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Introdução

Em virtude da constante necessidade pela existência de formas de controlo social em todas as


épocas e culturas da humanidade, a pena, foi criada pelo homem, como solução mediata para
corrigir e regular as consequências individuais de seus actos, em face de alguma infracção
cometida.

Por muito tempo, desde as épocas mais recuadas da história, a necessidade pela aplicação de
sanções penais, fez-se presente em sociedade. Seja pelos espectáculos punitivos de cunho vil e
cruel, consagrados pelo lamento do corpo e aplicação desproporcional de uma aparente justiça
cingida apenas pelo clamor da vingança, até a instauração efectiva de um Direito Penal, que
delegava, por conseguinte, a legitimação constitucional de princípios que garantiam uma maior
humanização da pena e do direito de se punir.
Idade Antiga (ou Antiguidade)
O direito desses povos permite descobrir sistemas jurídicos e sociais de níveis diferentes na
evolução geral do direito. Suas normas eram regidas através do costume, que possuía forte
influência da crença religiosa. Cada comunidade tinha normas de comportamento diferentes, mas
que ao serem observadas de fora, são de difícil percepção, é preciso ser participante da
comunidade para pode compreender as distinções.

Após séculos de estudos de etnólogos e sociólogo, afirmou-se que os costumes dos povos sem
escrita possuíam um carácter jurídico por existir meios de constrangimento para obedecer e
respeitar as normas impostas pelo costume. Essas normas tinham objectivos claros de manter o
interesse do colectivo, dando origem a uma severidade em relação a todo o comportamento.

Os grupos sociais eram adeptos às maneiras de viver e tradições com medo da reprovação e
censura do grupo, e, sobretudo por medo da sanção das forças sobrenaturais.

Período da vingança
Desde os primórdios da antiguidade, a história, é testemunha do notável esforço do homem para
conviver em sociedade. A primeira ideia de punição, lançada pelos primeiros grupos sociais na
origem do nascimento da humanidade, surgiu oriunda a constante necessidade pela aplicação de
meios que limitassem a actuação privada dos indivíduos no contexto social. Surge assim um
período com uma grande coacção social que reflecte nada mais do que a reacção da sociedade
proclamada pela perda da paz. Cabia ao infractor a responsabilidade pelo dano causasse por
viver em sociedade. Tão logo, a cada regra de conduta violada, fazia-se necessária a aplicação de
alguma sanção como medida de segurança.

Com efeito, talvez a característica mais marcante da idade antiga, não seja os períodos de
fundamentação da pena, mais a sua forma de execução. Na China, por exemplo, as penas
variavam da pena de morte para homicídio e da castração para o estupro. Penas como o
espancamento não eram estranhas. Na Índia, as penas de multa eram destinadas as pessoas
hierarquicamente superiores, que ficaram eximidas das penas corporais. No Egipto, a revelação
de segredos era punida com a amputação da língua. (CALDEIRA, 2009).

A ideia de privação de liberdade como forma de castigo era desconhecida ao povo da época. A
pena neste período significava apenas vingança, retribuição ura e feroz a alguma injúria
cometida, esta, aplicada a maioria das vezes de forma desproporcional a dimensão do delito,
dado que a justiça era legitimada pelo sangue e mantida pela prevalência dos mais fortes. O
‘corpo’ era tido como o principal elemento constituinte da pena.

As primeiras sanções sociais eram tidas como um fenómeno inexplicável a extensão da


imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade.
Dessa forma, o período da vingança pode ser dividido em três respectivas fases, estas são: vingança
pública, divina e privada.

Fase da vingança privada


Esta fase correspondia ao momento em que o controle social era baseado na regra do mais
forte, a partir da autotutela ou da submissão. Nela, a retaliação por algum mal cometido era de
cunho pessoal, traçada brutalmente pelo próprio ofendido, ou pelo grupo a qual este pertencia,
como meio a estabelecer poder e restaurar a honra, outrora, infligida. O duelo era tido, como
um dos mais aclamados meios de execução penal.

Neste período surgiu o Código de Hamurabi, onde estava inserida a famosa “Lei do Talião”,
que mantinha a máxima da “justiça espelhada” do “olho por olho, dente por dente” ganhou
destaque por ter sido a primeira compilação de normas não positivadas a sugerir os primeiros
princípios de proporcionalidade na aplicação da pena, agindo como instrumento moderador na
aplicação do castigo.

O Código de Hamurabi era bem rígido e directo nas medidas punitivas, utilizadas na época,
“195. Se um filho agrediu o seu pai, ser-lhe-á cortada a mão por altura do pulso. 196. Se alguém
vazou um olho de um homem livre, ser-lhe-á vazado o olho.” (GILISSEN, 1995, p. 65-66),
seguindo aquilo que acontecia antes da criação desses tipos de norma acarretaria a dizimação de
vários grupos, a lei do Talião vai surgir com o intuito de refrear as mortes e limitar a reacção a ao
mal idêntico ao praticado.

