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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUAL

MAYNÁ ISABEL MORAIS DOS SANTOS - Nº USP 9777222

INCIDÊNCIA DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NA PERSECUÇÃO


PENAL PRELIMINAR

SÃO PAULO
2023
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUAL

INCIDÊNCIA DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NA PERSECUÇÃO


PENAL PRELIMINAR

Relatório final do trabalho desenvolvimento no


programa de estudos supervisionados
apresentado ao Departamento de Direito
Processual da Universidade de São Paulo –
USP, como requisito para aprovação na matéria
DPC00326 – Direito Processual Penal I.
Sob orientação da Profa. Marta Cristina Cury
Saad Gimenes.

SÃO PAULO
202
SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO.......................................................................................................................4

II. DESENVOLVIMENTO.........................................................................................................5

A) A PERSECUÇÃO PENAL PRELIMINAR OU PRÉVIA..........................................5

B) O INQUÉRITO POLICIAL........................................................................................7

C) O DIREITO DE DEFESA E CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO


POLICIAL.....................................................................................................................13

III. CONCLUSÃO....................................................................................................................16

IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................16


I. INTRODUÇÃO

Antes de adentrar ao tema central do presente trabalho, incidência de garantias


constitucionais na persecução penal preliminar, é de suma importância apresentar, ainda que de
modo pouco aprofundado, sobre as bases do Direito Processual Penal, destacando seus
conceitos, teorias e sistemas.
Conforme ensina o dr. Aury Lopes Jr, o processo penal pode ser compreendido como
o caminho necessário para chegar-se legitimamente a uma determinada pena, na qual possui
um papel limitador do poder e papel garantidor do indivíduo a ele submetido. Ou seja, o
processo penal deve observar tanto as regras processuais, quanto de assegurar as garantias
constitucionalmente previstas (tais como o devido processo legal), sendo um instrumento de
repressão ao delito, mas também e, principalmente, de respeito às garantias constitucionais.
Para Roberto Avena, o processo penal é composto pelos elementos poder-direito-
processo, na qual possui direta relação com o poder de punir do Estado, o jus puniende, que
será tanto uma decorrência logica, quanto o objetivo principal do poder estatal, exercido por
um conjunto de normas, preceitos e princípios que compõem o direito processual.
O processo penal possuis três relevantes teorias, quais sejam: i) a teoria da relação
jurídica: na qual o processo é entendido como relação jurídico entre o juiz e as partes, acusador
e acusado, originando a reciprocidade de direitos e obrigações processuais; ii) processo como
situação jurídica: processo pode ser entendido como o compilado de situações processuais para
que as partes possam alcançar à sentença definitiva favorável, de modo que a carga probatória
esteja inteiramente nas mãos do acusador e iii) processo como procedimento em contraditório:
onde a garantia do contraditório deva orientar todos os atos do procedimento até o provimento
final com a sentença, sendo o contraditório visto como direito à informação e reação.
No que tange os sistemas processuais penais, destaca-se os sistemas inquisitório, o
acusatório e o misto. O primeiro, sistema inquisitório, possui como principais o fato da
iniciativa probatória encontrar-se nas mãos do juiz (figura do juiz-ator e do princípio
inquisitivo) e, consequentemente, na ausência de separação das funções de acusar e julgar na
medida que o juiz é parcial, inexistindo o direito ao contraditório pleno e de igualdade de armas
e oportunidade.
O sistema acusatório tem como característica a iniciativa probatório concentrar nas
mãos das partes, sendo o juiz-espectador, com uma total separação das funções de acusar e
julgar durante todo o processo. