sujeitos passivos e os novos gestores da moral
3. Globalização

Transforma a vida das pessoas, e por conseqüência, o Direito Penal. O crime


passa a ser transnacional.

O celular fez perdermos a noção de tempo e espaço, as informações chegam


no mesmo momento. O professor entende que o celular foi o que possibilitou o
verdadeiro acesso de todos aos meios de comunicação, principalmente aos mais
pobres.

4. Mudanças dos sistemas organizacionais, comunicativos e tecnológicos


5. A formatação da sociedade de riscos
6. A institucionalização da insegurança
7. Expressão do Direito Penal na era da Globalização
8. Hipertrofia Legislativa
9. Detalhe brasileiro
10. Dilema do Direito Penal Liberal: aumento da criminalidade de massa e da
criminalidade organizada

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

AULA 05 –19/03/2016
TEMA: SISTEMAS PENAIS
PROFESSOR GUSTAVO JUNQUEIRA

1 - CAUSALISMO NATURALISTA

 LISZT/BELING – 1910-1915 “método descritivo”;


 Objetivo (descritiva): tipicidade/ antijuridicidade;
 Subjetivo: culpabilidade – dolo e culpa (subjetiva);

A tipicidade é apenas descritiva de um processo causal. Ex: matou alguém.

Quem deve fazer juízo de valor é o legislador. Os juízes não poderiam fazer
juízo de valor.

A tipicidade causalista não aceita juízos de valor. Ex: estelionato – obter


vantagem indevida, o indevida é juízo de valor. A resposta para isso é que seria um
tipo anormal, porque para o causalismo, o tipo só deveria conter descrições.

Os tipos com elementares normativos ou subjetivos não são justificados de


forma satisfatória, e por isso, chamados de anormais.

A antijuridicidade apenas reflete o juízo de valor feito pelo legislador.

O fato típico será antijurídico salvo se presente excludente de antijuridicidade


arrolada pelo legislador.

A culpabilidade tem como elementos o dolo e a culpa, e por isso é


classificada como subjetiva.

Se o injusto (fato típico e antijurídico) é a causa física do resultado, a


culpabilidade é a causa psíquica.

Conduta causalista é (Liszt) a modificação causal do mundo exterior


perceptível pelos sentidos (é aquilo que pode ver, sentir, cheirar) e produzida por
manifestação da vontade.

 Críticas:

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

I – a inviabilidade de juízos de valor leva a decisões insatisfatórias;

II – dificuldades para explicar o crime omissivo;

III – dificuldade para explicar a imputabilidade (ela estaria dentro da


culpabilidade);

2 - NEOKANTISMO – “CAUSALISMO NORMATIVISTA”(MEZGER)

A) Contexto histórico: Alemanha, 1930 – pagamento da dívida da I Guerra


Mundial e o surgimento do nazismo.

B) Contexto filosófico: Neokantismo – dicotomia entre as ciências do ser a as


do dever-ser. As primeiras (biologia, química, física etc.) são empíricas e partem da
lógica da observação e descrição. As ciências do dever-ser compreendem e
valoram, como o Direito.

Todo o conhecimento nas ciências do dever-ser é impregnado por juízos de


valor.

O juízo de valor altera ou mesmo constrói o seu objeto de conhecimento.

A tipicidade neokantista é um grande juízo de valor.

São justificadas elementares normativas ou substitutivas do tipo, pois foram


quebradas as amarras do causalismo como método objetivo-subjetivo, e a proibição
dos juízos de valor.

A antijuridicidade é um grande juízo de valor.

Mezger argumenta que se tanto tipicidade como a antijuridicidade são juízos


de valor não há razão para distinguir as categorias, e por isso, é feita a proposta de
um tipo total do injusto que aglutina tipicidade e antijuridicidade.

O injusto total é a tipicidade e a antijuridicidade. A culpabilidade é formada


pela imputabilidade, dolo e culpa, e exigibilidade de conduta diversa.

Logo, a culpabilidade no neokantismo é psicológico (dolo e culpa) e normativo


(dolo e culpa, exigibilidade de conduta diversa).

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

O dolo tem consciência, vontade e consciência de ilicitude.

Conceito de conduta: Mezger adota, a princípio, o conceito de Liszt do


causalismo, no entanto, na obra de seus seguidores, o conceito de conduta
gradativamente perde importância sendo absorvido pelo injusto.

 Críticas:

I – Política: A ampla liberdade para a atribuição de sentido a categorias


essenciais do Direito Penal como conduta, vida, pessoa, abre as portas para o
Direito Penal do autor nazista.

II – Técnica: o caso do homem de branco que toca na genitália da criança.


Para saber se há fato típico de estupro é necessário examinar o conteúdo da
vontade, ou seja, o dolo que esta na culpabilidade. Não faz sentido condicionar a
tipicidade ao elemento da culpabilidade.

3 - FINALISMO

Welzel – Meados da década de 1940;

A) contexto histórico: a doutrina nasce na década de 1930, mas passa a ser


preponderante em meados da década de 1940 (derrocada do nazismo).

B) Premissa filosófica: ontologia – estudo da ciência do ser. Categorias pré-


jurídicas têm um sentido, a priori, que não pode ser alterado ou desrespeitado pelo
Direito. Tais categorias são estruturas lógico-objetivas que devem ser reconhecidas
pelo Direito. São premissas a partir das quais devem ser elaborados os juízos de
valor.

O conceito de conduta reconhecido pelo finalismo é movimento corpóreo


humano positivo ou negativo consciente e voluntário dirigido a uma finalidade.

A premissa ontológica retira do Estado/jurista o poder de atribuir sentido as


categorias essenciais do Direito Penal, como conduta, vida, causalidade etc. trata-se
de importante limite ao poder de punir.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Se no conceito de conduta encontramos a consciência e a vontade dirigidas a


uma finalidade, é necessário concluir que o dolo (e a culpa) estão no fato típico.

A tipicidade tem uma face objetivo-descritiva, uma face normativa, e outra


subjetiva (por causa do dolo e da culpa).

Pelas três faces, a tipicidade finalista é classificada como tipicidade complexa

A antijuridicidade finalista é tradicionalmente tratada como a consagração do


injusto pessoal, pois o conteúdo da vontade passa a ser objeto do juízo de desvalor
da antijuridicidade.

A culpabilidade continua possuindo imputabilidade e exigibilidade de conduta


diversa.

 Fato típico – dolo (consciência e vontade) e culpa;


 Ato jurídico;
 Culpabilidade (imputabilidade, consciência de ilicitude e exigibilidade de
conduta diversa);

Na culpabilidade não será mais encontrado o que ora é reconhecido na


conduta típica, o dolo finalista tem como elementos a consciência e a vontade,
apenas. A consciência da ilicitude que era elemento do dolo (normativo), no
neokantismo permanece na culpabilidade. Para afastar a dificuldade em provar a
consciência real da ilicitude, Wezgel a converte em potencial consciência de ilicitude.

Como essa culpabilidade tem grande juízo de valor, foi conhecida como
culpabilidade normativa pura.

 Críticas (livro Política Criminal e Sistema Jurídico Penal, de Roxin):

I – Filosófica: se a sociedade não acredita na ontologia, pois a cultura


predominante é a relativista, não faz sentido que o Direito Penal, como produto
cultural, tenha premissas ônticas;

II – Toda a Teoria Geral do Crime finalista foi construída para explicar o


homicídio, que era o grande problema penal da década de 1940. Não é mais. As
novas demandas penais exigem uma modernização de tais estruturas. No entanto, o
finalismo impede tal modernização, pois são verdades ônticas.
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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

4 - FUNCIONALISMO

 Roxin, Jakobs – mesmo com fundamentos diversos, ambos quebram o


entendimento ôntico;
 Premissa: todas as estruturas do Direito Penal devem ter seu sentido
atribuído de forma a permitir que o Direito Penal cumpra sua função. “de que adianta
um conceito jurídico belo, claro, lógico, se do ponto de vista político-criminal é inútil
(ROXIN)”;

A) O funcionalismo de Roxin é chamado de teleológico ou moderado. Para


ROXIN, a função do Direito Penal é a tutela subsidiária de bens jurídicos no limite
dos direitos e garantias fundamentais.

Conceito de conduta para Roxin: é toda manifestação da personalidade.

Ex: ser judeu é uma conduta, logo, pode ser crime. Mas Roxin responde que
não haveria perigo, porque seu conceito de conduta está no limite dos direitos e
garantias fundamentais.

