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© Revista de Estudos Criminais ®

ISSN 1676-8698
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Revista de Estudos Criminais – Ano XIX – Nº 79


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Sumário

7 Sobre a normativização do dolo eventual


e a doutrina do perigo doloso
(Claus Roxin)

29 Responsabilidade penal das pessoas colectivas


de direito público? O problema em geral
e perante o crime de corrupção
(Teresa Quintela de Brito)

69 O problema dos limites entre atos preparatórios e tentativa


(Eduardo Viana)

101 Conhecimentos especiais e imputação objetiva: entre


os deveres de garantia e os deveres de solidariedade
(Wagner Marteleto Filho)

131 Resultado e dispersão em direito penal. Reflexões


iniciais à luz da praxis penal brasileira. Escrito em
homenagem ao Prof. Doutor José de Faria Costa
(Fabio Roberto D’Avila)

151 Pena criminal, sanção premial e a necessária legalidade


dos benefícios da colaboração premiada: aportes
para uma teoria geral da justiça penal negociada
(Felipe da Costa De-Lorenzi)

185 Controle da execução penal e pandemia de Covid-19:


desafios e perspectivas para a efetiva proteção
da saúde das pessoas privadas de liberdade
(Carlos Eduardo Adriano Japiassú e
Ana Lúcia Tavares Ferreira)
211 A proteção de dados por duas portas nas intervenções
informacionais. A declaração de inconstitucionalidade
pelo Tribunal Federal Constitucional alemão de regras
garantidoras de acesso estatal a dados constitutivos de
serviço de telecomunicação (Bestandsdatenauskunft ii)
(Orlandino Gleizer)
O PROBLEMA DOS LIMITES ENTRE ATOS
PREPARATÓRIOS E TENTATIVA
THE PROBLEM OF THE LIMITS BETWEEN
PREPARATORY ACTS AND ATTEMPT
E duardo V iana *

RESUMO: O limite entre a preparação e a tentativa expressa um


problema centrado no âmbito da teoria do crime tentado. O presen-
te trabalho tem como objeto a delimitação dos atos preparatórios e
executivos na tentativa, labor que se fará a partir da análise de ca-
sos, apresentadas e discutidas as diversas teorias para a demarcação
da diferença entre preparação e tentativa. O artigo se encerra com
sugestão de diretrizes para o desenvolvimento científico do tema e
sugere que o Código Penal brasileiro (CPB) não está vinculado à te-
oria objetivo-formal; a determinação do início da tentativa deve ser
realizada, preferencialmente, com a combinação de critérios; a teoria
do perigo expressa um critério decisivo para o início da execução.
PALAVRAS-CHAVE: Tentativa; limites; atos preparatórios; início
da execução; risco.
ABSTRACT: The delimitation between preparation and attempt
expresses a central problem within the theory of attempted
crime. This paper has as purpose to clarify what the preparative
acts and the execution in attempt are, which will be done from a
critical review of the state of the art of the attempt based on case
analyses, various theories are presented and discussed marking the
differences between preparation and attempt. The article closes with
a guideline for the scientific development of the theme, suggesting:
the Brazilian penal code is not linked to the objective-formal theory;
the determination of the beginning of the attempt should be carried
out, preferably, with the combination of criteria; the risk theory
expresses a decisive criterion for the beginning of the execution.
KEYWORDS: Attempt; limits; preparatory acts; onset of execution;
risk.

* Doutor em Direito (UERJ). Professor (UFBA e UESC/BA). ORCID iD: 0000-0003-2503-9318.


E-mail: eduardo.viana@ufba.br.

VIANA, Eduardo. O problema dos limites entre atos preparatórios e tentativa. Revista de Estudos Criminais, Porto
Alegre, v. 19, n. 79, p. 69-100, 2020.
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SUMÁRIO: Introdução; 1 Panorama das bases legais; 2 As decisões;


3 O tipo objetivo da tentativa; 3.1 Uma observação prévia; 3.2 O iní-
cio da execução; 3.2.1 Teoria formal-objetiva; 3.2.2 Teoria material-
-objetiva de Frank; 3.2.3 Teoria individual-objetiva; 3.2.4 Teoria da
colocação em perigo; 3.2.5 Teoria dos atos intermediários; 3.2.6 Teo-
ria das esferas; 3.2.7 Teoria da prova de fogo; 3.2.8 A teoria complexa
do BGH; 4 Controle dos argumentos no STJ; 5 O começo da tentativa
nos crimes omissivos impróprios; 6 Pautas para o desenvolvimento
científico; 7 Síntese; Referências.

INTRODUÇÃO
A clara separação entre tentativa e preparação ainda não foi alcançada
nem pela doutrina nem pela práxis. Essa incerteza é curiosa porque nós sabe-
mos exatamente quando a preparação termina: no momento em que se inicia a
execução; mas não sabemos quando se inicia a execução. Se consideramos que
esse limite expressa, preponderantemente, a métrica entre os comportamentos
penalmente irrelevantes e os penalmente relevantes, logo se vê que estamos em
uma zona crítica da dogmática penal.
Não pense o meu leitor, entretanto, que a pergunta sobre o início da execu-
ção tem importância somente para a teoria do crime tentado; em absoluto. Essa
também é uma questão fundamental, por exemplo, para o concurso de agentes1.
Recorde-se, para ater-se somente ao Código Penal, o enigmático art. 31: “O ajus-
te, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em con-
trário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”. Isso
significa, portanto, que, nas hipóteses de atuação nas quais se envolvem várias
pessoas, será necessário determinar em que momento começa a execução porque
somente a partir daí será possível iniciar a discussão sobre a punição dos demais
concorrentes. Creio que com isso é possível perceber não ser esse um artigo que
cultiva a dogmática penal como espécie de l’art pour l’art, senão que tem relevan-
te significado prático.
Do ponto de vista legal, descreve-se a tentativa como início da execução
de um ato que não se consuma por circunstâncias externas à vontade do agente
(art. 14, II, do CP). Do ponto de vista científico, é mais comum apresentar a ten-
tativa como realização completa do tipo subjetivo e realização incompleta do tipo
objetivo. É justamente nesse ponto de realização incompleta do tipo objetivo que
o problema se apresenta de modo mais agudo. Salvo antiga posição da doutrina,
há consenso discordante da literatura científica e jurisprudência: consenso quanto ao

1 Cf. ROXIN, Täterschaft und Tatherrschaft10, p. 302.


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fato de que já se poderia falar em tentativa não somente quando o agente inicia
a execução do núcleo do tipo, senão também com comportamentos que estão no
campo prévio do tipo penal2; dissenso quanto aos critérios que devem ser maneja-
dos para a sua determinação desse campo prévio.
Curiosamente, esse parece ser um tema que não desperta muito interesse
científico da literatura nacional3. Contudo, como o leitor logo comprovará, a dis-
cussão é bastante antiga e complexa. Do ponto de visa da relevância teórica, este
artigo atende a dois objetivos primordiais: reparar algumas imprecisões e incom-
preensões conceituais que persistem em nossa literatura (i) e fomentar a discus-
são científica a partir da análise das diversas posições teóricas discordantes (ii).
A discussão teórica será conduzida, essencialmente, por três casos con-
cretos. O objetivo, do ponto de vista pragmático, também será duplo: expor as
consequências práticas das proposições teóricas que professamos para, assim,
verificar se estamos dispostos a aceitar as soluções que essas apresentam (i) e,
simultaneamente, exercer o controle científico das decisões judiciais, isto é, veri-
ficar se os argumentos lançados pelos tribunais permitem alcançar a conclusão a
que se chegou (ii).
O desenvolvimento desses objetivos será pavimentado do seguinte modo:
primeiro, um breve enunciado sobre a legislação alemã e a brasileira. Isso porque
compreender algumas soluções teóricas passa necessariamente pela compreen-
são do ponto de partida legal (abaixo 1); depois, apresentarei os casos (abaixo
2) a partir dos quais serão discutidas as propostas doutrinárias utilizadas para
levantar a fronteira entre a preparação e a tentativa (abaixo 3); conhecidos os
argumentos, a coerência das decisões será testada (abaixo 4) e, finalmente, serão
apresentadas consequências teóricas que podem ser aproveitadas para desenvol-
ver a discussão do tema em território nacional (abaixo 5).

1 PANORAMA DAS BASES LEGAIS


Talvez pareça incomum ao leitor iniciar a exposição com uma abordagem
sobre as bases legais, mas não deveria ser assim. Creio que ninguém negará que
a dogmática alemã representa, no cenário atual, uma das mais aprimoradas cons-

2 Como advertia, BERZ, Jura 1984, p. 511.


3 Até onde tenho notícia, na literatura mais recente há somente uma monografia dedicada
exclusivamente à teoria do crime tentado: ZAFFARONI/PERANGELI, Da tentativa9, 2010.
Na literatura da primeira metade do século XX, BARBOSA, A tentativa em face do novo
Código, 1941.
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truções científicas do direito penal4. Acontece que a discussão alemã – que nos
abastece com os seus nomes e teorias – tem como ponto de arranque um texto
legal concreto, eventualmente semelhante ao nosso, mas muitas vezes bastante
distinto. Nem sempre, portanto, uma sugestão teórica pensada pela dogmática
alemã pode ser automaticamente incorporada à nossa discussão. A seguir espero
deixar clara a importância de se realizar esse controle sobre a migração teórica5.
No caso alemão, a teoria do crime tentado é construída a partir da análise
conjunta dos §§ 22 e 23 do StGB6. Para o objetivo do presente estudo, interessa-
-nos somente o primeiro: “Tenta o delito quem, segundo a sua representação
do fato, coloca-se imediatamente diante da realização do tipo”7. Observe que há
duas elementares no tipo: a representação do autor e o colocar-se imediatamente diante
da realização do tipo. Esse dispositivo, fruto da reforma de 1975, não repetiu a ex-
pressão “início da execução” do antigo § 43 do StGB8.
Antes de prosseguir, cumpre um pequeno esclarecimento em relação à
tradução da elementar unmittelbar Ansetzen. Na literatura nacional, Zaffaroni e
Pierangeli, por exemplo, usam o termo “[...] se esmera imediatamente à reali-
zação do tipo”9. Essa tradução é incapaz de expressar o que termo efetivamente
significa em alemão. Em alemão utiliza-se verbo preposicionado “ansetzen zu”,
que significa estar preparado para fazer algo; começar com alguma coisa. A elementar,
portanto, alcança mais do que simplesmente realizar o verbo do tipo; ela atinge
claramente momentos antecedentes. “Colocar-se imediatamente diante da reali-
zação”, portanto, parece-me uma tradução mais apropriada.
Ainda que pareça um artigo mais completo que o brasileiro, a própria
doutrina alemã considera que esse dispositivo não difere substancialmente da