Fase da vingança divina

Por muito tempo, a religião manteve um domínio absoluto sobre as coisas humanas por ver-se
enraizada na consciência popular. Aqui, a religião exercerá forte influência nas decisões sociais,
penais e culturais da época. Ver-se-á que o Direito dos povos, nesta fase, era exercida mediante,
a crença inviolável em uma justiça delegada pela vontade dos deuses, era a religião que
determinava as explicações necessárias para os eventuais problemas que afectassem aos
interesses humanos. Segundo o pensamento da época a ausência de conhecimento científico era
suprida pela fé em um jogo de sorte ou azar, sobre as tragédias, via-se os castigos divinos; com a
fartura, via-se o prémio.

A classe sacerdotal mantinha grande poder frente a aplicação das penas, por consagrarem-se
como “mediadores da vontade divina”.
Por possuírem o monopólio dos conhecimentos jurídicos, cabia aos sacerdotes julgar o agressor
por ter despertado a ira dos deuses ao desacatar suas leis sobrenaturais.

Ademais, para que reconquistasse o perdão e acalmasse aos deuses, o réu fazia a prova das
órdalias que ocorria da seguinte forma: “se a pessoa andasse sobre o fogo e não tivesse
queimaduras, seria inocente, caso contrário, seria culpada. É impossível que alguém pise em
fogo e não sofra nenhuma queimadura. Os agressores julgados eram condenados e castigados
com penas cruéis e desumanas.

O Direito Hindu é um exemplo actual do direito religioso. Suas noções de direito são o dharma
(dever), que determina o conjunto de obrigações que existe entre os homens. Tem característica
de ser um direito revelado, “as regras que os homens devem seguir foram reveladas pelas
divindades. Portanto, ao desobedecer às regras, quebrar a hierarquia social (sistema de castas), é
algo tão importante, estará descumprindo aquilo que os deuses dizem, sendo necessária uma
sanção para aquela atitude.

No sistema de casta, cada casta tem sua localidade, seus próprios costumes e seu próprio
tribunal, comumente chamando de panchayat, lá os agressores sofrem sanções, podendo ser o
desprezo da comunidade até a exclusão da casta, esta ultima é considerada a sanção mais grave.

Fase da vingança pública

Com o advento de uma sociedade um pouco mais organizada, principalmente no que dizia
respeito a uma maior organização política, surge no seio das comunidades a idéia de lideres ou
assembléias. A pena, por conseguinte, perde seu caráter sacral, para passar a ser uma sanção
facultada a partir da vontade de alguma autoridade pública como síntese da vontade geral da
comunidade. Já não era mais o ofendido, nem mesmo os sacerdotes que aplicavam o castigo
como forma de reparação a alguma inflação cometida. Agora, o poder estava mantido nas mãos
do soberano, que pregava sua autoridade, como escolha legítima da vontade de Deus.

As penas ainda eram de cunho vil e cruel, reproduzidas e aclamadas pela prática aos suplícios.
Todavia, sugestionava uma maior segurança a criatura humana, desde que não eram mais
aplicadas de forma velada, variante a vontade de terceiros, mas sim pelo estado. A aplicação da
pena a partir daí, evoluiu de tal modo que ultrapassou a figura da vítima e do criminoso.
Expandia-se a visão da pena como um espectáculo punitivo e eminentemente ostentoso,
executado em público para satisfação própria da população, comummente atraída pelo
espectáculo feito para aterrorizá-la. Michel Foucault narra em algumas passagens, julgamentos
feitos em praças públicas, como acontece na seguinte passagem:
Enquanto era feita a leitura da sentença de condenação, estava de pé no cadafalso, sustentado
pelos carrascos. Era horrível aquele espectáculo: enquanto em grande mortalha, a cabeça coberta
por um crepe, o parricida estava fora do alcance dos olhares da silenciosa multidão. E sob
aquelas vestes, misteriosas e lúgubres, a vida só continuava a se manifestar através dos gritos
horrorosos, que se extinguiram logo, sob o facão.

Não obstante, sanções penais referentes à aplicação da pena de morte eram bastantes comuns
neste período da antiguidade, vistas também por diferentes modalidades: Havia a morte
simplesmente precedida de torturas; a morte para sempre, em que o corpo do condenado ficava
suspenso e, putrefazendo-se; a morte pelo fogo, até o corpo ser feito pó. Não bastava somente
privar o condenado do usufruto ao direito a própria vida, as penas deveriam ser intensas e
meticulosamente planejadas, aplicadas aos poucos, de modo a ‘absolver’ o criminoso pela
máxima de seus delitos. A dor remetia a purificação da alma do infractor.