Para Roxin, o crime é fato típico, antijurídico, mas uma das mais importantes
contribuições do autor é a substituição da culpabilidade pela responsabilidade. Logo,
é fato típico, antijurídico e responsável.

A responsabilidade tem como elementos a culpabilidade e a necessidade da


pena, que se limitam reciprocamente.

A culpabilidade tem como estruturas a imputabilidade e a potencial


consciência da ilicitude. A necessidade da pena tem a exigibilidade de conduta
diversa.

 Fato típico
 Antijurídico
 Responsabilidade:
 Culpabilidade (imputabilidade/ potencial consciência de ilicitude);
 Necessidade da pena (exigibilidade de conduta diversa)

B) JAKOBS – funcionalismo sistêmico, para que serve o Direito Penal:

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Ele nega a tradicional teoria do bem jurídico. O Direito Penal não pode ter
como função primordial evitar o crime, que faz isso é o sistema policial.

A função precípua do direito penal é a manutenção das expectativas


normativas essenciais da sociedade, ou seja, a configuração social.

 Crítica:

I – As expectativas estão cristalizadas na norma cujo conteúdo é atribuído


pelo Estado, abrindo as portas para o Direito Penal totalitário;

Livro: “Sociedade, norma, pessoa” (Jakobs).

Onde estão as expectativas mais importantes para uma sociedade? Na


Constituição. Logo, a função do DP é proteger a norma, as expectativas
apresentadas na CF.

AULA 06 –23/03/2016
TEMA: IMPUTAÇÃO OBJETIVA
PROFESSORA PATRÍCIA VANZOLINI

1 - TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E SISTEMAS PENAIS

Os sistemas penais se desenvolveram desde o Século XIX até hoje.

A) SISTEMA CAUSALISTA: LISZT- BELING

Nesse sistema, cometer um crime era causar uma lesão.

Fato típico Ilicitude Culpabilidade


Conduta Premissa: imputabilidade
Resultado
Formas de imputabilidade: Dolo e culpa
Nexo causal

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

Fato típico (conduta/ resultado/nexo causal) + ilicitude + culpabilidade


(premissa: imputabilidade; e formas de imputabilidade: dolo/culpa).

Tudo o que era objetivo, externo, estava no fato típico. Enquanto aquilo que
relacionava-se ao lado subjetivo estava na culpabilidade.

Estava muito ligada às ciências naturais, por exemplo, matar era causar a
morte, nada além disso.

B) SISTEMA NEOKANTISTA: MEGZER

Proximidade com o sistema nazista. O Direito Penal tem a ver com cultura, e
não com as ciências naturais. É aquilo que vai perturbar o convívio social.

É o Direito Penal que cria o crime. Começou a quebrar o paradigma que o tipo
era somente objetivo.

Fato típico Ilicitude Culpabilidade

 Conduta  Imputabilidade
 Resultado  Dolo e culpa
 Nexo causal
 Exigibilidade de conduta
 Elementos normativos
diversa
(culturais)
 Elementos subjetivos

Introduziu a exigibilidade de conduta diversa na culpabilidade, e descobriu


elementos subjetivos no tipo.

C) SISTEMA FINALISTA: WELZEL

Criou as estruturas lógico-reais, e não de acordo com a cultura.

É um sistema ligado a psicologia para criar a teoria.

Fato típico Ilicitude Culpabilidade


 Conduta  Imputabilidade
 Resultado  Potencial conhecimento da

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

ilicitude
 Nexo causal  Exigibilidade de conduta
 Elementos normativos + culpa diversa
 Elementos subjetivos + dolo

Remove o dolo e a culpa da culpabilidade, porque a ação já traz consigo o


dolo e a culpa. No momento da ação, o agente já possui uma motivação, intenção.

Tipicidade objetiva permaneceu sendo composta pelo resultado e o nexo


causal.

D) SISTEMA FUNCIONALISTA: ROXIN E JAKOBS

Década de 1970: homossexualidade era crime na Alemanha.

O Roxin faz uma Reforma do CP Alemão para retirá-lo.

A dogmática penal tem que ser construída a partir da função político-criminal


do Direito Penal. A finalidade do DP é a proteção fragmentária e subsidiária dos
bens jurídicos.

O DP voltava-se mais para a sociologia.

