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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR

GRADUAÇÃO EM DIREITO

ARTHUR ARRUDA DOURADO

AS IMPLICAÇÕES DAS MUDANÇAS TRAZIDAS PELO PACOTE


ANTICRIME: A COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL DIANTE
DO PROCEDIMENTO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
POLICIAL

Salvador
2022
ARTHUR ARRUDA DOURADO

AS IMPLICAÇÕES DAS MUDANÇAS TRAZIDAS PELO PACOTE


ANTICRIME: A COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL DIANTE
DO PROCEDIMENTO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
POLICIAL

Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação


em Direito, apresentado à Universidade
Católica do Salvador, para obtenção do grau
de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Thomas Bacellar da Silva

Salvador
2022
AS IMPLICAÇÕES DAS MUDANÇAS TRAZIDAS PELO PACOTE ANTICRIME: A
COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL DIANTE DO PROCEDIMENTO DE
ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

Arthur Arruda Dourado1


Thomas Bacellar da Silva2

Resumo: Neste artigo, analisam-se as implicações acerca das mudanças trazidas pelo pacote
anticrime: a coisa julgada formal e material diante do procedimento de arquivamento do
inquérito policial. Como objetivo geral, busca-se determinar o conceito da coisa julgada,
analisando se cabe a utilização desse dentro do procedimento de arquivamento do inquérito
policial, apontando as possibilidades e especificidades. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica, que se utiliza de doutrina, artigos científicos, jurisprudências e legislação com
sua devida interpretação. Como principal resultado da pesquisa, percebem-se nuances da
utilização da coisa julgada formal e material no procedimento de arquivamento do inquérito
policial, a qual contribui para manter a segurança jurídica da decisão.

Palavras-chave: Pacote Anticrime. Coisa julgada. Inquérito Policial. Arquivamento.

Abstract: The implications of the changes conducted by the anti-crime package: res judicata
formal and material in view of the archive procedure of the police inquiry are analyzed in this
paper. The main goal is to determine the concept of res judicata by analyzing whether it can
be used within the archive procedure of the police inquiry, pointing out the feasibilities and
characteristics. This bibliographical research is based on doctrine, scientific articles, case law,
and legislation with its proper interpretation. The subtleties of the use of formal and material
res judicata in the archive procedure of the police inquiry are consequently perceived thus
contributing to maintaining the legal security of the court ruling.

Keywords: Anti-Crime Package. Res judicata. Police inquiry. Archive procedure

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 MUDANÇAS OCASIONADAS NO


ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL COM O ADVENTO DA LEI
13.964/2019; 1.1 A APROXIMAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO; 2 BREVE
ANÁLISE SOBRE A COISA JULGADA E SUAS CONSEQUÊNCIAS; 2.1 COISA
JULGADA FORMAL; 2.1.1 Hipóteses que configuravam a coisa julgada formal; 2.2
COISA JULGADA MATERIAL; 2.2.2 Hipóteses que configuravam a coisa julgada
material; 2.3 DECISÕES JURISPRUDENCIAIS; 3 A GARANTIA DE NÃO MUTAÇÃO
DA DECISÃO E SEGURAÇA JURÍDICA APÓS O PACOTE ANTICRIME; 3.1 A
COISA JULGADA ADMINISTRATIVA E ATO JURÍDICO PERFEITO; CONCLUSÃO;
REFERÊNCIAS; ANEXOS.

1
Graduando em Direito pela Universidade Católica de Salvador (UCSAL).
2
Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na UCSAL, Graduado em Direito pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA).
3

INTRODUÇÃO

Neste artigo, desenvolve-se uma pesquisa em que são discutidas as implicações


acerca das mudanças trazidas pelo pacote anticrime: a coisa julgada formal e material diante
do procedimento de arquivamento do inquérito policial.
O interesse por pesquisar esse tema surgiu a partir do acesso a um depoimento do
Prof. Dr. Aury Lopes Jr.3, via live, na sua página do Instagram4. Desde então, foram iniciadas
leituras sobre arquivamento do inquérito policial, as quais compõem o referencial teórico
deste projeto: Araújo (2020); Brasil (1941, 1988); Coutinho (2020); Föppel (2020); Jardim
(1984); Lopes Jr. (2020, 2021); Lima (2021); entre outros.
Cumpre salientar a pertinência do tema escolhido, o qual já era alvo de discussão
doutrinária há bastante tempo, por trazer à baila os sistemas acusatório e inquisitório, além de
alcançar críticas em torno da segurança jurídica que decorre da coisa julgada, seja ela formal
ou material.
Antes de compreender o problema da pesquisa, faz-se necessário discorrer sobre a
o advento da Lei Nº 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime, a partir da qual esse tema
ganhou ainda mais notoriedade, visto que houve mudanças no artigo 28 do Código de
Processo Penal pátrio, que versa sobre o procedimento do arquivamento do inquérito policial.
Antes, e ainda vigente, o arquivamento sofre de intervenção do juiz (o Ministério Público
requer o arquivamento, e, caso o juiz o considere improcedente, encaminha-o ao procurador
geral, para oferecer a denúncia ou insistir no arquivamento), interferindo na parcialidade do
magistrado, que, futuramente, ao julgar a ação, poderá se inclinar a um dos lados. Após a
mudança, o arquivamento passa a ser exclusivamente do titular da ação penal pública, o
Ministério Público (doravante MP), ao qual cabe ordenar o arquivamento, comunicar à vítima,
ao investigado e à autoridade policial dessa decisão e, consequentemente, encaminhar os
autos à instância de revisão dentro do próprio MP, para fins de homologação. Essa inovação
legislativa trouxe, também, a possibilidade de se caso a vítima não concordar com o
arquivamento, poderá ela submeter a matéria ao órgão de revisão no MP, com prazo de 30
dias.

3
Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid, Professor Titular do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Advogado criminalista. Integrou o Grupo de Trabalho no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que analisou e
emitiu Nota Técnica sobre o Projeto de Reforma do Código de Processo Penal (PLS n. 156/2009). Parecerista e
conferencista com mais de 500 palestras ministradas no Brasil e no exterior.
4
@aurylopesjr
4

Ainda sobre o procedimento, o modelo antigo que está em vigor, conforme citado
anteriormente, trata-se de um instituto que remete ao sistema inquisitório, por interferir
diretamente na parcialidade do juiz, sendo ele, nesse ato, gestor e julgador simultaneamente,
apesar de estar definido, na nossa Carta Magna, que o arquivamento é de titularidade do MP.
Em suma, a norma do modo que está sendo aplicada vai de encontro aos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório, da imparcialidade do juiz e do juiz natural,
que configuram o nosso Sistema Penal como um todo, acusatório, além do próprio art. 3-A,
do Código de Processo Penal, adotado pelo Pacote Anticrime, que define expressamente o
sistema como acusatório.
Outro entendimento, e o principal a ser discutido por este pesquisador discente, é
a coisa julgada no procedimento do arquivamento do inquérito policial. Ora, estamos diante
de uma segurança jurídica, visto que coisa julgada significa a imutabilidade da decisão,
dessarte, é possível perceber a notória importância, tanto para o Direito quanto para a
sociedade em geral, de saber se a decisão que leva ao arquivamento será ou não objeto de
discussão após arquivada.
Ora, é salutar expor que, ao discorrer sobre imutabilidade, o nosso Código de
Processo Penal, em seu artigo 18, e em Jurisprudência, solidificada por meio da súmula 524
do STF, somente trazem à tona as questões das hipóteses de desarquivamento quando há
provas novas, deixando de tratar da coisa julgada em si.
Quando se trata de coisa julgada, é importante distingui-la entre coisa julgada
formal ou coisa julgada material. É formal quando há imutabilidade da decisão no
procedimento em que foi proferido. Já é material quando há imutabilidade da decisão no
mérito, além do processo, ou seja, a material pressupõe a coisa julgada formal, pois se torna
indiscutível também na decisão proferida. Sendo assim, partindo para o problema do tema
exposto, com a mudança realizada pelo Pacote Anticrime, existirá a coisa julgada no âmbito
do procedimento do arquivamento do inquérito policial, mesmo após a mudança legislativa,
em que é feito exclusivamente pelo órgão ministerial? Se sim, em quais casos?
Acredita-se que, respondendo a essa questão, é provável que se contribua para
manter a segurança jurídica da decisão. Para tanto, antes, também foram lançadas questões
orientadoras, as quais descortinaram importantes aspectos do tema explorado e conduziram a
trilha argumentativa forjada neste artigo, a saber: 1) Qual é a natureza do arquivamento do
inquérito?; 2) A mudança legislativa nesse artigo foi de maior proveito no âmbito do Direito?;
3) O que são sistemas acusatório e inquisitório?; 4) Qual o sistema adotado pelo Brasil?; 5)
Por que a mudança significa aproximação do sistema acusatório?; 6) Por que ainda está
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suspensa a eficácia desse artigo?; 7) Qual o conceito de segurança jurídica?; 8) O que é coisa
julgada?; 9) Qual a importância da coisa julgada no procedimento de arquivamento?; 10)
Antes da mudança, já se produzia a coisa julgada?; 11) O que acontece se surgir nova prova
após o arquivamento?; 12) No caso de crimes de ação penal pública condicionado, o
arquivamento será definitivo?; 13) Caso a conduta do agente seja atípica, mas se torne típica
após o arquivamento, como proceder em matéria de coisa julgada?; 14) As causas de
excludente de ilicitude interferem no arquivamento?; 15) As causas de excludente de
culpabilidade interferem no arquivamento?; 16) O arquivamento decorrente das causas
extintivas será definitivo?; 17) Como o Superior Tribunal de Justiça tem decidido?; 18) Qual
a posição do STF sobre o tema?; 19) Como assegurar a segurança jurídica; 20) Esse
procedimento produz ato jurídico perfeito?;
Partindo para a hipótese de solução da problemática mencionada, que se fez o
questionamento da coisa julgada no procedimento de arquivamento, dividindo a coisa julgada
em formal e material, é necessário afirmar IN NUCE a possibilidade da coisa julgada formal,
