Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
o presente Trabalho da Cadeira de direito penal que tem como tema principal a evolucao historica do
direito criminal, o grupo pretende esmiucar em torno
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO CRIMINAL1
No direito germánico
Depois, as famílias reunem-se sob um poder comum e o direito criminal começa a ter um
carácter público, que se revela nos institutos da pena de morte e da perda da paz. Este carácter
público afirmar-se-ia primeiro numa tendência para transformar a vingança privada numa
vingança proporcional ao delito; depois no sentido de estabelecer uma composição pecuniária
para a evitar; finalmente numa intervenção da comunidade que chama a si todo o poder
punitivo, arrogando-se, ela e só ela, os poderes de aplicar e executar todas as sanções
criminais. Toda esta linha de evolução foi porém, no que toca ao direito germânico,
contrariada por BRUNNER, para quem no início da evolução estaria justamente a perda da
paz, absoluta ou relative.
A perda da paz absoluta teria por consequência a destruição de toda a esfera jurídica de
quem dela era passive Friedlos. Este não só perdia o apoio da família ou do grupo a que
pertencia sendo havido por morto e por conseguinte perdendo toda a sua capacidade
e podendo ser morto por qualquer um, sem que ninguém the pudesse dar apoio ou guarida
(aspecto negativo da perda da paz), como em relação a ele se criava o dever de
perseguição de todos (aspecto positivo da perda da paz. E caso tal dever não fosse
1
CORREIA. Eduardo, direito criminal, vol I 1963
2
Sobre o direito criminal germano cfr.
convenientemente exercido, então o Estado, ele mesmo, através dos seus órgãos próprios,
executaria a perda da paz. Assim se teria criado a pena de morte.
Ao lado da perda da paz absoluta havia a perda da paz relativa, que não era mais do que a
vingança privada tornada Jurídica, tendo lugar nos casos em que o Estado entregava o
Friedlos únicamente à perseguição da família do ofendido. A intervenção do Estado ter-
se-ia acentuado progressiva- mente: limitada primeiro a estabelecer as condições em que a
vingança privada se podia exercer, teria ido depois mais longe, estabelecendo a vingança
privada proporcional ao delito taliao propondo a composição pecuniária execução até ter
finalmente chamado puntivo.
Perante estas duas grandes linhas de possível evolução das instituições primitivas há que
aderir, parece-nos, à tese de BRUNNER, independentemente da posição que se tome na que-
rela entre a visão normativista do direito (em que este se concebe como um poder modelador
exterior, que indica os fins e os Interesses que devem ser protegidos) e a visão
institucionalista ou endinalista concreta (para quem o direito é a própria e íntima ordenação da
comunidade).
Pois, para a primeira daquelas orientações, a vingança privada uma vez que se traduz numa
reacção instintiva, não imposta por um poder exterior só deixará de ser uma realidade
sociológica para passar a ser jurídica quando apareça uma norma superior que a imponha
como sanção; do mesmo modo que, para a segunda orientação, a vingança privada só será
jurídica quando suponia a existência de uma comunidade na qual está imanente o direito que a
regula e não apenas várias famílias vivendo em mera contiguidade local. Em suma, em
qualquer das orientações, a vingança privada tem, como instituição jurídica, de ser pelo
menos contem- poránea da perda da paz ou da pena de morte, como BRUNNER ensina.3
No direito romano
O direito romano -que vigorava na Península antes das invasões e depois renasceu no séc. xii
mercê dos glosadores postglosadores, exercendo desta forma profunda influência nas
legislações, mesmo modernas de ser na compreendido (como o o perduelium tem, no campo
3
Brunner, historia del derecho germano, trad. Do alemão.
criminal, base da distinção entre delitos públicos ou alta traição e o parricidium» e onde mais
tarde vem a incorporar-se uma série de incriminações) e delitos privados (como o furto, o
dano, a injúria e as ofensas corporais) que resultaram da evolução do talião para a compo-
sição pecuniária.4
Se é certo que não foi no direito criminal que os roma- nos atingiram a maior perfeição, a
verdade é que não podemos esquecer a larga influência que exerceram na elaboração das
instituições penais do direito moderno. Sirva-nos de exemplo a mosdelação de um certo
número de crimes que mais tarde aparecem nos sistemas penais e de certas noções -
provindas sobretudo do domínio dos delitos privados, como a de culpa, que foram por eles
traçadas com relativa precisão.5
2. No direito canónico
Desde o reconhecimento da Igreja pelo Estado romano que nos surge um poder disciplinar
exercido pelos bispos, embora, de começo, só relativamente, a assuntos espirituais (Eclesia
vivit lege romanas). A tendência é porém desde logo no sentido de se considerarem delitos
públicos os delitos religiosos, v. g. a heresia, assegurando o Estado a execução das sentenças
da Igreja.