4 Cf. a reflexões críticas de SCHÜNEMANN, El refinamiento de la dogmática jurídico-penal.


¿Callejón sin salida en Europa? Brillo y miseria de la ciencia jurídico-penal alemana. In:
SCHÜNEMANN, Temas actuales y permanentes del derecho penal después del milênio, 2002,
p. 11-23; SILVA SÁNCHEZ, Crisis del sistema dogmático del delito?, 2007.
5 Cf. GRECO/LEITE, A “recepção” das teorias do domínio do fato e do domínio da
organização no direito penal econômico brasileiro, p. 386 e ss; GRECO, As razões do direito
penal, p. 23 e ss; LEITE, Domínio do fato, da organização e responsabilidade penal por fatos
de terceiros, p. 47 e ss.
6 Abreviação de Strafgesetzbuch (Código Penal alemão). Doravante utilizarei somente a
abreviação.
7 No original: Ҥ 22 Begriffsbestimmung РEine Straftat versucht, wer nach seiner Vorstellung
von der Tat zur Verwirklichung des Tatbestandes unmittelbar ansetzt”.
8 Para um brevíssimo histórico, cf. KÖHLER, AT, p. 461.
9 ZAFFARONI/PERANGELI, Da tentativa9, 2010, p. 59.
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antiga redação, porquanto aponta somente algumas diretrizes para distinguir a


preparação da tentativa10. Ele deixa clara, contudo, a possibilidade de a tentativa
compreender mais do que o início da prática do verbo com que o legislador des-
creve a ação típica, o que não era tão manifesto quando a lei falava em início da
execução.
No caso brasileiro, as bases para a compreensão do crime tentado estão
nos arts. 14, 15 e 17 do CPB. Também aqui, para os estritos objetivos deste pe-
queno texto, é necessário o recorte preponderante do art. 14, II, e parágrafo único
do CPB. Esse dispositivo, atendendo à determinação constitucional de que não
há pena sem lei (art. 5º, XXXIX, da CF), contém uma norma de extensão da puni-
bilidade dos tipos penais previstos na parte especial (art. 14, parágrafo único)11.
No que se refere ao momento a partir do qual o comportamento será penalmente
relevante, o inciso II do art. 14 enuncia apenas que o crime será tentado quando
“[...] iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade
do agente”.
Pelo que parcela da literatura indica, a fórmula “começo da execução” tem
a sua origem no art. 2.º do código penal francês de 181012 e, para outros, no Códi-
go Josefino (1787)13. O certo é ser reconhecida a influência francesa no Código Pe-
nal prussiano – e naturalmente a literatura científica que daí derivaria – de 1851,
o qual previa, em seu § 31, que “a tentativa somente é punível se for realizada por
meio de ações que contém um início de execução...”.
A redação brasileira, mesmo singela e precária, tem a sua justificativa
histórica, a qual representa, seguramente, o início do tipo objetivo da tentativa
e, mais concretamente, a sinalização de que a relevância jurídico penal de um
comportamento não está ancorada em considerações de ordem interna, senão
na valoração de atos exteriores14. Entretanto, como provoquei no início, o CPB,

10 KÜHL, AT8, § 15, Rn. 1; RÖNNAU, JuS 2013, p. 879.


11 Sobre a tentativa enquanto norma extensiva de punibilidade cf. BLOY, ZStW 113 (2001),
p. 81; STRATENWERTH/KUHLEN, 11/11.
12 Cf. v. BAR, Gesetz und Schuld im Strafrecht, 1907, II, p. 498-499; BESELER, Komm. 1851,
p. 137-138; OPPENHOFF, Komm.5 I867, § 3I Nr.1 e ss; HÄLSCHNER, Strafr. I, I88I, p. 173 e
ss; Liszt/Schmidt, Lb26 I, p. 305 e ss; THOMSEN, Das deutsche Strafrecht, 1906, p. 76; SAUER,
Allgemeine Strafrectslehre3, p. 102; VEHLING, Die Abgrenzung von Vorbereitung und
Versuch, 1991, p. 34; WELZEL, Das deutsche Strafrecht11, p. 190.
13 Código editado na Áustria de José II. EISEMANN, ZStW (1983), p. 523 e ss.
14 Como, aliás, advertia ZACHARIÄ, Die Lehre vom Versuche der Verbrechen, 1836, I, p. 182
e ss; BESELER, Komm. 1851, p. 137-138.
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art. 14, II diz mais sobre a preparação do que sobre a tentativa. Noutros termos:
no código penal brasileiro nada será possível encontrar além de uma singela di-
reção para o tipo objetivo da tentativa15.
Apesar de a nossa legislação ser mais precária, e aqui não julgo se isso é
bom ou ruim, tanto no Brasil quanto na Alemanha a questão fundamental não
desaparece: em que momento o autor começa a realizar ações que autorizam a
punição a título de tentativa16? Ao vistoriar os dispositivos de perto, logo se nota
que o protótipo para a nossa discussão será a tentativa inacabada realizada por
único autor17. Vejamos alguns casos que permitem adentrarmos a discussão.

2 AS DECISÕES
Em virtude de as discussões científicas objetivarem resolver problemas
concretos, um bom ponto de partida é aquele que leva a sério os argumentos
manejados pelas decisões judiciais. Isso nos obriga não somente a mencionar os
casos que serão submetidos ao escrutínio teórico, senão também a reconstruir a
ratio da decisão. Sugiro analisar o início da tentativa levando-se em consideração
três casos. O primeiro e recentíssimo caso, julgado pelo BGH, tribunal alemão
equivalente ao STJ, foi – no essencial – o seguinte:
Caso 1. X quer arrombar uma máquina automática para pegar cigarros e dinhei-
ro. Ele depõe ao lado da máquina diversas ferramentas utilizadas para roubo,
entre essas um esmeril. Para tentar reduzir o barulho, cobre a máquina com
uma toalha de mão e uma manta. Julgando que podia encontrar uma tomada
nas imediações, X deixa cabo de força sobre a rua; ocorre que X não encontra
nenhuma tomada. Então, percebe que não poderá abrir a máquina de cigarros
com o esmeril. Desde o início, X também considerou outras opções para abrir o
equipamento e, por essa razão, carregava outras ferramentas consigo. Por su-
por que poderia ser descoberto e temer o alarme, ele não segue com a operação,
deixa furtivamente o local e abandona os instrumentos no lugar do crime.18

15 Como já intuíamos em outro estudo, cf. VIANA/TEIXEIRA, A imputação dolosa no caso do


racha em Berlim, Revista de Estudos Criminais, 2019, n. 73, p. 127, nota de rodapé n. 71.
16 Em relação à regulamentação alemã, cf. BERZ, Jura 1984, 511; SCHMIDHÄUSER, Lb2,
p. 614, Rn. 55; VOGLER, FS – Stree und Wessels, p. 287.
17 Cf. BERZ, jura 1984, p. 512; JESCHECK/WEIGEND, AT5, p. 521; ROXIN, JuS 1979, p. 4.
Por isso, neste estudo, estão fora do objeto de análise os “casos especiais” da tentativa, a
exemplo da tentativa na omissão.
18 BGH (5 Senado Penal), decisão de 28.04.2020 – 5 StR 15/20, BeckRS 2020, 9020. Para a análise
crítica dessa decisão, entre outros, cf. ROTSCH, ZJS 5/2020, p. 481 e ss.
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O segundo caso, possivelmente o mais conhecido julgado pelo STJ no


REsp 1.252.770/RS19, discutiu:
Caso 2. Com o objetivo de realizar furto em agência bancária, alguns indivíduos
escavam um túnel com aproximadamente 70,3 metros. Quando ainda estão a
12,8 metros da agência, a polícia federal interrompe a escavação.

O terceiro e último caso, também julgado pelo STJ, no REsp 1.683.589/RO20,


analisou o seguinte:
Caso 3. Por volta das 20 horas, com a pretensão de subtrair para si coisas alheias
móveis, Y vai até a residência da vítima escolhida, escala e pula o muro até
chegar ao quintal, arromba a porta dos fundos e adentra o imóvel. Em seguida,
a vítima retorna à residência e surpreende Y no local. A polícia é acionada e Y
nenhum objeto consegue subtrair.

Apresentados os casos, começo com brevíssimo panorama daquelas teo-


rias – direta ou indiretamente – ventiladas pelos tribunais, mas não somente es-
sas (abaixo 3). O meu objetivo, no próximo ponto, será o de municiar o meu leitor
com o arsenal teórico mínimo para que seja possível, no passo subsequente, ana-
lisar criticamente as decisões (abaixo 4) e avançar nas propostas de desenvolvi-
mento (abaixo 5).

3 O TIPO OBJETIVO DA TENTATIVA


O tipo da tentativa contém – para além da sua dimensão objetiva – uma
dimensão subjetiva. Neste artigo, pressuporei perfeita a dimensão subjetiva para
discutir, somente, o tipo objetivo: mais precisamente, a determinação do que sig-
nifica o início da execução. É aí que está situado o problema fundamental da
teoria do crime tentado21. Antes disso, uma breve observação.

3.1 Uma observação prévia


Como o leitor pode ter percebido, os julgados não cuidam de tipos penais
básicos, senão de tipos qualificados. Começarei, então, com um problema que
sequer é ventilado nos casos analisados pelo STJ, mas que deve ser – no mínimo

19 REsp 1252770/RS, Rel. Min. Rogério Schietti, J. 24.03.2015.


20 REsp 1683589/RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro. Caso semelhante foi julgado, recentemente,
pelo BGH, cf. NStZ 2020, 353 com comentário de KUDLICH.
21 Cf. VOGLER, FS – Stree und Wessels, p. 285.
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– mencionado, a saber: o início da execução do crime qualificado é o mesmo do


tipo penal básico? Essa não é uma filigrana teórica, senão que possui expressiva
relevância prática, e isso é fácil de demonstrar: entre a realização da escalada (ele-
mentar que qualifica o furto – art. 155, § 4º, II, do CP) e a execução da subtração
(o núcleo do tipo básico), pode existir um lapso temporal razoável ou – ainda – a
necessidade de realização de atos fundamentais (superação de eventual sistema
de alarme). Desse modo, por exemplo, é possível dizer que o fato de o agente tra-
zer consigo ácido fluorantimônico, substância apta para qualificar o homicídio –
art. 121, § 2º, IV, do CP – não significa necessariamente que o agente iniciou a exe-
cução do delito base (art. 121 do CP). Tomo um último exemplo para demonstrar
o que digo: imagine-se o caso do furtador que, “na véspera do fato propriamente
dito, quebre a fechadura de uma porta dos fundos do prédio comercial no qual
ele deseja procurar por objetos de valor na noite seguinte”22. Não há dúvidas
quanto à execução da elementar (rompimento de obstáculo – art. 155, § 4º, I, do
CP), mas é fato que o tipo básico (subtrair coisa alheia) também não foi iniciado.
Por isso, somente será possível falar em início da execução do furto a partir da
noite seguinte. Em poucas palavras: a realização de eventual elementar qualificadora
não implica, necessariamente, o começo da execução (do tipo base). Se essa discussão
teórica parece não ser tão decisiva nos casos 1 e 3, certamente o é no caso 2.
O ponto de referência para o começo da execução é o tipo tomado como
um todo (Gesamttatbestand23); portanto, a realização de elementar qualificadora
do tipo deve estar sempre ligada ao começo da execução do tipo penal básico24.
É verdade que o começo de realização da qualificadora muitas vezes conduz à
realização do tipo base, mas isso nem sempre ocorre. Feita essa observação, passo
ao núcleo da investigação.

22 HILGENDORF/VALERIUS, 10/61.
23 Cf. JAKOBS, AT2, p. 726 e ss., Rn. 55 e ss.
24 Cf. BGH (5º. Senado Penal), decisão de 28.04.2020 – 5 StR 15/20, BeckRS 2020, 9020; BGH
NStZ 2017, 86 com comentário de ENGLÄNDER; KUDLICH JA 2017, 152; NStZ 2019, 716
com comentário de KUDLICH NStZ 2020, 34; BGH, Beschlüsse vom 20. September 2016 – 2
StR 43/16, NStZ 2017, 86; 3 StR 105/14, NStZ 2015, 2017. Na doutrina, S/S-ESER/BOSCH30,
§ 22, Rn. 58; BOSCH, Jura 2011, 910; EISELE, JA 2006, 313; HILGENDORF/VALERIUS,
Direito penal; trad. Orlandino Gleizer, 10/61; KÜHL, AT8 § 15, Rn. 54; RENGIER AT11 § 34
Rn. 60; WESSELS/BEULKE/SATZGER, AT48, Rn. 957; ZIESCHANG Rn. 502. Comparar,
ainda, vgl. FISCHER, StGB67, § 22 Rn. 36; SSW-StGB/KUDLICH/SCHUHR4, § 22 Rn. 47.
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3.2 O início da execução


Há autores, especialmente entre os mais antigos, céticos quanto à possibili-
dade de identificar a fronteira segura entre a preparação e a tentativa25. Essa pos-
tura, entretanto, não me parece correta porque a dificuldade de encontrar uma
saída dogmática não autoriza o cientista a escolher os problemas que enfrenta.
Como anunciei, as previsões legais não resolvem os problemas mais fun-
damentais sobre o início da tentativa (tampouco digo que deveriam fazê-lo). Se
considerarmos a lei alemã, basta que perguntemos: quando alguém se coloca
imediatamente diante da realização do tipo (avança para a realização do tipo)? A
concretização desse elemento da tentativa é, no cenário alemão, a principal difi-
culdade doutrinária26. Para demonstrar isso, tomo como exemplo o seguinte caso:
imagine-se que X, funcionário de uma oficina de carro de luxo, tenha o plano de
furtar um Porsche; para isso, consegue fazer uma cópia das chaves e obtém o
endereço do proprietário na ordem de serviço. No dia planejado, X toma o metrô
em direção à casa da vítima. Por certo, confeccionar a cópia da chave, olhar os
dados do cliente e utilizar o transporte metroviário não constituem tentativa de
furto27. O problema começa a surgir, se considerarmos as fotografias do compor-
tamento quando o sujeito é surpreendido próximo do Porsche com a chave no
bolso (1); ao lado do carro (2); ou quando já tinha acionado o botão de abertura
das portas (3). Se na situação 3 estamos inclinados a afirmar o início da execução,
isso não ocorre nas situações 1 e 2. Portanto, como se vê, a lei alemã tampouco
resolve os problemas fronteiriços. Vejamos, então, quais as principais teorias28 e
os argumentos que apresentam para solucionar essa imprecisão29.

25 No século XIX, BESELER, Komm. 1851, p. 138; OPPENHOFF, Komm.5 I867, § 3I Nr.17;
HÄLSCHNER, Strafr. I, I88I, p. 173 e ss. No século XX, FRANK, StGB18, § 43 II, 2.
26 KÜHL, AT8 § 15, Rn. 44.
27 BGHSt 28, 162. Deixando a solução em aberto, FRISTER, AT, 23, Rn. 41.
28 Uso o termo teoria com algumas concessões. Parcela das proposições abaixo não expressa
uma teoria em sentido estrito, senão somente apresenta um critério para a distinção entre
preparação e tentativa. Esclarecida a concessão, não há prejuízos.
29 Para outras teorias bastante presentes na doutrina mais antiga, cf. FARRÉ TREPAT,
La tentativa del delito, 1986, p. 142 e ss; v. HIPPEL, AT II, § 29, p. 399 e ss; HUNGRIA,
Comentários5, vol. I, t. II, p. 81 e ss.
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3.2.1 Teoria formal-objetiva


Essa teoria expressa o ponto de partida da discussão teórica sobre o tipo
objetivo da tentativa30. Embora tenha encontrado importante repercussão na li-
teratura31-32, pertence mais à história do direito penal do que interessa para a dis-
cussão atual33. No Brasil, essa perspectiva teórica ainda encontra algum respaldo
doutrinário34.
Em sua formulação clássica, a teoria fazia o início da tentativa depender do
começo da realização da ação típica. Desse modo, em uma interpretação estrita
do argumento, somente a partir da ação de puxar o gatilho de uma arma ou tocar
no objeto a ser furtado é que se poderia falar em início da execução do homicídio
ou do furto35. Colocando a situação de um modo mais complexo: depois de um
show de forró, “A” convida a sua amiga “Y” para uma taça de vinho em sua casa
com a intenção de coagi-la, mediante violência ou grave ameaça, a praticar atos
sexuais. Para o início da tentativa ainda não será suficiente o convite, o caminho,
tampouco chegar à casa de “A”; somente seria de se cogitar o início da execução
do estupro com alguma agressão corporal sobre o corpo a vítima36. Observe-se,
portanto, a estreita conexão que se estabelece entre o comportamento penalmen-

30 LK12-HILLENKAMP, § 22 Rn. 55; ROXIN, AT II § 29, Rn. 104.


31 Na doutrina, como precursores, ZACHARIÄ, Die Lehre vom Versuche der Verbrechen,
1836, I; no que foi seguido pela literatura alemã, cf. BELING, Grundzüge des Strafrechts,
p. 57; BLEI, AT17 I, p. 199; BOCKELMANN, AT3, p. 206; v. HIPPEL, Strafrecht II, 405;
LISZT/SCHMIDT, Lb26 I, p. 298 e ss; D. MEYER, JuS 1977, p. 22. Segundo v. Bar, a teoria
também contava com importante apoio de Hälschner, Merkel, Birkmeyer, Olshausen,
v. BAR, Gesetz und Schuld im Strafrecht, 1907, II, p. 505, Fn. 33. Na jurisprudência, RGSt 66,
154; RGSt 70, 151 (157). Na Espanha, ANTÓN ONECA, PG, p. 410; RODRÍGUEZ DEVESA,
PG, p. 736. Jiménez de Asúa também a adotava, mas sugeria o perigo como critério adicional:
JIMÉNEZ DE ASÚA, Principios de derecho penal, 1958, p. 478-479.
32 É imprecisa a afirmação copiosamente repetida de que essa teoria fora formulada por Beling,
como sustenta, entre outros, PRADO, Tratado3, cap. XIII, item n. 3. Zachariä a defendia
desde 1836, praticamente meio século antes.
33 Cf. ALCÁCER GUIRÃO, Tentativa y formas de autoria, 2001, p. 52; JESCHECK/WEIGEND,
AT5, p. 519, MIR PUIG, DP9, p. 354, nm. 53.
34 Cf. BITENCOURT, DP26 I, cap. XXVI, n. 4; CAPEZ, Curso de direito penal22, item n. 21.3.1.4;
MARQUES, Tratado de Direito Penal2 II, p. 282. Admitindo a teoria como ponto de partida,
embora não esteja claro em relação às consequências teóricas desse ponto de partida,
PRADO, Tratado3, cap. XIII, item n. 3.
35 Cf. WELZEL, Das deutsche Strafrecht11, p. 190.
36 Para a crítica da perspectiva de um subjetivista, cf. v. BAR, Gesetz und Schuld im Strafrecht,
1907, II, p. 506.
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te relevante e o tipo penal; por isso, com razão, a literatura considera que a teoria
é orientada pelo princípio da legalidade37.
Não esqueça o meu leitor, e isso também está por trás da formulação, que,
no final do século XIX e princípio do século XX, estávamos sob o apogeu do
pensamento naturalista. Daí por que não surpreender que os teóricos daquele
período, a exemplo de v. Liszt e Beling, proponentes da teoria causal-naturalista
e defensores da teoria formal-objetiva, para permanecerem com um sistema de
delito coerente com as suas premissas, exigissem a materialização típica – total
ou parcialmente – do comportamento humano.
Se considerarmos o caso 2, do túnel, e levarmos a sério os argumentos su-
geridos pela proposta teórica, não é possível afirmar que os agentes ingressaram
na fase de execução. Salvo se admitirmos um grosseiro rebaixamento linguístico
– afinal, escavar nem de longe é o início da realização da subtração (núcleo do
tipo-base). Nesse caso, a solução dogmática mais coerente, portanto, seria – no
máximo – pela possibilidade de punição pelo esbulho – art. 161, § 1º, II, do CP.
Em relação aos casos 1 e 3, mesmo que eles apresentem alguma dificuldade e a
intuição nos recomende a tentativa, a verdade é, pela mesma razão, que também
não estamos diante de uma ação de subtração, com o que restariam apenas possí-
veis crimes de dano (art. 163 do CP) ou de violação de domicílio (art. 150 do CP).
Vamos à análise crítica.
Desde a perspectiva alemã, a objeção central decorre da incompatibilidade
com o § 22 StGB, eis que se colocar imediatamente diante da realização do tipo ou
– na plástica expressão de Roxin – na cercania do tipo (Tatbestandsnähe38) significa
claramente que a execução do núcleo do tipo não foi iniciada39. Noutros termos:
a lei alemã admite claramente que o início da tentativa antecede a ação de reali-
zação típica. A questão concreta que se apresentará para o intérprete da lei alemã
será a de determinar em que momento o agente está na periferia de realização do
tipo (v. abaixo 3.2.2 e ss.).
Desde a perspectiva brasileira, duas constatações causam espécie. Primei-
ro, o fato de que essa teoria ainda seja levada muito a sério por parcela da litera-
tura40 brasileira e ainda considerada pela nossa jurisprudência. Isso não somente

37 Cf. LK12-HILLENKAMP, § 22 Rn. 56.


38 ROXIN, AT II, § 29, Rn. 102.
39 BAUMANN/WEBER/MITSCH/EISELE, AT12, § 22, Rn. 56; LK12-HILLENKAMP, § 22 Rn. 56.
40 Cf. acima, nota de rodapé n. 34.
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pelo fato de ela representar um resíduo da dogmática da tentativa que se desen-


volvia no princípio do século XIX, senão também pela sua incorreção dogmática
e político-criminal. Os problemas que a teoria transporta são tão intuitivos e evi-
dentes que não é necessário grande esforço argumentativo para recusá-la.
Segundo, e isso causa maior sobressalto, há quem sustente não apenas a
teoria, senão também que ela foi a adotada pelo nosso Código Penal41. Não co-
nheço ao certo as razões que conduzem a essa afirmação, pois não há base teó-
rica, de lege lata, para aprisionar a redação do Código a essa ou aquela teoria.
Como vimos, o legislador brasileiro, no lacônico art. 14, II, do CP, não recorreu a
alguma orientação objetiva concreta, senão somente considera que o crime será
tentado a partir do início da execução. Com essa redação é possível sustentar, no
máximo, que o Código é compatível com uma teoria formal-objetiva. Trocando
em miúdos: a pergunta sobre em que momento é possível afirmar que a execução
foi iniciada segue completamente aberta. A decisão sobre se essa resposta deri-
vará do perigo do comportamento para o bem jurídico, da proximidade da ação
com o núcleo típico, da inexistência de atos essenciais entre a ação e a realização
do tipo, quer se queira ou não, foi transferida para a ciência.
Poder-se-ia levantar um argumento pragmático para justificar a preferên-
cia pela teoria: essa possui inequívoca facilidade de manuseio, pois, com a cone-
xão do comportamento ao tipo, não haverá dúvidas sobre se e quando o agente
ingressou na esfera da tentativa. Não é bem assim. Essa fórmula não representa
ganho significativo para a determinação do início da execução: se a tentativa co-
meça com o início da realização típica, quando se inicia a realização do núcleo? Se
observarmos de perto a explicação dada pelos próprios defensores, a tautologia é
ostensiva: “Assim, a tentativa caracteriza-se como o ‘início da realização do tipo’,
isto é, com o início da execução da conduta descrita nos tipos da Parte Especial”42.
Não nos é fornecido, entretanto, um caso com aplicação prática dessa explicação,
razão pela qual é legítima a pergunta: e quando se inicia a execução de uma de-
terminada conduta? Para colocar em uma questão concreta: no homicídio a ação
começa com a realização do verbo “matar”, obviamente; mas quando se começa a
matar? Quando o agente saca a arma, aponta ou puxa o gatilho?43 É verdade que
essa objeção aparentemente frágil poderia ser contornada afirmando-se que a

41 “Nesses termos, o critério também deve ser objetivo-formal, que foi adotado pelo Código
Penal brasileiro, de acordo com a redação do art. 14, II”. Por todos, cf. BITENCOURT,
DP26 I, cap. XXVI, n. 4; NUCCI, Manual10, cap. XVIII, n. 2.5.
42 BITENCOURT, DP26 I, cap. XXVI, n. 4.
43 Por todos: FARRÉ TREPAT, La tentativa del delito, 1986, p. 158.
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carga semântica do verbo matar sugere que a execução da ação típica é somente o
ato de puxar o gatilho44. Mas aí caímos em um problema lógico. Se vinculamos o
início da execução à realização do verbo, quase sempre, a realização desse verbo
expressará o último ato de execução (e não o seu início), de modo que se fundem
tentativa e consumação em um só momento45. Imagine-se o disparo em direção a
uma região letal do corpo da vítima: puxar o gatilho é – com efeito – o fim e não o
início da execução. Como o que chegamos à impossibilidade de admitir tentativa
inacabada em um grande número de casos.
Mas a objeção não é somente dogmática, pois é possível levantar uma úl-
tima de cunho político-criminal: se somente o ato de puxar o gatilho representar
início da execução do homicídio, então, se com isso ganhamos algo de certeza,
certamente o é com o sacrifício do bem jurídico. Dizendo de outra maneira: essa
é uma teoria que estreita demasiadamente a punibilidade de um comportamen-
to46. Enquanto o autor não disparar, não tocar na coisa, mover-se-á no âmbito
do indiferente penal – o que nos parece dificilmente aceitável, tendo em vista
a situação precária em que o bem pode então se encontrar. Aquele que, arma-
do e com intenção de matar, conduz a sua vítima a lugar ermo, faz que ela se
ajoelhe, encosta-lhe uma pistola na nuca, mas é interrompido pelo grito “Pare,
é a polícia!”, não terá entrado em tentativa de homicídio. Por isso, como afirmei
acima, a proposição teórica não se sustenta nem do ponto de vista dogmático
nem político-criminal47.
Antes de passar à próxima proposta teórica, cumpre a última advertência.
Imagino que o meu leitor tenha considerado a seguinte hipótese: a teoria não
pode ser um ponto de partida, mas serve para confirmar, sempre, que o agente
iniciou uma execução48. Formulando o argumento desde uma perspectiva inver-
tida: a realização do núcleo do tipo é sempre suficiente para que se reconheça
a tentativa49. Majoritariamente sim, mas nem sempre. Há grupos de delitos nos
quais o agente pode ter realizado ações que fazem parte do tipo, sem que isso

44 V. Hippel, por exemplo, argumenta que a determinação conceitual não pertence


exclusivamente ao mundo jurídico, senão ao uso da nossa linguagem e da nossa “concepção
natural da vida” (natürliche Lebensauffassung), no cotidiano manejamos os conceitos de
“preparação e execução”. v. HIPPEL, AT II, § 29, p. 399.
45 Cf. ALCÁCER GUIRÃO, Tentativa y formas de autoria, 2001, p. 52; GROPP, AT4 § 9, Rn. 48.
46 SCHMIDHÄUSER, Lb2, p. 614, Rn. 54.
47 Cf. LK12-HILLENKAMP, § 22 Rn. 56.
48 Assim, ZAFFARONI/PERANGELI, Da tentativa9, 2010, p. 54.
49 OLG Bamberg NStZ 1982, 247. Devo esse julgado ao meu Professor Luís Greco.
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signifique que se ultrapassou a fronteira da preparação. Isso acontece, como ad-


verti anteriormente (abaixo 3.1), nos tipos qualificados, bem assim nos crimes de
execução fracionada (v. adiante o caso do licor).
Em razão da evidente incorreção das soluções a que levava a aplicação
da teoria formal-objetiva, a doutrina – desde a primeira metade do século XX –,
apressou-se em apresentar alternativas para a concepção. Entre outras sugestões,
uma decorre de Reinhard Frank.

3.2.2 Teoria material-objetiva de Frank


Dentro do grupo de teorias denominado de material-objetivas50, há de se
fazer menção à concepção material de Frank51. Ela se desprende da interpretação
estrita do início da execução como início da própria ação típica para sugerir a
ampliação e complementação da teoria formal-objetiva52. A sugestão decorre, é
importante registrar, da primeva redação do § 43 do StGB que, diferentemente
da atual e à semelhança do vigente CPB, também continha a elementar início da
execução53.
Frank, como primeira racionalização, considerava que para a tentativa
bastava o começo da realização da ação, ainda que o autor precisasse (ou dese-
jasse) empreender mais ações para a causação do resultado54. Essa construção,
entretanto, necessitava de maior precisão; afinal, o que caracterizaria concreta-
mente esse começo de realização típica? Frank argumentava que somente pode
ser caracterizado como começo de algo aquilo que lhe pertence, aquilo que é
parte necessária desse algo55. Partindo disso, seria autorizado reconhecer que “o
começo da execução há de ser identificado por todas aquelas ações que, devido
à sua necessária conexão com a ação típica, aparentam ser parte natural dessa”56.
O ponto material dessa fórmula está, justamente, na referência à compreensão

50 Para outras teorias, cf. LK12-HILLENKAMP, § 22 Rn. 57 e ss.


51 FRANK, StGB18, § 43 II, 2 b, p. 87. No que foi seguido por MEYER, Hellmuth. AT, 167, p. 143.
52 Cf. SK-RUDOLPHI, § 22 Rn. 9.
53 E com isso apresentamos mais um sinal de que a presença dessa elementar não implica
necessariamente o reconhecimento legal da teoria formal-objetiva.
54 FRANK, StGB18, § 43 II, 2 b, p. 87.
55 FRANK, StGB18, § 43 II, 2 b, p. 87.
56 Com as suas palavras “ein Anfang der Ausführung ist in allen Tätigkeisakten zu finden, die
vermöge ihrer notwendigen Zusammengehörigkeit mit der Tatbestandhandlung für die natürlich
Auffassung als deren Bestandteile erscheinen”, FRANK, StGB18, § 43 II, 2 b, p. 87; Crítica, BLEI,
AT § 66 I Rn. 3.
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da ação a partir da ideia de concepção natural. De modo concreto: sacar a arma


e apontá-la para a vítima encontra-se em unidade natural com o disparo, e esse
último ato não pode ser compreendido sem os anteriores, razão pela qual o ato
de sacar já expressaria um ato de execução.
Como é possível perceber, o critério de Frank segue excessivamente preso
ao núcleo do tipo penal e parece incorporar argumentos que fundamentam o
início da tentativa a partir da ideia de causalidade, como defendia Binding57. A
verdade é que, com a sugestão de Frank, o conceito permanece preponderante-
mente manipulável, afinal, não se sabe exatamente o que significam ações que
aparentem ser parte natural da ação típica. O acontecer típico é expressado por
uma sucessão de acontecimentos; estes, a rigor, são parte natural da ação; ela não
pode ser compreendida sem os atos anteriores. Se aplicarmos esse critério ao caso
2, o do túnel, por exemplo, não me parece equivocado considerar que a ação de
escavar é parte natural da subtração. Essa construção linguística, portanto, per-
mite considerar atos preparatórios como atos de execução.