Pode-se citar como exemplo de modalidade de pena capital o enforcamento, a forca, a


crucificação, a decapitação, o suplício da roda, a asfixia por imersão, o enterrar vivo. Usavam-se
também penas corporais, como os acoites ou a castração, penas infamantes, como a marca de
fogo entre outras.

Idade média

Neste período da história o Direito Canónico possuía cada vez mais poder, suas decisões eram
executadas em tribunais civis, exercendo grande influência na legislação penal, por introduzir no
mundo as primeiras noções de privação de liberdade como forma de punição. Desta forma:
“Começando a ser aplicada aos religiosos que cometiam algum pecado, a privação da liberdade
era uma oportunidade dada pela Igreja para que o pecador, no silêncio da reclusão, meditasse
sobre sua culpa e se arrependesse dos seus pecados.

Não obstante, a privação de liberdade, não foi adoptada somente a clérigos, mas também aos
cidadãos em geral. Doravante, com a instauração do cárcere como penitência e meditação,
originou-se a palavra “penitenciária”, considerada como a grande contribuição deste período da
história para a teoria da pena. As práticas punitivas ainda possuíam cunho vil e atroz, contudo,
com o advento das prisões criam-se novos princípios de administração ou aplicação em seus
cerimoniais, acarretando, assim, mudanças nas penas e na forma de executá-las.

Por conseguinte, no ano de 1215, a Igreja católica já temerosa, começa a punir todo e qualquer
ato que divergisse ou atentasse contra os dogmas presentes em sua doutrina. Como forma à
conter a ameaça de heresias no seio da comunidade, o Papa Inocêncio IV, compele nova
legitimidade para a prática da tortura. Ascendia na humanidade, um dos mais célebres
movimentos de execução da pena como espectáculo punitivo, denominado de: “Inquisição”.
Originam-se a partir daí, os tribunais do Santo Ofício.

Idade moderna e Idade contemporânea

Deveras, é com o fim da idade média e com começo do século XIX, que surge a fase da
humanização da pena ou fase humanística. Período caracterizado por um maior afrouxamento no
ato de se punir, pela aplicação de sanções penais mais suaves, com mais respeito e humanidade,
com menos sofrimento. “Esse movimento tinha por raiz a palavra ‘humano’, o que significava
que o homem era colocado no centro do universo, na condição de atenção de todas as
preocupações políticas, económica e sociais.

Foi em convergência a esse movimento, que se começou a ocorrer gradativamente à supressão


dos espectáculos punitivos, isso porque se começou a assemelhar a ideia de vilão ao estado,
fazendo com que o espectáculo adquirisse um cunho negativo. Nesse ínterim, a humanidade
reconheceu através do direito penal, a falência da pena de morte como normativa estatal.
Aplicação da pena capital (pena de morte) chegou a um plano tão alto, que em certo ponto
estatuiu-se uma segunda hipótese de morte, também conhecida como “morte civil”. O criminoso
perdia todos os seus direitos civis como cidadão, mas mantinha-se com sua vida preservada.
Sustentava-se no Direito penal a retórica de que isto era em função do próprio condenado, desde
que até então a prisão era apresentada somente como o local onde o réu esperava a execução da
verdadeira pena aplicada (morte, açoite, mutilações etc.).

Nesta fase, consagra-se a primeira noção de proporcionalidade na aplicação penal, teoria que foi
criada por Cesare Beccaria, em seu livro “Dos delitos e das penas “considerado “o verdadeiro
ponto de partida do direito penal moderno e da própria criminologia”. O monarca defendia a
existência de um acordo social celebrado entre os cidadãos. Assim, com fundamento nesse
acordo justifica a existência da pena como um mal necessário a qualquer ser livre que violasse o
pacto. Segundo seus princípios, as penas deveriam ser realizadas de maneira moderada e de
modo a serem proporcionais ao delito cometido. Segundo Beccaria:

Se fosse possível aplicar um cálculo matemático à obscura e infinita combinação de ações


humanas, haveria uma escala correspondente de penas, da maior para a menor; mas, não sendo
possível, basta ao legislador sábio indicar os pontos principais, sem perturbar a ordem, não
decretando a delitos de primeiro grau penas de último. (Beccaria, 2012, p. 23-24).

Ademais, atribuía ideia de prevenção à pena. Defendia que a prisão apesar de servir como
sanção, deveria também ser humanitária, devendo agir como instrumento de ressocialização do
criminoso. Para, o autor já referido: “O fim, pois é apenas impedir que o réu cause novos danos
aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo” (Beccaria, 2012, p. 62). A
aplicação da pena passa a ser um procedimento burocrático, que buscava corrigir e reeducar.
Agora, tinha como objectivo a reforma do delinquente.

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