Mas, sobre tudo isto, o direito canónico tem a sua mais forte influênciane processo, onde
projectou o princípio inquisitório ou seja o procedimento oficioso dos tribunais na
investigação dos crimes. Pole dizer-se que o direito penal só se autonomizou do direito
canónico e das concepções religiosas que lhe andam bgadas com o iluminismo.
4
A expressão poena tem justamente o significado de conversão da vingança privada em composição
pecuniária.
5
Ver uma ampla discussão do problema da culpa no direito romano.
delito existia; dominado por uma ideia de intimidação brutal, com penas extraordinàriamente
cruéis (açoites, marcas, mutilações, morte por suplícios) e acompanha- das de sofrimentos
morais (como a exposição no pelourinho à irrisão pública) - penas aliás transmissíveis e que
variavam consoante a categoria do ofensor e do ofendido.
Direito de punir. BECCARIA parte do contrato social como fundamento do direito de punir.
Só a necessidade e a utili- dade podem justificar as penas; as desnecessárias, ainda que não
prejudiciais, são contra a justiça e a razão. Do princípio da divisão de poderes resulta que só o
legislador pode formular as leis.
O juiz deve aplicá-las literalmente mediante uma pura subsunção lógico-silogística dos factos
no quadro geral e abstracto da lei. Por outro lado o fim da pena não é torturar, mas apenas
intimidar o criminoso e as outras pessoas.
A pena deve ser medida pelo quantum de sofrimento necessário para ser superior ao prazer da
prática do crime. Tudo o mais é injusto incluída a pena de morte, a confiscação de bens, a
pena infamante em todos os crimes que não contrariem a ordem moral. Em resumo-na síntese
feliz de v. HIPPEL - a pena deveria ser, para BECCARIA, "pública, de rápida actuação,
neces- sária, tão suave quanto as circunstâncias o permitam, propor- cionada ao crime e
determinada através da lei.6
Quanto ao processo penal, exige limitações de tomo para prisão preventiva, publicidade para a
prova, abolição da tortura, um inderrogável e lato direito de defesa do arguido. A obra de
BECCARIA teve, com a vitória da Revolução Francesa, a mais larga repercussão. Assim, a
Declaração dos direitos do Homem estabelece o princípio de que ninguém pode ser preso ou
julgado fora dos casos e pela forma estabe- lecida na lei; o do nullum crimen sine lege, nulla
poena sine lege; o de que até à condenação deve presumir-se inocente o acusado.
6
HIPPEL
Em 1799, sob proposta de GUILLOTIN, consagra-se no Código Francês a igualdade de todos
perante a lei penal, a abolição da pena de confiscação e a execução da pena de morte por uma
forma reputada mais humana (guilhotinas); e todo este complexo de ideias vem ainda a
influenciar, de maneira notável, o Código napoleónico de 1810. A reforma do direito criminal
passa mesmo a considerar-se uma questão fundamental, comum a todos os povos cultos.7
Com o Iluminismo nasce e propaga-se, como dissemos, uma fortíssima reacção contra o bar-
barismo das penas e, muito particularmente, contra as penas corporais em sentido próprio,
então as mais frequentes.
Havia pois que substituí-las por outro tipo de sanções, que foi, para todos os sistemas produto
do iluminismo, a pena de prisão. Se as ideias iluministas tinham dignificado a ideia de
liberdade do homem, até ao ponto de a colocar no cume da escala de valores humanos,
entendeu-se que a eficácia intimidativa e repres suva da pena só lucraria se aquela se
traduzisse, justamente, em uma privação de liberdade.
a) Privação, porém, que só teria sentido como logo se notou se a ela se ligasse o espírito
de regeneração ou readaptação do delinquente à vida social. Assim aparecem, na
Inglaterra e na América, figuras e correntes altamente interessadas no problema da
prisão. É espe- cialmente o caso de JOHN HOWARD que, depois de uma visita às
prisões da maior parte dos países europeus (entre os quais o nosso, com o Limoeiro, as
Galés e Belém), e impressionado favorávelmente com os estabelecimentos prisionais
holandeses, acentua o valor do princípio da regeneração dos criminosos pelo trabalho
make them diligent and they will be honest- enquadrado numa execução celular da
prisão, escrevendo um tratado que ficou célebre e havia de exercer a mais profunda
influência em todo o mundo: State of Prisons in England and Wales (1777).