visto sua própria definição, apesar de o arquivamento ser de natureza administrativa, podendo
ser desarquivado por novas provas ou com a representação do ofendido em caso de
arquivamento por falta de pressuposto.
Já sobre a coisa julgada material, é preciso haver maior discussão, pois exaure
qualquer questionamento sobre a matéria. Mesmo assim, a consequência é a mesma em
alguns casos motivados por: atipicidade da conduta; causas de excludente de ilicitude;
excludentes de culpabilidade; causas extintivas.
O objetivo geral desta pesquisa é determinar o conceito da coisa julgada,
analisando se cabe a utilização desse dentro do procedimento de arquivamento do inquérito
policial, apontando as possibilidades e especificidades. No que tange aos objetivos
específicos, busca-se: identificar a natureza do arquivamento; analisar se a mudança
legislativa foi benéfica para a sociedade; avaliar a decisão que suspendeu a eficácia do artigo;
apontar a importância da segurança jurídica nesse procedimento; estimar as posições
doutrinárias sobre coisa julgada no arquivamento antes da mudança legislativa; e, dentro das
decisões dos tribunais, avaliar a aplicação da coisa julgada no modelo de arquivamento
anterior, para poder ter conhecimento necessário, a fim de conciliar essas decisões e doutrinas
com o novo procedimento.
Antes de justificar esta pesquisa e lançar luzes sobre a sua relevância, é preciso
lembrar que, apesar de o artigo referente à alteração do Arquivamento do Inquérito Policial
estar suspenso, por decisão do eminente Ministro Luiz Fux, é possível perceber que será posto
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em vigência em algum momento. A alteração já foi feita, e os resultados dela precisam ser
discutidos.
É de notório saber que, posteriormente à mudança legislativa sobre o
arquivamento, as discussões aumentariam demasiadamente, dessa forma, a problemática
discorrida no presente artigo é de alta relevância para o mundo do Direito. Surge, então, a
necessidade de expor as doutrinas e posições, para poder entender as diferenças do sistema
anterior ao que vai ser posto em vigência, com enfoque na coisa julgada, justamente por suas
consequências.
Ademais, no que tange a relevância para a sociedade, a segurança jurídica que
sobrevém da coisa julgada é considerável salutar. É a segurança da certeza de não ter
variações com o decorrer do tempo, ou seja, coincide com a coisa julgada, por se tratar de
imutabilidade. Os participantes do inquérito, portanto, necessitam dessa segurança, para haver
maior tranquilidade no transcorrer do procedimento, ao saber que inexiste a possibilidade de a
decisão ser mudada por discricionariedade do membro do Ministério Público ou por quaisquer
interferências posteriores ao exaurimento e à conclusão do arquivamento, contando com o
tempo em que a vítima tem para recorrer diante de órgão revisor do MP.
Quanto à metodologia, trata-se de uma pesquisa bibliográfica. Após a revisão de
literatura, o procedimento adotado é o comparativo; e o método de abordagem, o hipotético-
dedutivo, considerando a divergência doutrinária sobre a temática e legislação nova que ainda
não foi posta em vigência. Durante e após o cumprimento dessas etapas metodológicas,
elaborou-se este TCC, sob formato de artigo científico, composto por cinco seções, conforme
critérios anunciados a seguir.
Na Introdução, após a exposição do tema, apresentam-se os elementos da
pesquisa desenvolvida (o problema, as questões norteadoras, a hipótese, o objetivo geral, os
objetivos específicos, a justificativa, a metodologia e o referencial teórico), bem como esboça-
se a organização textual do artigo científico.
Na primeira seção, articulam-se mudanças ocasionadas com o advento da Lei
13.964/2019, e consequências.
Na segunda seção, Conceito de coisa julgada, diferenciam-se coisa julgada formal
e coisa julgada informal, e a partir dessa elucidação, desfiam-se hipóteses que incidem a coisa
julgada formal e a coisa julgada material no procedimento em vigor.
Na terceira seção, Garantia de não mutação da decisão e segurança jurídica com
advento do pacote anticrime, argumenta-se em defesa da garantia de não mutação da decisão,
e se discute a formação da coisa julgada administrativa.
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Na Conclusão, expõe-se a convergência das argumentações construídas nas


seções desenvolvidas, encerrando o ciclo de investigação.

