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ulho-agosto de 2004 - ano 12

Revista Brasileira de CIÊNCIAS


CRIMINAIS
49

BIBLIOTEC A J URÍDICA
-3 ÈJ ^ CLÁUD IO GUIM ARÃ ES
.1
OBRA N°: 960
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. "I‘>h ,H.(‘ A! \ n 1111ng schwererMenschenrechtsverl etzungen:
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88 RBC C2U M 49 - 2004


“Princípio daofensividade”
e crimes de perigo abstrato -
Uma Introdução ao debate
sobre o bemjurídico e as
estruturas do delito
Luís Greco
Mestre pela Universidade Ludwig Maximüian, dc
Munique, e doutorando na mesma instituição.

Sum ário: I - Considerações int rod utó rias - II - O pri meir o grupo d e
dúvid as: o conceito de bem jurídi co: 1. Co nceito dogm ático e conc eito
polít ico-criminal de bem j urídico; 2. O primeiro problema: é possíve l
um conceito po líti co-crim inal de bem j urídico?; 3. O segundo proble
ma: esse conceito políti co-crim inal de bem jurídico pod e ser cond ição
necessária para a incriminação?; 4. O ter ceir o problem a: com o distin
guir bens juríd icos coletivos autênticos de falsos b ens jurídico s colet ivos? ;
5. Sí ntese das cons ider ações sobr e o bem jur íd ico -III - O segundo grupo
de dúvidas : a estrutura do deli to: 1. Introdução; 2. A primeira dúv ida : o
que se deve entender por perigo c oncreto?; 3 . A segunda dúvid a: cri mes
de perigo ab strato e falsos bens jurídicos coletiv os; 4 . O caminho pro
missor: abandon o de soluções globais em favor de um detalhado desen
volvimento das divers as estruturas do delito; 5. Síntese das co nsidera
ções sobre o b em jurídico; 6. Síntese das considerações sobre a estr utura
do deli to —IV —Co nclusão - Bibli ograf ia.

Re sum o: O autor tom a a cada vez dif undida tese da incons tituci onal idad e
dos crimes de perigo abstrat o co m o po nto de p artida para uma anál ise da teori a
do bem jurídico e das estruturas do deli to (is to é, dos problem as rel ati vos aos cri
mes de perigo concret o e ab strato). Suas conclusões cam inham n o sentido da

Direito Penal 89
Luís G rec o

imp ossibili dade de crité rios simples e globais, fazend o-se n ecessári a um a abor 
da gem tão di ferenci ada quanto os pro blem as que ela se propõe a reso lver.
Palavras-chave: P rincípio da lesivi dade; bem jurídi co; crimes de perigo; pe 
rigo abstrato; fins do direito penal.

I - Consider ações introdutóri as


Adoram os estar na moda. Isso vale para o que o ve stimos, comem os, para
os lugares que freqüentamos - po r que não valeria para as teori as que defende
m os? Pois bem, não exist e nada mais in, nada m ais faskion atualmente do que dizer
que os cri mes de perigo abstrato seriam in totum inconstitucionais, por violarem

um certo princípio da lesividade ou ofensividade.1Afinal, segundo esse princí


pio, não haver ia cri mes sem lesão ou p erigo concreto de l esão a um bem jurídico.2
E com o os crimes de perigo abstrato sã o justam ent e aquel es cujo t ipo se conside

1. O primeiro a defender esta tese entre nós, segu ndo vejo, foi Lu iz Flávio Go me s, “A contraven
ção do art. 32 da Le i das Contravenções Penai s é d e perigo abstrat o ou concre to? (A questão da in-
constitucionalidade do perigo abstrato o u presu mid o)”, RBCCrim 8/69 et seq. Dep ois, seguiram-se
Paulo Queiroz, Do caráter subsidiário do direitopenal, Belo Horizonte: D el Rey, 1998, p. 112 e 150;
Dam ásio de Jesus, Crimes de trânsito,4 . e d. ,São Paulo: Sarai va, 2000, p. 2 et seq., Leiantitóxicos, 6.
ed., São Pau ío: Saraiva ,2000 , p. 15 et se q.; Lui z Flávi o Go me s, Norma ebemjuridico no direitopenai,
São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 30; Mariângela Magalhãe s G om es, Oprincipio da proporcionalidade no
direitopenal, São Paulo: Ed . RT, 2003, p. 120 e t seq.; Alice Bianchini, Pressupostos materiais mínimos
da tutelapenal, São Paul o: Ed. RT ,200 3,p. 67 et seq. Ma is cont ido, Angelo Robert o Ilha da Silva,
Dos crimes depertgo abstrato emface da Constituição,SI o VtüAo :E d. R T,2003,p. 95 etseq., que admi te
alegitimidade destes crimes, desde que respe itados certos princ ípios.
A doutrina italiana, que é a mais importante fonte de inspiração dos críticos nacionais do perigo
abstrato, parecejá há muito ter abandd hado a atitud e meramente negativa em favor de u ma análise
mais diferenci ada (cf. Fiandaca e M usc o, Dirittopenale. Parte generale , 3. ed., Bolo gna: Zanichelli,
1995, p. 1 76 etseq .; Fiore, Diritto penale. Parte generale, Torin o:Utet, 1999, vol. I.,p . 183 etseq .;
Mantovani, Dznrto/«?w/e, 3 - ed., Padova: Ce dam , 1999, p. 232 , n. 70a; Marinucci e D oicini, Corso di
dirittopen ale,! . ed.,Milano: Giu ífrè,1 99 9,p.4 16 et seq.; Padovani, Diritto penale,h. ed., Milano:
Giu firè,1995,p.l7 2;Pagiiaro ,PnW (£z^tV ín/í0JÊ£?2i2/i?,8.ed.,Milano: Giu ffrè,2 003 ,p.24 6 etseq.).
Radical, ainda, Ferrajoli, Dir itto e ragione, 5. ed., Rom a/B ari: Laterza, 1996, p. 482 e 739.
2. Por exemplo, Lu iz Flávio Go m es, Principio da ofensividade no direitopenal, São Paulo: Ed.
RT, 20 02, p. 14.

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"Princípio da ofen sividade" e cri m es de oerigo abstrat o

ra preenchido sem que o bem j urídico seja sequer exposto a um perigo con cre to,
neles o dito pr incípio da lesividade estari a vi olado. Um a vez que este princípi o
teria hierarquia constitucional,3 os crimes de perigo abstrato seriam sim plesm ente

contrários à Constituiçã o. E stariam já á dm inad os d e inconstituci onalidade, n ão


podendo mais ser aplicados, apenas se passíveis de reinterpretação em termos
condizentes com o princípio. N ão raro se complem enta essa argumentação com
algumas fórmulas também da moda: os crimes de perigo abstrato não seriam
condizentes com um direi to penal garan tista, com um dire ito penal m ínimo.4
Violariam a presunção de inocênci a, por presumirem um perigo, e o princípio da
culpabilidade. Não examinaremos essa segunda bateria de argumentos. Objeto

das seg uintes reflexões será unicam ente a prime ira linha argum entativa, a s aber, a
da m edida em que o princípio da lesi vida de pode levar a que se reconheç a a in
constitucionalidade de todos os crimes de perigo abstrato.
O que m ais imp ressiona em toda essa argum entação é, ao lado de sua
evidente coesão lógica, o grau de convicção daqueles que a desenvolvem. Por
trás dessa atitude está o justificado descontentamento c om um legisl ador que
não pára de cria r novo s crimes - para cit ar um exemplo recente , a nova L ei so

bre Armas de Fogo define como crime inafiançável a conduta de “disparo de


arma de fogo ”, com inando-lhe pena superior à das les ões corporais (ar t. 15, Le i
10.826/2003).;’ O que me pergunto é se este tipo de postura não é quase tão
descuidada e apressada quanto as normas que a m oti vam, porque tal juízo glo
bal de condenação dos crimes de perigo abstrato repousa sobre uma série de

3. Cf.idem ,ibidem ,p.58etseq.Jesu s, C rrâ«^ fràraííc,cit.,p.30,q uer extraí-lo do art. 98,1,


da C F, que fala em infrações de menor potencial “ ofensi vo”.

4. C£ , quanto ao i mpreciso conce ito de “direito penal míni mo”, Greco, “Pr incipio da subsidi a-
nedade n o direit o penal”, Dicioná rio deprincípiosjurídicos , no prelo.
5. O dispositi vo reza: ‘‘Disparar arma de fogo ou aci onar muni ção emlu gar habitado ou em s uas
adjacências, em viapública ou em direção a ela , desde que essa conduta não tenha como finalidade
a prática de outro crime. Pen a-re clus ão, de dois a quatro anos, e multa . Parágrafo único. O crime
previsto nes te artigo é inafiançável”. Est a condu ta era, até então, mera contravenção penal.

Direito Pon.il 91
| h » n*" Hi-titt i u mo seguras com o par ec em sup or os

(tftauí;!** .I m I, J ..... H«fl.tiiK nlOo

II i 11ti ini(*í r« grupo de dúvidas: o conceito de bem ju -


iii li i <»

1 l 'mh c íü o dogmátic o e conce itop olítico -crim inal de bem


jurídico

Se o princípio da lesividade ou ofensividade (usaremos as duas expres


sões indist intamen te) significa a exigência de lesão ou perigo co ncreto de lesão
a bem j urídico , o conceit o de bem jurídico torna-se um a das q uestões centrais.

E aqui, justamente, se apontarão as prim eiras dúvi das. An tes de prosseguirmos,


é necess ário fazer um a disti nção entre dois conceitos de bem jurídico. Qu an do
afi rma mo s que toda incriminaç ão visa a defender um bem jurídi co, o concei to
de bem jurídico po de ser ent endi do, aqui, tanto de um a perspecti va dogm ática,
quanto de u m a perspect iva políti co-criminal, ou, para usar a fa m osa term ino
logia de Hassem er, tanto de uma perspectiva i man ente ao si stema, quanto trans
cendente ao sistema.6
D e uma perspectiva dogmática, toda norm a terá s eu bem jurídico. O cri
me de casa de prostit uição, po r exemplo, (CP, art . 22 9) ter á por bem jurídico a
“m oralidade pública sexual ”,7 a bigam ia (C P art. 235 ) o “i nteresse do E stado
em proteger a organização jurídica matrimonial, consistente no princípio
mo nogâm ico”.8 A lgun s auto res consi deravam que a rev ogada i ncriminação do
hom ossexualismo, na legis laç ão, alem ã, protegia o bem ju rídico “interesse so-

6. Hassemer, TheurieundSoziologiedes Vebrechens,Frankfurt a .M .: Eu ropãische Verlagsanstal t,


1980, p. 19. N a doutrina it aliana, fala Ferrand o Manto vani, op. cít. , p. 213, e m concepç ão
‘juspositivista”e “metapositivista” de bem jurídico.
7. Cf. Céza r Bitencourt, Código Pe na lcomentado,Sã o Paulo: S araiva, 200 2, p. 912.
8. Idem,íbidem,p.926.

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"Princípi o da ofensividade" e cr imes de perigo abstrato

ciai na norm alidade da v ida sexual”.ç Q uan to a este concei to, não há qualqu er
dúvi da ou problema. Ele nada m ais é qu e o intere sse protegido po r determ ina
da norm a, e on de houv er um a norm a, haverá um tal inter ess e.
M as quando discutimos os limites do po der l egal de i ncri minar, não é ess e
o conceito de bem jurídico que nos interess a. Afinal, es te conceit o está à com ple
ta disposição do legis lador. Co m base n este concei to, só se poderá dizer s e algo é
um bem jurídico se o legislador assim houver deci dido. O que precisamo s saber é
se é possí vel t rabalhar co m um concei to não m ais dogm ático, e úxa. polític o-cri
m ina l àe. bem jurídico; noutras palavras, se se pode espera r do conceito de bem
ju rídic o alg um a eficácia no sentido de lim itar o p oder de p unir do Esta do.
N este trabalho, não trataremos do conceito dog m ático de bem jurídico,

m as unicamente do políti co-criminal. Tal n ão implica separar do gm ática de po~


lítica-cri mina l,10nem desconhecer em que m edida o conceit o d ogm ático de pen
derá do conceito polít ico-cri m inal. A rigor , penso que o concei to dogm ático d e
verá ser construído nos m oldes que lhe sejam fornecidos pelo conceito políti co-
criminal, e alguns apontamentos nesse sentido serão feitos no correr do estudo.
Ocorre que, por r azõe s de espaço, concentrarei a s atenções no exam e do conceito
político-cr iminal de b em jurí dico, fazendo só observaç ões pontuais a respeito da
rel evânci a d ogm ática d essa categori a polític o-cri minal.

2. O -brimeiro problema: épossível um conceito político-cri


minal de hemjuríd ico?
a) O panorama: entre defensores e céticos
Primeir amente, u m curt o pano rama sobre a dis cuss ão no B rasil e na A le
man ha . N o Brasil, a d outr ina tradicional, a ri gor, nem sem pre utilizar as palavras

9. Maurach, DeuíschesStrafrecbt- BesondererTeil ,4. ed.,Karlsruhe:C.F.Mü ller, 1964, p . 411.


10. O que não s e mo stra m ais possível desde o fundamental estudo de Roxin, Política crim inale
ststemajurídico-penal, 2. ed., C rad. Lu ís Greco, Ri od e Janeir o: Renovar, 2002 {l. aedição publicada
srcinal mente em 1970). M ai s d etalhes sobr e essa abordagem • cham ada “funcional”, em G reco,
“Introdução à d ogm ática funciona lista: do delito", RBCCrim 32 /120 et seq ., 2000.

Direito Penal 93
Luís Greco

“bemjurídico”, preferi ndo p orvez es o term o o bjeto ou objetiv idade ju rídica. Co m o


esta di ferença é apenas terminológica, pode -se dizer que ela já conhecia o concei
to de bemjurídico, mas em sua dimensão exclusivamente dogmática. Ou seja, a
nossa doutrina majoritár ia, acostumada exclus ivamente com o conceito dogm ático

de bem jurídi co, n ão c ostuma reconhecer qualquer função crítica ou político-cri-


min al à idéia.1 1 E m geral, só a par tir de investigaçõ es m ais recentes se com eçou a
prop or um conceito de bem jurídic o com o diretriz para o legislador. 12 Segundo
vejo, pioneiro aqui foi Jua rez Tav ares.13
N a Alemanha, ao contrário do que talvez se pen se, a s ituação n ão é tã o
dive rsa. Ao lado de algu ns defensores do conceit o político-crim inal de bem
ju ríd ic o ,14 há u m a v asta doutrin a m ajo ritá ria que ou a re jeita d e m odo expre s-

11. Cf. Hungri a, in: H U N GR IA , Nels on; FR A G O SO , Hel eno. Comentários ao Código Penal.
5. ed. Rio de Jane iro: Forense, 1978. t. II, vol. I, p. 10 et seq.; Bruno, Direitopenal. Parte geral,
3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1967, t . II, p. 212 ; Maga lhães N oronha, Direito -penal, 32. ed.,
São Paulo: Saraiva, 1 997, vol . I, p. 115; Fragoso , Lições de direitopenal. Parte geral, 5. ed., Rio de
Janei ro: Forense, 1 983, p. 268 et seq.
12. Um a pequena amostra, ordenada alfabeticamente, sem qualquer pretensão de ser comple
ta: Nilo Batista, Introdução critica ao direito pe nal brasileiro, 4. ed.,R io de Janeiro : Revan, 1999,
p. 94 et seq .; Fernando C apez , Consentimento do ofendido e violência desportiva, São Paulo ; Sa 
raiva, 20 03 ,p. 114; Yuri Carneiro Coe lho , Bemjurídico-penal. Belo Horizonte: Mandamentos,
2003, pa ssim; Luiz Flávio Gom es, Norm a e bemjurídico..., cit.; Ilha da Silva, op. cit., p. 29 et
seq.; Ma galhães Gom es, op. cit., p. 90 et seq.; Lu ís Régis Prado, Bem jurídico -penale Constitui
ção, 3. ed., São Paulo: E d. RT , 2003, p assim; Jua rez Tavare s, Teoria do injus to pe na l,2. ed., Belo
Horizonte: De l Rey ,2002 ,p. 197 et s eq.
13. Co m o estudo “Critérios de selação de crimes ecomina ção de penas ”, RBC Crim, São Paulo,
número especial de lançamento, p. 78 et seq,, 199 2. ,
14. Por exemplo, Freund, in: H E IN TS C H E L- H E IN E G G , Bemd v on (Ed.) . Münchener
Komm entarzum Strafgesetzbuch. München: Beck, 2003. vor §§ 1 3 ff/4 2 et seq.; Hass emer,
“Gru ndlini en ei ner person alen Rechts gut slehre ”, in : PH ILIP S; S C H O L L E R {&à.).Jenseits
des Funktionalismus. Heidelberg: Decker u. Müller, 1989. p. 91-92); “Darfe s Straftatengeben,
die ei n straf rech diche s R echtsgut nic ht in Mítl eidenschaft z iehen? ”, i n: H E F E N D E H L ;
W OH LE RS ;v.H IR SC H (Ed s.).Z)?> fo’i:to(g'Zí/j^écní’.B adenBaden :Nom os,2003.p. 64,par a
o qual proibições penais sem be m jurídico seriam “terrori smo estatal"; Herend ehl, Koílektive
Rechtsgüterim Strafrecht, Kóln: Heym anns etc.,2 00 2, p. 18 er seq.; “Da s R echtsgut ais m aterialer
Ang elpun kt e iner Strafnorm”, in: H E FE N D EH L; W O H LE RS: v . H IR SC H (Eds. ). Die
Rechtsgutstheorie.Baden Baden: N om os,2003. p. 119 et seq.;“DieTagun g aus derP ers pekt ive
eines R echtsgutsbe fiinvor ters”, in: H E F E N D E H L ; W O H LE RS ; v. H IR SC H (Eds.). Die

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"Princípi o da o fensividade" e crimes de perigo ab strata

so,15 ou se man tém nu m a cética reserva.1 6 E a Co rte C on stitucio na l al em ã,


que te ve em 1994 a oportu nidad e de aplicar a teoria do bem jurídico ao exa-

Recbtsguístheorie. Baden : N om os,2003 .p.38 6 ets eq. ; Ott o, Grundkurs Strafrech t, 6.ed.,
Berlin/NewYork: D eGruyter, 2 000, § 1/40; Roxin, “ W andlung der S traf rechtswi ssens chaft”,
JA , p. 22 3,1 98 0; “Zu r Entw icklung der Kriminalpoli tik seit den Alte rnati v-Encwürfen’ ’,J/í, p.
546 ,1980; Rudolph i,“Die verschi edenenAspek te des Rechts gutsbe griffs”, FestschriftfürHomg,
Gottingeiv. O tto S chwarz 8c Co ., 1970, p . 163 et seq. ; SystematischerKommentar,6. ed., Neuwied:
Luchterhand etc., 1997, vor § 1/8 ; Schünemann, “Strafrechtsdogmatik a is Wissensch aft”, in :
SCH ÜN EM AN N erai. (JL<is.).FestscbriftfurC!ausR o x i n . DeGruyter,2001.p.26 etseq.;
“Das Rechtsgüterschutzprinzip ais Fluchtpunkt det verfassungsrech.dich.en Grenzen der
Strafta tbestande und ihrerlnterpretation”,in: H E F E N D E H L ; W OH LE RS ;v. H IR SC H (Eds. ).
Die Rechtsgutstbeorie. Baden Baden: N omos, 2003. p. 133 etseq.; Stãc helin, Strafgesetzgebungim
Verfassungsstaat,Ber lin: Dun cker ô tHu mb lot, 1 998. p. 80 et seq.
15. Amelung,“DerBegriffdesRechtsgutsinderLehrevomstrafrechttichenRechtsgüterschutz”,
m: H EF EN D EH L; W OH LE RS ;v.H IR SC H (Eds. Baden Baden: Nomos ,
200 3. p. 154 etseq. (a traduçã o deste estudo pa ra o português, feita por mim , encontra.-se no prelo);
Appel, Verfassung undStrafe, Berlin: D uncker ôcHu mbloy, 1998, p. 206; “Rechtgüterschutz dur ch
Strafrecht?”, KritV, p. 27 8 et seq., 1999; Bockelmann e Vòlk , Strafrecht- Allgeme iner Teil, 4. ed.,
Münc hen: Beck , 198 7, p. ll;F risc h ,“Anden Grenzend es Stra frechts”,in: K Ü PE R ;W EL P( Ed s.).
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C. F. Müll er, 1996. p . 136 ets eq.; “Rech tsgut, Recht , Deliktsstr uktur und Zurechnu ngim Rahm en
der Legi tima tionstaa dichenS trafens”,in:H E FE N D E H L; W OH LE RS ;v.HI R SC H (Eds.).-Dzá
Baden Baden: Nom os, 2003. p. 21 6 et seq.;Jak obs ,“Kriminalisi erungimVorfel d
einer Rechtsgutsverletzung
DeGruyter, ”, ZSiW97/752,
1991, §2 /1 etseq.;Mich aelKóhle r,1985; Sirafrecht
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des Bundesverfassungsgeric hts", StV, p. 112 ,199b;WohleTs,De/iktstypendesPráventionsstrafrechts
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16. C f principalmente os manuais e comentários: Lenckn er,em Schónke e Schrõder, Strafgesetzbzicb
Kommentar, 26. ed.,München: Be ck ,2001, vor §§ 13 et se q./10; Gropp, Strafrecht- Allgemeiner

Direit o Penai 95
Luís Greco

m inar a probl emá tica da proibição do porte de haxix e para uso pessoal, fez
questão de não o fazer.1 7D esd e e ssa d ecisão p od e-se afi rmar que os defensores
do conce ito políti co-cri m inal de bem jurídico se encontr am na defensiva, ha

vendo m esmo quem brinque com a me táfora de estar o conc eit o de bem jurídi
co moribund o, no leit o de mo rte, ou declarad o mo rto por seus opo sitore s.18
Ain da assim, o concei to político-cri m inal de bem jurí dico teve, ao menos
hist oricamente, um a gr an de conquista', orientou amplas descriminalizações no
direito pen al se xual alemão. Para lemb rar unicamente o exemplo m ais significati 
vo: na Alem anha, o hom ossexualis mo masculino era um a conduta punível até a
década de 70. Algun s autores valera m -se de um conceito crí tico, político-cri m i
nal de bem jurídi co para dizer que tais incri minações de condutas me ramente
imo rais não tutel avam bem j urídico alg um , sendo, portanto, ilegítim as.19 E ssa
argumentação acabou p or convence r o legis lador, que abol iu o referido dispo siti
vo, iio la do de mu itos out ros. M a s m esm o essa conquista é at ualmente questiona-
dii [)oi muitos. Para Frisch20 e Stratenwerth,21 por exemplo, o conceito de bem
|m idii o aqui pouco fez; a descrim inaliza ção do hom ossexualism o ma sculino de-
» niMMiii ilc m ud an ças cultu rais , elas s im de cisiv as.
M,u'» ii!|;uns autores não vê em no bem j urídico qua lquer conteúdo

liliruli. MHIr, tKV icnlido que lhe é atribuíd o p or mu itos, e sim um m ecan ism o que
Jh l, llnltn ' itijií» i M , V27 ct &eq.; Jesche ck e W eige nd, Leh rb uc h d es S tr a fr e c k ts -
All ^emr Min íill, i u l , Un lin 1hnt i kcr W íum blot, 1996,p. 7etseq.;W essekeB eulke,
All flciiioiuei iu l, * I o l , I Imiotlici n t ’. !r,M ul ler ,20 03 ,n .9.
17 . BVal t; cm NJW W . p , \STl et wq.
18. Cfo sdoiadflvniicimu ltnoniT ilopollfi io c'rí mm ddebem jurí dicoHetendehl,“DasR echtsgut
ais ma terialer ...", cír., p. 1 1 c Hi lilt iimiitnii ,"1 ) íih Rcchtsgüterschutzprinzi p...” ,cit.,p . 13 3.
19. E m espec ial He rbcnjíl^o i, S/iafyctcfz^ r/jringu rid RsebtsgúterscòutzèeiSiíí/ichke itsdelikten,
Stuttgart: Ferdinand Enke Wrlug, 1 0^7, p, 6 ct seq.; Roxin, Tãtench aft und Tatherr schaji,
Ham burg: Cram de Gr uyter, 1963, p . 41.} ct 'icq ,,! lan ack /Ein ptie hlte ssich .die Grenzen des
Sexualstrafirechtsneuzubestimmen?”, (hiCachtcnAfúrder! 47 Deutschenjuristentag,
Beck, 1968 , n. 29 et seq.
20. Frisch ,“Rech tsgut,Rech t,De!ik£sstruk tur,..”,cit., p. 218.
21. Stratenwertb, “Zum Beg riff.. .”,cit.,p. 3 89 ct seq .

96 RBCCRI M 49 - 20 04
"Principio da otensividade" e crimes de perigo abstrato

mais e m ais serve de base p ara legitimar a e xpansão do direito penal.2 2 Pod emos
mencionar aqui Jak obs , pa ra o qual a idéia de bem jurídico pode n o máxim o che-
o-ar a um direit o p enai de inimigo, oposto ao direito pena l cidadão, s end o a fina

lidade deste não a proteç ão de bens jurídicos, e sim a max imização d e esf eras de
liberdade,2 3 e Volk , que verifica que o conceito de be m jurídico mu dou com pleta
mente de função, aban don and o a função crític a para passar a fundamen tar as nov as
incriminações do direito penal econômico e ambiental.24
E nfim , o concei to de bemjurídico po de ser tudo, menos amp lamente ac eito.
Pelo c ontrário, tanto no B rasil, como na A leman ha, ele é def endido p or uma
doutrina m inoritária. A ún ica diferença entre nós e os alemães parece ser que aqui
está na m oda falar de b em j urídico, enquanto lá a m oda a gora é recusá- lo. Tais
observaç ões n ão signifi cam, porém , que essa doutrina minoritári a não po ssa ter
razão; ela s val em, a inda assim , como pr imeiro sinal de cuidado, no sentido de que
é me lhor parar e refleti r a respeito d e nossas certezas. E o que faremos a seg uir.
b) A problemática do conc eito polít ico- cri minal de bem jurídico: onde
fundamentá-lo?
Qu eremo s um conceit o de bem jurídico capaz de rest ringi r o po der de
incriminar do legisl ador.2 S O problem a é, ass im, d e onde ext raí -lo . N a Ale m a-

22. Es te p erigo, em especial no que se refere a bens jurídicos coletivos , é apontado mesm o por
defensor es do conceito político-crim inal de bem j urídi co, com o repetidamente faz Ha ssemer,
“Grundli nien einer personalen. . cit., p. 89; “ Symbolisc hes S trafrec htund Rechts güte rchut z”,
NSíZ, p . 557,1989 ; Einfü hm ng in die Grundlagen de s Strajrechts, 2. ed., Münc hen: Beck , 1990,
p. 27 5; “Straf rechtswiss enschaft in de r Bundesrepubl ik Deutschíand’ ’, in: S IM O N (Ed.).
Rechtswissenschaft in de rBo nn er Republik. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1994. p. 299 e 307;
“Perspekt iven einer neuen Krim inalpoíitik”, StV, p. 484,1995.
23. Jako bs, “Kriminalisierung im Vorfeld...”, cit., p. 756.
24. Volk, “Strafrech tund Wirtsc haftsl criminai itàt^.yZ, p . 88,1 982 .
25. Esta mos abstraindo da pergunta, ta mbém relevante, quanto a se esta limitaçã o ao poder do le 
gislador tem necessariamente de ser prestada pelo conceito de bemjurídico, e não por alternativas.
Uma alternativa que vem gan hand o cada vez mais adeptos é a teoria da lesão a direit os, que remonta
iTtneib .à\{c£.Ye.\izib/ich.,R.evisionderGrundsàtzeundGrunàbegriffèdespositivenpein[ichenR£chts,
2

Erfurt: Hennings cheBuc hhand lung, 17 99,reimp. Aalen, 1966, vol. I,p. f>5',R£n)isionderGrundsátze
und Gnmdbegriffe despoútiven peinílcben Rechts, Tasche: Chem nitz, 1800,reim p. Aalen, 1966, vol .

Direito Penai 97
Luís Greco

ului, as propostas são as mais variadas. E xiste m autores que bu scam insp iração na
filosofi a de K ant e Fichte,2 6 com o ou tros que a procuram na filosofia da lingua 
gem anglo-saxò nica.2 ' Pod e-se observar, contudo, q ue a m aior parte desta s pro
postas fi cou sem continuidade . Um a ún ica del as parece de algum modo prospe
rar: a de definir o bem jurídico c om arr im o na Constituiçã o.2S Estar-se-ia, assim,
diante de um conceito político-cri minal de bem jurídi co vincul ante para o legis la
dor, porque ele seria e xtraído diretamente da Co nstituiçã o, sendo portan to dotado
de hierarqui a consti tucional. E ss e pa rece ser igualmente o ca minho preferido pelos
defensores brasi leiros do conceito p olítico-crim inal de be m jurídico.2 9
c) A prob lemática do conceito constitucional de bem jurídico (I): o cará
ter abe rto e impreciso das C onstituiçõ es

O problema que tal conceito con stitu cion al de bem ju ríd ico coloca sa lta aos
olhos já à prim eira vista. S e a C ons tituiç ão é necess ariamente aberta, s e inúmeros
valor es, m esm o conflitantes , encontram acolhid a em seu sei o, como se po de fàlar
numa limit ação ao pod er do legislador? Ta is dúvidas, que são colocadas mesmo

II, p. 12 ec seq.; Lehrbuch desgemeinen in Deutschlandgültigenpeinlichen Rechts, 14. ed., Giessen:


Heyer, 1847, § 21 ); entre os aut ores atuais, defen de posicionam ento bastante similar à teoria da
lesão a direi to Naucke, “Zu Feuerbach s S traftarbegriff”, ÜberdieZerbrechlichkeitdesrechtstaatlichen
Strafrechts, Baden Baden: Nomos, 2000, p. 191 et seq.; mais decididos, Klaus Giinther,
‘‘Mõg üchkeitene inerdisku rsethischenB egriindu rigdes Strafrechts ",i n:JU N G et aI.(Eds.).i?<?í:<fc
Bad en B aden:
undMoral. wechseTim
Taradigma N om os, in:
Strafrecht?”, 1991. p. 21
IN ST IT 0;
U T“ Von
FÜ Rder Rechts-
K RIM INAzur
LWPflichtve
ISSEN SCHrletzung.
AF TEEin
N
FRAN KFU RT a. M .(Ed.) . Vbm unmõglkhen Xustanddei Strafrechts. Frankfurt a. M .; Peter Lang
etc., 19 95. p. 445 e t seq.; Kargl , “Rechtsgüt erschutz d urch Recht sschutz", in: IN S T IT U T FÜ R
KRIM INALW IS SENSCHAFTEN FRA NK FUR T a.M. (E d.). Vom unmõglkhen Zustanddes
Strafrechts.Frankfurt a.M . usw.: Peter Lang, 1995 . p. 62.
26. Zaczyk, Das Unrecht der versuchten Tat,Berlin: Du nck er& Hu m blo t, 1989 , p. 128 et seq.
27. Kindhàuser, Gefàhrdwig ais Straftat , Fran kfurt a. M .: Klostermann, 1989, p . 137 et se q.
28 . Cf., entre outros, Roxin, Strafrecht- AUgem einerTeil,3. ed.,München : Beck, 199 7,vo l.I, §
2/9;Merkel, Strafrecht und Satire im Werkvon K arl Kraus, Baden B aden: No mos, 1994, p. 29 7 et
seq.;Rudolph i,“Dieve rschi edenenA spekte...” ,cit.,p. 15 8; SysíematischerKommentar, cit,, vor §
1/5; Stâchelin, op. c it , p. 80 et seq.
29 . Batista , op. cit., p. 96; Carneiro Coelho , op. cit. , p. 130; Lui z Flávio Gom es, Norma e bem
ju rídic o...,àt.,p . 86 et seq.; Ilha da . Silva, op. cit., p. 83 et seq.; Ma galhães Go me s, op. cit., p . 90 et
seq.; Régis Prado, op. cit., p. 90 et seq.

98 RB CC RL M 49 -20 04
"Princípio da ofensividade" e crimes de perigo ab strato

em face da L e i Fundam ental alemã,3 0 aplicam -se com m uito m ais razão diante
de um a Co nstit uição analí tic a como a do B rasil . Exem pli ficando: nem m esm o a
incriminação do h omossexualismo po deria ser deslegiti m ada com b ase ex clus iva

na C onstituiçã o, porque esta tem disposit ivos tut elando a família (art . 226 et seq.)
e a moralidade (art . 221, IV ). Foi simi lar, a liá s, a argumen tação da Co rte C on s
titucional al emã, quando, em 1957, se viu obrigad a a exam inar a constitucionali-
dad e da pr oibição, que foi d ecidid a em sentido afir mativo.3 1 A per gunt a é, por
tanto, se a Constituição-, ab erta como ela reconhecidamente é, pode ex cluir algu m inte
resse, algum valor, pa ra considerá-l o impa ssíve l de tutel a p o r meio do direito pe na l.
Parece-me que, apesar das considerações acima tecidas, a resposta deve
recair em sentido positivo, porque, por exempl o, uma norma como a L ei de Prote
ção do Sangue Alem ão e da Ho nra Alem ã, de 15.09.1935, que , em seus §§ 1. ° e
2 .°, proibia a “maculação da raça” ( Rassenschande ) pel o casamen to ou pelo coi to
entre alemães e jud eu s,32 seria manife stame nte ilegítima em face da ordem c on s
tit ucional tanto ale mã, com o brasil eira, vez que am bas vedam discriminações po r
motivos de raça o u srcem .33M ais : me sm o a norma que proíbe o homo ssexualismo
pod eria ser cri tica da com argum entos de direit o const ituc iona l, atinent es a direi
tos fundamentais como a liberdade, a privacidade e a intimidade, que teriam de

prevalecer sobre a tutela constit ucional da família e da m oralidade.


M as , um a vez que se responda a essa pergunta desta maneira, em sentido
afir mativo, cai-se imed iatamente em um novo proble ma: a argum entação crí tic a
acima tecida aparent emente dispensa o conceito de bem jurídico . O que se util i
zar am foram valor es e princípios co nstitucionais, e só - se o l eitor duvidar, releia

30. Cf.,levan do em cont a a doutri na do direito consdru cional,Appel, VerfassungundStrafe, cit.,


p. 476; de acordo também Frisch, “Rechtsgut, R echt, Delikcsst ruktur. ..", cit., p. 217.

31. BV erfG E 6 (1957) , p. 389 et seq.


32. A respeito, c£ S\gg,D asRass estra jrechtin Dentschl andincfenjahren 193 5- 19 45 utiterbesonderer
Berüchichtigung des Blutschutzgesetzes^ Aarau: Saueriánder, 1951, p. 49 et seq.
33. N esse s entido também Roxin, Strafrecht, cit., § 2/11 (sem, é claio, falar da Con stituição
brasileira).