Por sua vez na América, WILLIAM PENN defende também o trabalho como base da
execução da pena de prisão. Mas a profunda influência das ideias morais e religiosas dos
quáqueres, sobretudo na região de Filadélfia, acentua fortemente a necessidade de total
separação e isolamento dos presos, vindo a construir-se naquela cidade um
estabelecimento (1779) onde se realiza integralmente um sistema de prisão celular, com
7
a) : assim com José i na Austria, FREDERICO O GRANDE na Prússia, CATA- RINA II na Rússia e D. MARIA 1
Cm Portugal.
isolamento diurno e nocturno, que, mais que ao trabalho, atribui decisivo valor ao
estímulo da contrição e arrependimento, como fonte de regeneração. Em Nova Iorque,
pelo contrário, encontra realização o sistema de Amesterdão, com isolamento nocturno
mas trabalho diurno em comum, no estabelecimento de Auburn; como elemento novo
aparece, todavia, a obrigação de silêncio entre os presos no trabalho (Sylent Sistem»),
mantida com rigor através do uso de chicote. Estavam assim delineados os dois sistemas o
de Filadélfia e o de Auburn - que haviam de exercer profunda influência na Europa.8
8
WILLIAM PENN
tendência para aplicar is ciências sociais os métodos naturalisticos, buscando na observação e
na experiência o material do seu trabalhote repudiando toda a especulação filosófica e
metafísica (1).
Ora justamente estas ideias vieram a dar, no direito crimi nal, a escola positiva. Negando-se o
indeterminismo, todas justificações retributivas das penas entravam em crise. Apli cado o
método naturalístico ao crime e ao criminoso, tinham estes que ser encarados como
fenómenos naturais para os quais era forçoso buscar uma explicação, e que, em vez de
censurar, a sociedade só poderia combater e prevenir.
Рага Lомвrosо, a explicação do crime e da criminali- dade era justamente, como já vimos
uma explicação antropológica. Haveria um certo tipo de homem, com certas e determinadas
características corporais e anímicas, uma peculiar species generis humani-o delinquente
natoque necessariamente seria levado ao crime. A origem de tal tipo de homem reconduzia-a
ele a razões de atavismo, que fazem retroceder certos indivíduos aos primeiros períodos da
huma- nidade com os seus instintos primitivos de selvagem; ao infan- tilismo que obstava ao
desenvolvimento mental e efectivo e deixava os homens com o espírito de criança; ou a certas
natu- rezas epilépticas.
Esta foi a primeira fase da escola. GAROFALO, na sua Criminología, e FERRI, na sua
Sociologia Criminal fazem chamar a atenção para os elementos psicológicos e para os
elementos sociológicos que estão na base do crime. Assim coloca FERRI, ao lado do
criminoso-nato, o criminoso louco, o criminoso-habitual, o criminoso-passional e o criminoso
ocasional, ponder uma a cada um destes tipos devendo corres especial forma de reacção pois
cada constituía uma especial forma de perigosidade.
um deles Por outro lado, FERRI procura dar formulação jurídica a todos estes princípios,
especialmente nos seus Princípios de Direito Criminal. O sistema que constrói é justamente o
que parte da prevenção especial (que já analisámos, e cuja crítica, por ter sido feita, não vale a
pena repetir aqui), um sistema de defesa social portanto.
A defesa da sociedade não deveria, aliás, única- mente limitar-se a lutar contra o criminoso e
a sua perigosidade, mas devia reagir contra todos os factores que influem sobre esta
perigosidade. Assim aponta FERRI, ao lado das sanções, os substitutivos penais com vista a
eliminar as causas exógenas do aparecimento da perigosidade e as condições exteriores que
conduzem o homem ao crime.
Ora já deixámos dito também que o pensamento de LOMBROSO, com o seu criminoso-nato,
sub-espécie humana reconhecível somàticamente de uma maneira precisa, não pode de
maneira nenhuma ser acolhido. Não só as características indicadas por LOMBROSO não se
encontram em muitos crimi- nosos verdadeiros, mas também existem tais características na
população não criminosa. Dizer-se que os portadores de tais estigmas estão predispostos
necessàriamente para o crime é uma coisa arbitrária, que a ciência não pode confirmar.
fundador da escola moderna alemă. Seguro, por um lado. do valor da teoria do facto na
prevenção geral e na própria indiciação jurídico-formal da perigosidade, atirma ele, como se
viu, a necessidade de manter essa construção (do facto), mas integrada pela aplicação de
medidas de segurança que atendam à perigosidade dos delin- quentes imputáveis
especialmente perigosos ou à perigosidade dos não imputáveis.