1 MUDANÇAS OCASIONADAS NO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO


POLICIAL COM O ADVENTO DA LEI 13.964/2019

Conforme mudança realizada no Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), com


a introdução do Pacote Anticrime, foram atualizados inúmeros artigos, dentre eles, o art. 28,
entregando a opção do arquivamento exclusivamente ao titular da ação penal pública sem
interferências externas. Antes da mudança, no texto normativo, estava presente a intervenção
do magistrado, o qual recebia o requerimento de arquivamento, podendo ele optar pelo
indeferimento e encaminhar ao Procurador Geral, que tinha duas escolhas, ou oferecia a
denúncia ou insistia no arquivamento. Após a mudança, a decisão de arquivar tornou-se
exclusivamente do órgão do MP, ao qual, em suma, não requisita o arquivamento, e sim o
ordena, além de encaminhar os autos à instância de revisão dentro do próprio MP.
Vale ressaltar que a eficácia desse artigo está suspensa liminarmente, por decisão
do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (doravante ADI) 6305, fundamentada pelo impacto financeiro no
âmbito da atividade do MP em todo o país. Segundo ele, esse impacto seria ocasionado pela
atribuição da nova competência, ou seja, há a necessidade de prévia dotação orçamentária,
conforme consta no art.169 da Constituição pátria. No entanto, vale salientar sobre a
pertinência do tema, visto que o artigo poderá viger a qualquer momento.
Em consonância, Araújo (2020) defende que essa mudança foi necessária,
evitando que o juiz usurpe a competência da parte acusadora, visto que a própria Constituição
(BRASIL, 1988), no artigo 129, tem previsão expressa sobre a titularidade da ação penal
pública destinada aos membros do MP e, em suma, proíbe os processos chamados
judicialiformes, que são os de iniciativa do juiz, ou seja, ocorre separação de funções de
denunciar e julgar. Observa-se aqui característica do sistema acusatório adotado pelo Brasil e
que, atualmente, tem previsão legal expressa na forma do artigo 3-A do CPP.
Conforme aponta Coutinho (2020, p. 17 e 25-26), o sistema processual penal
brasileiro tem duas fases: a primeira de natureza administrativa; a segunda de natureza
processual. O inquérito policial está na primeira fase, portanto é um procedimento que difere
do processo, haja vista a sua natureza. No entanto, o autor expõe que, antes da mudança
realizada pela Lei nº 13.964/2019, o primeiro controle da decisão de arquivamento era
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competência do juiz, portanto a natureza era processual cautelar, contudo, faz uma crítica a
essa nomenclatura, pois tem posição contrária sobre utilização de termos de processo civil no
âmbito processual penal. Posterior à mudança, aduz o autor que se trata de um ato
administrativo composto, pois é passível de controle pelo poder hierárquico dentro do próprio
órgão, buscando, assim, o mesmo resultado.
Outra mudança, já discorrida na introdução, é sobre a possibilidade de a vítima
que não concordar com a decisão de arquivar submeter a matéria à revisão ministerial,
observando o prazo de 30 (trinta) dias.
É importante expor decisão em sede cautelar do eminente Ministro Luiz Fux
(BRASIL, 2020) que, ao julgar a ADI 6305, suspendeu a eficácia do artigo, sustentando a
necessidade de prévia dotação orçamentária e os impactos financeiros causados no MP,
portanto deferiu medida cautelar com intuito de disponibilizar tempo hábil para o órgão se
adaptar a essa competência.
Essa decisão é de demasiada insatisfação, pois, já se passaram cerca de dois anos
e nada foi feito, no entanto, deve-se ater à possibilidade de o artigo viger a qualquer momento.
Devem-se, portanto, explicar os dois sistemas no tocante ao arquivamento.

1.1 A APROXIMAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO;

Inicialmente, é necessário definir IN NUCE os conceitos dos sistemas inquisitório


e acusatório, assim, entender o porquê de a mudança no artigo 28 do CPP causar uma
aproximação ao sistema acusatório.
O sistema processual penal inquisitório tem sua definição explícita na própria
nomenclatura, que deixa claros os resquícios do tempo da inquisição da igreja católica
romana. Lima (2021, p. 42-43) traz algumas características desse sistema, sendo elas a junção
de acusar, defender e julgar uma pessoa na figura do magistrado. Tal sistema é incompatível
com o disposto na ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (1969), que, em seu
artigo oitavo, a necessidade da imparcialidade do juiz, sendo assim, a originalidade cognitiva
do magistrado.
O sistema processual penal acusatório, que passou a ter disposição expressa no
Código de Processo Penal, com a adoção do artigo 3º-A pelo pacote anticrime, tem como
característica um juiz equidistante, que a gestão da prova recai sobre as partes, e as funções
devidamente separadas, em que cabe ao juiz somente a função de julgar, resguardando sua
parcialidade.
9