3.2.3 Teoria individual-objetiva


Parcela da literatura científica alemã julga que o StGB se decidiu claramen-
te por uma teoria individual-objetiva58 (também chamada de subjetiva-objetiva).
Pela dimensão subjetiva a legislação faz referência à representação do autor (nach
der Vorstellung des Täters) e pela dimensão objetiva, como vimos, pelo começo
imediato da realização típica. Com isso, argumenta-se, com claro amparo origi-
nário nas ideias de Welzel, que o começo imediato da realização típica não deve
ser encontrado isoladamente no interior do tipo, senão, sempre, associado ao
plano individual do autor59. Noutras palavras: a tentativa começa no comporta-
mento com o qual o autor inicia imediatamente, de acordo com o seu plano de
realização do delito, a concretização do tipo penal60. O caso do “Licor de ervas da
selva bávara” (Bayerwaldbärwurz) julgado pelo BGH61 parece-me bastante ilustra-
tivo62: estranhos entraram na residência de “X”, prepararam refeições na cozinha
e também se deleitaram com diversas bebidas. O objeto do furto foi levado para o

57 Sobre as concepções causais e os diversos defensores, cf. FARRÉ TREPAT, La tentativa del
delito, 1986, p. 159 e ss.
58 LK12-HILLENKAMP, § 22 Rn. 62.
59 SK-RUDOLPHI, § 22 Rn. 11; WELZEL, Das deutsche Strafrecht11, p. 190.
60 WELZEL, Das deutsche Strafrecht11, p. 190.
61 BGHSt 43, 177.
62 Para caso semelhante, do envenenamento do marido, cf. SK-RUDOLPHI, § 22 Rn. 11.
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sótão da casa. A polícia, notificada por “X”, presumiu que os invasores voltariam
nos dias seguintes para recolher o objeto do furto. Entretanto, “X”, chateado com
a invasão, preparou e colocou no hall de entrada da casa uma garrafa com a cha-
mativa inscrição O autêntico licor de ervas da selva bávara; o conteúdo, entretanto,
era um líquido altamente tóxico. “X”, que permaneceu na casa, sabia que o con-
sumo de pequenas quantidades poderia rapidamente levar à morte; ele contava
com que os invasores voltariam à casa, beberiam o líquido e, naturalmente, po-
deriam morrer de maneira rápida. “X” é punível por tentativa de homicídio? Se
considerarmos o plano do autor isoladamente, há que se decidir pela tentativa;
afinal, se para o autor a colaboração da vítima é o próximo passo, então a coloca-
ção da bebida no hall de entrada expressa ato de execução63; o curso causal já saiu
das mãos de “X”. Para colocar em um último exemplo: imagine-se que o indiví-
duo “Y” falsifica a assinatura de um terceiro para receber determinada quantia
em dinheiro. O crime de falsificação começa com o ato de falsificar; o crime de
estelionato começa com a apresentação da nota para o recebimento do dinheiro64.
Para essa doutrina, portanto, é importante que o juízo sobre o começo da execu-
ção tenha como base o plano individual do autor (teoria individual-objetiva), e
não o ponto de vista de um espectador hipotético (teoria formal-objetiva)65.
Há problemas fundamentais em qualquer construção teórica que faça re-
ferência ao plano do autor para a determinação da responsabilidade. Primeiro,
transforma o intérprete em servo da vontade delitiva; o importante para o Direi-
to não é a constituição psíquica do indivíduo, senão o que seu comportamento
expressa para o Direito. Segundo, cria evidentes embaraços probatórios; como
saber, exatamente, se havia e qual era o plano? Não por outra razão a jurispru-
dência agrega critérios para a concretização da fórmula. Voltarei a esses critérios
mais adiante (cf. abaixo 3.2.8).

3.2.4 Teoria da colocação em perigo


Para os adeptos dessa teoria, que também expressa variação dentro do
grupo material-objetivo, há início da execução quando o autor começa a colocar
o bem jurídico em perigo; se, por outro lado, ainda não há perigo, então o ato é
meramente preparatório. Há formulações que agregam o plano do autor às con-
siderações sobre o perigo e chegam à seguinte sugestão para demarcar o início

63 Tanto o BGH quanto a doutrina, por manejarem critérios adicionais ao plano do autor,
recusaram a punição por tentativa de homicídio.
64 Cf. WELZEL, Das deutsche Strafrecht11, p. 190.
65 WELZEL, Das deutsche Strafrecht11, p. 191.
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da tentativa: quando o autor executa uma ação que, de acordo com o seu plano,
em caso de marcha tranquila dos fatos, conduzirá imediatamente à realização do
tipo e, assim, põe o bem jurídico protegido em perigo66.
Desde a perspectiva da legislação alemã, que admite a punição da tentati-
va inidônea, essa teoria é incompatível com o texto legal; afinal, naquela espécie
de tentativa não existe o perigo para o bem jurídico. Para usar o exemplo de
Samson: o autor atira em direção à cama onde crê dormir a vítima. A cama, entre-
tanto, está vazia67. Como o Código alemão conhece a punição da tentativa inidô-
nea – e nesse caso não há perigo para o bem jurídico –, a punição daquele autor
não pode ser justificada com base no perigo. A saída seria conceber o perigo
não mais como grandeza objetiva, mas, sim, subjetiva: haveria início da tentativa
quando o bem, segundo a perspectiva do autor, entrasse em situação de perigo.
A teoria do perigo formulada subjetivamente – desde o plano do autor –
seria, entretanto, incompatível com o Direito brasileiro. Recorde-se que o Brasil
considera penalmente irrelevantes as tentativas que não representam perigo para
o bem jurídico (art. 17 do CPB). Não por outra razão, Hungria – em um dos pou-
cos casos em que a sua opinião não fez coisa julgada no Brasil – filiou-se à teoria
da hostilidade ao bem jurídico, adotada na Alemanha por M. E. Meyer68 e Giese69.
Escreveu Hungria: “Ato executivo é o que ataca efetiva e imediatamente o bem
jurídico; ato preparatório é o que possibilita, mas não é ainda, sob o prisma obje-
tivo, o ataque ao bem jurídico”70. De modo que a aquisição da arma expressaria
um ato preparatório; o disparo um ato executivo71. Não fica difícil concluir que
essa é uma teoria formal-objetiva disfarçada de teoria do perigo porque, com
efeito, reserva o início da execução para o momento do ataque ao bem jurídico.
Mas vamos às objeções mais severas.
Parcela da literatura começa a levantar objeções no sentido de que com
o critério do perigo não se ganha em rendimento para o delineamento das
fronteiras da tentativa. Isso porque, especialmente como demonstra o caso do

66 Fazem referência à teoria do perigo, ainda que com variações, S/S-ESER/BOSCH30, § 22,
Rn. 42; KÜPPER JZ 1992, 338 (340); D. MEYER, JuS 1977, 21 e ss; OTTO, Grundkurs StrafR7,
§ 18 Rn. 30; OTTO, JA 1980, p. 642; SONNEN, JA 1979, p. 334; ZACKZYK, Das Unrecht der
versuchten Tat, 1989, p. 306. Na jurisprudência, BGHSt 2, 380; 4, 334; 7, 291; 9, 64; 22, 81.
67 SAMSON, Strafrecht7 I, p. 158.
68 MEYER, Max Ernst. AT, p. 352-352, Rn. 29.
69 GIESE, D. Zur Abgrenzung von Vorbereitung und Versuch, p. 45.
70 HUNGRIA, Comentários ao Código Penal4, v. I, t. II, p. 84.
71 HUNGRIA, Comentários ao Código Penal4, v. I, t. II, p. 84-85.
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Porsche, em regra, o perigo é um continuum sem intervalos marcados, existe des-


de a preparação e aumenta à medida que o agente se aproxima da consumação72.
Há, naturalmente, e é possível que o leitor tenha considerado essa alternativa,
o argumento segundo o qual o início da execução está em algum ponto entre o
efetivo ataque e o perigo geral, isto é, no momento em que o agente ultrapassou a
barreira do perigo indeterminado e geral para o estágio do perigo concreto para
bem jurídico determinado73. Essa saída, elegante a princípio, não resolve o pro-
blema: o conceito de perigo concreto, imediato, até o momento, não possui con-
tornos claros, de forma que essa solução não passa de mero contorno linguístico.
Para aqueles que consideram necessário que a avaliação do perigo precisa
levar em consideração adicionalmente o plano do autor, tampouco há qualquer
ganho. Imagine-se, por exemplo, o caso do túnel (nº 2): é possível que os auto-
res considerassem a sua conduta perigosa, mas, na prática, estando a 12,8 m do
ponto externo – com no mínimo todo o sistema de segurança para superar –, é
bastante óbvio que o comportamento não alcançou o estágio do perigo concreto,
razão pela qual seria incoerente considerar início da execução.
Mas não é somente isso. Há a última objeção: como bem argumenta Berz,
identificar o perigo concreto como o indicativo para demarcar o início da tentati-
va esbarrará em entraves derivados de outro grupo de delitos: para os tipos pe-
nais de perigo concreto o critério é imprestável, porque essa categoria de delitos
se consuma com o perigo concreto74.
Apesar de todas essas objeções, do ponto de vista científico não nos parece
que a ideia do perigo é imprestável, muito pelo contrário. A análise da literatu-
ra e jurisprudência demonstra que considerações sobre o perigo, com maior ou

72 BERZ, Jura 1984, 513; v. HIPPEL, AT II, § 29, p. 399 e ss; KINDHÄUSER/ZIMMERMANN,
AT9 § 31, Rn. 17; SK-RUDOLPHI, § 22 Rn. 10.
73 Nesse sentido, SAUER, Allgemeine Strafrectslehre3, p. 102. Há referências ao perigo atual
como um critério para a determinação do começo da tentativa, também, em Carrara, por isso,
por exemplo, a simples aquisição da arma ou do veneno e a investigação para obter dados
expressariam aquilo que ele denomina de atos preparatórios absolutos. Os atos preparatórios
contingentes seriam aqueles que podem expressar um perigo atual, mas estão desconectados
da clara intenção do agente em realizar o delito; se a intenção for clara, entretanto, esses
atos, posto que são contingentes, podem então configurar início da tentativa: o ato isolado
de entrar em residência alheia, se dissociada da inequivocidade de um delito, é um ato
preparatório, configura somente o crime de invasão de domicílio; entretanto, se é o inimigo
mortal que entra na residência à noite, com um punhal, então isso é tentativa de homicídio.
cf. CARRARA, Programa de derecho criminal, t. 1, p. 199, § 358 e ss.
74 BERZ, Jura 1984, 513.
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menor destaque, quase sempre estiveram presentes. A questão que se põe será
– então – sobre como fundamentar uma teoria do perigo que supere as incertezas
e objeções apresentadas. A teoria a seguir é, sem dúvida, a filha preferida dessa
ideia.

3.2.5 Teoria dos atos intermediários


É difícil afirmar com segurança qual a teoria majoritária na literatura ale-
mã, mas essa teoria é provavelmente majoritária75. Entretanto, é preciso registrar
haver, tanto na doutrina quanto na jurisprudência (abaixo 3.2.8), o reconheci-
mento preponderante de que, recorrendo-se a ela, unicamente, o intérprete será
incapaz de revelar, com precisão e clareza, o que significa começar imediatamen-
te a realização do tipo76.
Conforme essa teoria, também conhecida como teoria do ato parcial
(Teilaktstheorie77), cujo desenvolvimento embrionário é atribuído a Maurach78, há
começo da tentativa se o autor executa uma ação que está de tal modo vincula-
da à ação típica que não existem atos parciais intermediários entre o seu com-
portamento e a realização do tipo. Formulando de outra maneira: o agente está
em uma situação de tal maneira conectada com a realização do tipo que não há
necessidade de empreender qualquer ato essencial para a sua realização. Um ob-
servador externo, quando visualiza as circunstâncias, vê o comportamento e a
realização do tipo como uma unidade79. Exemplificadamente: há início da tenta-
tiva de furto qualificado quando o agente passou pelo cão de guarda e está para
subtrair, logo a seguir, os objetos de valor da residência80.
Vale ressaltar que o manejo do quadro da realização típica não deve ser ar-
tificialmente conduzido, isto é, analisado o movimento corporal frame por frame.