Direito Penal 99
Luís Greco

o parágrafo an terior. Não seri a o con ceit o de bem jurídico algo dispensável ? N ão
bastaria afir mar que o direi to pena l só pod e tutel ar valores acolhidos , ou ao menos
não-vedad os, pe la Constituição? C om isso estamos diante do próximo problema,
que diz respeito à necessidade ou não de um conceito constituci onal de bem j ur í
dico ao lado da C onstituição de que já dispomo s.
d) A probl emática do concei to const itucio nal de bem jurídico (II )
prescindível ou m era duplicação conceit uai?
O conce ito de bem jurídico ter ia alguma função ao lado do conj un
valores constitucionais? Nã o se po deria dizer que o fim do direito penal é pro
teger valores consti tucionais, sem precisar propo r um novo termo, tornand o sem
razão de ser as intermináveis discussõ es a seu respeit o? Pa rece-m e que grande

parte dos defensores do conceit o de be m jurídico , especial m ente entr e nós, o


utiliza como sinônimo desta descrição “valor acolhido ou não vedado pela
Constituição”, apesar de isso fazer do conceito algo dispensável. Não seria,
portanto, ma is ad equado renunci ar ao conceito de bem jurídíco, faíar unic amente
em tutel a de valores consti tucionais, e com isso sim plifi car consideravel me nte
a teoria gera l do direito penal?
C reio que a resposta deve recair em sentido negativo, porq ue o bem ju-
rídi co-penal, apesar de t er d e ser arrima do na Co nstituição - afinal , doutr o m odo,
não poderia limitar o p oder d o legisla do r —, deve ser necessariamente m ais res
tri to do que o conjunto dos val ores constitucionais. N em tudo que a C on stitui
ção acolh e em seu bo jo pod e ser ob jeto de tutel a pelo direi to penal. A palavra-
chav e a qui é o princípio da subsidiar iedade, ou da ultima ratio , ou da inte rvenção
mínim a: como o direit o penal dispõe d e sanções especialmente graves, não basta
um a afetação de qualque r interesse de caráter ínfi m o pa ra l egitim ar a inte rven
ção penal.3 4A nossa Con sti tuição protege até m esm o os int eresse s do Colégio

34. Obse rve-se que não tr abalhei a qui com as t radicionais formulações do princípio, segundo
as quai s a pena seria a mais grave das san ções, à qual porta nto só se poderia recorrer uma vezque
o legislador não dispusesse de nenhum outro meio men os grave, c omo o direito administ rativo

100 RBCCRÍM 49 - 2 004


"Princípio da ofen sividade" e cri m es de pe rigo abstrato

Pedro II, ao qual d edica disposi tivo própri o, em que decl ara : “O C olégio Pedro
II, l ocalizado na C idad e do R io de Janeiro, ser á m antido na órbita federal” (ar t.
242, § 2.°). E necessár io, muito m ais, que o bem sej a dotado de algum a rel e

vância, de fund am ental r elev ância, d e rel evância tamanh a que se po ssa j us tifi
car a gravidade da sanção que a sua viol ação em regra a carr eta. D aí por que pre
cisam os de um a d efi nição de bem j urídico mais rest rit a do que a m era ref erên
cia a valores con stit ucionais.
e) A problemática do conceit o consti tucional de bem jurídi co (III): como
defini-lo?
Co m o que estamos diante do segui nte desaf io: s e o conceito de bem jurí
dico não pode servi r de mero espel ho da Co nstituição, m as tem de nec essaria
m ente exc lui r algo, com o d efini-l o? A qu i, as propo stas doutrinárias realmente
abun dam , e ao contrário do que declara o conhecido brocardo l atino, esta abun 
dância de fato prej udica, porque ela implica em confus ão, em desor ient ação, quan 
do o que se quer é justam ente u m parâm etro para orient ar o le gis lador . Já se pro 
puseram as ma is diversas definições de bem jurídico, que vão desde “interesse
ju ridic am en te prote gid o”35 a “valor objetivo que a lei reconhece com o nec essita-

ou o direito civil. E de se dar razão a Tiedemann, que aponta que, muitas vezes, estes outros
ram osdod ireitopod em ser bem mais limit adores da l iberda de do qu e o direi to penal (Tiedem ann,
Tatbestandsfunktionen im Nebenstrafreckt, Tübingen: M ohr-Siebeck, 1969, p . 145, n . 22;
"Wirtschaftskriminalitát ais Problem der Gesetzgebung”, In:TIEDEMANN, Klaus (Ed.).
Die Verbrecben in der Wirtscbaft, 2.Aufl. Karlsruhe: C. F. Müller , 1972. p. 9 e t seq., SS . 16-17;
“Wirt schaf tss tra fre cht - Einfuhrung und Ube rsic ht”, / ^ , p. 690,1989 ; “Straf recht in der
Markt wirt scha ft”. In: K ÜP ER ; W EL P (Eds. ). Festschriftfúr Stres und Wessels. Heidelberg: C.
F. Müller, 1993. p. 530-531; de acordo também Schünemann, “Alternative Kontrolle der
Wirts chaft skri mininal itàt”, i n: D O R N SE IF E R et a l. (Eds. ). Gedãchtnisschriftfür Armin
Kaufmann. Koln: Heym anns etc., 1989. p. 632 ; Hefendehl, Koileklive Rechtsgüíer..., cit., p. 234 ).
Parece-me, portanto, qu e um a tarefa urgente diante da qual a moderna doutrina do direito penai
se encontra é reestudar o princípio da subsidiariedade, levando em consideração este problema.
Para ma is reflexões, c£ G reco , “Princípio da subs idiaried ade...”, c it.
35. Principalmen te Lis zt, “De r Beg riff des Rechtsguts im Strafrecht und in der Encyklopádie
der Rechtswissenschaft”, ZStW 8/133 et seq., 1888; Liszt e Schmidt, Lehrbuch des Deutscben
Strafrechts, 26. ed., Berlin/ Leipzig : DeGru yter, 1932, p. 4. Simi lar, Figueiredo D ias, “A questão

Direito Penal 10 1
Luís Greco

iln d* "vsilor de m en tar d a vid a em com un idade ”,3' “un idad e funcio-
tiijl i<k uI V ^M C lcn são de respeito”, 39 “relação real da pesso a com u m valor c on-
i id o iTion hccid o pela com un idad e”40 etc.

Cre io que este cansat ivo deb ate é, em grande m edida, terminológico, e
talvez seja por isso que se observa um crescente desinteresse da doutrina a seu
res pei to. Tem -se a impressã o d e estarem todo s a dizer aproximadamente a m es
ma coisa, mas valendo-se d e palavr as distintas. N a verdade, parece-m e que o es
sencia l é, de fato, comp reender que existem nad a m ais do que três questões fun
damentais no mome nto de defini r o conceito de bem jurídico. A primeira dela s
diz respeito a que este interes se, valo r, unida de fun cional, pretensão de respeit o
etc. seja de importância fundamental par a alguém, de mod o que a exist ência ou o
bem -estar des te alguém estariam severame nte ameaçados caso a incri minação
ine xis tisse . Aqui, não háp roblem a algum ,parece haver grande acord o ou ao m enos
possibil idade de acord o na doutri na. A segunda questão diz r espei to a este m en
cionado “ alguém”: para q uem o bem juríd ico deve ter importância fundam ental?
Para os indivíduos, para a coletividade ou para os dois?
E ste tópico é cal orosam ente debatido atual mente na Alem anha. S ão
imagináveis tr ês posições, ape sar de, na prática, s erem defendidas unicamente
duas. De um lado, encontram-se os adeptos da chamada concepção dualista de

do conteúdo m aterial do conceito de crime ( ou fato pu nível)”, in: Questõesfundam entais de direito
pen al revisitadas. São Paulo: Ed. RT , 1999. p. 63.
36. Mezger, Strafrecbt- Ein Lehrbuch, 3. e d., Berlin: Duncker ScHumblot, 1949, p.201. Sim i
lar, B itencourt, Tratado de direitopenal, 8. ed., Sã o Paulo: Saraiva,2003, p. 204; Carneiro Coelho,
op. dt.,p. 130.
37. Welzei, Dasdeutsche Strafrecbt, 11. ed., Beriin: DeG ruyter, 196 9,p. 1-2.
38. Rudo lphi, “Die verschiedenen A sp ek íe. ..”, cit., p. 163; de acordo, Fiand aca e Mu sco , op.
cit.,p.5.
39. Schmidhàus er, <fr rcj/r«Ã/-Allger neinerTe il)2. ed.,Tüb ingen:M ohr, 1984, § 5/27. De acor
do, Gropp, op. cit., § 3/28.
40. Otto, op. cit., § 1/32.

102 RB CCR1 M 4 9 - 20 04
"Princípi o da oten sivi dad e" e crimes de perigo ab strato

bemjurídico, entre os qu ais se enco ntr am T ied em an n ,41K uh len ,42Sc hü ne m an n,43
Hefendehl44 e, em Portugal, Figueiredo Dias,45 e que parece ser a posição do
minante: pa ra esta concepção, há bens jurídicos tanto individuais, quan to cole

tiv os, e não se po de reduzir os bens jurídicos individuais à sua dim ensão de in
teres se colet ivo e nem v ice-versa os bens jurídicos coletivos à sua dim ensão de
interesse individual. Ben s jurídicos individuais e col etivos seriam a m bos igual
mente legítimos e admissíveis. Do outro lado, encontram-se os que pugnam
por uma concepção monista- pesso ai de bem jurídico. Para estes autores, atualmen
te encabeçad os po r Ha ssem er, pon to de pa rtida são os interesses individuais.4 6
Bens j urídicos d a coletiv idade só podem ser reconhecidos n a m edida em que
refe ríve is a indivíduos concretos. A coletiv idade po r si só não é objeto de prote

ção do direi to pena l. A terceira posição se ria monista-estatal ou monista-


coletivista, pa ra a qual tod os os bens jurídicos serão refl exo de um interesse do
Est ad o ou da coletividade. Bens jurídicos individuais não seriam reconhecív eis
enquanto tais, porque o indivíduo só seria protegido na medida em que isso
inter essasse ao Es tad o ou ao co let ivo . Co m o dissem os, esta posi ção, pelo s eu
evidente autoritarismo, não é mais praticamente sustentada. Ela foi apaixo-

41. Tiedemann, Tatbestands/iífzktionen...,cit.,p. 119 ttseq.;DieNeuord nungdes Umzüeltstrajrechts,


Beriin/NewYorkDeGruyter,1980,p.28;“Wrirtschaftsstrafrecht...”,cit.,p.691;
Berlin/NewYork:DeGruyter, 1999, p . XII. Wirtschqftsbetrug,

42. Kuhlen, “Umweltstraft recht - Au fder Suche nach einer neuen Dogm atik'’, ZStWlOS/704,
1993.
43. Schünemann, “Kritische Anmerkungen zur geistigen Situation der deutschen
Strafrechtswissenschaft”, G/ í, p. 20 8 et seq., 1994, em áspera polêmica contra o conceito monista-
pessoai de bem jurídic o.
44. Hefendehl, Kollektive Rscbts güter..., cit.,p. 73.
45. Figueiredo D ias , op. cit., p. 63 e 74.
46. Hassemer, “Grund linien einer personalen... ”, cit., p. 91-9 2; “K enn zeid ien und ÈCrisen des

modemensonalenRechtsgutsbesãmmungimUmweltstrafrecht”
einerper Str afrechts” , ZR P,p .37 9,1992; de acordo, também, Hohm
, GA,ann
p. 76,“VondenKonsequenzen
etseq.,1992;Stãchelin,
op. cit., p. 100. En tre nós, decid ido e enfático, Tavares, Teoria do injusto..., cit., p. 216 et seq.; próxi
mos, ademais, Zaffa roni e Pierangeli, Manual de direitopenai brasileiro,São Paulo: Ed . RT, 19 97, p.
464 et seq., n . 236.

Direito Peno! 103


Luís Greco

nadamente propugnada por Binding47 e, na atualidade, vejo em Weigend seu


único defe nso r n a Ale m an ha .48'49
Para se utilizar um exem plo concreto: uma teori a dualista não terá qual

quer dificuldade em reconhecer o meio am biente com o um bem jurídico coletivo,


nem semp re redut ível a bens jurídicos individuais. S0j á um a teoria m onista-p es-
soal pode rá ter problemas com este conceito, havendo m esm o quem negu e a exi s
tênc ia de um b em jurídico coleti vo me io am biente, considerando todas as infra
ções ambientais meros crimes de perigo abstrato contra a vida ou a integridade
física de pessoas concretas.51
Creio que a teoria mo nista-pessoal do bem jurídi co, por interessant e que
sej a, não pode ser ac eit a, porque ela lança sobre os bens jurídicos coletivos um
estigma que n ão lhes faz verdadei ra justiça. Ben s jurídicos cole tivos não são uma
novidade no direito penal. Eles não foram introduzidos com o moderno direito
penai ambiental e econômico. Os crimes de falsidade de moeda e de corrupção,
exist entes em toda e qualquer legislação pen al desde temp os esquecidos, tutelam
bens jurídicos col etivos , e nada h á de errado co m isso. O problema d os ben s jurí
dicos coleti vos não está em r eferi-los a i ndivídu os, e sim, com o verem os abaixo,
em distinguir bens jurídicos colet ivos autênticos de meras retifi cações de bens

47. Binding, DieNorm enundihre Übertretung, 4. ed., Leipzig: FelixMeiner, 1922, voí. I,p. 358.
48. Weigend, “Úber dieBeg riindun gder Straflosigke itbei Einwilligung des Betroffenen”, ZStW
98/59,1986.
49. Próximos, também, S érgio Salomã o Shec ariae Alce u Corrêa Jr ./ A finalid ade da sanção penal”,
Penas Constituição, São Paulo: E d.R T , 1995, p. 44 : “a função da pena é a de proteger os bens ju 
rídicos para garantir a s obrevivência do Esta do ”.
50. Nesse sentido , enfati camente Sch ünem ann,“ Kriõsche Anmerkungen...”, cit., p. 20 9; “Zu r
Do gm atikun d Krirmn alpolitik des U mwei tstrafrecht s'’, in: SC H M O LL E R (Ed.). Festscòriftfèr
Otto Triffterer. W ien/Ne w York: Springer, 1 996. p. 437 et seq.; “Vom Untersch icht- zum
Obers chic htst rafrecht . E in Paradi gmawechsel im morali schen Anspruch?”, i n: K Ü H N E ;
MF /AZÂW A (Ed.). Ahe Strafrecbtsstruktvren und neuegesellschaftiicbe Herausforderung inJapan
undDtuischiand. Berli n: Duncker ScH umblot, 200 0. p. 27; tTizàzmvn.TL,DieNeuordnimgdes...,
cit., p. 10,1 8 e2 8; “W irtschaftsstraí recht..." , cit., p. 693; Kuhlen, "Umwe i tstr aftre cht... ”, dt. ,p.
70S; Heiende-hl, Ko/fekiive Recòtsgüter..., cit., p. 3 07.
51. As sim, especialmente,Hohm ann, op. cit., p. 82.

10 4 RBCCRIM 49 - 20 04
"Princípio da ofen sívidade" e cri m es de per igo abstrato

ju ríd ic os in dividu ais. Verem os que, ao con trário do q ue d efende a teoria m onista-
pessoal, quan to m enos u m bem jurídico colet ivo se deix ar r efer ir a indivíduos,
menos problemático eie será. Além do mais, nem sempre será possível referir o
bem juríd ico coletivo aos intere sses de indiví duos concr eto s. Para dar um exem
plo:52 a pretensão de arrecadar os im pos tos d evidos continua a se r um be m jur íd i
co, aind a que o dinhei ro obtido seja utili zado p ara com prar tanques de guerra e
não para a const rução de jardins de infâ ncia. D a m esma forma, e agora o exemplo
é meu , pou co im porta que nenhum interesse individual seja afetado pe la con duta
do particular que em segred o gratifica o funcionário público para que este realiz e,
já depois do exped iente, u m ato vinculado a que o pard cular tinha de qualquer
form a dire ito, mas que só seria praticado bem depois. Se ainda assi m, apesar de
ausente qu alquer r eferênci a a interesse s individuais, os defensores da teoria pes-
soal-m on ista quiser em ad m iti r a punibilidade nestes doi s casos (alegando que,
por exemplo, a arr ecadação de imp ostos ou a honestida de da A dm inistração afe
ta, bastan te indiretamente, interes ses individuais) , então acab am por trabalhar co m
um a noç ão d e “refe rênci a indireta ao indivíduo” tão ampla, que só pa recem d iferi r
da con cepção d ualista no qu e se re fere à terminologia. O u seja: temos dep a rt ir de

uma teoria du alista do bemjurídico .


Res olvidas estas duas questões, a d a fundam ental relev ância daqu ilo que se
entenda por bem jurídic o e a d o titu lar do bem jurídico como o s indi víduos e a co
letivi dade, resta um a tercei ra: a de se o bem jurídico deve ser entendido c om o rea
lidade fática ou como uma entidade meramente Ideal. Entre as definições acima
mencionadas, algumas há que com bastante clar eza consider am o bem jurídico um
ideal: em especial as que se refer em a “val ores” ou à “pret ensão de respeito”. Já as que

se refe rem a u m a 'un idade social f uncional” ou a um a “relação real ” bu scam fixar o
bem juríd ico na realidad e.53 M uita s vezes, porém, não é da definiçã o do conce ito de

52. Reti rado de Am elung , op. cit., p. 162.


53. Deta lhes sobre a discussão em YÍQÍtnà&\A,KollekíiveRechtsgiiter...,c it , p. 27 et seq.

Oim tu P-enal 10 5
Luís Greco

bem jurídico, e sim da explic ação que dá o autor s obre as rel açõe s entre bem jurídico
e o bjeto da ação que veremos se de fende ele um concei to realist a ou idealista de
be m jurídi co. Assim , por exemplo, Liszt, q ue definia bem j urídico como interes se
ju ridic am en te protegido , parece à prim eira vista trab alhar co m um conceito realis
ta, m as, ao dif erenciar bem j urídico e objeto d a ação, diz que só o objeto da ação
po de ser lesi onado, enquant o o bem jurídico , encontrando-se alé m do mun do
fenom ènico, ou seja, além do d omínio da lei causa i, é impassível de q ualquer agres
são .54Es ta qu estão não é, ao contrário do que po ss a parecer, meram ente termino lógica,
porq ue ela está estrei tamente li gada ao problem a dos b ens jurídicos aparentes ou fal
sos, de que abaixo trataremos . Sem adiantar o que log o além se irá d izer, declare- se

unicamente que defini ções de bem jurídico que o transformem em um a entidade


ideal, em um valor, em algo espiritual, desmaterializado, são indesejáveis, porque
elas aum entam as possi bili dades d e que se postulem bens j urídicos à la volonté ., para
legitimar qualquer norma que se deseje.55 Ordem pública, segurança pública,
incolum idade pública, conf iança, tudo isso po de ser m ais facil mente entendi do com o
bem jurídico se o concei to deste s e referir am era s entidades i deai s, e não a dado s con
cretos. Por iss o, parece-me mais desejável trabalhar co m um concei to de bem jurídico
com o realidade, posição qu e entre nós defende Juarez Tavares.5 6N ote -se que realida
de não é o m esm o que realidad e empíri ca, porque o m undo real não se esgota naqui lo
que se p od e verifi car por m eio d a investigação das ciênc ias naturais:5 7 a honra, por
exem plo, é um a realid ade, apesar de não lhe ser essenci al o aspecto empírico.
Resolv idas estas três questões, a í sim o resto torna-se problem a terminológico.
Pod em os fàlar em inte resses, funç ões, dado s, elemento s, no que quisermos. Preâro

54. Lisz t, “D er B eg riff des Rechtsguts... ”, cit., p. 153.


55. Assim, apontando a proxi midade entr e a concepção i deal de bem jurídico e b ens jurídi cos
falsos, Amelung, o p.cit.,p . 173 et seq. , e Hefendehl, Kolíektive Rechtsgützr...,cit., p. 33.
56. Cf.T ava res,“Critérios de selaçãod e crimes...", cit., p. 79. Cf. ade mais Hefend ehl, Kolkktive
Recbtsgiiter..., cit., p. 28; A me lung, op. cit., p. 166.
57. Por exemplo, Hefe ndeh l, Kollektive Rfchtsgüter..., cit., p. 28.

