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DIREITO PENAL III

Professora Claudia Costa


ÍNDICE

1. Introdução:
1.1. História da pena: análise histórica sobre a origem da pena.
1.2. Os primeiros modelos de sistema penitenciário.

2. Escolas Penais
1. INTRODUÇÃO:
1.1. História da pena: análise histórica sobre a origem da pena.
A humanidade sempre viveu em permanente estado de associação e a agrupamento social, na busca incessante do atendimento de suas necessidades
básicas, anseios, conquistas e satisfação (cf. Carrara, Programa do curso de direito criminal, v. I, p. 18; Aníbal Bruno, Direito penal – Parte geral, t. I, p. 67). E desde
os primórdios a violação das regras de convivência, ferindo os semelhantes e a própria comunidade onde vivia, trouxe à lume a necessidade de aplicação de uma
punição. Sem dúvida, não se entendiam as variadas formas de castigo como se fossem penas, no sentido técnico-jurídico que hoje possuem, embora não
passassem de embriões do sistema vigente. Inicialmente, aplicava-se a sanção como fruto da libertação do clã da ira dos deuses, em face da infração cometida,
quando a reprimenda consistia, como regra, na expulsão do agente da comunidade, expondo-o à própria sorte – pena de banimento.

Nos primórdios, os povos antigos tinham grande crença em forças sobrenaturais que, hoje compreendemos como a forma que eles conseguiam explicar
as forças da natureza. Quando um membro da comunidade infringia alguma lei da comunidade, eles acreditavam que tinham que punir o infrator, ou iriam despertar
a ira dos deuses. Na relação totêmica, por exemplo, instituiu-se a punição quando houvesse a quebra de algum tabu (algo sagrado e misterioso). Não houvesse a
sanção, acreditava-se que a ira dos deuses atingiria todo o grupo.

Já em uma segunda fase, surgiu o que se convencionou chamar de era da vingança privada, como forma de reação da comunidade contra o infrator. Na
realidade, a justiça pelas próprias mãos nunca teve sucesso, pois implicava, na essência, em autêntica forma de agressão. Diante disso, terminava gerando uma
contrarreação e o círculo vicioso tendia a levar ao extermínio de clãs e grupos. Neste contexto da vingança privada, O vínculo totêmico (ligação entre os indivíduos
pela mística e mágica) deu lugar ao vínculo de sangue, que implicava na reunião dos sujeitos que possuíam a mesma descendência. Vislumbrando a tendência
destruidora da vingança privada, adveio o que se convencionou denominar de vingança pública, quando o chefe da tribo ou do clã assumiu a tarefa punitiva,
surgindo um conceito de centralização de poder e concentração de autoridade sancionatória nas mãos de um líder ou de um grupo de líderes.
A centralização de poder fez nascer uma forma mais segura de repressão, sem dar margem ao contra-ataque. Nessa época, prevalecia o a famosa Lei de
Talião (olho por olho, dente por dente), acreditando-se que o malfeitor deveria padecer do mesmo mal que causara a outrem. Não é preciso ressaltar que as
sanções eram brutais, cruéis e sem qualquer finalidade útil, a não ser dar uma satisfação à comunidade, acirrados pela prática da infração grave. Entretanto, não é
demais destacar que a adoção do talião constituiu uma evolução no direito penal, uma vez que houve, ao menos, maior equilíbrio entre o crime cometido e a
sanção destinada ao seu autor.

Na Grécia Antiga, como retrataram os filósofos da época, a punição mantinha seu caráter sagrado e continuava a representar forte tendência expiatória e
intimidativa. Em uma primeira fase, prevalecia a vingança de sangue, que terminou cedendo espaço ao talião e às primeiras formas de composição. Já com o
advento do Direito Romano, dividido em períodos, contou, de início, com a prevalência do poder absoluto do chefe da família (pater familias), aplicando as sanções
que bem entendesse ao seu grupo. Na fase do reinado, vigorou o caráter sagrado da pena, firmando-se o estágio da vingança pública. No período republicano,
perdeu a pena o seu caráter de expiação, pois separou-se o Estado e a Religião, prevalecendo, então, o talião e a composição. Havia, por exemplo, a possibilidade
de se entregar um escravo para padecer a pena no lugar do infrator, desde que houvesse a concordância da vítima – o que não deixava de ser uma forma de
composição (cf. José Henrique Pierangeli, Escritos jurídico-penais, p. 366 - 368).