O DP deveria ser construído a partir da função que era esperada dele. Nisso,
surgem dois tipos de funcionalismo:

I – FUNCIONALISMO TELEOLÓGICO OU MODERADO (ROXIN): a função


do Direito Penal é proteção fragmentária e subsidiária de bens jurídicos (condições
mínimas de convivência social);

II – FUNCIONALISMO RADICAL OU SISTÊMICO (JAKOBS): a função do DP


é proteger a própria norma penal;

Esquema do Funcionalismo de Roxin:

Princípio da bagatela imprópria (Responsabilidade): ideia de que há pessoas


que, mesmo culpáveis, não devem cumprir pena. É uma situação em que a
dogmática penal não recomenda que seja aplicada pena àquela pessoa.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

A culpa foi substituída pela imputação objetiva, porque antes de falar em dolo,
fala-se em imputação objetiva.

Fato típico Ilicitude Responsabilidade:


(Culpabilidade + Necessidade
de pena)
 Conduta  Imputabilidade
 Resultado  Potencial conhecimento
da ilicitude
 Nexo causal  Exigibilidade de conduta
 Imputação Objetiva diversa
 Elementos Subjetivos +
dolo

2 – TEORIAS DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA: CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO

O problema não é se você deu causa (causa-ação), mas se o evento pode ser
imputável ao autor como um tipo penal. O nexo de causalidade não é suficiente para
imputar um crime a alguém.

A imputação antecipa o juízo antes mesmo de chegar a discutir a culpa. A


imputação confere maior sofisticação teórica.

I) Criação ou aumento de um risco proibido

Só é típica a conduta que, de uma perspectiva ex ante (a priori) constitui a


criação ou amento relevante de um risco socialmente não autorizado.

Não haverá imputação objetiva em três situações:

A) Diminuição do risco: se a conduta é dirigida a reduzir um risco já


existente. Ex: uma jovem menor de 14 anos era prostituída pela mãe, de modo
violento, sendo obrigada a manter relações sexuais com vários homens, e um deles
a resgata” e leva para viver consigo como esposa  o TJRS absolveu o homem,

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

mas a professora entende que foi uma aplicação exagerada da Teoria da Imputação
(TJ-RS - Apelação Crime. 70052159621).

B) Aumento irrelevante do risco:

C) Risco permitido: não há imputação objetiva se a conduta, mesmo


aumentando significativamente o risco ao bem jurídico, está dentro dos limites do
risco permitido. Haverá risco permitido quando: forem atendidas as normas de
segurança e o princípio da confiança (o agente realiza a conduta corretamente
confiando que os demais envolvidos também o farão).

II) Materialização do risco no resultado

Para que haja imputação objetiva, é preciso que o resultado corresponda


exatamente ao risco proibido criado. Desta forma, não haverá imputação objetiva em
três situações:

A) Resultado aleatório: embora o resultado tenha sido causado pela


conduta, ele não corresponde ao risco proibido criado por ela.
B) Resultado que está fora do âmbito de proteção da norma de cuidado:
não há imputação objetiva se o resultado não corresponde ao fim de proteção da
norma de cuidado violada.

No caso apresentado, não havia alvará, mas esse não serviria de nada para
impedir que o jovem se embriagasse. O alvará serviria apenas para casos como
incêndio ou multidões. Dessa forma, a exigência do alvará não tem finalidade com a
morte do jovem.

Todavia, no caso de possuir apenas uma ambulância e que não estava


equipada com UTI, já seria motivo de dúvida no tocante à imputação.

C) Conduta alternativa irrelevante ou Teoria da Evitabilidade : não há


imputação se ficar demonstrado que a conduta correta não teria evitado o resultado.
Esse teria acontecido a qualquer momento. Ex: no caso apresentado, se tivesse
uma ambulância com UTI, a morte teria sido evitada? Mas a reportagem informa que
a morte foi instantânea, logo, a ambulância não teria feito diferença.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

III) Âmbito de alcance do tipo

Os eventos que não correspondam à função do Direito Penal não são


objetivamente imputáveis como crime. A função do DP é impedir condutas que
ofendam ou ameacem de forma relevante bens jurídicos alheios.