106 RBCCRI M 49 - 2 00 4
"Princípio da ofensividade" e cri m es de perigo abstrat o

usar o term o “dado s”, pela sua m aior conotação fática:58bens jurídic os seriam , por 
tanto, dados fundam entais p ar a a realização pessoal d os indi víduo s oupa ra a subsistên
cia do sistem a social, nos limites de u ma ordem constitucional. Por isso é que o fato d e o
C olégio Pedro II ser manti do na órbit a federal não é um bem jurídico, enquanto a
vida, a liberdade, a au tenticidade da moe da e a pr obid ade d a Ad m inistra ção59o são.

3. O segundo problema: esse conceitopolítico-criminal de bem


jurídico pode ser condição necessária para a in criminação?

A gor a tocaremos num a das questões mais del icad as em torno da teoria do
bem jurídico. Definim os bem jurídico como dado neces sár io pa ra a rea lização
pessoal e para a subsistência de um sistema social. M as estará o dir eito pen al adstri to
à exclus iva proteção de bens jurídicos? S er-lhe -á realmente vedado incriminar
um a conduta para prote ger al go que não um bem jurídico?
E m regra, especialmente no Brasil, que m se val e de um concei to político-
criminal de be m jurídico não duvida desta vedação. Lem brem os unicamente a afir
mação d e Hassemer, segundo a qual incriminações sem bens jurídicos não passariam
de “terrorismo estatal”.60Afin al, de que valeria a idéia d e be mjur ídico, se o legislador

não est ivesse adstr ito a ela ? Já na Aleman ha, a situação começa a modificar- se. Pou 
cos, mas cada vez mais autores, m esm o entre os defensor es da teoria poií tico-crimi-
nal do bemjurídi co, c omeçam a aceitar, ainda q ue em caráter excepcional, incri minações
sem bem jurídic o, por alguns chamadas de delitos de comportamento.61

58. N ão se ignorara as crít icas à utilização deste t erm o (por exe mplo, Stratenwerth, “Zu m
Begriff... ”, cit., p. 381), mas, como dissem os, elas não atingem o cerne da questão, uma vez que
ao falar em dad os quero apenas sug erir que o bem jurídic o é um a reali dade, e que não pode ser
fruto da simp les fantasia do legislado r (ou do intérprete).
59. Qu anto a estes doi s últimos bens jurídico s coletivos, há porém séria controvérsia doutrin ária
a respeito da formulação adequ ada. C f. a nota 143, sobre o segundo deies, por exemplo.
60. Hassemer, “ D a rf es Straf taten geben...”, cit., p. 64.
61. Entre os defen sores do conceit o de bem jurídico , mencionem-se Hefendehl, Kollektive
Rscbtsgúter...,cit., p. 52 et seq. (em especia l p. 64 e p. 73 );“D asR ech tsgu tals materialer ...”,cit.,p.

Direi to Pen ai 107


Luís Greco

Coloquem os um exe mplo . O art. 32 da L ei 9 .605/1998 eri ge em cri me a


condu ta de “ praticar ato de abuso, ma us-trato s, feri r ou mutilar anim ais silves 
tres , dom ésticos ou dom esticados, nati vos ou exóticos ”. Se alguém pega seu cão e

o tortur a, par a depois abando ná-lo m utilado, deixando-o agon izar por ho ras, n ão
consigo duvid ar do caráter criminoso desta conduta . C ontu do, tam pouco consi 
go vis lumbra r aqui qualque r bem jurídico afet ado, porque defi nimos b em jurídi
co co mo dado funda mental de titulari dade ou do indi víduo, ou d a colet ividade.
C au sar horr íve is s ofrimentos a um cão nã o afeta de m odo algum qualquer esfe ra
indivi dual. E tampouco se pode dize r que est e comportam ento fira be ns jurídi
cos da coletividade.

Talvez o lei tor obj ete : com o não? A revolta que senti mos diante de tal
comp ortamento dá indíc ios da exi stênci a de um bem jurídico, sim. Ele pode ria
formu lar-se como o sentimento de s olidariedade pa ra com cert os anima is s upe
riores . E ste senti mento tratar -se-i a, obviam ente, d e um be m jurídico coletivo.
Ta l formulação, não o nego, seria possível e defensável . E la ali ás fora pro 
po sta p or Roxin na terceira edição de seu trata do .62 Oc orre q ue ela c ria um grande
pro blem a, talvez ma ior do que aquele que ela pretende sol ucionar , porque a partir
do mo mento em que s entimentos d e revolt a pel a prát ica de dado comp ortamen
to servem de base para legit imar a sua punição, pode -se até mesm o declarar o
ho m ossexualismo um a condu ta pun íve l, vez que há mu itíss imas p essoas que
m anifestam similar revo lta diante de tal comp ortam ento. O u, para usar um exem
plo de Jak ob s, até a violaç ão de normas d e etique ta à me sa poderia ser considera
da um crime:63 imagine-se a revolta que não decorria do fato de alguém liberar
sonoram ente g ases malvindos num jant ar oficia l. N outra s palavr as: o preço de se

128;
W O Andr
H L E RewS; v.
v.HHirsch,
IR SC H“De r Rechtsgur
(Eds. sbegriffó&e<?
).D«i? eftegw£t und n'í.Bad
das hartn principie”,
enBad i n: HE
en:Nomos, 2003FEN
.p.21DEetseq.
H L;
(em especial p. 25); Roxin, Nova versão § 2 para a 4. ed. de Strafrecbt - Allgemeine r Teil, ago.
2003, inédi to, n.52 etseq.;Ru dolphi, Systematischer Kommentar, cit., vor § 1/11.
62. Roxin, Strafrecbt, cit., § 2/21 .
63. Jakobs, Strafrecbt, cit., § 2/19 .

108 RBCCRIM 49 - 2 004


"Princí pio da ofen sividad e" s crimes de peri go abstrat o

dilatar o concei to de bem jurídico par a compreender t am bém sentimentos su pe


riores implica num a band on o de qu alquer função crít ica. E é por i sso que, na ainda
não publicada quart a edição de seu manual, propõe R oxin que se rec onheça que, n a

tutela pena l de animais, está- se diante de incriminações sem bem juríd ico.64
Roxin fal a ainda em m ais du as exceç ões à idéi a de bem j urídico com o
condição necessári a da pun ição. Além da proteção de anim ais e plantas,6 5 m en
ciona ele a proteçã o ao em brião 66 e aos interesses de geraçõ es futura s,67 porque,
se é verdade que nenhum destes dois interesses é passível de referência aos in
divíduos hoje concretamente existentes, nem às condições de subsistência do
atuaí sis tem a social , tam bém é verda de que a sua excepc ional fragilidade jus ti
fica uma intervenção do direito penal. Ou seja, seria necessário reconhecerem-

se tr ês e xceções à nec essidade de um bem jurídic o p ara justificar um a punição.


Deixem os porém de l ado estas duas outr as exc eçõ es, e c oncentremo-nos uni
camente no d eli to de m au s-tratos a anim ais, porque tant o o embri ão, , como as
gerações futuras ainda se referem a interesse s de seres hum anos, enqua nto no
caso da tort ura impo sta a um cão , nem m ediat amente se pode falar e m qual
quer refe rênci a a um interesse hum ano.
Dia nte deste estado d e coisas, são possí veis três postur as. A primeira delas,
radical e conseqüente, seria declarar que de fato os interesses envolvidos no tipo
de maus tratos a anim ais não sã o bens jurídicos e por isso não pod em ser objeto de
tutel a pen al.68 Creio que e ste posicionam ento, louvável po r sua consistência e

64. ^oyim. ,Novaversão § 2...,áx .., n. 52 et seq.; assim também Jakobs, Strafrecht, cit., § 2/1 9, e
Rudolphi, SystematischerKommentar, cit., vor §1 /1 1. Par a um curto c não muito atualizado pan o
rama das di scussõe s em tomo do objeto tutelado pel o deiito de maus tratos a animai s, c£W ;egan d,
Die Tierquálerei, Lübeck: Sc hm idt-Rõ mh ild, 1979 , p. 125 et s eq.
65. Roxin, No va versão §2 ..., cit., n. 55 et seq.
66. Idem,ibidem,n.52etseq.
67. Idem ,n. 57 et seq.
68. Nesse s entido, pouquíssimos autores , como ,por exem plo,Dulce Santana Ve,%3.,Laprotección
penal de los bienesjurídicos colecúvos, Madrid: Dykinson, 2000, p. 58.

Direito Penal 10 9
Luís G rec o

coragem - porque a maioria dos defensores intra nsigent es d a pr oteçã o de um bem


ju rídico co mo princípio abso luto pre fere nem diz er c om o resolvem este p roble 
ma é imprati cável e indesej ável. E m especial a cres cent e preocupação com o
meio am bient e, com a b iodiver sidade, com a subsis tência não só da fauna, como
me sm o da flora, obrigará a que se tutel e pe nalmen te int eres ses não necessari a
me nte r efer idos ao bem -estar do hom em .
A segunda saída seri a a continuação d a proposta acima íeita por meu h i
potético lei tor. Ela con sisti ria e m ex pan dir o conceito de bem j urídico para co m 
preender t ambém o bem -est ar ani mal. C o m isso, salvar -se-ia a idéia de bem
ju rídic o com o neces sá rio p ara qualq uer in crim in ação. M a s o co nce ito de bem

ju ríd ic o se ria de ta l m aneira dilata do que sequer se poderia im ag in ar alg um a


incri m inação que o di spensasse. C air-s e- ia ou num a teori a que legit im a a
incriminação do hom ossexualism o ou, caso nos referís sem os à idéia de valo res
constitucionais, a incriminação de tentativas de retirar o Colégio Pedro II da
esfera federal.
A terceira prop osta é nas linhas de Roxin e Hefendehl. Ela implica em
reconhecer e xceç ões à idéia de bem ju rídico com o condição necessári a para a
incri mina ção. Claro q ue ela t eria a desv anta gem de enfra quecer , à prime ira vis
ta, o potenc ial c rítico da categoria d o bem jurídico , uma vez que agora se pode
proibir mesmo sem bem jurí dico. O corre que tal e nfr aqueci mento é, em verda
de, um fortal ecimento, porque a recusa de diluir o conceito de bem j urídico
perm ite dem arcar com precisã o em que p onto se esfá uti lizando o d ireito penal
para tut ela r int eresse s que já não são refe rívei s ao hom em e ao sistema soci al
existentes, impondo àquele que defende um a tal incr iminaçã o um forte ônu s
de fundamen taçã o. Além disso , abre-se u m horizonte completamente no vo para
a investigação científ ica, a sa ber, o da form ulação de c rit érios para a l egitimação
de incri m inações sem bem jurídico. H efend ehl, por exemplo, esf orça-se no
sentido de formular tais critérios, afirmando que é necessária uma convicção
enraizada no sentido da necessidade de respeitar determinada norma de

11 0 RBCCRI M 49 - 20 04
"Princípi o da ofen sividade" e cri m es de perigo abstrato

comportamento.69 É verdade que esse critério tampouco parece convincente,


mas a ne cessidade de se pe nsar a respeit o nun ca t eria si do vist a, caso insistísse 
m os em rem endar a definição i nicial de bem jurídico. M uito pelo contrár io,

muitas incriminações já estariam de antemão justificadas, porque sempre se


pode ria alegar defenderem elas bens jurídicos, segundo o conceito dilatado do
segundo caminho. A ter cei ra prop osta merece, assi m, nossa acolhida, porque
ela m ostra as coisas com maior cla reza , im pede que , por meio de um a m odifi
cação adhoc das prem issas iniciais, se jog ue a poeira para debaixo do tapete, o
que é a ún ica mane ira de evit ar que depois nos deparem os com surpresas desa
gradáveis. E la está longe de ser ideal, é verdade. O problem a diante do qua l nos
encon tramos não é passível de um a solução perfeita, e o que i nteressa é saber
qual entr e as possíveis soluções é a m enos ruim. Parece-m e que a terceira o é,
porque, para usar uma imagem, ela ao menos evita que o caval o de tróia atra
vess e as muralhas do b em jurídic o e acabe po r derrubá-las de dentro pa ra fora.
O u sej a: o bem jurídico é, em regra, necessá ri o para legit im ar uma
incriminação. M as somente em regr a, sendo possíveis exce ções: um a delas é o
crime de maus tratos a animais, incriminação legítima, apesar de não tutelar
dado necessári o à realização de indivíduos, nem tam pouco à subsist ência do

sistema social . Se há outras exceçõe s, s e elas são as três apo nta da spo r Roxin, ou
se também outras, qual o seu fundamento, tais são problemas relativamente
recentes e que no âmbito deste sucinto trabalho têm de ficar em aberto. Eles
marcam porém pontos nevrálgicos para futuras investigações.

4. O terceiro proble ma: como dis tin gu ir bensju rídicos coleti


vos a utênticos de fa lso s bensjur ídic os coletivos?

Por fim, o tercei ro e últ imo problem a a respeito do conceito poíítico-cri-


minal de bem jurídico. Op tam os por um a concepção dualis ta do bem j urídico,

69. Hefendehl, KollektiveRechtsgüter..., cit ., p. 56.

Direito Penai
Luís Greco

isto é , reconhecemos ben s jurídicos coletivos em seu pleno direito, ao lad o de bens
ju ríd icos individu ais. M a s um r ápid o apanhado de ben s ju rídicos co letivo s já de
monstra que nem todos apres entam o mesm o pedigree. D e um lado, temos ben s

ju ríd icos coletivo s co mo o meio am biente, a fé pública (crimes de falso), a A dm i


nist ração P úbli ca e s uaprobidade (crimes de corrupção). D e outr o, aincolum idade
pública (cha mad os crimes de pe rigo co m um 70), a saúde púb lica (crimes de tóx i
co ),71 a segur anç a no trânsito (crimes d e trânsito),7 2 as relações de con sum o (cri
mes contra o consumido r). '3O curios o é que est e segundo g rupo de bens jurídi
cos coleti vos é prop osto e defend ido pela generalidade de no ssa dou trina, em al
guns casos (cr imes de peri go com um) sem m aiore s q uestionamentos, em out ros ,
com o nos crimes de tóxico e de trânsi to, justam ente como alternati va à constru
ção de crimes de perigo abstrato. Ou seja, eles são propostos pelos defensores
garantistas do dire ito penal dito m ínimo , que repudia crimes de perigo abstr ato.
O que não parece s er vi sto é que , no final d as contas, acabou- se p o r legitimar, da
mesma for m a, a antecipação do direi to pe na l.14 S ó que no caso d os crimes de perigo
abstrato, antecipa-s e a proibição; no b em jurídico cole tivo, antec ipa-se a própria

70. Criticamente quantoaeste conceitode perigo co mum, c£ Rudolphi, SystematiscberKommentar,


cit., vor § l/ 9a, e Heine, em Schonke e Schrõder, op. cit ., vor §§ 30 6 fE/ 19 , que acertadamente

relevam que o perigo


dicos individuais comum
d e várias não se refe re a um b em jurídico supra -individuaí, e sim a bens jurí
pessoas.
71. Rudo lfSchmitt, “S trafrecht licher Schutz des Opfers vor sich selbst?”, in: SC H R O E D E R , F.
C.; ZIP F (Eàs,).Fesiscbri/tJürMauracb. Karlsruhe: C. F . Müller, 1972.p . 125; En dr iíl eMale k,
Betàuèungsmitteistrafrecht,2.cd.,Mimchcn-.Bcck,2QQQ,n.30;K}ausWebzT,Betãué>ungsmittelgesetz
Kommentar-,2.ed., München: Bec k, 200 3, § 1/3 e tseq.; Boijajim éne z, Curso depolítica criminal,
Valencia: Tiran t lo Blanch, 20 03, p. 199; Jesus , Lei antitóxicos, cit., p. 12; C elso Delmanto, T óxi-
cos, São Paulo: Sa raiva, 19 82 ,p. 16.
72. Kühl, in: LA C K N E R , Karl; K Ü H L, Krist ian. Strafgesetzbucb.24. e d. München : Beck,2001.
§ 315/ 1; Wessels e Hettinger, Strafrecht- BesondererTeil, 27. ed., Heidelberg: C. F.Müller,200 3,
n. 978; Rengier, Strafrecht - Besonderer Teil II, 2. ed. , Mün chen: Beck, 1999, § 43 /1; Jesus, Cri
mes de trânsito, cit.,p .ll,p, 13.
73. Jesu s, “Nov a visão da natureza dos crimes contra as r elações de consumo” , RBCCrim 4/81 et
seq., 1993.
74. Jesus, Crimes detrânsito, cit. , p. 25 , che ga a antever esta crítica, e responde com pouc a clareza.