75 Considerando-a predominante, MüKo4 – HOFFMANN-HOLAND, § 22, Rn. 109.


76 Na jurisprudência, BGH (5 Senado Penal), decisão de 28.04.2020 – 5 StR 15/20, BeckRS 2020,
9020, n. 4, com várias referências; na doutrina, expressamente, RENGIER, AT11 § 34, Rn. 24.
77 MüKo4 – HOFFMANN-HOLAND, § 22, Rn. 109; KÜHL, AT8 § 15, Rn. 59.
78 LK12-HILLENKAMP, § 22 Rn. 66; MüKo4 – HOFFMANN-HOLAND, § 22, Rn. 109. Na
doutrina brasileira também há informações confusas em relação a essa teoria. Prado, por
exemplo, confunde teoria individual-objetiva com teoria dos atos intermediários, e isso
o leva a atribuir essa última a uma criação de Welzel (e não de Maurach), cf. PRADO,
Tratado3, cap. XIII, item n. 3.
79 Cf. BAUMANN/WEBER/MITSCH/EISELE, AT12, § 22, Rn. 68; BERZ, Jura 1984, p. 514;
RUDOLPHI, JuS 1973, 20 (23 e ss.); SK-RUDOLPHI, § 22 Rn. 8 e ss.
80 Cf. BGHSt 26, 201, 203. Na doutrina, com farta referência, cf. KÜHL, AT8 § 15, Rn. 58, Fn. 89.
87
Revista de Estudos Criminais 79
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Isso significa que a valoração sobre o que expressa ou não um ato intermediário
não se deve fazer recorrendo-se ao método de segmentação fotográfica do desen-
rolar do ato, como uma espécie de câmera lenta81. Isso não seria coerente com o
critério sugerido pela teoria, afinal, eventuais atos intermediários fotografados
não parecem ser atos essenciais no sentido sugerido pela teoria. Desse modo,
não está em estágio preparatório aquele que, antes de efetuar o disparo mortal
em direção à vítima, ainda precisa realizar atos intermediários como apontar e
carregar a arma, bem assim puxar o gatilho para disparar o projétil82.
Se aplicarmos a teoria aos casos propostos, então, nos casos 1 e 3 chegaría-
mos à mesma solução, isto é, pela fundamentação da tentativa. Entretanto, no
caso 2, o do túnel, a resposta será diversa porque, estando os acusados a mais
de doze metros do ponto externo do banco, ninguém parece duvidar que seria
necessário realizar, ainda, uma série de atos para se conectar com a realização
do furto, a exemplo do término da escavação e superação do portentoso sistema
interno de segurança do banco, entre outros.
Em uma valoração geral, essa parece ser uma teoria com bastante capaci-
dade de rendimento. Será necessário, entretanto, concretizá-la, deixar mais evi-
dente aquilo que a intuição claramente responde, isto é, como caracterizar um ato
como essencial (ou não). A jurisprudência tenta realizar essa tarefa adicionando
linguisticamente expressões como a “ininterrupta fluidez” do curso dos fatos e o
comportamento espacial e temporalmente próximo à realização do tipo (cf. abai-
xo, 3.2.8).

3.2.6 Teoria das esferas83


Esta teoria, desenvolvida na literatura científica especialmente por Roxin,
estrutura o início da tentativa a partir de dois critérios paralelos e necessários: a
esfera da vítima e a conexão temporal. Haverá início da tentativa se for possível
afirmar a conexão entre as esferas do autor e da vítima (ou do tipo) e se entre o
comportamento do autor e a ocorrência do resultado esperado houver estreita
vinculação temporal84. Concretamente: em um caso de roubo (§ 249 do StGB),

81 “Zeitlupenstrafrecht”, cf. GEILEN, AT5, p. 164; MüKo4 – HOFFMANN-HOLAND, § 22,


Rn. 109.
82 KÜHL, AT8 § 15, Rn. 59.
83 Tomo essa denominação de RATH, JuS 1998, p. 1108.
84 Cf. ROXIN, FS – Herzberg, 2008, p. 347 e ss; ROXIN, AT II, § 29, Rn. 139 e ss. Comparar:
JAKOBS, AT2, § 25, Rn. 66; HECKER JuS 2019, 176 (177); JÄGER, AT3, Rn. 298; SCHLEHOFER,
88
Revista de Estudos Criminais 79
Outubro/Dezembro 2020

por exemplo, Roxin considera haver início da tentativa não somente quando o
autor atua violentamente sobre vítima, senão quando o autor toca a campainha
da sua casa, com a intenção de atacar assim que a porta seja aberta85. Nos tipos
penais que não requerem afetação da esfera da vítima, o autor deve chegar à esfe-
ra do tipo (a cercania da qual falávamos). Desse modo, no caso da falsificação de
moeda (§ 146 Abs 1 N. 1 StGB), por exemplo, haveria início da execução quando
o agente se aproxima do ato de falsificação, isto é, quando tem à sua disposição
os objetos mencionados no § 149 do StGB para ser colocada em marcha, sem de-
mora, a falsificação86.
No tocante à necessidade de conexão temporal, cumpre registrar que esse
critério não diz respeito à proximidade cronológica entre a ação e a realização
completa do tipo. Com efeito, pode haver muito tempo entre essas etapas: o ar-
rombador entra na esfera da tentativa quando aciona a furadeira no cofre, ainda
que precise de muito tempo para acessar o conteúdo87. Também vale registrar
que, a depender da estrutura do tipo (como é o caso do roubo ou do homicídio),
ambos os critérios devem estar presentes: desse modo, uma estrita conexão tem-
poral para a ação típica que não afete a esfera da vítima ainda não será suficiente
para afirmar o início da tentativa88.
Se aplicarmos o critério aos casos propostos, não há dúvida de que é pos-
sível afirmar a tentativa no caso da máquina de cigarros e do arrombador e de
que há somente uma preparação no caso do túnel. Essas soluções me parecem
adequadas dogmática e político-criminalmente. Isso não significa que a teoria
esteja livre de críticas. Há espaços para objeção.
Ao fazer menção à necessidade de penetração na esfera da vítima, Roxin
consegue alcançar, é verdade, um grande número de delitos. Entretanto, como
também é possível intuir, esse critério atrela a tentativa àqueles tipos penais que
protegem bens jurídicos individuais e com clara esfera de afetação. Para aqueles
tipos penais nos quais não se pode fazer claramente essa conexão, nos casos de
bens jurídicos coletivos, o critério se mostra de utilidade duvidosa89.

Vorsatz und Tatabweichung, 1996, p. 86 e ss. Críticos: LACKNER/KÜHL, StGB29, § 22 Rn. 4;


KÜHL JuS 80, 506, 507; BERZ Jura 1984, 516.
85 ROXIN, AT II, § 29, Rn. 140.
86 ROXIN, AT II, § 29, Rn. 142.
87 ROXIN, AT II, § 29, Rn. 143.
88 ROXIN, FS – Herzberg, 2008, p. 348.
89 Assim BERZ, Jura 1984, 516.
89
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Outubro/Dezembro 2020

Algo que também causa desconforto na tentativa de concretização à luz


das esferas diz respeito à referência temporal. E isso é assim porque, nesse caso,
outra vez estamos diante de uma referência gradual, de um continuum. Qualquer
conceito gradual sempre enfrentará problemas de determinação. Por isso, como
em outros setores da teoria do delito90, o direito penal deve tentar se aproximar
de conceitos qualitativos e não quantitativos.

3.2.7 Teoria da prova de fogo


Bockelmann91 sugeriu que a tentativa começa quando o “dolo ultrapassa
a prova de fogo da situação crítica”92. Bockelmann descreve o estado dessa si-
tuação crítica como o instante no qual é talhada a última decisão determinante
sobre o se do ato93. O que o autor faz até esse decisivo impulso da vontade deve
ser considerado preparação, o início da execução existirá quando o dolo do autor
superar a prova de fogo da situação crítica94. Em outros termos: até esse momento
o autor ainda se sente moralmente dono da situação porque a decisão sobre se
deve agir ainda está à sua frente95, ainda exige um novo impulso de vontade. O
que ele realizou até aí, isso ainda é nada (ou apenas preparação impunível)96. A
teoria, como o próprio Bockelmann reconhece, elege a constituição psíquica do
autor – e não a situação exterior criada – como fato decisivo para o início da ten-
tativa. Estamos diante, portanto, de uma teoria sobretudo subjetiva.
O problema desse argumento, como levantou a doutrina, é abranger a di-
mensão subjetiva da tentativa, isto é, o momento no qual o autor se decidiu ine-
quivocamente pela realização típica (a vontade de realização) nada diz, portanto,

90 VIANA, Dolo como compromisso cognitivo, passim.


91 Nos trabalhos, BOCKELMANN, JZ 1954, 473; JZ 1955, p. 195. A teoria não consta em seu
manual, razão pela qual a literatura julga que ele mesmo abandonou a posição inicial em
favor de uma teoria mista, FARRÉ TREPAT, La tentativa del delito, 1986, p. 154, nota de
rodapé n. 77.
92 BOCKELMANN, JZ 1954, 473; BERZ, Jura 1984, 516. Para alguns apenas teoria da prova
de fogo: KINDHÄUSER/ZIMMERMANN, AT9 § 31, Rn. 15; para outros somente teoria da
situação crítica: BOSCH, Jura 2011, 910, Fn. 16.
93 BOCKELMANN, JZ 1955, p. 195.
94 BOCKELMANN, JZ 1954, p. 473.
95 Aqui está embrionariamente um argumento que anos depois seria recuperado por parcela
da doutrina, ao menos para os delitos à distância. Essa doutrina considera que o autor
começa imediatamente o fato, na forma do § 22 StGB, quando libera de suas mãos o domínio
sobre o acontecimento causal. Cf. RENGIER, AT11 § 34, Rn. 51.
96 BOCKELMANN, JZ 1955, p. 195.
90
Revista de Estudos Criminais 79
Outubro/Dezembro 2020

sobre a dimensão objetiva da tentativa97. Com isso ela carrega todas as objeções
que podem ser feitas a teorias que recorrem somente a dados internos para jus-
tificar punição.
No âmbito da jurisprudência do BGH, a teoria da prova de fogo da situa-
ção crítica assume a nova roupagem linguística do aí vou eu (jetzt geht es los); su-
perada essa barreira, estar-se-á no âmbito da tentativa98. No exemplificativo caso
julgado pelo BGH: o agente “A” havia decidido matar a vítima “S”, que vivia
em um quarto da casa dos sogros. A pega uma arma e põe-se em direção à casa
em que a vítima morava. A não consegue entrar no quarto, porque “S” havia
empurrado o sofá para bloquear a porta; quando ele finalmente consegue abri-la
o suficiente, a vítima e a sua esposa haviam escapado pela janela do quarto; “A”
observa que não há ninguém no sofá, efetua um disparo na parte superior desse
e deixa o local99. O BGH reconhece a tentativa e afirma: conforme a representação
do autor, a porta do quarto era o último obstáculo que ele precisaria superar para
atingir “X”. Por essa razão, ao entreabrir a porta, “A” necessariamente ultrapas-
sou a barreira do aí vou eu.
Essa adição do BGH, para além de renascer a criticável conexão da puni-
ção com carga subjetiva do agente100, também não acrescenta em precisão e pode
conduzir, na verdade, à ampliação exagerada do ato preparatório. Se aplicarmos
o critério isoladamente aos três casos propostos, não creio que alguém negará
o início da tentativa: em todos eles está mais que evidente a decisão pelo se do
crime ou, na plástica expressão do BGH, a decisão pelo aí vou eu! Justamente por
isso, o próprio tribunal agrega critérios corretivos. É o que passo a examinar.