Não há imputação objetiva nas seguintes situações:

A) Lesão insignificante: o princípio da Insignificância torna a conduta


atípica, pois constitui situação fora do âmbito de alcance do fato típico.
B) Participação na autocolocação da vítima em risco: para Roxin, se você
mesmo se põe na situação de risco, o Direito Penal não pode interferir porque não
está em seu âmbito. Tal ideia é mais enraizada na Alemanha, onde a instigação ou
auxílio ao suicídio não é penalizado. Tal tese não é amplamente aceita no Brasil, em
que existem direitos indisponíveis.
C) Heterocolocação consentida: um terceiro coloca a pessoa em risco,
mas a pedido ou por consentimento da própria vítima. Ex: que atravessar o rio com
um barqueiro que informa que está perigoso, e o barco vira e a pessoa morre;
pessoa que aceita fazer sexo sabendo que a outra tem Aids. A pessoa entra em
risco mediante terceiro porque ela mesma decidiu. Essa situação também exclui a
aplicação da imputação do Direito Penal.

AULA 07 – 30/03/2016
TEMA: ILICITUDE E ERRO DE TIPO
PROFESSOR ANTONIO CARLOS DA PONTE

Para a teoria finalista não importa se vai ser aplicado o conceito bipartido ou
tripartido.

Tatbestand – Direito Alemão: descrição legal de um comportamento proibido


que traga consigo a ideia de injusto penal.

As ideias de erro estão ligadas à exigibilidade de conduta diversa.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

1 – Teoria Psicológica da Culpabilidade

A culpabilidade é o nexo psíquico que liga o delito ao seu autor, fazendo-o


penalmente responsável. Para tal teoria, dolo e culpa são espécies de culpabilidade,
que tem como pressuposto a imputabilidade do agente. Todavia, não consegue
explicar satisfatoriamente a coação moral irresistível e obediência hierárquica de
ordem não manifestamente ilegal.

Na coação, o coagido atua com dolo, mas sua conduta apresenta um vício de
vontade, ela não foi livre.

2 – Teoria Normativa da Culpabilidade


(Psicológico-Normativa)

Teve grande importância no inicio do século XX, tendo expoente o autor


Frank. É a teoria adotada pelo Código Penal de 1940, que falava de erro de fato e
erro de direito. De acordo com a teoria, para que o agente seja culpado não basta
exclusivamente que o agente tenha atuado com dolo ou culpa, mas que sua conduta
pudesse ter sido realizada conforme o direito. Ela mescla fatores psicológicos (dolo
e culpa) com normativos (exigibilidade de conduta diversa).

3 – Teoria Normativa Pura da Culpabilidade


(Teoria Extrema ou Estrita da Culpabilidade)

Adotada por Welzel. A culpabilidade é composta pela imputabilidade, pelo


potencial conhecimento da ilicitude e pela exigibilidade de conduta diversa. Foi
adotada pela Reforma penal de 1984.

4 – Teoria Limitada da Culpabilidade

É uma subespécie da teoria normativa pura. Sustenta que o erro inevitável


exclui o dolo nas descriminantes putativas, sendo que essas caracterizam erro de
tipo. Afirma que crime é fato típico e culpável.

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Damásio. Pós-Graduação em Direito Penal - Módulo 01: Fundamentos do Direito Penal Brasileiro.

5 - ERRO DE TIPO

É todo aquele que incide sobre os elementos ou as circunstâncias da figura


típica (art. 20, CP). Incide sobre os pressupostos de fato (limites) de uma causa de
justificação, ou ainda, aquele que recai sobre fatos secundários (erro de tipo
acidental) da norma penal condenatória.

Arts. 73 e 74 do CP – erro de tipo acidental: aberratio ictus e aberratio


criminis.

A – ERRO DE TIPO ESSENCIAL: sempre haverá exclusão do dolo.

1) Inevitável (invencível, escusável ou inculpável): além da


exclusão do dolo, haverá também da culpa;
2) Evitável (Vencível, inescusável ou culpável): exclui somente o
dolo, ocorrerá a punição pela culpa, desde que haja previsão legal.

B- ERRO DE TIPO ACIDENTAL: recai sobre dados secundários da norma


penal incriminadora.

1) Sobre o objeto (error in objecto):

Nesse caso, o agente responde como se tivesse praticado a conduta da


forma que desejava. O agente, tendo vontade e consciência de praticar uma conduta
que sabe ser penalmente ilícita, agindo com vontade de furtar, subtrai pulseira que
pensara ser de ouro, mas na verdade, era bijuteria.