112 RBC CRI M 49 -20 04


''Principio da ofensividade" e crimes de perigo abstrato

lesão. E mais: co m o ago ra haveri a ve rdadei ra lesã o, e não mais mero per igo abstra
to, como a saúde púb lica seria lesionada, e não som ente posta em pe rigo abstrato
pelo porte de entorpecentes (art . 16 da L e i de Tóx icos), desaparece m tod os e quais

quer problemas de legitim idade. Afin al, o tal princí pio da lesividade, que exi ge
lesão (ou perig o concreto) a um bem jurídico, estaria atendido - com o que sur
ge m dúvi das a respe ito d e se nã o dem os um a grande vol ta para acabar em situa
ção pior daquela da qual s aímo s, po is ao menos os crimes de perig o ab strato tinh am a
virtude de não ocultar o fa to de que o direi to pe n al está realme nte se an tecipando, j á
certos bens juríd icos coletivos res olvem tudo, acabam com todos os problemas, e
é nisto, justam ente, que está o m aior problema.
Pois bem, este artifíci o n ão é um a construção nacional. Já há décadas
em penham -se vári os autores em inventa r bens jurídicos col eti vos a todo mom ento
qu e necessi tam de um fundam ento pa ra legiti m ar uma proibi ção um tanto estra
nh a.75 E isso não tem intere sse m eramente teórico, porque a postuiação de um
bem jurídico coleti vo acaba tendo um segundo e feito p ráti co, al ém d a já aponta
da legitimação da criminalização antecipada por meio de sua ocuitação: um a
legitimação da sanç ão exasperada. Vejamos alguns exemplos.
O art . 311 da L ei de Trânsit o define como crime a conduta de “veloci dade
incompatível”, definida n os seguinte s termos: “trafegar em velocidade incompa 
tíve l com a seguran ça nas prox imidad es de escolas, hospitais, estações de emb ar
que e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande
movimentação o u concent raçã o de pessoas, gerando perigo de dano . Pen a - de
tenção, de seis me ses a um ano, ou multa”. J á a lesão corp oral culposa (ar t. 121, § 6.°,
do C P ) é punida com detenção de doi s m ese s a um ano. Dam ásio de Jesus consi de
ra o referido crime um delito de lesão ao bem juríd ico cole tivo incolumidad e públi

75. C£ ,além dos autores citados na s notas ante riores, principalmenteTiedemann, por exe mplo,
Wirtschaftsbetrug,cit., § 2 65 /6, onde argumenta ser necessár io postular um bemjurídico cole tivo
no crime de fraude con tra seguro, pois doutro modo não se conseguiria “e xplicar” (isto é,justificar)
a eleva da cominação penai. Tam bém admitindo u m b emjurídico coletivo neste cri me, Lack ner e
KüM, op. cit., § 26 5/3 .

Direito Penal 11 3
Lu ís Grec o

ca;76 por isso, sequer se vê diante do pro blem a da sanção absurda. Já que m con
sidere tal crime um cri me d e perigo7 7 terá em suas mãos o instrumentário ade
quado p ara crit icar a comin ação legal . Afinal, pun iu-se a mera exposição a pe

rigo com p ena m ais grav e do que a p róp ria l esão ao bem jurídico individual in
tegridade fís ica.
O utro exemplo ainda m ais gritante , aliás um d os mais gritantes de todos,
é a Le i de Tó xico s,qu e pune o trá fico de entorpecente c om pena de 3 a 15 anos d e
reclusão e multa (art. 12). Se temos um bemjurídico saúde pública, é mais facil
tentar explicar o porquê de tal sanção draconiana.78 O crime passa a ser, afinal,
crime de lesão!7 9 Se dispensarm os, porém , esse bem jurídico coletiv o e trabalhar
mos unicamente com bens jurídicos individuais, em especial com a integridade

física de quem recebe o tóxi co, transforma ndo estes crimes em crimes d e perigo
abstrato, ganh am os duas coisas. Primeiram ente, vem os a cri ticabil idade da proi
biçã o, que tutel a um bem jurídico individual mesmo cont ra a vont ade de seu tit u
lar. E com isso abrimos as portas pa ra um a interpretação teleológica res trit iva do tipo:
este tipo s ó deverá aplicar-s e caso a von tade do titul ar do bem jurídico seja jurid i
cam ente irreleva nte, por es tar viciad a de erro, p or ser el e doen te me ntal, menor,
louco ou incu lpáve l por qualquer outro motivo.8 0 O segundo problem a de ste bem
ju rídico coletivo é legitim ar a sanç ão absurd a , pois se o tráfi co de tóxico nad a mais
é do que uma conduta q ue gera um pe rigo abstrato de lesão à i ntegrida de físi ca,
esta conduta não pode sofrer pena m ais grave do que a do res pectivo cri me de

76. Crimes de trânsito, cit., p. 227.


77. Observe -se que a norma fala em “gerar per igo de dano”, o que é indi cação clara de peri go
concreto, e não só abstrato. M as até a interpre tação deste tipo como de perigo abstr ato seria mais
benéfica do que a postulaç ão do bemju rídico c oletivo.
78. Se bem que nem assi m isso seja de t odo possível, como apontei em meu estudo “Tipos de
autor e L ei de Tóxicos”, RBCCrim 43/226.

79. Assim Jesus, Leiantitóxicos, cit., p. 16.


80. Conclusão próxim aem Frisc h,“An denG ren zen ...”,cit.,p.95;'cWesentlicheVoraussetzungen...",
cit., p. 218; e Queiro z, op. cit., p. 116. Isso indepe ndente mente de outras considerações restriti vas,
tais como as que propus em meu estu do citado n a penúltima n ota.

114 RBCC RI M 49 -20 04


"Princípi o da ofensividad e" e cri m es de per igo abstrato

les ão, no cas o as lesões corporai s. Es tas são punidas em sua form a simp les com
detenção, de t rês meses a, no máxim o, um ano.
E é por isso que parte da doutrina e m barcou num em preendimen to que,
segun do m e parec e, se rá um a das m ais fecundas utili zações da teoria do bem
ju ríd ic o : a desconstrução de bens jurídicos só aparentemente coletivos. Ro x in ,31
Sch ün em an n,82 H efen de hl83 e A m elu ng ,S4 entre outros, esforç am -se p or criti
car certos bens jurídicos, com o os acima ap ontad os, e m ais alguns, interpretan 
do os respectivos tipos como crimes de perigo abstrato para um bemjurídico
indi vidual . Argum enta-se em especi al qu e os referi dos bens jurídicos só são apa 
rent emente colet ivos, um a vez que el es não passam da som a de vári os ben s ju 

rídicos individuais . 8SA som a de vários ben s jurídic os ind ividuais não é suficiente,
porém , para constituir um be m jurídico col eti vo, porque este é c aracterizado
pela elementar da não-distributividade, isto é, ele é indivisível entre diversas
pe sso as.36A ssim , cada qual tem a sua vi da, a sua propriedade, indepen den te das
dos dem ais , mas o mei o am biente ou a probi dade da Adm inist ração P úblic a
são gozado s por todos em sua totali dade, não havendo uma part e do m eio am 
bient e ou da probidade da Ad m inistração Pública que assist a exclusi vamente a

A ou a B. Já o b em jurídico saúde pública, por e xemplo , nada mais é do que a


soma das várias integridad.es físicas individuais, de maneira que não passa de
um pseudo-bem coletivo.

81. Roxin, Nov a versão §2 ..., cit., n. 79.


82. Schünemann, “Das Rechtsgüterschutzprinzip...”, cit., p. 149; cf. também “Vom
Unter schicht- zum Obersch ichtstrafrech t... ”, cit., p. 26, 28.
83. Hefendehl, KollektiveRecktsgüter..., cit., p. 1 39 e t seq.
84. Am elun g,op.c it.,p. 171 etseq.
85. C£ as passagens citadas nas notas ante riores. Só Am elung trabalha com considerações um
pouco diversas: para ele, estare mos diante de um bem jurídico apare nte quando o supo sto bem
jurídico não passar de uma descrição substantivadado próprio comportamento em conform idade
à norma, tal como seria o caso no suposto bem jurídico “moralidade” .
86. Cf. Hefendehl, KollektiveRechtsgüter..., cit., p. 112 e 123 .

Direito Pünal 11 5
Luís Greco

Este emp enho no sent ido de d esconstrui r pseudo-bens j urídicos col etivos é
extre mamente recente e tem sido levado adiante d e m odo ainda mu ito intu itivo.
Não está claro se e em que medida o critério da não-distributividade é realmente

capaz d e efetiva r aquilo que e le promete, a separação entre o joio e o trigo, porque os
defensores de tais bens coleti vos não se cansa m de afirm ar que eles são mais do que
a som a dos diverso s ben s individuais.8 7 E o m om ento , a meu ve r, de se pe nsar em
critérios para a p ostulação de bens jurídico s coletivos, para impedir que se legitimem
leis absurdas com construções adhoc , sem qualquer fundamento, mantend o a cons
ciênci a dos p enalistas limpa e imper turbada, em razão de estar em respeitando o tal
princí pio da lesividade - ao men os da boc a para fora. M as esta necess idade de se
formularem critéri os para postulação de be ns jurídico s coletivos não foi vista nem
me smo na Alem anha. Aqu i se ab re todo u m campo para um tra bal ho pi onei ro.

5. Síntese das considerações sobre o bemjurídico

E m síntes e, pod em os observar três aspectos :


- 0 conceito político -crim inal de bem juríd ico épossível. Ele tem de esta
arrimado n a Con stituição, mas não se lim ita a meram ente refl etir os val ores que
a Constituição consagra, uma vez que somente valores fundamentais podem
ju st if ic ar a g ra vid ade da in terv enção penal (p rin cíp io da subsi dia riedad e). E s 
tes valores podem ser tanto do indivíduo, como da coletividade, merecendo
acolhida a concepção dualista de bem jurídico. Assim sendo, definimos bem
ju ríd ico com o dado fu ndam en ta l p ara a re alizaç ão p ess oal do s in div íd uos ou
para a subsistência do sistema socia l.
—A tutela de um bem jur ídic o não é, porém, condição necessár ia p a ra a legiti
mid ade de uma incriminação. E m casos excepcionais , como o dos m aus tra tos a

87. Tiedemann, Die Verbrechen...,cit., p. 10 et seq.; “Welche strafrechtliche M itte i empfehlen


sich fiir eine wirksamere Bekàmpfung der Wirtschaftskriminalitàt?”, Verhandlungen des 49,
DeutschenJuristentages ,München: Beck, 1972, p. C 19 et seq. ; Jesus, Le i antitóxicos, cit., p. 11.

116 RBCCRIM 49 - 20 04
"Princípio da ofensividade" e crimes de perigo abstrato

animais, não será possível fal ar em b em jurídico no sentido acima prop osto. Para
evit ar um a total dil uiçã o do c onceito de bem jurídi co, com sac rifído de seu cará
ter c rítico, é me lhor ad m itir e xceções -* ainda q ue com enorm e cautela. Abre-se,
co m isso, todo u m novo ca m po pa ra a investi gação cientí fic a, que diz r espei to aos
crit érios com bas e nos quais se po dem reconhecer tais exceçõe s.
- Por fim, éprec iso cuidado compseudo-bensjurídicos coletivos. Falar e m saú 
de ou incolumidade púb lica, por exemplo, esconde o s défici ts de legiti m idade de
antecipações da tutel a penal. A categoria do s crimes de perigo abstr ato, ref eri da
a u m bem jurídico in dividual, é mu ito mais crítica , porque expõe estes problema s
com toda clarez a. E necessá rio, po rém , form ular cri térios pa ra a distinção entre
bens jurídicos cole tivos autênticos e aparent es, al go que nem mesm o na Alem a
nh a se vi u s er n ecess ário.

II I - O segun do grupo de dúvidas: a estrutura do delito


1. Introdução

D em os iníci o a nos sas considerações ao examinarmos a asse rtiva segundo

a qual crimes de peri go abstra to seriam inconstitucionais, em razão d o tal princí


pio da lesi vidad e. Ocorre que, após a análi se do bem jurídi co acim a reali zada, ainda
não co m eçam os a falar verdadeiram ente da problemática dos crimes de perigo
abstr ato, porqu e, como foi só recentemente vist o na Alem anha, m as não ainda
entre nós,8 8o problem a do s crimes d e perigo abstrato pouco tem a ver com a quest ão
do bem jurídico. A legitimação do s crimes de perigo abstr ato não deve s er discu
tida à luz de considerações sobre o bem j urídico, e sim sobre outro tópico, que

alguns autores com eçam a cham ar de “ estrut ura do delit o” {Deliktstruktur). Ao t rata r

88. Um a aparente exceção seria Lu iz Flávio Gom es, Princípio da ofensividade..., cit., p. 43, em
suas considerações a respeito da relação entre o que ele chama de “princ ípio da ofensividade” e o
“princípio da proteção de bens juríd icos” . M as aleitura do resto do trabalho dem onstra que ele de
fato não diferencia suficientemente as duas questões.

Direit o Penal 117


Luís Greco

do bemj urídico, está-se diante da pergu nta : o que proteger? Ao t ra tar d a estrutura do
delito, oproblem a j á não é mais o que proteger, e sim: como proteger?
E neste “ com o”, na questão d a estrutura do delit o, que devem os exam inar a

problemáti ca do crime de perigo abstrato. Explic itemos a questão por m eio de um


exemplo , a saber, o bem juríd ico individual vida. Aqui, a primeira pergunta, quanto
à existênci a de bem jurídico, se respon de facilmente em sentido afir mativo, porque
a vida é dado necessário para a reali zação pe ssoal, subsumind o-se, portanto, à defi
nição acima proposta. A segunda ordem de consi deraç ões diz respei to à estrutu ra
dos delitos que protegem a vida. Es ta proteção pode ser efet ivad a por m eio de de
litos de lesão: pensem os no h omicídio culposo e no homicídi o doloso, sem falar e m
vários outros crimes em que a destruição d a vida figura como qualificadora (lesão
corpor al seguida de morte, e stupro com result ado m orte ). Ou tra estrutur a de pro
teção é a dos delitos deperigo concreto: a vida é protegida p or meio d esta estrutura nos
crimes de perigo para a vida ou saúde de outrem (art. 132, C P ), no a bandono de
incapaz (art. 133),89 no incêndio (art. 250).90 Aqui, é necessário que de uma pers
pectiva expost resul te efeti vamente um a situação de fragili dade para o bem jurídic o
tute lado, que só se salva po r obra d o a caso.91 Por fim, o be m juríd ico vid a pode ser
protegi do também por m eio de crimes d e perigo abstrato: por e xemplo, o legisl a

dor proíbe a rixa (art. 13 7) n ão só no in teresse da incolum idade púb lica,92 como,
principalmente, porque essa conduta pode provocar mortes.
Como vimos, entre nós tornou-se costumeiro declarar inconstitucionais
in totum os crimes de perigo abstrat o. D iz- se que is so resul taria do princípio da

89. Ape sar de parte da doutrina falar em úm bem jurídic o “segurança” (Bitencourt, Código Penal
comentado,cit., p. 482).
90. Ape sar de parte da doutrina falar n o pse udo- bem jurídi co coletivo “incolumidade pública”
(Bitencourt, Código Penal comentado, cit., p. 954).

91. Mais detalhes a r espeito deste conceito nor mativo de perigo conc reto abaix o, 2.
92. Para alguns autores, este bem juríd ico figura ao lado do bem jurídico i ndividual com o objeto
de tutela penal (Bitencourt, Código Penal comentado, cit., p. 511). Pa ra a posição aqui defendida,
trata -se de um falso bemjurídico.

118 RBCCRIM 49 - 200 4


"Princípio da ofensividade" e cri m es de peri go ab strat o

lesi vidade, da necessária r efer ência a um bem jurídico. Po dem os afirmar, já de agora,
que tal colocação do prob lema é falha , por tratar-se de um erro categorial. Nos
crimes de perigo abstrat o, o problem a, em geral, não está no bem j urídico a ser
protegido, pois este é o mesmo dos crimes de perigo concreto e dos crimes de
lesão, a respeito de cuja legiti m idade m uitas vezes nã o se po de duvidar . O que se
está afirm ando , a rigor, é que as estru turas do delito legítim as se rest ringem a uni
cam ente dua s formas: à do delito de lesão e à do delito de pe rigo concreto. E ssa
afi rmativa já pouco te m a ver com o problem a do bem j urídico, pr evi amente
tratado. O próprio termo “ princípio da lesividade” ou “ ofensividad e” convida a
que se confi inda a questão do bem jurídico com a quest ão da estr utura do deli

to. Sã o es tas as duas que stões verdadeiramente decisivas , e é po r iss o qu e par ece
m elhor não t rabalharmos m ais com a denom inação princípi o da ofensi vidade
ou lesivi dade, e sim co m a dist inção entre proteção de bens jurídicos e estrutura
do del ito. J á tratamos acima do primei ro destes tópicos, a tinente ao b em juríd i
co. Res ta-no s o segund o, refer ente às estr uturas do delit o, co m o que surge toda
uma série de questionamentos, a que agora daremos voz.

2. A pr im eira dú vida : o que se deve entender p o r per igo


concreto?

A linha divisória entre o legítimo e o ilegíti mo , segun do a tese da ilegiti


m idade do perigo abstrato qu e agora examinam os, se ria dada pelo cará ter con 
cret o ou ab strato do perigo criado. O u seja , defender esta t ese erige ao status de
problem a fundam ental a defini ção d o que seja perigo concret o, um a vez que ela
demarcará os l imites do ainda puníve l. M as, curi osamente, todo o esfor ço de d is

cussão da doutrina m od em a sobre o conceito de perigo pare ce ser soberanam en


te ignorado pelos inimigos dos crimes de perigo abstrato, porque eles raramente
se ref ere m a esta discuss ão, e muito m enos tom am parti do em favor de um a ou
outra das posições neia defendidas.

Direito Pena] 119


Luís Greco

Ponto comum à gr ande m aioria dos que se importam em definir o que seja
perigo concreto é a perspecti va com base na q ua l ele deve ser ajuizado: trata-se da
perspectiva expost, isto é, levam -se em co nta toda s as circunstâncias rea is, m esmo
as som ente conhecidas e cognoscíveis ap ós a reali zação do fato.9 3 Q uan to a isto,
não parece haver dúvida na doutrina aiemã. Ain da assim, os crít icos do perigo
abst rato só rarament e escla rece m se partem de um a pers pectiva ex ante ou expost.9*
E mais: a principal fonte de i nspiração d os críticos nacionais do pe rigo abstrat o,
a doutrina i tal iana, c onsidera amp lamen te que o juíz o de perigo concre to deve
for mular-se segundo um aperspectiva ex ante, isto é, l evando em conta unicamente
as circunstânci as conhecidas e cognoscíveis no m om ento da práti ca do fato .95C om
isso, os autores itali anos acabam tendo u m con ceito de perigo concreto que é mu ito
mais amplo do que o dos alemães, um conceito que compreende grande parte
daquilo que os alemães cham am de pe rigo abstrato .96
Continuem os, porém, a no ssa exposição, para depois ti rarmos conclusões .
H á, fundamentalment e, duas posturas aresp eito do que seja perigo conc ret o. Um a,
de na ture za ontológica, proposta sobretudo p or H orn e que acabou por encont rar
pouquíssimos segui dores, afi rma exist ir perigo concret o quando a n ão-ocorrên-
cia do resultado nã o é cientifi came nte exp licável p or meio de u m a lei natura l.97

Segundo H orn , se não fosse possí vel afirmar em razão d e qual lei natu ral o res ul-

93. Hirsch, “G efahr und Gefàhrlichkeit", in: H A F T et al. (Ed.). Festschriftfür Arthur
Kaufmann. Heidelberg: C. F. Mül ler, 1993. p. 557 e tse q.; Ro xin, Strafrecht,c it., § 11/12 1; con
tra, pela perspectiva exante, Koriath, “Zum Streit um die Gefáhrdungsdelikte”, GA, p. 52, p. 60
et seq., 2001.
94. Um a aparente exceção éJesus. Crimes de trâ nsit o, cit., p. 6, que fala em perspe ctiva expost,
digo aparente, porque, c orno veremos, este autor logo introduz m ecanismos que comp ensam a
restriç ão de punibili dade resultant e da adoção de sta p erspectiva (“peri go comum, difuso ou co
letivo").
95. C f Fior e, op. dt.,p . 183;Mantovan i,op. cit.,p. 2 23 etseq.;Padovan i,op. ci t.,p. 170.
96. Ao leitor que ainda não est iver famil iariza do c om os termos ex ante e ex post, peço que tenha
i paciência de prosseguir naleitu ra, pois logo adiante , em dois parágrafos, trarei um exem plo que
deve esclarecer o teor da argumentação.
97. Horn, Kankrete Gefãhrdungsdeiikte,Kóln: O tto Schmidt, 1973, p. 1 59.