3.2.8 A teoria complexa do BGH


Se há algo que pode ser dito da práxis alemã é a sua preciosa contribuição
para o aprimoramento e desenvolvimento do debate científico. A forma cuida-
dosa e marcada com que levanta os fatos e os argumentos permite, especialmen-
te, maior clareza sobre o objeto da discussão. Essa pluralidade de discussão e
busca de alternativas seguras também é marcante no âmbito da delimitação da
tentativa.

97 BERZ, Jura 1984, 516.


98 BGH NStZ 83, 364.
99 BGH NStZ 1987, 20.
100 E esse sentido é expressamente assumido, cf. BGH NStZ 1987, 20; BGH NStZ 1999, 395.
91
Revista de Estudos Criminais 79
Outubro/Dezembro 2020

Na jurisprudência do tribunal, a análise dos julgados demonstra a evolu-


ção da aplicação de critérios que se movem do plano mais abstrato em direção à
adoção de critérios de concretização. Pode-se dizer, portanto, que atualmente o
tribunal maneja uma cascata de critérios – de igual peso – para demarcar a tran-
sição da preparação para a tentativa101.
Inicialmente, embora vinculado majoritariamente ao critério formal ou
ao material de Frank, alguns julgados do BGH que faziam menção destacada à
necessidade de imediatismo do comportamento com a ação de execução e argu-
mentos fundamentados no perigo102, admitindo a tentativa somente se o autor ti-
vesse empreendido aquela ação concreta que em sua generalidade expressa uma
espécie de ataque imediato ao bem jurídico e que, em razão disso, permitiria
afirmar que esse estava em perigo concreto103.
A jurisprudência que se desenvolve na segunda metade do século XX
abandona o início de execução fundado no critério formal e busca aprimorar
essa ideia de perigo concreto. Isso se deve, em parte, às insatisfações teóricas
sugeridas pela teoria dominante e, por outro lado, em razão do novo texto le-
gal de 1975. Em consequência, a concretização sobre o que significa exatamen-
te a elementar objetiva colocar-se imediatamente diante da realização do tipo
(unmittelbares Ansetzen do § 22 StGB) passa a assumir outro contorno.
Com efeito, o BGH passa a argumentar que o estado da tentativa se refere
a ações que podem conduzir ao inevitável prosseguimento do começo da reali-
zação imediata do tipo ou com ele está em relação de imediata conexão especial
e temporal. Esse é o caso quando o autor subjetivamente supera a barreira do aí
vou eu e objetivamente supera a necessidade de ato essencial entre a sua ação e a
realização típica104.
Perceba-se que a formulação que explica a elementar objetiva do § 22 do
StGB (colocar-se imediatamente diante) é revelada por meio de dois critérios: um

101 OTTO, NStZ 1998, 244; NK5-ZACKZYK § 22 Rn. 23. Esse também parece ser o caminho da
jurisprudência brasileira.
102 Cf. LACKNER/KÜHL, StGB29, § 22 Rn. 4.
103 Cf. BGHSt 2, 380.
104 BGH NStZ 1987, 20, com referências a BGHSt 22, 80 (81); 26, 201 (202 ff.); 28, 162 (163); 30,
363 (364); 31, 178 (182, 183); 48, 34, 35 com comentário crítico de KÜHL JZ 2003, 637, 639;
HEGER JA 2003, 455 e PUPPE JR 03, 123, 125; NJW 03, 3068, 3070; NStZ 04, 38; 13, 156; NStZ
2004, 38 (39); 25.10.2012 – 4 StR 346/12, NStZ 2013, 156 (157); 11.06.2003 – 2 StR 83/03; BGH
NStZ 2014, 447, 448; BGH 21.08.2019 – 1 StR 191/19, BeckRS 2019, 26446; 17.07.2018 – 2 StR
123/18, NStZ 2019, 79; BGH 21.08.2019 – 1 StR 191/19, BeckRS 2019, 26446.
92
Revista de Estudos Criminais 79
Outubro/Dezembro 2020

subjetivo, a superação da barreira do aí vou eu, e outro objetivo, a inexistência de


atos essenciais para a realização do tipo. Usarei esses critérios para analisar os
seguintes casos:
Caso 4. O agente “A” atou as mãos da vítima, uma criança, tapou a sua boca
com uma fita adesiva, arrastou-a para o seu carro e a colocou no banco traseiro.
Ele estava a ponto de sair com o automóvel, mas a vítima conseguiu abrir a
porta e sair do carro. Segundo consta dos autos, o acusado ainda objetivava
levar a vítima para outro lugar onde ele pretendia ter contato sexual corporal
com ela. Ficou em aberto, entretanto, para onde o acusado [gostaria de] queria
levar a vítima e quanto tempo levaria a viagem até o local.105

Caso 5. A vítima “V” declarou que por volta de 21h caminhava na calçada quan-
do percebeu o acusado “X” caminhando em sua direção. “V” se assustou e
lhe perguntou o que queria, tendo ele colocado a mão por dentro da calça e,
segurando o órgão genital, feito gestos com os dedos chamando-a. Em seguida,
disse “V” que tentou fugir, mas caiu em um buraco, possibilitando que o acusa-
do a alcançasse. O acusado a segurou pelos cabelos, deu-lhe socos no rosto e no
tórax e tentou levá-la para dentro de um parque; enquanto ele a arrastava, um
veículo parou nas proximidades para averiguar os fatos e, após seus ocupantes
desembarcarem, o acusado fugiu em direção ao parque.106

Será possível falar, em ambos os casos, em início da tentativa de estupro


(art. 213 do CP). Os casos são semelhantes e por isso mesmo diferentes. No caso 4,
se considerarmos a teoria, não será possível afirmar a existência do início da exe-
cução do estupro em razão de dois argumentos fundamentais: não está claro para
onde a vítima seria levada (argumento espacial), tampouco quanto tempo dura-
ria a viagem (argumento temporal); diante dessas incertezas, não seria possível
falar com segurança que o agente se colocou imediatamente diante da realização
do tipo. No caso 5, se considerarmos a teoria, será possível reconhecer a tentativa,
pois está claro para onde a vítima seria levada, bem assim a proximidade tem-
poral para a realização do tipo; por isso, nesse caso, em razão do imediatismo
espacial e temporal, seria possível falar, sim, em tentativa de estupro.
Em modo de síntese, no que diz respeito ao tipo objetivo da tentativa, pela
jurisprudência do BGH é possível dizer que o agente começa a realizar imedia-
tamente o tipo quando, subjetivamente, supera a barreira do aí vou eu e, objetiva-
mente, não precisa realizar ato essencial para a realização do tipo (i); ou quando

105 NStZ 2019, 80.


106 AREsp 640629/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, p. 3. O STJ não chegou a apreciar
a questão fática em razão da Súmula nº 7. Devo esse caso à discente Amanda Gabriela
Galindo.
93
Revista de Estudos Criminais 79
Outubro/Dezembro 2020

o comportamento do autor conforme a sua representação conduz ao ininterrupto


desenrolar da realização típica (ii); ou quando o seu comportamento está em ime-
diata conexão, espacial e temporal, com a realização do tipo ou nele desemboca
(iii); ou ainda quando – de acordo com a representação do autor – leva o bem
jurídico protegido a perigo concreto (iv)107.
Na mesma linha do BGH parece ir a nossa jurisprudência; vamos a ela.

4 CONTROLE DOS ARGUMENTOS NO STJ


Uma vez que conhecemos as principais teorias e os seus argumentos, pa-
rece-me inquestionável reconhecer que o STJ caminha para a admissibilidade de
uma teoria complexa sobre o começo da execução. Isso tem mais vantagens do
que desvantagens, razão pela qual esse esforço de precisão é louvável. Exami-
namos, entretanto, os argumentos, para verificar se, com a argumentação, era
possível chegar à decisão que se chegou.
No caso 2, do túnel, o STJ inicialmente considera, próximo ao que sugere
o BGH, que é necessário recorrer a uma teoria complexa, com parâmetros sub-
jetivos e objetivos [(como o de Hans (sic) Frank108], para verificar se, conforme o
plano do autor, os atos exteriorizados são próximos ao início do tipo. Considero
haver dois trechos fundamentais e contraditórios:
Argumento 1. “[...] No entanto, comportamentos periféricos que, conforme o
plano do autor, uma vez externados, evidenciam o risco relevante ao bem jurí-
dico tutelado também caracterizam início da execução do crime”.
Análise. De saída, e considerando a lei penal brasileira, essa referência ao plano
do autor é desnecessária. Na literatura alemã, a referência ao plano do autor faz
algum sentido em razão do art. 22 do StGB conter expressamente uma elemen-
tar de natureza subjetiva (die Vorstellung des Täters); entre nós, essa elementar
não existe, razão pela qual – ao menos de lege lata – parece duvidoso recorrer a
essa referência adicional diante dos problemas que ela transporta (cf. objeções
no item 3.2.4).
Por outro lado, é de se reconhecer como importante a referência ao perigo.
Entretanto, o perigo a que faz referência o julgado parece ser um perigo subjeti-