A Lei das XII Tábuas teve o mérito de igualar os destinatários da pena, configurando autêntico avanço político-social. Durante o Império, a pena tornou-
se novamente mais rigorosa, restaurando-se a pena de morte e instituindo-se os trabalhos forçados. Se na República a pena tinha caráter predominantemente
preventivo, passou-se a vê-la com o aspecto eminentemente repressivo. Mas foi também a época de significativos avanços na concepção do elemento subjetivo do
crime, diferenciando-se o dolo de ímpeto do dolo de premeditação, entre outras conquistas. Continuavam a existir, no entanto, as penas infamantes, cruéis, de
morte, de trabalhos forçados e de banimento.

No Direito Canônico, durante a Idade Média, permaneceu o caráter sagrado da punição, que continuava severa, mas com o intuito corretivo, visando à
regeneração do criminoso. “Assim, na Europa medieval o Estado concebeu-se em termos religiosos, como Estado confessional cristão, e isso gerava uma
justificação também religiosa do Direito Penal. O delito era visto como uma forma de pecado, e a pena era justificada como exigência de justiça, análoga ao castigo
divino” (Mir Puig, Estado, pena y delito, p. 4).
Nessa época, religião e poder estatal estavam intimamente ligados, e as penas continuavam a ter um caráter de “satisfação” aos deuses. A
heresia era um crime contra o próprio Estado e pessoas que fugiam do padrão da sociedade da época e, portanto, acabavam por serem considerados
hereges, sofriam punições extremas e, por vezes, fatais. Surgiram os manifestos excessos cometidos pela denominada Santa Inquisição, que se valia,
inclusive, da tortura para extrair a confissão e punir, exemplarmente, com medidas cruéis e públicas, os culpados. Inexistia, até então, qualquer
proporcionalidade entre a infração cometida e a punição aplicada.

O objetivo da pena, até então, era a intimidação pura, o que terminou saturando muitos filósofos e juristas, propiciando, com a obra Dos
delitos e das penas, de Cesare Bonesana, mais conhecido como Marquês de Beccaria, o nascimento da corrente de pensamento denominada Escola
Clássica. Contrário à pena de morte e às penas cruéis, Beccaria pregou o princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao
dano que o crime havia causado à sociedade. O caráter humanitário presente em sua obra foi um marco para o Direito Penal, até porque se contrapôs
ao arbítrio e à prepotência dos juízes, sustentando-se que somente leis poderiam fixar penas, não cabendo aos magistrados interpretá-las, mas
somente aplicá-las tais como postas. É dele também as primeiras ideias de insurgência contra a tortura como método de investigação criminal e
pregou o princípio da responsabilidade pessoal, buscando evitar que as penas pudessem atingir os familiares do infrator, o que era fato corriqueiro até
então, e que deu origem ao Princípio da Individualização da Pena (art. 5º, XLV, CFRB) que conhecemos hoje. A pena, segundo defendeu, além do
caráter intimidativo, deveria sustentar-se na missão de regenerar o criminoso.

1.2. Os primeiros modelos de sistema penitenciário:


O conceito de prisão, como pena privativa de liberdade, surgiu apenas a partir do Século XVII, consolidando-se no Século XIX. Até essa
época, utilizava-se a prisão como meio de guardar os réus, de modo a preservando-lhes fisicamente até que houvesse o julgamento (cf. Cezar Roberto
Bitencourt, Falência da pena de prisão – Causas e alternativas, p. 4, 58-59, 71-73). Esses sistemas penitenciários, que consagraram as prisões como
lugares de cumprimento da pena, foram, principalmente, os surgidos nas colônias americanas.
Em 1818, foi criada a Western Pennsylvania Penitentiary e, na sequência, em 1829, a Eastern State Penitentiary, nos Estados Unidos.
Conhecido Como Sistema Pensilvânico, onde havia isolamento completo do condenado, que não podia receber visitas, a não ser dos funcionários,
membros da Associação de Ajuda aos Presos e do sacerdote, não havendo o que se falar em garantias mínimas do preso, conforme prevê nossa
CF/88, Art. LXIII . O pouco trabalho realizado era manufaturado. A regra era a lei do silêncio, e os presos eram mantidos em celas individuais.