Nesta situação, o agente tinha vontade e consciência de praticar a


subtração, ou seja, dirigiu-se finalisticamente sua conduta no sentido de cometer um
delito de furto. Todavia, equivocou-se quanto ao valor que era atribuído ao bem, fato
este que nada influencia na definição jurídica do fato.

O erro recai sobre o objeto que se destina a conduta do agente.

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2) Erro provocado por terceiro (art. 20, §2º)

o agente deseja produzir um resultado, e consegue atingi-lo.

3) Erro sobre a pessoa (error in persona – art. 20, §3ª)

Aqui, o agente pensa cometer crime contra uma pessoa, mas comete
contra outra. O agente não erra sobre qualquer elementar, circunstâncias ou outro
dado que se agregue à figura típica. O seu erro cinge-se especificamente, à
identificação da vítima, que em nada modifica a classificação do crime por ele
pretendido.

Nesse caso, queria matar uma pessoa X, mas o confundiu com a pessoa
Y e acabou matando essa. Aqui, o dolo do tipo existe, somente por erro do agente é
que atinge-se pessoa diversa da pretendida.

Não se consideram as condições ou qualidades das vítimas, mas da


pessoa que pretendia atingir. Ou seja, quem objetivava matar o ascendente, mas
atinge o vizinho, responderá como se tivesse matado o familiar.

4) Erro de execução (art. 73 - aberratio ictus)

Um exemplo clássico é a “bala perdida”, é o desvio do golpe. Ainda que


ocorra mais de uma conduta, o agente responderá apenas pela conduta desejada.

Ocorre quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o


agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa.

Nesse caso, aplica-se a regra do §3º do art. 20 do CP, relativa ao erro


sobre a pessoa, respondendo como se tivesse atingido a vítima que pretendia
ofender. Na aberratio ictus o erro ocorre de pessoa para pessoa.

O que interessa é a vontade que tinha o agente contra a vítima virtual.

Toda vez que a vítima virtual não for atingida, aplica-se a primeira parte
do art. 73. Ainda que cometa vários crimes, só responderá por aqueles pretendidos.

Aberratio ictus simples: atinge apenas a vítima efetiva.

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Aberratio ictus com unidade complexa: são atingidas tanto a vítima virtual
quanto real a aplica-se o art. 73, segunda parte, que remete à forma de aplicação de
pena concurso formal. Nesse caso, não se reconhece o concurso formal, mas
somente o sistema da exasperação típico do concurso formal, ou seja, existindo
mais de um crime, deve-se pegar a pena do crime mais grave e aumentada de 1/6
até a ½.

5) Erro sobre a posição de garante: nesse caso o agente responderá pela


omissão de socorro qualificado pelo evento morte.

6) Aberratio causae – Erro quanto ao processo causal (Antolisei e


Bettiol): A conduta, que se desenvolve num só ato, provoca o resultado desejado,
porém com nexo diverso. Por exemplo: (o agente quer matar a vítima por
afogamento, joga seu corpo em cima de uma ponte e esta, antes de atingir a água,
bate a cabeça numa pedra e morre em razão de traumatismo craniano).

6 - ERRO DE PROIBIÇÃO

O agente conhece a lei, mas o que ele faz é uma interpretação equivocada da
lei.

Foi trazido da Alemanha, onde o erro de proibição ocorre com o


desconhecimento da lei e com a interpretação equivocada dessa (erro de
subsunção).

AULA 08 – 06/04/2016
TEMA: CULPABILIDADE
PROFESSOR GUSTAVO JUNQUEIRA

São três os sentidos consagrados da culpabilidade:

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1) VEDAÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA: NÃO HÁ CRIME SEM DOLO


OU CULPA

2) LIMITE DA PENA: NA FUNÇÃO RETRIBUTIVA: AO MAL DO CRIME, O MAL DA


PENA: A PENA NÃO PODE SUPERAR A CULPABILIDADE.

3) ESTRUTURA DO CRIME: É A REPROVABILIDADE

Posição da culpabilidade da estrutura do crime:

Deve ser analisada após o injusto para garantir o sentido fatoautor. Se a


culpabilidade fosse a estrutura em primeiro analisada, o sentido seria invertido,
privilegiando um direito penal do autor.