107 Cf. NK5-ZACKZYK § 22 Rn. 23.


108 Há um Hans Frank bastante conhecido na literatura alemã, mas certamente não é a ele que
o julgado do STJ pretendia fazer menção. O Hans Frank a que faço referência era um alto
membro do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores alemães (NSDAP), encarregado
da reforma penal, cf. FRANK, Hans (Hrgs). Nationalsozialistische Leitsätze für ein neues
deutsches Strafrecht. Berlin: Deutsche Rechts- und Wirtschaftswissenschaft, 1935, t. 1.
94
Revista de Estudos Criminais 79
Outubro/Dezembro 2020

vado pelo plano do autor109. Nesse caso, a menção ao plano do autor tropeça nas
objeções que antes apontei. Salvo se, e isso não está claro, a ideia seja a seguinte:
“Não é o autor que determina qual dos seus atos é executivo ou não, senão que
isso se delimitará objetivamente conforme o plano do autor”110. Se for assim,
então negamos simultaneamente o argumento 2.
Argumento 2. Não houve violação do art. 14, II, do CP, pois os atos externados
ultrapassaram meros atos de cogitação ou de preparação e expuseram a perigo
real o bem jurídico protegido pela norma penal, inclusive com a execução da
qualificadora do furto.
Análise. Esse fundamento, como disse, pode ser uma antítese do anterior por-
que, ao fazer referência ao perigo real, isso significa que o fato está valorado
unicamente a partir do parâmetro objetivo.
Entretanto, a conclusão de que o bem jurídico (propriedade; guarda da coisa)
foi exposto a perigo real quando os agentes estavam a 12,80 metros do ponto
externo do banco é no mínimo questionável. Parte dessa conclusão deriva, como
antecipei, do fato de que o próprio conceito de perigo concreto é indeterminado
(v. acima 3.2.4).
Na dúvida, a decisão deveria indicar pela realização de atos preparatórios.
Conclusão. Os argumentos lançados não permitem atingir a conclusão a que a
decisão chegou.

Recordemos, sinteticamente, o nosso caso 3: “Y” tentou subtrair para si


objetos que guarneciam a residência da vítima; escalou, pulou o muro e arrom-
bou a porta dos fundos; embora tenha adentrado no imóvel, “Y” não conseguiu
subtrair nenhum objeto111.
Argumento 1. A teoria objetivo-formal restringe demasiadamente o campo de
incidência da tentativa e não abrange condutas que são significativas e mere-
cem censura do direito penal, apesar de não caracterizarem o início da ação
típica (subtrair), como o ingresso na residência da vítima sem que tenha sido
iniciada a subtração da coisa. Essas condutas seriam consideradas, pelo critério
objetivo-formal, mera fase de preparação e cogitação do delito, por não ter sido
iniciada a conduta do núcleo subtrair.
Análise. Trata-se de descrição correta não do tipo objetivo da tentativa e tam-
bém sinaliza para a importância da discussão do injusto do crime tentado.

109 Sugere esse modelo, certamente porque na Alemanha se pune a tentativa inidônea. S/S-
-ESER/BOSCH30, § 22, Rn. 42.
110 Cf. ALCÁCER GUIRÃO, Tentativa y formas de autoria, 2001, p. 48.
111 REsp 1.683.589/RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro.
95
Revista de Estudos Criminais 79
Outubro/Dezembro 2020

Argumento 2. O início dos atos executórios pode ser aferido por outros elemen-
tos que antecedem a própria subtração da coisa, como a pretensão do autor,
a realização de atos tendentes à ação típica, ainda que periféricos ao tipo, a
idoneidade do ato para a realização da conduta típica e a probabilidade con-
creta de perigo ao bem jurídico tutelado, considerados os atos realizados no
momento da flagrância.
Análise. Embora não exista menção expressa a qualquer teoria é, sem dúvida,
uma descrição coerente com os argumentos que conhecemos.
Argumento 3. Embora a subtração não tenha sido efetivamente iniciada, o risco
ao patrimônio de quem teve a casa invadida, quando o agente criminoso é sur-
preendido, considerando-se a idoneidade da invasão para a realização da con-
duta típica, constituem relevantes atos periféricos indubitavelmente ligados ao
tipo penal do delito de furto. De modo que se inicia a tentativa com a atividade
que materializa o plano delitivo do agente, aproximando-se da conduta típica;
portanto, os atos externados na conduta do agente expuseram a perigo real o
bem jurídico protegido pela norma penal.
Análise. Há, nesse argumento, uma pequena imprecisão de fundamentação,
possivelmente gerada pela decisão anterior, que lhe serviu de referência. Estou
substancialmente de acordo com o argumento de que a conduta expôs o bem
jurídico protegido a perigo. Mas essa análise, como acabei de registrar, não
deve ser feita levando-se em consideração o plano delitivo do agente, senão a
partir de um parâmetro exclusivamente objetivo.
Conclusão. A decisão está substancialmente coerente com os argumentos levantados.

Como ressaltei no princípio, o eventual desacordo científico com as deci-


sões não impede de reconhecer os seus méritos e vejo, nesse caso, ao menos três:
primeiro, reconhecem claramente que o código não está vinculado a qualquer te-
oria; segundo, apontam para a teoria do perigo como critério preponderante para
delimitar a preparação da tentativa; terceiro, reconhecem, mesmo inconsciente-
mente, que um critério, sozinho, não é capaz de determinar o início da execução.
A brevíssima análise que traçamos até aqui, portanto, oferece-nos uma boa
oportunidade para indicar possíveis pautas de desenvolvimento científico. Va-
mos a algumas.

5 O COMEÇO DA TENTATIVA NOS CRIMES OMISSIVOS


IMPRÓPRIOS
Antes de passar às pautas de desenvolvimento científico, parece-me in-
teressante destacar somente um último ponto. Certamente foi percebido que
– até aqui – desenvolvemos o argumento considerando os crimes comissivos.
A elementar objetiva do § 22 do StGB, colocar-se imediatamente diante da re-
alização do tipo, já exclui a possibilidade de aplicação aos crimes omissivos
96
Revista de Estudos Criminais 79
Outubro/Dezembro 2020

(impróprios)112. Por isso, a determinação do começo da tentativa é extremamente


debatida. Entre nós, em razão da abertura do art. 14, II, do CP, a questão apresen-
ta menos problemas.
Para expor o problema recorrendo ao caso da mãe que quer matar o seu
filho pequeno por meio da omissão113: a proposição teórica mais ampla considera
que o começo da tentativa já existe com a primeira omissão da refeição; a inacei-
tável ampliação da zona do começo da tentativa a que a teoria conduz, a torna,
intuitivamente, inaceitável: a ausência de uma refeição pode ser remediada sem
qualquer problema. No outro extremo está a teoria segundo a qual somente a úl-
tima omissão de refeição antes da morte é que expressa o início da tentativa; aqui
a resposta também é intuitiva, mas por razões inversas: diminui excessivamen-
te o âmbito do começo da tentativa. Por fim, para a concepção intermediária, e
que me parece a mais adequada do ponto de vista dogmático e político-criminal,
considera que há o começo da tentativa quando se instala o perigo de vida para
a criança114.

6 PAUTAS PARA O DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO


Encaminho-me para o final e, neste momento, gostaria de usar esses últi-
mos parágrafos para sugerir algumas pautas de investigação. Como demonstrei,
a lei brasileira nos dá abertura para a construção de teorias com marca objetiva;
isso não somente pelo art. 14, II, do CP, mas também em razão do art. 17 do CP. O
passo de investigação que precisa ser dado residirá em identificar objetivamente
qual o início da execução (i).
Em relação aos caminhos que não podem ser seguidos, creio que um ponto
sobre o qual não se deve teorizar diz respeito ao horizonte subjetivo do autor
como critério de determinação e mesmo início da tentativa; isso não significa
que – de lege ferenda – seja impossível postular um critério objetivo-subjetivo (ii).
Entretanto, e aqui deixo como contra-argumento, a experiência internacional de-
monstrou que quanto mais nos referimos a aspectos subjetivos como critério de
identificação de limites, mais difícil será a tarefa da práxis. Por isso, teorias que
agreguem dimensão subjetiva devem ser evitadas, a exemplo do plano do autor:
qual plano tinha o autor? Como ele gostaria de alcançar a subtração da quantia

112 Sobre os crimes omissivos no âmbito direito penal empresarial, cf. ESTELLITA, Res-
ponsabilidade penal de dirigentes de empresas por omissão, Marcial Pons, 2017.
113 Sobre a estrutura dos crimes omissivos, cf. ESTELLITA, Responsabilidade... Op cit., passim;
TAVARES, As controvérsias em torno dos crimes omissivos, 1996.
114 Cf. KUDLICH, JA 2008, p. 601 e ss; KÜHL, JA 2014, 511; KÜHL, AT8 § 18, Rn. 145-150.
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em dinheiro? Como gostaria de matar a vítima envenenada? Queria servir a víti-


ma ou esperava que ela mesma se servisse?
Restam-nos, como eu então deixava intuir no meio do caminho, as teorias
objetivas. Essas são, a meu ver, aquelas que podem ter melhor rendimento. Entre
as teorias objetivas, pelas razões expostas (acima 3.2.1), a formal-objetiva deve ser
abandonada como critério de delimitação (iii). Mas aquele que quiser construir
uma alternativa material à teoria formal-objetiva precisará enfrentar a seguinte
pergunta: por que uma ação que se situa no campo prévio do tipo pode expressar
um injusto típico, muito embora o tipo propriamente dito ainda não tenha sido
realizado? Esse me parece outro ponto fundamental sobre o qual uma eventual
concepção material deverá se debruçar115 (iv).

7 SÍNTESE
Ultrapassada a análise das sugestões teóricas e as suas implicações prá-
ticas, creio ser possível chegar à seguinte síntese: o Código Penal brasileiro não
adotou qualquer critério de orientação em relação à delimitação entre a prepara-
ção e a tentativa (i). De lege lata, nosso Código é compatível com qualquer teoria
objetiva e incompatível com as teorias subjetivas (ii). A determinação do início da
tentativa deve ser sugerida, preferencialmente, à luz de uma teoria que combine
critérios (iii). A teoria da colocação em perigo expressa o critério decisivo para o
início da execução (iv). A missão da ciência será desenvolver os critérios mate-
riais à luz da investigação sobre a ratio da punibilidade da tentativa (v).

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115 Cf., por exemplo, as alternativas sugeridas por VEHLING, Die Abgrenzung on Vorbereitung
und Vesuch, 1991; ZACKZYCK, Das Unrecht der versuchten Tat, 1989.
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AGRADECIMENTOS
Dedico este artigo a Maria Auxiliadora Minahim, Professora titular de
Direito Penal da Universidade Federal da Bahia. Agradeço a Luís Greco pela
leitura da versão original e pelas sugestões de aprimoramento.

Data de recebimento: 14.08.2020


Data de aprovação: 14.09.2020

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