Precursor do seu pensamento é porém o infatigável esforço da escola positiva italiana, que só
precisava ser limada dos seus extremos e dos seus exageros. Como dela provém, aliás, não só
o estímulo para uma larga investigação experi- mental sobre a origem do crime, mas também
o desenvolvi- mento da moderna criminologia e a fundação de muitos insti- tutos
criminológicos, o pensamento da classificação dos cri- minosos e da diferenciação da sua
punição e a justificação e o alargamento de institutos como a liberdade condicional, a
detenção suplementar, o patronato, etc.
Curioso é também que, mais que na Itália, é na Alemanha e na Suíça que a nova problemática,
criada pela escola posi- tiva, se desenvolve e encontra um certo caminho de solução. Caminho
que, se não alcançou ainda o termo da evolução que comporta, mesmo depois de trabalhos de
criminalistas Como MEZGER, dá, como no seguimento havemos de ver, toda uma outra
perspectiva às ciências do direito criminal. Por sua vez a Itália, como que encandeada pela
força dos seus pensadores, dissolve-se numa luta de escolas, que apenas, ou sobretudo,
procuram salvar a teoria do facto da crítica da escola positiva, sem se darem conta, em toda a
sua clareza, do grande problema que a escola positiva tinha posto-o da referência das reacções
criminais à própria presonalidade
Isto porque, por um lado, aquele problema volta a ser reivindicado por alguns como pertença
exclusiva do pensa mento positivista e pragmático - que só ele, afirma-se, pode tratá-lo com
coerência e utilidade prática.
da mesma forma que o pragma- tismo (ligado a um cientismo n0otável, mas porventura dema-
siado optimista) domina na ciência jurídico-penal dos Estados Unidos da América do Norte.
Notável expansão tem obtido, nos últimos tempos, o pen- samento da chamada defesa social
nova. Sendo certo que, mesmo nele, se não pode encontrar um corpo doutrinal unitário,
parece contudo, para além de todas as divergências, ser possível entrever um núcleo comum a
toda a orientação, ao menos tal como ela se deduz da exposição dos seus mais salientes
defensores (3): repúdio do pensamento positivista e aceitação, no homem, de um sentimento
moral de responsabilidade que se procura utili-zar no direito criminal; reacção contra o que
chamam a exage- rada juridificação clássica do direito criminal; construção, enfim, de um
direito criminal de feição predominantemente pragmá- nca e cuja finalidade essencial reside
na readaptação ou recupe- ração social (réssocialization) do delinquente (1).
De outro lado está toda aquela parte parte ainda a maior da doutrina que, negando
legitimidade a todo o pensa- mento naturalista e pragmático, embora não esquecendo nunca
(mas antes, pelo contrário, aceitando) os dados adquiridos pela mais responsável experiência
criminológica (2), pretende conservar um direito criminal èticamente fundado e limitado, e
por conseguinte baseado sempre na culpa como censura de que o agente se tornou passível
por ter agido como agiu, ou de qualquer modo na pena como exigência retributiva. Assim,
pode dizer-se, a quase totalidade da ciência jurídico- -criminal alema (3), espanhola,
brasileira, portuguesa, parte da italiana, etc.
Por outro lado a ciência criminal não tem descurado a problemática referente à execução da
pena. E assim é que, desde logo, cada vez mais se tem acentuado o carácter crimi- nógeno da
prisão, o que levou alguns criminalistas a negar-lhe qualquer papel reeducador (1). Certo é,
porém, que ainda se não encontrou meio- nem parece que possa encontrar-se tão depressa - de
a substituir completamente.
ustamente por isso, a moderna política criminal procura, quanto a este problema, seguir dois
rumos convergentes. O primeiro traduz-se em reconhecer a necessidade de dimi- nuir, tanto
quanto possível, o âmbito de aplicação das penas privativas de liberdade, de acordo com o
slogan Esvaziai as prisões, que cada dia conquista novos adeptos. Aí encontram a sua mais
profunda raiz institutos como o da pena suspensa, o do regime de prova, o do mais lato âmbito
da pena de multa, o da liberdade condicional, etc.