Com a Escola Clássica, inspirada no Iluminismo antropocentrista e no


racionalismo, a culpabilidade tem sua base no livre arbítrio.

A culpabilidade é assim, um juízo de censura sobre o mau uso da liberdade.

A culpabilidade clássica é confrontada pela periculosidade da Escola Positiva.


A base da Escola Positiva é a negação do livre arbítrio com um determinismo
inspirado na biologia com Lombroso, na sociologia com Ferri ou na psicologia com
Garofalo.

Na escola positiva, o autor não pode ser reprovado pelo mau uso de uma
liberdade que não possui. A culpabilidade é substituída pela periculosidade que não
justifica a pena, mas sim medidas para (de) segurança da sociedade.

Ainda que reconhecida a vantagem da análise individual da periculosidade, a


categoria é criticada por sustentar um Direito Penal do autor, com a perda da
proporcionalidade da pena e a troca do vago conceito de justiça por outro tão vago
como a periculosidade, que tem menor aptidão para o contraditório.

No causalismo, entende-se desnecessária uma conclusão definitiva sobre o


livre arbítrio. Liszt reconhece que inúmeros fatores interferem na capacidade do
autor, como a idade, as emoções, a cultura. A questão coloca por Liszt é: deve o
direito penal se preocupar com isso?

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No Neokantismo de Mezger, a culpabilidade tem como base a condução da


vida, ou seja, todos os atos anteriores que permitiram a formação de um
determinado caráter, que se expressa na prática do crime.

Ainda no Neokantismo, a reprovação tem como base o homem médio, dada a


reconhecida inviabilidade de demonstrar o livre arbítrio.

No finalismo de Welzel, o livre arbítrio não é biológico, pois seria um


demonstrar, mas sim existencial.

O funcionalismo Teleológico de Roxin critica o livre arbítrio e argumenta que,


por ser indemonstrável, duvidoso, deveria impor a absolvição à todos os acusados
pela falta de provas sobre a culpabilidade. Propõe, assim, que a base da
culpabilidade tem como elemento empírico a capacidade de autodeterminação e,
como elemento normativo, a possibilidade de comportamento dirigível pela norma: é
a acessibilidade normativa.

A culpabilidade de Roxin se fundamenta em duas ficções. A culpabilidade é o


limite, e não a razão, da pena: “eu puno no limite da culpabilidade”.

Roxin assume que a base de sua culpabilidade é uma ficção, mas justifica
que a ficção se legitima porque não fundamenta a pena (o fundamento da pena é
apenas preventivo, e não retributivo), mas somente a limita, ou seja, opera apenas a
favor do autor.

Jakobs, em seu Funcionalismo Radical, afasta toda a base individual da


culpabilidade, pois sempre impregnada pelo indemonstrável livre arbítrio. Em
Jakobs, a culpabilidade tem como fundamento a necessidade da pena para manter
expectativas, por exemplo, o louco não recebe pena porque não quebra
expectativas.

Zaffaroni: a coculpabilidade já abandonou e a cupabilidade por


vulnerabilidade.

Para Zaffaroni, causas sociais condicionam o sujeito a praticar a conduta


delituosa. Não é legítimo sobrecarregar o sujeito reprovando-o isoladamente sem
considerar tais causas. Necessário, assim, reconhecer a divisão de responsabilidade
atenuando a reprovação do autor.

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Na doutrina, é possível encontrar referencias à coculpabilidade às avessas: a)


na criminologia crítica significa que aquele que deveria ter a responsabilidade
atenuada pelas condições sociais tem, de fato, a reprovabilidade acentuada por
discriminação social; b) Nos tribunais brasileiros, é comum mencionar a
coculpabilidade às avessas como fator de incremento da pena para aquele que
recebeu da sociedade estímulos para uma vida honesta. É uma tese acusatória.

Zaffaroni, em suas últimas obras, substitui a coculpabilidade pela


culpabilidade por vulnerabilidade.

Nessa culpabilidade por vulnerabilidade, o primeiro passo deve obedecer ao


tradicional juízo de reprovação pela autodeterminação. Em um segundo passo, será
feito um juízo de reprovação pelo esforço que o autor teve de exercer para alcançar
a vulnerabilidade penal concreta, descontando, desde logo, seu estado preexistente
de vulnerabilidade.