12 0 RBCCRI M 49 - 2 00 4
Princípio G a ofen sívid ad s/r a crimes de perigo ab strato

tado danoso deixou de ocorrer, se as leis naturais de que dispomos levassem-nos


a d iagnostica r a ocorrência de u m resultado o qual, na ver dade, não se sucedeu,
então estaríamos diante de um a verdadeira sit uação de p erigo concre to. Já a se
gunda concepção, de caráter normativo , rechaça a possibilidade de que se pos sa
reco rre r a d ados ônticos, inerentes ao m und o d o ser , para defi nir quando há peri
go concr eto . Pa ia este conceito norm ati vo de perigo, na for mulação q ue ele rece
be de Schünemann,98 estaremos diante de um perigo concreto somente quando
não se pud esse ter confiado na não-ocorrência do res ult ado. N outras palavras: o
bem jurídico terá passado po r perigo concr eto quando a inocorrência d a lesão
parece m era obra do acaso, quand o um hom em racional não pudess e contar co m

um final feliz par a os acontecimentos. E ste concei to nor mativo de perigo parte
de longa tradiç ão, tradi ção e ssa tanto doutrinária , podendo encontrar -se f orm u
lações similares ao men os desd e Bind ing, que falava em “ abalo da certeza exis
tenci al de um be m jurídi co” ,99com o juris prudencial, h avend o vários juigad os em
que apare ce a idé ia da n ão-oco rrência do resultado p or mero acaso.1 00 E este o
conceito de perigo concreto hoje majoritário.101
A gor a surge a segu inte i ndagação: ser á esta a c ompreensão de perigo con

cre to aco lhida por aqueles que consideram ilegít imos os crimes de perigo a bs 
tra to? Para dar um exemplo: digam os que alguém , em estado de em briaguez,
ultrapasse um motociclista pela direita, além disso saindo de sua faixa e avan
çando bastante sobre a do m otociclis ta. O corre que este motocicl ist a compete
em motocross e não tem a m enor dificul dade em re cu ar um pouco a própria

98. Schünemann, “Moderne Tendenzen in der Dogmatiic der Fahlrássigkeits-und


Gefahrdungsdelikte^J^p. 796,1975.
99. Binding , op. cit., p. 372-373.
100. Por último, B G H N St Z 1996, p . 83 et seq.
101. Por exemplo, Rox in, Strafrecbt, cit., § 11/125 ; Wo\tei-,ObjekíiveundfersonaleZiirechnungvon
Verbalten, Gefahrund Verletzungin einemfunktionaíen Straftatsystem, Be rlin: Duncker& .Hum biot,
1981,p.2 23 et seq.; Ostendorf,“G rundzüge des ko nkreten Geíàhrdungsdelikts",/^?, p. 430,1982.
Entre nós, Dam ásio d e Jesus, Crimes de trânsito , cit., p. 6.

Direit o Penal 1 21
Luís Greco

m otocicleta, evi tando, assim , um acide nte. Se rá que aqui a doutrina brasilei ra
conside raria i naplicável o dispositivo do art. 30 6 do C ód igo d e Trân sito, o qual
incrimina a condu ta de “ condu zir veículo autom otor, na via pública, sob influên

cia de álcool ou de sub stância de efei tos an álogos, expondo a dan o potenc ial a
incolum idade d e out rem”? Se realmente o entender como cri me de perigo con 
creto, a resposta só pod e ser afirmativa , um a vez que, aqui, o result ado não dei
xou de ocorrer por acaso, e sim pelas superiores capacidades do motociclista.
D e um ponto de vis ta expost, essas superiores capacidades devem ser levadas
em conta , e e las refut am a suspeita de que haveri a peri go. M as L uiz Flávio
G om es, po r exemplo, insiste que o t ipo “ não exige peri go concret o para pessoa
determinada, ao contrário, trata-se de perigo a um número indeterminado de
pe sso as (perigo indir eto ou comu m ), que entraram no r aio de ação da conduta
cau sad ora de riscos” .102 D a m esm a form a, Dam ásio de Jesus, que, apesar de
adotar o conceito de perigo concreto da moderna doutrina dominante,103 o faz
só nominalmente, uma vez que se limita a exigir um “ perigo comu m (dif uso ou
coletivo)”, declarando que, no crime de em briagu ez ao volante, “ainda que ne
nhu m indivíduo da coleti vidade venha a ser exposto a peri go, há cri me, desde
que o co rra reba ixam ento do nível de seg ur an ça d o tráfeg o” .104-105 E que m en

tender , na esteira da doutrina ital iana, que o juíz o de perigo se formula de um a


perspectiva ex ante, não poderá levar em conta o fato de que o motociclista é
comp eti dor de motocross —algo de que só se pode saber depois da prática do
fato, ou seja, expost - para exc lui r a existência d o perigo concret o.
A rigor, nossos críticos do perigo abs trato só cons eguem ser tão radicais
porque trabal ham co m u m concei to de perigo concr eto bem mais amplo, be m

102. Lu iz Flávi o G omes, Principio da ofensividade..., cit., p. 105.


10 3.C om o observei em nota anterior, de número 101.
104.Jesus, Crimes de trânsito, cit., p. 8.
105. Substancialmen te idêntic a tam bém Bian chin i, op. cit., p. 69.

122 RBCCRIM 49 - 2 00 4
"Pri ncípi o da ofen sividad e" e cr imes de peri go a bstrato

menos severo, do que o proposto pela doutrina alemã, porque se até “perigo co
m um ”, perigo para número indeterminado de pessoas, é perigo concret o, s e exis
te u m a “teoria do perigo concreto indireto”,1 06 entã o gran de parte daquilo que a

doutrina dominante pode, no m áximo, considerar crime de perigo abstra to aca


bo u sendo elevado à categoria dos crim es de perig o concret o e tornada legítima.
Ou seja: o primeiro problema da crítica global aos crimes de perigo abs
trato é não explicitar o conceito de perigo concreto do qual ela parte. Esta
indeterminação acaba por flexibilizar e atenuar a radicalidade da tese analisada,
porque m uito do que costumam os comp reender por cri mes de perigo abstrato já
passará a ser , segundo a imprecisa concepção examinada, perigo concr eto - e es
capará facil mente do j uíz o de ilegi timidade.

3. A segunda dú vid a: crimes de perigo abstr ato e falsos bens


jurídicos coletivos

A radica lid ade da tese defendida pelos inimigos do crime de perigo abs
trato l evari a, se foss e ela r eal, à inconstitucionalidade de m uitos m ais dispo sitivos
do que eles parece m im aginar. Isso porqu e é muito facil recusar globalm ente e s
tes crimes, se se continua a trabalha r com aqueles bens juríd icos “coletivos” que
acim a crit icamos, com o a p az pú blica, a incolumidade pública, a saúde púb lica
etc. M as, um a vez que se recuse m tais bens jurídicos, que dev em ser decom postos
em bens j urídicos ind ividuais que na ve rdade são, ver-se-á qu e m uitíssi m as
incrimina ções ant es incont rover sas não pa ssam de cr imes de p erigo abstrato - e
que nada há de errado com isso.
Vejamos, por exem plo, o crime de enve nena mento de águ a potá ve l ou de
substância alimentícia ou medicinal (art. 270): “envenenar água potável, de

uso comu m ou par tic ular , ou substância ali men tíci a ou m edicinal destina da a
consumo”. A doutri na dominante ainda tr abalha co m um bem jurídico cole-

106.Assim, Lu iz Flá vio G omes, Principio da ofensividade..., cit., p. 105.

Direito Penal 12 3
Luís Greco

tivo: a incolum idade púb lica.l ü/ Se com preend ermo s este del ito co mo um deli to
para a proteção de bens jurídicos individuais, c om o a vida e a integridade fí
sica, será ele transformado em um crime de perigo abstrato.108 Duvidará al
guém d a legiti m idade desta incriminação? A liás, uma vez que se recus e tanto
o bem jurídico incolum idade pública, quanto a saúde públi ca, quase todo s os
crime s do Título V III (“D os crimes de per igo comum”), Cap ítul o III (“Do s
cri mes co ntra a saúde púb lica” ), pa ssarão a ser cr imes de pe rigo abstrat o con 
tra bens jurídicos indivi duais.
E isso com o ganho acim a explic itado: pr imeir amente, abre-se todo um
novo campo p a r a interpretar restritivamente o alcance da proibiçã o n os referidos t ipos.
Por exemplo, o cri me de charlatanism o (art. 283 ), que pune o ato de “incul car

ou anunciar cura por meio secr eto ou infalív el”, um a vez entendido com o crime
de perigo abstrato em defesa especialmente da integridade fí sica, mas em ca sos
limite tam bém da vida da pessoa en gana da, tem seus alic erc es profundam ente
abalados, po is, em princípio, a vítima po de a utocolocar-se em perigo, sem que
ist o gere qua lquer responsabilidade p ara tercei ros que venham a partici par de
tal ação pe rig os a.109 Q ue m acred ita em “cura po r me io secreto ou infalível” o
faz, em regra, a próprio risco, porque, nos dias de hoje, é amplamente sabido
que tais m eios não existem. A exceç ão a esta regra s erá o caso em que a vítima

padece de algum d éfici t de respon sabilidade: po r exemplo, ela sofre de um mal


grave, que turva a s ua cap acidade de com preensão o u de autodeterminação, em
ter mos análogos aos do art . 26 do C P (que trata da inimputabi lidade), ou é me
nor, ou doen te mental, ou está laborando em erro não impu tável a ela m esma.
Outro exemplo acima examinado foi o dos crimes de tóxicos.

107.Bitencourt, Código Pe nal comentado, cit., p. 991.


10 8.C f. Lack ner e Kühl, op. cit., § 314/1; He ine, em Schõnke e Schrõder, op. cit., § 314 /2. No
sentido d o crime de perigo abstrato, também, Bitencourt, Código Penalcomentado, cit., p. 992, se
bem que o autor dirija este perigo à incolumidade pública e não a bens jurídicos indivi duais.
109. Cf . a respeito Roxin, Funcionalismo e imputação objetiva, trad. Luís Greco, Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, § 11/91 etseq.

12 4 RBCCRIM 49 - 2 00 4
"Princípio da ofensividade ' e crimes de perigo abstrato

E m segundo l ugar, c omo acima já apontam os, a desmistificação de bens ju 


rídicos colet ivosf a z pe na s desproporcionadas saltare m aos olhos. Não precisamos ci
tar outra ve z os exemplos acima dado s; darem os unicamente m ais um , o do art.
270 , o crime de envenenamento de águ a potável ou de su bstânci a alimentíci a ou
medici nal. A caba m os de dizer que ninguém po de duvidar da legitimidade desta
incri minação. E verdade; m as pod e-se e deve-se duvidar da legitimidade d a pena
de reclus ão, de de z a quinze anos, por que, por mais pe rigosa que seja a pre sent e
ação, ela não deixa de se r um mero crime de perigo abst rat o, que jam ais pod e ser
punido com pena mais alta que a do próprio delito de lesão. E os res pecti vos cr i
mes de lesão, aqui, são punidos ou com reclusão, de dois a oito anos (tome mos
unicamente a lesão corporal gravíssima), ou com recl usão, de seis a vi nte anos
(homicídio simples) . O único ponto de vista que poderia j ustificar penas relat iva 
mente ma is elevadas s eria, aqui , o fato de que o pe rigo é gerad o para um número
indeterminado de pessoas. M as ainda assi m esse p on to de vista n ão pod eria faz er
a pena m ínima com eçar aci ma da do crime de homicídio.
A s vantagens d e se recusa rem bens jurídicos pseudo-cole tivos são, portant o,
muitas . O que pergu ntamo s, assi m, é o seguint e: com o se posicionam os críticos do
crime de perigo abstrato em relação a este probl em a,já que eles têm, a rigor , duas opções?

A primeira é acolherem as crític as aq ui formulada s a tais bens jurídicos falsamente


coletivos e co m isso terem de declar ar incons tituc ionais quase todos os cham ados cri
mes contra a saúde pública , po r exemplo. E a seg unda é, para salvar em a constitu do-
nalidade de tais proibições , terem de a dmitir a postu lação de ben s jurídicos col etivos
a gosto, aqui e toda vez que se queir a resgata r a legitimidade de algum a incriminação .
E infeli zmente esta segu nda postura a m ais difund ida entr e os crít icos brasi leiros do
crime de perig o abstrat o. Alg un s chegam m esm o a declarar que o bem jurídico cole
tivo é d esejável, justam ente por resolver tod os os prob lem as,110deixando de ver que é
exatamente nesta aparente simplifi cação que e stá o problema.

llO.A ssim , especialme nte, Jesus, Crimes de trânsito, ci t., p. 23; LuizFlá vio Gom es , Princípio da
ofensividade..., cit.,p, 1 03 , que fala na necessidade de “descobrir” o bem supra-índivid ual afetado,

Direito Penal 12 5
Luís Greco

Ou seja: a radicalidade da tese examinada, segundo a qual os crimes de


perigo abstrato seriam inconstitucionais, sofre uma segunda atenuação, porque
seus defensores não hesitam em po stular falsos bens jurídicos colet ivos toda vez
que se vêem diante de um tipo que que rem imunizar contra a crí tica.

4. 0 cam inhopromissor: aba ndo no de soluçõesgloba is em f a


vo r de um detalhado de senvo lvime nto das diversas estru
turas do delito

E é por iss o que um setor da doutrina moderna vem propondo uma ter
ceir a via, que renunc ia às pretensões das quais parte um v asto setor de pe nalis tas
não só brasil eiros , no sentido de que seja possível uma solução global. P ropõe-se,
muit o mais, um a solução dife renciad a : da mesm a forma que, na questão do bem
ju rí dic o, tentou-se separar o jo io do tr ig o, e xc luindo ben s ju ríd ic os s ó apare nte 
mente coleti vos, ag ora, em face do p roblem a da est rutura do delit o, tentar -se-
á form ular critérios pa ra dis tin gu ir os crimes de perigo a bstrat o legítimos dos ilegí-
timos, p orque, se por um lado tem os d elitos de perigo abstrato indubitavelmen te
legítimos, de outro temos crimes como o disparo de armas de fogo, recente
mente introduzi do pel a nova Le i de A rm as de Fogo, acima men cionado. Ou
sej a, é pr ecis o formular crit érios de distinção um pouco mais com plexos do
que um mero tudo ou nada, nu m a postura que não pode ser nem de aceitação
global, nem de obsti nada recusa, mas de busca de um sadio m eio termo , ci en
te da heterogeneidade dos problemas com que se está lidando, o que faz da
procura de uma sol ução unitária algo no m ínimo ingênuo. U m v asto grupo de
autores subscr eve esta linha de pe ns am en to, entre el es se en con tran do R ox in, 111

para que, com isso, o t ipo seja posto em consonância co m a idéiad e ofensivida de, o qu e é um a clara
transformação do conceito dogmá tico de bem jurídico em conceito políti co-criminal.
111. Roxin, “Política criminaly dogm ática jurídico-penal em la actualidad ", crad. Carmem Gdm ez
Rivero, in: L a evolución de la-política criminal, elderechopenaly elprocesopenal. Valencia : Tira nt lo
Blanch,2QQ0. p.91RBCCrim
trad. Luís Greco, etseq .^So35/16,2001.
breafu nda me ntaç âo politico-cri minaldo sistemaj urídico-penal ”,

126 RBCCRJM 49 - 2 00 4
"Princípio da ofensividad e" e crimes de peri go ab str ato

Sch ün em an n,112 Fr isch 113 e Ja k ob s.114 M as os do is m ais im por tante s trabalho s


nesta linha são as recente s teses de livre-docência de Woh lers e de Hefendehl.
Tentarei fazer uma apertada síntese do que dizem os dois jovens professores,

para depois formular algumas conclusões.


A pó s criti car os i nstrum entos teóricos com que até agora s e vem tenta ndo
restringir o p od er do legislad or d e in crimin ar,115 declara W ohlers que o caminho
corr eto está em construir grup os de crimes d e perigo ab strat o e enunci ar os r equi
sitos de legitim idad e que c ada q ual tem d e atender.1 16 D istingu e ele três espéci es
de deli tos de perigo abstrato: primeiramente, o s por el e chama dos d elit os de ação
concretam ente perig osa ; depois, os de litos de cumu lação; e, por últi mo , os deli tos

de preparação.
O primeiro destes grupos de delitos, o dos delitos de ação concretamente
perigosa — minha tradução de konkrete Gefàhrlichkeitsdelikte refere-se àqueles
tipos que proíbem um a ação que lev a, tipicamente, a um a sit uação não m ais con
trolá vel pelo agente e, portan to, perig osa p ar ao bem juríd ico.117U m exem plo ser ia,
no d irei to alemão, a c ond uta de em briagu ez ao volante.1 18A qu i, a proibição só é

11 2.Schünemann
Obersch ichtstrafrec, “Kritische
ht... ”, cit.,Anmerkungen
p. 27 et seq. ...”, cit ., p. 213 et seq.; “Vòm Unterschicht- zum
11 3.Frisch, “And en G renze n...”,cit.,p . 91 et seq.; “ Wesentliche Voraussetzungen. cit., p. 214
et seq.
114.Jak obs, “Kriminalisierung im Vorfeld. ..”, ci t., p. 768 et seq.
11 5.Inclusi ve a teoria do bem jurídico, diante da qual ele adota postura declaradamente cé tica:
Wohlers, op. cit., p . 279; Hefendeh l, “Die Ta gu ng aus der Perspe ktive...”, cit., p. 282.
116. Wohl ers,op. cit.,p. 278; Hefendehl, Woh lers ev.H irsch ,D >i?£cte^M/í/Ãeon'e,BadenBaden:
2

Nomos , 2003 , p. 282.