Dessa forma, no que tange ao arquivamento do inquérito policial, observa-se que


tal mudança é de demasiada importância, como prediz Föppel (2020, p. 133), considerando a
aproximação ao sistema acusatório e o distanciamento do inquisitório, pois o controle da
prova na mão do juiz é resquício da inquisição em que juiz acusava e julgava de ofício, sem a
devida separação de competência na persecução criminal. A nova sistemática do
arquivamento e a exclusão do magistrado representam um avanço que, no entanto, ainda está
distante de ser suficiente, pois o núcleo do Código de Processo Penal brasileiro, segundo
demonstrou o autor, ainda é inquisitório.
Como supramencionado, com a redação vigente, o magistrado pode divergir da
opinião do arquivamento do inquérito pelo MP e determinar a remessa ao procurador-geral,
este pode encaminhar ao juiz para arquivar ou para oferecer a denúncia. Dessa forma, ao
oferecer a denúncia, este mesmo juiz julga, presente assim a característica inquisitória, em
que esse juiz tem o controle total e a aproximação com o conteúdo do processo mesmo antes
de iniciar a ação penal, contaminando, desde então, interferindo assim em sua parcialidade.
Tal fundamentação tem respaldo na teoria da dissonância cognitiva no Processo
Penal, sustentada, no Brasil, por Lopes Jr. (2014, p. 01), o qual compreende que o juiz deve
ser um ignorante sobre o processo que vai julgar, e se de oficio vai atras da prova ou participa
dos atos processuais está “ferindo de morte a estrutura processual acusatória e também a
imparcialidade”
Conclui-se assim que, ao retirar o juiz do texto dispositivo do artigo 28 do CPP, o
legislador acerta, visto que o afastamento estrutural do juiz do processo e, consequentemente,
a sua originalidade cognitiva tornam o processo penal cada vez mais próximo do sistema
acusatório tão buscado, no entanto, ainda longe do ideal.

2 BREVE ANÁLISE SOBRE A COISA JULGADA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

A coisa julgada e o arquivamento são os problemas centrais deste artigo, que tem
sua pertinência relacionada à segurança jurídica. Esta visa a dar clareza, previsibilidade e
estabilidade à decisão de arquivar, além disso, é assegurada pela Carta Magna brasileira, no
artigo 5º, inciso XXXVI.
No aspecto constitucional, o eminente doutrinador Canotilho (2002, p. 381)
disserta sobre a intangibilidade da coisa julgada e a trata como característica intrínseca ao
princípio do Estado de Direito, visto que garante a certeza jurídica.
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Ademais, o jurista italiano Liebmam (1984, p. 5-6) dispõe que tal conceito está
atrelado à força do efeito que algo produz, e não é um instituto autônomo, mas sim, uma
qualidade, um modo de ser. Dessa forma, no arquivamento do inquérito, seria a possível força
da imutabilidade causada pelos efeitos da decisão de arquivar.
Vale ressaltar o discorrido por Coutinho (2020, p. 28), o qual, sobre o artigo 18 do
CPP, que dispõe a respeito do desarquivamento do inquérito policial somente no caso de
haver provas novas, infere acerca da existência da possibilidade de uma coisa julgada
genérica “com efeitos análogos aos da cláusula rebus sic stantibus”. Esta é uma exceção à
obrigatoriedade da manutenção da cláusula, nesse ato, o desarquivamento em ultima ratio.
Lima (2021, p. 216) trata coisa julgada formal como preclusão máxima,
endoprocessual, pois é tão somente imutável no processo proferido, sem análise de mérito. Já
a material, o autor entende que os seus efeitos de indiscutibilidade e imutabilidade se
externalizam para além do processo.
Passado o conceito geral, resta-nos analisar os conceitos formal e material da
coisa julgada juntamente com o seu cabimento no procedimento de arquivamento do inquérito
policial.

2.1 COISA JULGADA FORMAL

Quanto à coisa julgada formal, Lima (2021, p. 216) prediz que seu conceito está
interligado com sua característica endoprocessual, dessa forma, o resultado dentro do
processo não poderá ser mais discutido. Nesse caso, deve-se atentar ao cabimento no
procedimento de arquivamento, considerando a sua natureza administrativa e, com o pacote
anticrime, a sua desvinculação com o magistrado.
Sendo assim, Lavoura (2013, p. 257) entende a coisa julgada formal como
inerente ao procedimento, pois, ao alcançar os limites definidos em lei e, ao atingi-los,
determina o término do procedimento, sem que seja novamente contestado. Desse
entendimento, compreende-se que, ao determinar o fim do procedimento, poderia utilizar em
consonância no arquivamento no inquérito, produzindo assim a coisa julgada formal.
Observa-se, entretanto, que o autor analisou o tema antes da mudança.
Posicionamento contrário é o de Dellore (2013, p. 45-46), pois sustenta que a
coisa julgada é parte do conteúdo da sentença, com efeito declaratório de imutabilidade e
indiscutibilidade. Dessa forma, então, não adentraria em procedimentos em que não há
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sentença de juízo, ou seja, não seria correto utilizar essa nomenclatura no arquivamento do
inquérito.