Em seguida, podemos mencionar o Sistema Auburniano, surgido a partir da prisão de Auburn, que tomou pulso com a indicação do Capitão
Elam Lynds como diretor (1823). Esse modelo reocupava-se, essencialmente, com a obediência do criminoso, com a segurança do presídio e com a
exploração da mão de obra barata. Adotava também a regra do silêncio total dos presos, de modo a mantê-los sob controle extremo, mas
diferentemente do Sistema Pensilvânico, estimulava o trabalho dos presos durante o dia.

Merece destaque que nestes dois modelos os presos eram absolutamente isolados à noite, pois eram trancados em celas individuais e o
contato noturno era absolutamente proibido. Ambos adotavam a visão punitivista e retributiva da pena. Além disso, em ambos os casos existia a clara
intenção de sustentar o capitalismo, com mão de obra barata e sem o poder de reivindicação dos trabalhadores livres, caracterizando um período
denominado de utilitarista. Entrou em declínio quando os sindicatos americanos passaram a desenvolver ações impeditivas da compra dos produtos
fabricados pelos presos, pois reputavam haver concorrência desleal (cf. Barja de Quiroga, Teoría de la pena, p. 36).

Por volta de 1787, Jeremy Bentham sugeriu a criação do presídio ideal, com sua célebre série de cartas. O denominado “O Panóptico” ou
“Casa de Inspeção” (O panóptico, p. 11-75), tão bem detalhado no livro Vigiar e Punir: Nascimento da prisão de Michel Foucault (1975). A origem do
termo advém de “pan-óptico”, ou seja, aquilo que permite uma visão total. Todas as celas voltavam-se para o centro do presídio e o condenado
passava praticamente todas as horas do dia em constante vigilância. Nesta concepção, a pena tinha a função de prevenção particular, que se aplica
ao delinquente individual, e a prevenção geral, que se aplica a todos os membros da comunidade.
Neste mesmo período, viu-se o surgimento do sistema progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade na Europa. Menciona-se
como marco desenvolvido a partir da colônia penal de Norfolk, ilha situada entre a Nova Zelândia e Nova Caledônia, onde, em 1840. Neste modelo, os
condenados foram divididos em vales ou marcas, conforme o seu comportamento e rendimento no trabalho, de modo a alterar positivamente a sua
condição, podendo diminuir a pena. A partir daí, era possível progredir de um sistema de isolamento total diurno e noturno, com trabalho pesado e
pouca alimentação, para um trabalho em comum, em silêncio, com isolamento noturno. O terceiro estágio da progressão era o da liberdade
condicional.

Este modelo desenvolvido na Nova Zelândia foi replicado com sucesso na Inglaterra e aprimorado na Irlanda. O modelo irlandês,
desenvolvido por Walter Crofton, o encarceramento era dividido em estágios, conforme o merecimento da pessoa encarcerada. Iniciava com
isolamento celular, passando pelo trabalho comum, com período de semiliberdade (colônia agrícola), com a progressão atingia a liberdade sob
vigilância, até o final da pena (cf. Aníbal Bruno, Das penas, p. 59).

2. Escolas penais:
Várias foram as teorias que buscaram explicar o caráter da pena. A que se prestava a aplicação da pena a um infrator? Seria uma espécie de
vingança da sociedade contra aquele que infringia as regras? Ou teria um caráter pedagógico, com o intuito de dar o exemplo e impedir que outras
pessoas ofendessem o “pacto social” estabelecido? Vejamos a seguir as principais teorias que se prestaram a explicar as finalidades da pena:

a) Clássica: baseada nas ideias de filósofos e estudiosos do tema como Carrara, Rossi, Kant, Hegel, entre outros, defendia que a pena tinha
finalidade eminentemente retributiva, voltada à aplicação de um castigo ao criminoso. O fundamento da pena era a justiça e a necessidade moral,
pouco interessando sua efetiva utilidade. Kant sustentava que a pena era a retribuição justa desprovida de finalidade, representando a causação de
um mal como compensação à infração penal cometida. Se o ser humano pode ser considerado moralmente livre, com capacidade de se
autodeterminar, natural se torna sofrer punição pelo que faz de errado. Hegel, por sua vez, embora inserido na mesma corrente, possuía visão
A escola Clássica encontrou seu grande representante e consolidador em Francesco Carrara, que se manifestou contrário à pena de morte e
às penas cruéis, afirmando que o crime seria fruto do livre-arbítrio do ser humano, devendo haver proporcionalidade entre o crime e a sanção aplicada.
Os clássicos visualizavam a responsabilidade penal do criminoso com base no livre-arbítrio. Nas palavras de Antonio Moniz Sodré de Aragão, “o
criminoso é penalmente responsável, porque tem a responsabilidade moral e é moralmente responsável porque possui o livre-arbítrio. Este livre
arbítrio é que serve, portanto, de justificação às penas que se impõem aos delinquentes como um castigo merecido, pela ação criminosa e livremente
voluntária” (As três escolas penais, p. 59). Passou-se a considerar o crime como um ente jurídico e não como um simples fato do homem.

b) Positiva: esta teoria entendia que a pena deveria ter um fim utilitário, consistente na prevenção geral e especial do crime. Com base nas ideias de
Beccaria, Feuerbach, Carmignani, entre outros. O marco desta Escola foi a publicação do livro O homem delinquente (1876), de Cesare Lombroso.
Lombroso sustentou que o ser humano poderia ser um criminoso nato, submetido a características próprias, originárias de suas anomalias
físico-psíquicas. Dessa forma, o homem nasceria delinquente, ou seja, portador de caracteres impeditivos de sua adaptação social, trazendo
como consequência o crime, algo naturalmente esperado. Não haveria livre arbítrio, mas simples atavismo.

Importante mencionar que a Escola Positiva deslocou o estudo do Direito Penal para o campo da investigação científica, proporcionando o
surgimento da antropologia criminal, da psicologia criminal e da sociologia criminal. Ferri e Garofalo foram discípulos de Lombroso e grandes
expoentes da escola positiva, sobretudo o primeiro. Enrico Ferri defendia que o ser humano seria responsável pelos danos que causasse
simplesmente porque vivia em sociedade. Negou terminantemente o livre-arbítrio, defendido pela escola clássica. Assim, o fundamento da punição era
a defesa social. A finalidade da pena consubstanciava-se, primordialmente, na prevenção a novos crimes.

Não há dúvida de que a Escola Positiva exerceu forte influência sobre o campo da individualização da pena, princípio que rege o Direito
Penal até hoje, levando em consideração, por exemplo, a personalidade e a conduta social do delinquente para o estabelecimento da justa sanção.
Ambas as escolas merecem críticas, justamente por serem radicalmente contrapostas e defenderem visões diametralmente opostas entre si.
Enquanto a Clássica ignorava a necessidade de reeducação do condenado, a Positiva fechava os olhos para a responsabilidade resultante do fato,
fundando a punição no indeterminado conceito de periculosidade, conferindo poder ilimitado ao Estado, ao mesmo tempo em que não resolve o
problema do delinquente ocasional, portanto, não perigoso.

Várias outras escolas surgiram após a clássica e a positiva, buscando conciliar os princípios de ambas, mas nenhuma delas atingiu o grau de
consistência das primeiras. Denominaram-se Escolas Ecléticas ou Críticas. Apreciando as inúmeras escolas penais, professa Frederico Marques que,
na escola clássica, houve excesso de preocupação com o homem abstrato, sujeito de direitos, elaborando suas ideias com o método dedutivo do
Jusnaturalismo, enquanto na escola positiva houve uma hipertrofia naturalista, preocupando-se em demasia com as leis físicas que regem o universo,
em detrimento da espiritualidade da pessoa humana. A escola eclética denominada técnico-jurídica, por sua vez, baseou-se na hipertrofia dogmática,
sem grande conteúdo. Enfim, conclui, “o Direito Penal deve estudar o criminoso como espírito e matéria, como pessoa humana, em face dos princípios
éticos a que está sujeito e das regras jurídicas que imperam na vida social, e também ante as leis do mundo natural que lhe afetam a parte contingente
e material” (Tratado de direito penal, v. I, p. 110-111).

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