117. Wohlers, op. cit., p. 31 1; Wohlers e v. Hirsch, “Rechtsgutstheor ie und Deliktsstruktu r - zu
den K riterien f airer Zurechn ung ”, in: Die Rechtsgutstheorie. Baden B aden: Nomo s, 2003. p. 19 9.
118 . N o d ireito alemão, este cri me se reaii za com a mera conduta de diri gir embriaga do, sem
que seja necess ário um requisito ad icional, como a lesão o u o perigo co ncreto pa ra determinado
bem jurídico protegido (c£ La ckn er e Kühl, op. cit., § 31 6/1). Já no nosso direito, e ntretant o, a
redação do mesmo crime leva a cr er tratar-se de crime de perigo concr eto para um bem jurídico
individual, vez que o tipo exige que o autor “exponha a dan o potencial a incolumidade de ou
trem” (art. 30 6 do Có di go de Trânsito). Jesu s, entretanto, postula o bem jurídico coletivo para

Direito Penal 127


í _uí s Greco

legit imável diant e de um a ponderaçã o de intere sses que se assemelha bastante


àquela que se costuma real izar em sede de deli to culposo, ao concretizar o dever
objet ivo d e cuidado, o risco perm itido.1 19 Enq uan to o perigo ainda for dom inável
e com pensá vel pelo autor, não se pod e legitim ar um a incrim inaçã o.120
O segundo grupo de casos proposto por Wohlers é o dos delitos de cumu-
lação - um a figura proposta por K uhlen. em 1986, e m uit íss imo contr overt ida na
Üteratura alem ã.121 D elitos de c um ulaç ão proibiria m cond utas que, tom ad as em
si mesm as, não s e mostram perigosas, m as que com eçam a sê-l o a partir do m o
mento em que a sua prática passe a ser r epet ida por um núm ero maior de pes
soas.1 22 E st a estrut ura de d elito seria especialmente própria pa ra d elitos am bien
tai s, vez que a pureza das águas, por exem plo, se quer ser ia am eaçada c om a práti
ca de um a única ação pol uidora, sendo porém neces sár io impedi-la, pel a possibi
lidade de sua general ização. A q ui só have rá criminalizaçã o legítima ca so os efei
tos de cum ulação sejam fun da do s em expectativas realistas,1 23 dev endo o bem
ju rídico pro te gido ser dota do de e sp ecial re levância, de m odo a fandam enta r u m
dever d e coo pera ção.124
Por último, refere-se Wohlers ao grupo dos delitos de pr epa raçã o. Estes
seriam proibições de com portam entos q ue não s e m ostram diretam ente les ivos

a um bem j urídi co, mas se limitam a criar um perigo de que o próprio a gente ou

considerar tal crime de les ão e de me ra condu ta, dispensando a comprova ção do perig o a pessoa
concreta (Crim esde trânsito, p. 166).
119. Wohlers e v . Hirsch, “Rechtsgutstheorie un d Deiiktsst ruktur.. .", d t.,p .21 3.
120. Wohlers, op. cit., p. 314.
121. Kuhlen, “Der Handlungseríòlg der strafbaren Gewàsserverunreinigung’’, GA, p. 716 e t
seq., 1986.
122. Wohlers, op. cit. , p. 218; W ohlers ev. Hirs ch , “Rechtsgutstheorie und Deiiktsstru ktur...’ ’,
cit., p. 19 9.
123 . Wohlers, op. cit.,p. 322 et seq.; Wohlers ev, Hirsch,"Rechtsgutstheorie undD eüktsstrukt
cit., p.208 -209.
124 .Wohlers e v. Hirsch, “Re chtsgu tstheori e un d Dei iktsstruktur...”, c it., p. 210.

128 RBCCRI M 49 - 20 04
"Princí pio da o fensividade" e cri me s de peri go abstrato

um terceiro futuramente cometam uma ação lesiva.12"' Tais proibições só são


legit imáveis, se exis tir em especiai s fun dam entos que j ustifiquem o dever ante
cipado de responsabilizar- se pela integridade do bem jurídi co ou peio c om por

tamen to d e terceiros,1 20co m o é o caso em hipótese s de entrega d e ob jetos peri


go so s127 ou de existên cia d e sen tido d elitivo u nívoco d a co ntrib uiçã o.128
Hefen dehl, por su a vez, racioc ina de m aneira um pouco divers a. Pa ra ele ,
o problem a da estrut ura do deli to está l igado à espécie de bem jurídico que se deseja
tutelar. Ele constrói uma detalhada sistematização d os delitos contra bens j ur ídi
cos coletivos, que nesta se de não pod em os descrever ,129e afirma que a c ad a gru po
de bens jurídicos coleti vos co rres ponde u m a determinada estrutura do delito. lj0

D e todas as estruturas de delit o, a do delito de lesão se mo stra a menos pro 


blemática, uma vez que proibições de lesionar são em regra i dôneas p ara proteger
o bem jurídi co em questão. Exem plo de deli to de l esão ser ia o cri me de soneg a
ção fisc al.131 Se o legislado r, con tudo , recorrer a um crime de-perigo, e não m ais a
um crime de lesão, dev erão ser atendidos certos pressupostos de legitimid ade m ais
ext ensos pa ra que a proibição po ssa considerar-se justif icada. Primeiram ente, será
necessário encon trar um equivalente materiai para a ausência de c ausalida de real

nos cri m es de perigo: um a vez que nel es o bem jurídico não é causalmente
lesionado, surge a pergunta quanto ao que poderá legitimar a proibição.132 Este
equivalente material pod erá ser, nos d elitos ambie ntais e nos delitos de corrupçã o,

125. Wohlers, op. cit., p. 328; Wohlers e v. Hirsch , “Rechtsgutstheorie un d Deliktsstruktur...”,p. 198.
126. Wohlers ev. Hirsch, “Rechtsgutstheorie und Delikt sstruktur. ..”,cit., p. 200-2 01.
127.1dem, ibid em, p. 205 .
128. Wohlers, op . c it , p. 335.
129.Hefendehl, KollektiveRechtsgüter..., cit., p. 113 ets eq.
130.1de m, ibidem, p. 148; “D as Rechtsgu talsmaterialer...”, cit ., p. 129.
13lHe fende hl,i6V/€M ^ifor/to^ter ...,cit. ,p.200;“DasRecht sguta lsmater ialer ...”,cit., p. 131.
l32.ííe£endehl,KotlektiveRecbtsgüter...,cit.,p. 182 et seq .; “Da s Rechtsgutalsma terialer...", ci t.,
p. 131.

Direito Penal 12 9
Luís Greco

a idéia da cum ulação, que ac abam os de ver em W ohlers,1 33 e que tam bém tem em
H efen deh l um de se us m ais importantes defensores . Já ao direi to penal de al i
mentos (. Lebensmittehtrajrecht ), em que se trata de proteç ão de ben s jurídicos in

dividuais ( integ ridad e física do s consum idores, e não saúde púb licaJ ), a estrut ura
do delito de pot en cial lesivo será a mais ade qua da.134 E sta figu ra, a do delito de
potencial lesivo, é uma modalidade de crime de perigo abstrato defendida por
alguns autores , cujo tipo objetivo é limitado pe la idéia de criaç ão de um risco, nos
mo ldes d a m od ern a teoria da im putação objetiva.1 35As sim , não havendo cria ção
de risco ex ante par a os b ens jurídicos individuais, d everá ser excluída a tipicidade
dos delitos no direito penal de alimentos.
M as H efe nd eh l não se c ontenta em analisar a questão da estrut ura do del ito.
E le prossegue, pergu ntan do, num a próxim a etapa, a respe ito dos limite s da pro i
bição : aqui entrarã o considerações referidas a al ternat ivas a o direito penal (prin
cípio d a su bsid iar ied ad e)136e ao p rincípio da pr oporcion alidad e.137M as o p rinci
pa l mérito de H efen de hl, a m eu ver, é ter construído a sua sistemática levando em
conta não somente delitos tradicionalmente considerados questionáveis (em ge
ral pertencen tes à legislação p en al ext ravaga nte) , m as também incriminações tra
dicionais, pr esentes no seio do C ód igo P enal, cuja legiti midade pou co se discute ,

133.Hefendehl,.fo/M^i?rcMgw/i?r...,át.,p.l83etseq.,sobreosdelitosdecorrupção,ademais
p- 321 et seq. ; “Da s Rec htsgu t ais ma terialer.. .’ , cit., p. 131.
134.Hefendehl, Kollektiv
delitos de poten cial lesiv o devem ser realmente entendi dos como equi valentes materiais à causa
lidad e, porqu e H efe nd eh l trata dd es antes d e chegar a esta q uestão.
135. Arespeito, detalhadame nte, Hoyer, DieEignungsdehkte, Berlin: Duncker ôcH um blot, 198
p. 18 ets eq.C f.ad em ais Frisch,“ Aa de nG ren ze n...”,cit.,p.9 3;'fW esentUcheVoraussetzungen...’’,
cit., p. 215, o qual propõe uma substituição global dos crimes de perigo abstrato por crimes de
potenciallesivo.
l3(>.HeímâehL,KollektiveRerbtsgüter...,út.,p.213 et seq. Observe-se que Hefen dehl, na esteira
de Tied ema nn, n ão trab alh a com a formulação tradicional do princípio da subsidi ariedade, v ez
que não lhe par ece q ue a sanção penal seja sempre a mais grave (idem, ibidem, p . 234).
137.1dem, ibidem , p. 8 3 et seq.

130 RBCCRIM 49 - 2 004


"Princí pio da ofensividade " e crimes de perigo abstrato

com o a falsificação de m oed a,138 ou a corru pção. C o m isso, acabou ele por ele var a
discussão a um outro n ível de complexidade, porqu e ap ós seu trabal ho não me pa 
rece m ais possível avançar teses radicais, sem que se com prov e chegarem elas a re
sultados desejáv eis tam bém no s tipos que o pro po sitor d a tese não tinha em m ente.
A pres ente exposi ção, u m tanto apertada, da s form ulações de Wohle rs e
H efend ehl t eve por objetivo dem onstrar em que situ ação se encontra o atual de
bate. N ão nos cabe, nos limites estr eito s deste trabalho , avaliar se os s istemas de
deli tos de perigo propostos po r cada qu al se mostram acertados. O que podemos
e devem os observar é apenas que se t ratam de prop osta s consistentes, que mere
cem um a ref lexã o muito mais detid a e cuidado sa do qu e aquelas com que e stamos
acostumados. En fim : Wohlers e Hefendehl, defato , não resolveram tudo , masaomenos
demonstraram que caminho se deve seguir, um caminho muito mais árduo, muito mais
tortuoso, do aqu ele em que ai nda nos encontramos , um c amin ho em que não exis tem
fór m ula s m ágicas, nem soluções globais, mas que consiste n a determi nação cuidad osa
dos limites entre o perigo ab strato legítimo e o ilegítimo. Aliás, também a doutrina
itali ana, que na décad a de 70 formu lou crít ica acirrada ao s crimes de perigo abs
trato, parece hoje favorec er um a solução dife ren ciad ora .139
(Jm a vez que se reco nheça, portanto , que não é correto cond enar a tota

lidade dos crimes de perigo abstrato, fazend o-se n ecessá rio, iss o sim, dist inguir
os crimes de perigo abstrato legítimos dos ilegítimos, ter-se-á aberto todo um
novo campo de inves tiga ção, e m que W ohler s e H efen de hl n ão dera m sen ão os
primei ros passos. Lon ge de aprese ntar um a tipo logia própria, o que ser ia p re
tensão demais, limitar-me-ei a colocar uma série de questões que terão de ser
resolvida s já logo de iníc io, para que as futuras in vest igaçõ es p ossam trazer bons
resultados.

13 8.0 bjet o também de um estudo ante rior, “Zur Vorverlagerung d es Rechtsg utschutze s am
Beispiel der Geldfâlsch ungsta tbestãnd e",//?, p. 353 et seq., 19 96.
139. C f as dife rentes tipologias e c ritér ios em Fiand aca e M us co , op . cit., p . 176 et seq.; Fiore, o p.
cit., p. 183 etse q.;M arinu ccieD olcini, op. cit.,p. 416 et seq.

Direito Penal 13 1
Primeiramente, é preciso pergun tar se o conceit o crime de perig o abstra to
é um referencial suficiente para a discussão, ou se é necessário ser mais preciso.
Tem -se de refl etir, assim, se por trás da denom inação única “ crime de perigo abs 
tra to” não se escon de um a gam a de fenômenos bastant e h etero gêneos, faze ndo
necessár io distinguir grupos de crimes de perigo abstrato, para q ue se po ssa dar
início a um a análi se separada d a legitimidade de cad a qual destes grupos.
C aso se considere necessári o dissecar o conceito de perigo abstrato, t er-
se-á, em seguida, de discuti r quais seriam as novas estr uturas . A doutrina fala atual
mente nu m a vari edade de espécies de crime de perigo abstrato, que vão desde as
já vistas, ao ex por m os Wohlers e H efendehl, até algum as o utras, com o a do d elito
de perigo abstrato-concreto. Q ua is destas serão necessári as, quais dispensávei s?

E este o segundo pro blem a que se coloca.


U m terce iro problem a diz respeito à possibil idade de aplicar as categorias
lesão, perigo concre to, perigo a bstrato a bens jurídicos cole tivos, para caracteriz ar
com precisão de que estrutura de delito se tr ata. D e um lado, h á autores que de
claram ser os crimes de perigo ab strato a técni ca de proteção ad equ ad a aos bens
ju rídicos coletivo s.140 N o outro ex trem o estã o os que afirm am trata re m -se todos
os delito s para a pro teçã o d e ben s jur ídic os supra-ind ividuais de c rim es de lesã o.141
U m tercei ro grupo de autores d iz que a dis tinção entr e lesão e perigo perde seu

senti do n o caso d e bens jurídicos coleti vos, d e m odo que os deli tos para a sua tu
tela são crimes de m era c ond uta.142 E u m último grupo d e autores, entre os quai s
se enc ontra , como vim os, Hefend ehl, consi dera que a cada espéci e de bem jurídi
co col etiv o corresponde um a certa estrutura d o delit o. A questão preliminar ser á,
certamente, determinar com clareza o qu e se entende ria por lesão no ca so de bens

140.Por exemplo, Hassem er, “Grundlinien einer p ersonaien....”, cit, p. 89. Entre n ós, M ello Jor
ge Silveira, Direito pen al supra -indivi dual, p. 66.
141 .Jesus, “N ova visão da natureza d os crim es...”, cit ., p. 86; Crimes de trânsito, cit., p. 18 e t seq.;
Leiantitóxicos , cit., p. 16.
142.Tiedemann, Wirtschaftsbetrug,d t., § 264/17, § 264a/16.

132 RBCCRIM 49 - 2 00 4
"Princípi o da o fensividade " e crimes de perigo abstrato

ju ríd ic os coletivos - algo que de m odo alg um se pode co nsiderar r esolvido. A fi
nal , o crime de corrupção passiva (art . 3 17 d o C P ), por exemplo, será de l esão, de
perigo concreto ou pe rigo abstrato em relação ao bem juríd ico p roteg ido ?143 E ssa

pergu nta só poderá ser respon dida quand o se tiv er um cri tér io com b ase no qual
se difer encie a lesão do me ro perigo e m tais bens juríd icos coleti vos.
E m quarto lugar , e aqui se situa a q uestã o d ecis iva, cumpre en unciar s e e
sob qu ais condições as diferentes espécies de crim e de pe rigo abstrato 144se m o s
tram legítimas. Parece-m e especi almente problemá tica a categoria dos d eli tos de
cumulação, pela tendência de criminalizar bag atelas que l he é ínsi ta: com o vimos,
nos delitos de cum ulação já seri a punível aquele com portam ento em si inó cuo,

mas que se torna perigoso caso praticado em grande número.145 Por outro lado,
parece-m e bastante prom issora a pro po sta de tr ansform ar alguns cri mes de peri
go abstrato em crimes de pot encia l lesivo ,146 restringindo o tipo à pr oibiçã o d a
quelas condutas ex ante per igosas . Este s m eus juízos, por ém, não passam de me
ras suspeitas , que apenas indicam a necessidade de estudar ma is a fund o o tema
antes de sair pregando soluções.

143 .Isso se m falar qu e o próprio bem jurídico proteg ido é aqui objet o de controvérsias. N a doutri
na brasileira, costuma -se dize r que os tipos de cor rupção tutelam o bem jurídico Admin istração
Pública,pura e simples mente (cfBite nco urt, CódigoPenai comentado,cit., p . 1086). Já na doutrina
alemã, faz-s e um esforço no sentido de concretizar um pouco mais que aspecto da Administração
Pública é afetado, falando alguns autores na probida de no exercício d o cargo (Arthur Kaufmann,
“Coment ário a B G H JZ , n. 59, p. 375 et seq.”,/ Z , p. 376 et seq.),outros na conf iança da popula
ção nesta pr obidade (Lackner e Kühl, op.cit., § 3 31/1 ; Cramer, em Schõnke e Schrõder , op. ci t.,
§ 331/3 ), outros na capacidad e de funcionamento da Administração P ublicae dajustiça (Rudoiphi,
SysfámatischerKommsntar, cit ., vor § 331/7), outros combin am alguns deste s aspectos (Ka rgl,“Über
die Bekãmpfang des Ans chei ns der K riminal itát”, 25 /^1 14 /78 7,2 00 2) .
144. Ou o próprio crime de perigo abstrat o, caso se tenha dado resposta negati va à pri meira
questão.