2.1.1 Hipóteses que configuravam a coisa julgada formal

Após delimitar o conceito de coisa julgada formal, é importante discorrer sobre


todas as hipóteses que incidem a coisa julgada formal, visto que ainda está em vigência o
texto normativo antigo. Contudo, como a atualização pode vir a viger a qualquer momento,
consideram-se as “hipóteses que configuravam a coisa julgada”, visto que, para tê-la, é
preciso haver decisão jurisdicional. Então, com a retirada da homologação do juiz por meio
do despacho, o arquivamento torna-se de natureza exclusivamente administrativa.
Lima (2021, p.216-217) leciona que, na vigência da redação original do artigo 28,
há a viabilidade da coisa julgada formal, citando como exemplos: ausência de pressuposto em
crime de ação penal pública, visto que nada impede, dentro do prazo, que o MP possa oferecer
a denúncia; ausência de justa causa para exercício de ação penal, pois, não havendo
materialidade probatória, em consonância com o petrificado pela súmula 524 do STF, o
inquérito poderá ser desarquivado.
A ausência de pressuposto processual não produz coisa julgada material e, dessa
forma, o IP pode ser desarquivado, pois, se o Ministério público entender para o arquivamento
do inquérito lastreado nessa ausência e antes da decadência, no prazo de 6 meses, a vítima
resolver representar, pode ser desarquivado o inquérito.
Quanto à justa causa, hipótese de não haver autoria ou materialidade suficiente,
sendo arquivado, procede-se conforme a súmula 524 do STF. Dessa forma, havendo provas
novas, deve-se desarquivar, ou seja, viabiliza a reabertura do procedimento, portanto, produz
tão somente a coisa julgada formal.

2.2 COISA JULGADA MATERIAL

Ainda sobre a coisa julgada, agora sobre a espécie material, é importante destacar
o avanço da disposição legal que, antes da reforma do Código de Processo Civil (BRASIL,
1973), tratava como decisão imutável não sujeita a recurso. Esse seria também um dos
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significados da coisa julgada formal. Já com a mudança, o legislador traz, no Código de


Processo Civil (BRASIL, 2015), a coisa julgada material como uma autoridade que faz a
decisão de mérito se tornar imutável, exauridos os recursos.

2.2.1 Hipóteses que configuravam a coisa julgada material

Diante o exposto, ao abordar as questões de mérito, é interessante expor o


pensamento de Lima (2020, p. 218) que excludente de ilicitude, atipicidade da conduta,
excludente de culpabilidade ou extinta a punibilidade eram casos de coisa julgada formal e
material, pois são imutáveis e indiscutíveis. Após o advento da Lei nº 13.964/19, que retira a
homologação judicial por parte do magistrado, o autor sustenta que perde, assim, a
possibilidade de se falar em coisa julgada formal ou material, pois não é mais submetido a
controle jurisdicional.
As causas de excludentes de ilicitude, no conceito analítico de crime, é causa
justificante que exclui o caráter ilícito, sendo assim, não há o que se falar de desarquivamento.
Lima (2021, p. 222) prediz que, apesar das divergências jurisprudenciais acerca da formação
da coisa julgada material, entende pela sua incidência nas hipóteses de excludente de ilicitude.
No que tange a atipicidade da conduta, não poderia ser diferente, visto que não
sendo a conduta típica e arquivado o inquérito, não poderá ser desarquivado, pois o fato
mencionado não é crime e, se passar a ser, conforme o princípio da irretroatividade da lei
disposto no artigo art. 5º, XL da CF, “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”
Quanto ao arquivamento pelas excludentes de culpabilidade, Távora (2022, p.
177) entende que há formação da coisa julgada material, ressalvado a inimputabilidade, visto
que esta não é caso de rejeição de inicial, e sim absolvição imprópria, que tem como
consequência medida de segurança.
Por fim, se extinta a punibilidade, nos moldes do artigo 107 do Código Penal, não
há o que falar em possibilidade de desarquivamento, ressalvado se a extinção for feita com má
fé, como, por exemplo, uma certidão de óbito falsa.

2.3 DECISÕES JURISPRUDENCIAIS


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No tocante à jurisprudência, tal como a doutrina, o entendimento era divergente


quanto à possibilidade de coisa julgada. O STJ (BRASIL, 2014), ao julgar do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro (doravante TJRJ), em sede de habeas corpus, decisão de desarquivar
inquérito, que foi arquivado mediante excludente de ilicitude, por legitima defesa de policiais,
repelindo injusta agressão, entendeu por não desarquivar o IP. Tal decisão foi fundamentada
por existência de provas novas, e, a pedido do MP, em unanimidade, a turma entendeu em
desfavor do recorrente, visto que o inquérito não foi arquivado por falta de acervo probatório,
e sim por questão de mérito, excludente de ilicitude. As palavras do eminente relator, então,
geram efeitos de coisa julgada material. Ademais, em consoante com a súmula 524 do STF,
em que somente seria desarquivado no caso de provas novas, o ministro entende que essa
permissão está vinculada tão somente em caso de falta de provas, não contemplando a
reabertura por solução judicial de mérito, como as excludentes de ilicitude, excludente de
culpabilidade ou extinção de punibilidade, e que o desarquivamento dessas geraria uma
insegurança jurídica.
No STF (BRASIL, 2017), a matéria volta a ser discutida e solidificada por meio
de informativo. Dessa vez, pugna-se pela não possibilidade de coisa julgada no caso da
excludente de ilicitude viciada, pois, nesse caso, entendeu-se que as declarações prestadas no
inquérito eram falsas, e, ante novos elementos, seria desarquivada conforme artigo 18 do CPP.
Vale ressaltar que, ao votar, no entanto, o relator Min. Ricardo Lewandowski frisou que o
arquivamento não faz coisa julgada, somente pela atipicidade ou preclusão. É importante
expor os votos vencidos, dos ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, que
deferiram a ordem de manutenção do arquivamento, pois entenderam que excludente de
ilicitude é caso de coisa julgada material, não podendo desarquivar mesmo com novas provas.