Quanto “maior o esforço” que o agente faz para ser alvo do Estado, maior a
sua culpabilidade.

A CULPABILIDADE NA ESTRUTURA DO CRIME – Concepção Finalista

ELEMENTOS DA CULPABILIDADE DIRIMENTES (EXCLUDENTES) DE


CULPABILIDADE
Imputabilidade Inimputabilidade
Potencial consciência da ilicitude Erro de proibição inevitável
Exigibilidade de conduta diversa Inexigibilidade de conduta diversa

Na inimputabilidade, são quatro as suas causas: a) menor de 18 (dezoito)


anos; b) silvícola não adaptado (indígena que não aderiu à cultura urbana); c) art. 26
– portador de doença mental/desenvolvimento mental incompleto ou retardado; d)
embriaguez acidental completa.

EMBRIAGUEZ

É uma intoxicação aguda em razão da ingestão de álcool ou substância de


efeitos análogos capazes de gerar, desde uma ligeira euforia, até o estado
comatoso.

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Graus de embriaguez: 1) incompleta: tem como consequência o afrouxamento


de freios inibitórios; 2) completa: é a perda da liberdade de autodeterminação, seria
a amnésia absoluta, é mais rara; 3) comatosa: sono profundo.

Classificação da embriaguez:

a) Preordenada: se o sujeito se embriaga para praticar o crime, tem como


consequência ser uma circunstância agravante do art. 61 do CP. É agravante
porque demonstra premeditação e caráter vil, pois o sujeito deliberadamente se faz
instrumento descontrolado da própria maldade;

b) Voluntária ou culposa: a voluntária é intencional, o sujeito se embriaga


porque quer. A culposa é por descuido. A consequência

CRISE1:

Se a embriaguez é completa, o autor não tem liberdade de autodeterminação,


e sem tal liberdade, não poderia ser culpado. No entanto, a absolvição de todos os
completamente embriagados seria inadmissível do ponto de vista político-criminal,
pelo que a responsabilização será alcançada na Teoria da Actio libera in causa:
ainda que o autor não tenha liberdade no momento do ato lesivo, era livre na origem
da embriaguez, e por tal liberdade, será censurado.

CRISE 2:

Como explicar o dolo e a culpa na actio libera in causa: 1) A responsabilidade


é objetiva (NUCCI, PRADO – critica, mas acaba por reconhecer); 2) Dolo residual:
Hungria ensina com o apoio em Mezger que sempre resta uma consciência residual
suficiente para reconhecer o dolo. A punição do embriagado e o reconhecimento de
um dolo residual é uma construção consolidada no Direito Consuetudinário; 3) o dolo
e culpa devem ser analisados no momento da embriaguez, ou seja, a análise do
dolo e da culpa também deve ser antecipada.

A grande crítica é a abertura dos portões da impunidade, pois são os vários


os casos nos quais é inviável a prova do dolo no momento da embriaguez e ainda
assim é necessária a condenação por crime doloso por necessidade preventiva.

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REPOSTA À CRÍTICA: não há perigo de estouro do dique, pois os casos de


embriaguez completa são raros e normalmente associados à culpa.

c) Acidental: vem de caso fortuito ou força maior (fatos imprevisíveis). Se


completa, afasta a culpabilidade, e se incompleta, diminui a pena. Nesse caso, se for
completa, absolve. São casos raríssimos.

d) Patológica: é a doença mental, o alcoolismo. O álcool deprime. Nesse


caso, o regime jurídico é o do art. 26 do CP, gerando a inimputabilidade.

OBS: nos termos do art. 28, I, CP, a emoção e a paixão não afastam a
imputabilidade.

EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA:

Tal estrutura foi proposta por Frank, em 1904, em sua Teoria das
Circunstâncias Concomitantes (adaptação do rebus sic stantbus).

Exemplo da carruagem na Alemanha - 1905: cocheiro se negou a colocar


cavalo selvagem, mas seu superior disse que o demitiria, então, aquele decide
colocar o cavalo e acaba atropelando uma pessoa. O cocheiro foi absolvido.

Obediência hierárquica - requisitos: ordem não manifestamente ilegal de


superior para inferior, de vínculo público (não cabe no privado).

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