145. Cf. o m ais atualizado trabalho sobre o delito de cumulação, detalhada e cr iticamente, Ioanna
Anastasopolou, Deliktstypen zum Schutze kollektiver Rechtsgúter und der Kumulationsgedanke,
Dissertation, Münche n, 200 3, p. 199 et se q., ainda em fase de publicação.
146. Como querem Frisch, cf. acima, nota 135, e Hefendehl, Kollektive Rechtsgüter..., cit., p.
167; já Roxin, Strafrecht, cit., § 11/12 9, propõe u ma tal r estrição para um grupo de crimes de
perigo abstrato.

Direito Penal 133


Luís Greco

Algo, porém, parece certo: que somente analisando cuidadosamente a


mu lti plicidade de crimes de perigo abstra to, mesm o os mais esquecidos, pode
remos com eçar a pensar em crité rios r ealment e fun dad os para solucionar o pro

blema d a legitimida de destas incrimi nações . A solução a que chegaremos ser á


necessariamente diferenciada, porque assim é a realidade que se está a exami
nar . E aqui, mais um a vez, mo stra-se cor ret o o postu lado m etodológico básico
do sistema de Roxin, segundo o qual é sempre necessário analisar o material
empírico, os problemas concretos, que têm de poder influir na formulação da
teoria gen érica e a bstra ta,147po is do contrário esta será inadeq uada . O pr ob le
ma que tem os d iante de nós é esp ecial mente complexo, não poden do sequer s er
enfrentado com os olhos de cultor da parte geral. Ele situa-se num ponto de
cru zam ento entre a parte geral e a especial, e qualqu er solução que deixe de le
var em conta a riquez a e a multipli cidade presentes n a parte especi al terá pron 
tamente de atenuar a sua inicial radicalidade, ou modificando o declarado ou
inve ntando m ecanismos adhoc para sal vá-lo - o que, como vim os, é expedi ente
comum entre os críticos do perigo abstrato.

6. Síntese das considerações sobre a estrutura do delito

Resumindo esta segunda parte, podemos afirmar que:


- o proble ma da prote ção ao bem jurídico não se confunde com o proble 
m a da estrutura desta prote ção (estrutura do delito). Perguntar sobre a l egitimida 
de de crimes de perigo abstrato é formular um a pergun ta que , em princípio, nada

147. Roxin, Funcionalismo e imputação ..., ci t., § 7/82 et seq.; “Einige Bemerkungen zum
Verháltnis vo n Rec htsidee und Re ch tsstoff in der Syste m atik unseres Strafrechts”, in:
KA UF M AN N, Ar thur (Ed. ). Gedàchtnisschriftfür Gu stav Radbruch. Gõtti nge n: Vandenhoeck.
ScR uprec ht, 1968. p. 260 et seq.; e , detalha damente, Tàterschaft undTatherrschaft, 7. ed., Berlin/
New York: De Gr uyt er,20 00,p . 528 et seq. Ma is explicações s obre est e método em Greco, “ In
trodução à dogm ática funcionalista...” , cit., p. 136 et se q., e “Impu tação objeti va: uma introdu
ção”, in: ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiv a no direito pen al. Rio de J aneiro:
Renovar, 2002. p. 69 et seq .

13 4 RBCCRIM 49 - 20 04
"Princípio da ofen sividade" e cri m es de peri go abstrato

tem a ver com a idéia de bem jurídico, ma s tão-só com a estr utura dos delitos de
que se vale o legislador para protegê-l o;
- a radicalidade da recusa total aos crim es de perigo abstrato é meramente

aparente , porque, em primeiro lugar, trabalha-se com um conceito obscuro de


perigo concr eto, que transfor ma mu itas cond utas criadora s d e perigo meramente
abstrat o em condu tas criadoras de perigo concreto, e , em segun do lugar, porque
se re corre a bens jurídico s falsam ente coletivos, que autom aticamen te legitimam
proibições e sanções abusivas;
- o caminho corr eto para a solu ção do problem a está numa detalhada análise
dos crimes de per igo ab stra to e no desenvolvimento de critér ios específicos de legitim i

dade. T alvez seja necessári o inclusi ve distingu ir alguns grup os de c asos, segundo
um critéri o diferenciador que aind a há de ser formulado. A utopia das soluç ões
globais deve ser abandonada.

IV - Conclusão
Co m o que concluímos que a s cert ezas dos crít icos do peri go abstrato não
são, de mod o algum , justificada s. E las derivam d e um a sim plificação exces siva de

quest ões alt amente complexas. M uito s ignora m vários do s problemas atinen tes
ao conceito de bem j urídico, achando-se q ue basta ancorá-lo numa Constitui ção
que considera valor relevant e até o caráter federal do Co légio Pedro II. O fato de
que um conceito m ais restri to de bem jurídico se ja necessário e as conseqüênci as
que ist o gera especialmen te para certos crimes amb ientais não são discutidos,
quando sequer vistos. Tra ba lha-se com bens j uríd icos coleti vos sem a m enor preo 
cupaçã o, ignorando seu p otencial legi t imado r não só de proibições abusivas, como

também de sanções penai s draconianas. Con íund e-se a questão do bem j urídico
(o que proteger ?) com a da estrutu ra do delito (com o proteger: por m eio de cr ime
de lesão, perigo concreto ou abstrato?). E ainda que reformulássemos a tese dos
críticos do perigo abstrato na nova roup agem , dizend o que ela não se refe re a um

Direito Penal 135


problem a de bem j urídico e sim de redefi nição de quais seriam as estr uturas do
delito legítimas (só o delito de lesão e de perigo concreto), ainda assim há uma
série de problemas que sequer são vi stos. Além do amplo recur so a bens jurídicos

falsamente col eti vos , opta-se po r um conceit o de perigo concret o que transforma
m uitos perigos meramente abstr atos em perigos concret os. E ignora-se de todo
que parte da do utrina mode rna tenha acabad o de reconhecer com o sua futura tarefa
vasculhar os divers os tipos e formular crit éri os de legit imidade tanto de ben s ju 
rídicos coletivos com o, principalmente, d e crimes de perigo abstr ato.
O principal erro dos inimigos do perigo abstrato é achar que, criticando
esta figura, r esol veram todos o s problemas. A rigor, os problemas apenas co m e
çaram a aparecer.

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Direito Penal 14 7
m inar a problemática da proibiç ão do porte de haxixe para us o p essoal, fe z
questão de não o fazer.1 7D esd e e ssa de cisão pod e-se afirmar que o s defensores
do concei to político-criminal de bem juríd ico se encon tram n a defensiva, h a
vendo mesmo quem bri nque com a m etáfora de estar o c oncei to de bem jurídi
co moribundo, no le ito de m orte, ou de clarado m orto por seus op ositore s.18
Ain da assi m, o concei to político-cri m inal de bem jurídi co teve, ao menos
historicamente, uma gran de conquis ta : orientou amplas descriminalizações no
direito p en alsex ual alemão. P ara lembrar unicamente o exemplo mais significati 
vo: na Alema nha, o homo ssexuali smo masculino era uma conduta punível até a
déca da de 70. Algun s autores va leram -se de um con ceito cr ítico, político-crim i-
nal de bem jurídico pa ra dizer que tais incriminações de condutas m eramente

imorais não tutel avam be m jurídico algu m , sendo, portanto, ilegítim as.19 Es sa
argum entação acabou por convencer o legislador, que aboliu o referi do disp ositi
vo, ao l ado de muitos outr os. M a s m esm o essa conqui sta é atual mente questiona
da p or mu itos. Para Frisch 20 e S traten w erth ,21 po r exemp lo, o conceito d e bem
ju ríd ic o aqu i pouco fez ; a desc rim in alização do h om ossex ualism o m asc ulino de
correria de mudanças culturais, elas sim decisivas.
Mais: alguns autores não vêem no bem jurídico qualquer conteúdo
libera lizant e, no senti do q ue lhe é atribuído p or m uitos, e si m um me canismo que

Teil, Berlin: Springer etc., 1998, § 3/27 et seq.; Jescheck e Weigend, Lehrbuch des Strafrechts -
AIlgemeiner Teil,5. ed,B erlim Du ncke rôcH um blot, 1996,p. 7etseq.;Wesselse Beuike,o/ rfl?r? rfe
- AIlgemeinerTe il, 33. e d , Heidelberg: C. F. Müller, 2003, n. 9.
17. BVerfG em N JW 19 94 ,p. 1.577 et seq.
18. Cf. os dois defênsoresdoco nceitopoiítico-criininaldebem jimdicoHefe ndehl,“D as Rechrsgut
ais mater ialer...”,cit.,p . 119; e Schünemann, “D a s Rechtsgüterschutzp rinzip...”, cit., p. 133.
19. Em especial Herbe rt Jâger, StrafgesetzgebungundRechtsgüterscbutz beiSittüchkeitsdelikten,
Stuttgart: Ferdinand Enke Verlag, 1957, p. 6 et seq.; Roxin, Tãterschaft und Tatberrscksft,
Ham burg: Cra m de Gruyt er, 1963, p. 413 et se q.; Hanac k, “Empfiehlt es si ch, di e G renzen des
Sexual strafrechts neuzubestim men ?”, /Sr München: Deucschenjuristentag,
Beck, 1968, n. 29 et seq.
20. Frisch,“Rech tsgut, Recht,Deli ktsstruktur. ..”,d t.,p .2 l8 .
21. Strat enwerth, ‘:Zu m Be griff...”,d t.,p . 389 etseq.

96 RBCCR IM 49 - 20 04
'•'Princípio da ofensividade" e crimes de perigo abstrato

ma is e mais serve de base pa ra legitima r a expansão do direi to penal.2 2 Pod em os


mencionar aqui Jako bs, para o quai a idéia de bem jurídico pode no má ximo che
gar a u m direi to penal de inimigo, oposto ao direi to penal cidadão, sendo a fina

lidade deste não a proteção d e ben s jurídicos, e sim a m aximização de esfe ras de
liberdade,2 3 e Vòlk, que ve rifica que o conceito de bem jurídico mu dou com pleta
mente de função, abandon ando a função cr ítica para passar a fundam entar as nova s
incriminações do direito penal econômico e ambiental.24
E nfim , o concei to de bem jurídico po de ser tudo, menos am plamente ace ito.
Pelo contrár io, tant o no Brasil, como na Aleman ha, ele é def endido por um a
doutr ina mino ritária. A única diferença ent re nós e os alemães parece ser que aqui
está na m oda fal ar de bem jurídico, enquanto l á a m oda agora é r ecusá -lo. Tais
observações não signif icam, porém, que essa d outrina minoritá ria não po ssa ter
razão ; elas valem , ainda assim , como prim eiro sinal de cuidado, no sentido de que
é m elho r para r e refletir a respeito de no ssas certezas. E o que faremos a seg uir.
b) A problem ática do concei to polít ico-c riminal de bem jurídico: onde
fundamentá-lo?
Q uerem os um conceit o de bem jurídico ca paz de r estr ingi r o poder de
incriminar do legislador.2 5 O problem a é, assim, de onde extr aí- lo. N a A lem a-

22. Es te perigo , em especial n o que se r efere a bens jurídicos coleti vos, é apontado mesm o por
defensores do conceito po lítico-crimin al de bem jurídic o, como repetidamente faz Hassemer,
“Grundli nien e iner p e rs o n a le n .c it ., p. 89; "Symbolisc hes Straf recht und Rechts güterc hutz”,
NStZ, p . 557 ,1989 ; Ein fuhrun g in die G rundlagen des Strafrechts, 2. ed.,München: Bec k, 1990,
p. 275; *Strafrechtswissenschaft i n der B undesrepubli k Deutschland”, in: SIM O N (Ed.).
Rechtsiaissenschaft in der Bonner Republik. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1994. p. 299 e 307;
“Perspektiven einer ne uen K rimm aipolitik”, StV, p . 484,1995 .
23. Jako bs, “Kriminalisierung im Vorfeld. ..”, cit., p. 756.
24. Volk, “Strafrecht und Wirtsch aítskriminalitãt; ’,/Z , p. 88,19 82 .
25. Esta mo s abstraindo da pergunta, também r elevante, quanto a se es ta limitação ao poder do le 
gislador tem necessaria mente de ser prestada pelo conceito de bemjurídico, e não por alternativas.
Um a alternativa queve m ganh ando ca da vez mais adeptos é a teoria dale sãoadire itos, que remont a
■iFt\itTb-ãch.{cí.Fcucthach.,R£vistcmderGrundsdtzeundGrundòegrtffedespositivenpeinííchenR£chts,
Erfm t:Henn ingsch eBuc hhan dlung , 1799, reimp. Aalen, 1966 ,vol. I, p. 65;R£viswnderGrundsãtze
und Grundbegriffe despositiven -peinlichen&?c ièís,Tasche: Chem mtz, 1800, reimp. Aaien, 1966 , vo l

Direito Pen al 9/
Luís Greco

premissas que nao são de m aneir a algum a tão seguras como parecem supor os
defensores deste posicionamento.

II - ^ neiro grupo de dúvida s: o conceito de bem ju -

1. Conce ito dogmático e conceito políti co -c ri m in a l de bem


juríd ico

Se o princípio da lesividade ou ofensividade (usaremos as duas expres


sões indistintamen te) significa a exigência de lesão ou perigo concreto de lesão
a bem jurídico, o conc eito de be m jurídico tom a-se um a das questões ce ntr ais .

E aqui , justamen te, se apontar ão as primeiras dúvidas. Antes d e prosseguirmos,


é neces sár io fazer um a distinção en tre do is conceit os de bem jurídico. Qu ando
afir m amo s que toda incriminação vi sa a defender um bem jurídico, o conc eit o
de bem jurídico pod e ser e ntendi do, aqui, t anto de uma perspecti va dogm ática,
quanto de um a pers pecti va políti co-criminal, ou, para usar a fam osa term ino
logia de H assemer, tanto de uma perspecti va i m anente ao siste ma, quanto trans
cendente ao sistema.6
De uma perspectiva dogmática , tod a norm a terá seu bem jurí dico. O cri
me de casa d e prostit uição, po r exemplo, (CP , art. 229) terá po r bem j uríd ico a
“mo ralidade pública s exual”, 7 a bigamia (C P art . 23 5) o “i nteres se do Estad o
em proteger a organização jurídica ma trimo nial, consis tente no princí pio
mon ogâm ico”.8 A lgun s auto res consideravam que a revogada incri minação do
homo ssexuali smo , na legis lação ale mã, protegia o bem jurídico “ inte res se so-

6. Hassemer, Theorie undSoziologie des Vebrechens,Frankfurt a. M .: Europáisc he Verlagsans talt,


1980, p. 19. N a doutri na italia na, fala Ferra ndo Ma ntovani, op. cit ., p. 213 , em concepção
“juspositávista" e “metapositivista” de b emjurídico .
7. Cf. Céz ar Bitencou rt, Código Pe nal comentado, Sã o Paulo: Sara iva, 20 02, p. 912.
8. Idem, ibidem,p . 926.

92 RBCCRIM 49 - 20 04
"Princípi o da o fensividad e" e cri m es de perigo abstrat o

ciai na normalidade da vida sexual”.9Quanto a este conceito, não há qualquer


dúvida ou problem a. Ele na da mais é q ue o interess e protegido por determ ina
da norm a, e ond e houver um a norm a, haverá um tal int eress e.
M as quando discutimos os li mites do poder legal de inc riminar , não é esse

o conceit o de be m jurídic o qu e nos interessa. A final, est e conceito está à com ple
ta disposição do l egis lador . C om base neste concei to, só se poderá dizer se algo é
um bem jurídico se o legislador assi m houver dec idi do. O que preci samos saber é
se é possível tra balhar com um conceito não m ais dogmático, e sim político-cri-
minal de b em jurídico; noutras pala vras, s e se pode esperar do conceito de bem
ju rídico alg um a eficácia no sentido de limitar o p oder de punir d o Esta do.
Neste trabalho, não trataremos do conceito dogmático de bemjurídico,
mas unicament e d o políti co-cri minal. Ta l não implica separ ar dogm ática de po-
lítica-crimina l,10nem d esconh ecer em que m edida o conceito dogm ático dep en
derá do concei to polít ico-cr iminal . A rigor , penso que o conceito dogm ático d e
verá ser construído nos m old es que lhe sejam fornecidos pelo conceito polít ico-
criminal , e al guns a pontam entos ne sse sentido serão feitos no corr er do estudo.
Ocorre que , por razões d e espaço, concentrarei as atenções no exame do conceit o
políti co-cri minal de bem jurídico, fazendo só observ ações pontuais a respei to d a
relevância dogmática dessa categoria político-criminal.

2. O pr im eiro problema: ép oss ível um conceito po lítico -cri


m ina l de bem jurí dico?

a) O panora m a: entre defensores e cétic os


Primeiramente, um cur to panoram a sobre a discuss ão no Brasil e na A le
manha . N o Brasil , a do utrina tradicional, a rigor , nem sem pre utiliza r as palavras

9. Maurach, DeutuhesStrafrecbt- Beso ndererTe il,4. ed-, Karlsr uhe: C .F.Müller, 196 4,p. 411.
Política crimin ale
10. O que não se mostra ed.
sistemajurídico-penal,2. mais, trad.
possível desdeRio
Luís Greco, o fundamental estudo de,200
dejane iro: Renovar Roxin,
2 ( l.1 edi ção publ icada
srcinalmente em 1970). Ma is detalhes sobre essa abordagem, chamada “f uncional”, em Grec o,
“Introdução à dogmática íuncionalista do delito”, RBCCrim 32/120 et seq.,2000.

Direito Penal 93
Revista Brasileira de 49
CIÊNCIAS CRIMINAIS
Espéci es de sanções penais - Direito penai ante a informática e a
tel emátic a - Violação dos direitos hum anos e o direito penal

-internaci onal - Pri


La imputación porncípi o da oimprópria
omisión fensividade
d e crimes de perigo- abstrato
e Ley 7.492/1986 Fenas
alternati vas na Ingla ter ra e nos Estados Unidos - Orden de
Detención Europea - Da inconstituci onalidade do is olame nto em
cel a é do regime disci plinar diferenciado - Princí pios constituci onais
do M inistério Públi co - Inm igraci ón e xenofobia - Ident ifica ção e
quali ficação cri minal - O M inistério Públ ico pode realizar e/ou
presidir investi gação criminal diretamen te?

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