3 GARANTIA DE NÃO MUTAÇÃO DA DECISÃO E SEGURAÇA JURÍDICA COM


ADVENTO DO PACOTE ANTICRIME

Conforme o exposto, percebe-se que as decisões jurisprudenciais não estão


atualizadas com advento do pacote anticrime, dessa forma, existia coisa julgada por conta da
homologação do juiz. Agora passa a ser tão somente no órgão do MP, sendo assim, com
natureza exclusivamente administrativa.
Ademais, vale ressaltar que essa discussão é antiga. O eminente doutrinador e
Procurador de Justiça Jardim (1984) já escrevia sobre a coisa julgada no arquivamento do
inquérito e, diferentemente dos doutrinadores citados, entendia que não era possível a
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formação de coisa julgada mesmo antes da reforma. Naquela época, o dispositivo em vigência
era o mesmo que vem sendo aplicado mesmo após a reforma, visto decisão do Ministro Luiz
Fux já supracitada. O Procurador entendia que o arquivamento era uma decisão judicial de
natureza administrativa que, por haver interferência do judiciário, tornava-se judicial, apenas
na nomenclatura, então entendia que não poderia discutir sobre coisa julgada, visto sua
natureza.
Com a mudança ocasionada, que retira do magistrado a homologação, infere-se,
nesta pesquisa, que não há o que falar acerca da coisa julgada. No entanto, ainda é necessário
abarcar a segurança jurídica da decisão, ora, se o objetivo é retirar o magistrado do
arquivamento por interferir em sua parcialidade, conclui-se que, ao arquivar o inquérito
policial, não sendo hipóteses de má-fé ou provas novas, não pode o juiz interferir nessa
decisão e acabar por optar pelo seu desarquivamento, indo de encontro com o MP. Sendo
assim, para garantir a imutabilidade da decisão, a doutrina traz a hipótese de coisa julgada
administrativa ou ato administrativo com efeito de ato jurídico perfeito.

3.1 COISA JULGADA ADMINISTRATIVA E ATO JURÍDICO PERFEITO

Conforme o supramencionado, com advento da Lei Nº 13.964/2019, denominada


Pacote Anticrime, a solução encontrada para segurança jurídica está no discorrido por Lima
(2021, p. 218), o qual entende que, mesmo sendo criticada, deve-se dar nomenclatura de coisa
julgada administrativa, porque, em observância ao princípio da segurança jurídica, não pode
tal decisão homologada pelos procuradores ser submetida constantemente ao Judiciário, pois,
dessa forma, não atenderia ao fim esperado de não intervenção do magistrado.
A definição de coisa julgada administrativa, nas palavras de Mello (2007, p.421),
é que os efeitos sejam definitivos somente para a própria Administração, a qual fica impedida
de se retratar administrativamente ou questionar seus próprios atos administrativos em via
judicial. Dessa forma, trazendo para o procedimento de arquivamento, ao arquivar um
inquérito fica impedida a sua abertura, ressalvadas aqui, obviamente, as hipóteses que antes
somente produzia coisa julgada formal, que são a ausência de pressuposto processual ou
condição de ação, justa causa e novas provas, adaptando o disposto na súmula 564 do STF.
Definição parecida é a de Lopes Jr. (2021, p. 223-224), o qual destaca que a
decisão que profere o arquivamento em instância revisora ministerial, em ato administrativo
do MP, apesar de não fazer coisa julgada, no sentido da palavra, possui estabilidade, não
podendo ser desarquivada por outro membro do referido órgão, somente no caso de provas
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novas. Ademais, no tocante à coisa julgada material, demonstra como vêm entendendo os
tribunais superiores, e, como vimos, há divergência. Entende que a melhor solução foi a dada
pelo STJ, diante do cabimento da coisa julgada material em sede do arquivamento no que
tange as excludentes de ilicitude. No entanto, disserta também que a problemática após a
mudança vem da própria súmula 524, utilizada como fundamento para a decisão do STJ, pois
indica, tão somente, de despacho do magistrado, que não irá mais ocorrer no viger do artigo,
dessa forma, disserta a favor da nomenclatura de ato administrativo composto, com efeito de
ato jurídico perfeito, portanto, dotado de estabilidade e segurança jurídica.
Diferente posicionamento teve Di Pietro (2015, p. 01-02), a qual trata a coisa
julgada administrativa passível de anulação pelo poder judiciário, considerando o principio da
unidade da jurisdição presente no artigo 5º, XXXV, da Constituição. Todavia, no
procedimento do arquivamento do inquérito, tal consequência não prospera, pois as decisões
jurisprudenciais são contrárias, e a doutrina assegura a necessidade de afastar do magistrado a
decisão de arquivar.
No entanto, não se pode negar que a coisa julgada administrativa poderá ser
revista. Tal hipótese é aquela que, antes, denominava-se coisa julgada material, no caso de
ausência de pressuposto processual ou condição da ação, ou até por provas novas.
Demais disso, Coutinho (2020, p. 34), antes, criticava parte da doutrina que não
reconhecia a coisa julgada material em decisão de arquivamento, com fulcro na atipicidade do
fato gerador do inquérito, quando é inexistente, ou quando extinta a punibilidade. Atualmente,
no entanto, com a mudança no referido artigo, o jurista entende – do mesmo modo que Lopes
Jr. (2021, p. 223-224) – que se trata de ato administrativo composto com força de ato jurídico
perfeito, nos moldes do art. 5º, XXXVI, da Constituição Brasileira, pois, como dito, exauriu a
intervenção judiciária. O conceito de ato jurídico perfeito é definido pela própria legislação
que, no §1º, do art. 6º do Decreto-Lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro, define como “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”.
O ato administrativo composto, conforme disserta Meirelles (2007, p. 172-773), é
o ato que tem sua formação oriunda de um só órgão, ratificado por autoridade superior, nos
termos do arquivamento, no novo texto, o promotor encaminha sua decisão a revisão dentro
do próprio MP.
Diante do observado, infere-se que o ato jurídico perfeito tem, nesse ato, os
mesmos efeitos da coisa julgada administrativa, visto que serve para dar segurança jurídica à
decisão administrativa, impedindo a retratação por meio judicial.
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CONCLUSÃO
À luz do conteúdo exposto, considerando a mudança na legislação no
procedimento de arquivamento do inquérito, infere-se que, após determinar o conceito de
coisa julgada – e que, para sua formação, é necessária decisão judicial –, não há possibilidade
de utilizar esse instituto especifico, pois fica demonstrada a natureza administrativa do
arquivamento inquérito, que utiliza tão somente o órgão ministerial para a decisão.
Quanto à mudança, observa-se sua necessidade, visto a aproximação do sistema
acusatório e a imparcialidade do magistrado, que poderia, da forma que está em vigor, julgar
uma ação que ele mesmo iniciou, dessa forma, atrapalhando a sua originalidade cognitiva,
teoria sustentada por Lopes Jr. (2014, p. 01). Dessa forma, a decisão do Ministro Luiz Fux, na
ADI 6305, que suspendeu o artigo para dar tempo hábil do MP se estruturar financeiramente,
é de fundamentação frágil, visto que já se passaram 3 anos e ainda não vigeu a referida
disposição.
No que tange a segurança jurídica da decisão, observa-se que, da maneira que está
vigendo, os tribunais vêm entendendo sobre a formação da coisa julgada material em
excludentes de ilicitude, atipicidade da conduta, excludente de culpabilidade ou extinta a
punibilidade, consequentemente, a imutabilidade da decisão.
Com a nova legislação, é necessária a segurança jurídica, tema de bastante
relevância para a sociedade, para dar clareza, previsibilidade e estabilidade à decisão.
Dessarte, para tornar tal decisão imutável, os doutrinadores Lopes Jr. 2021 e Coutinho (2020)
entendem que o arquivamento é ato administrativo composto com efeito de ato jurídico
perfeito. Já Lima (2021) compreende que tal decisão gera coisa julgada administrativa. Ao
analisar o conceito de cada um, conclui-se que coisa julgada administrativa e ato jurídico
perfeito se correlacionam, portanto têm os mesmos efeitos dentro da decisão administrativa,
que é a da previsibilidade da imutabilidade da decisão.
No entanto, vale lembrar que essa imutabilidade não abrange o desarquivamento
por: ausência de pressuposto processual ou condição da ação, pois há probabilidade de a
vítima representar, nos casos de ação penal pública condicionada à representação; provas
novas, mediante a adaptação da súmula 524 do STF, para a legislação atual.
Após a conclusão desta pesquisa, o Ministro Gilmar Mendes, no dia 25/11/2022,
em sede de agravo regimental na suspensão liminar 1.294 do Distrito Federal (vide Anexo A),
reforça a necessidade da celeridade para tornar eficaz os dispositivos legais que foram objeto
de suspenção, no tema deste artigo, os suspensos na ADI. 6305, e pede vista para observar a
eventual suspensão da liminar.
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ANEXOS

ANEXO A – SUSPENSÃO LIMINAR 1.294 DO DISTRITO FEDERAL.


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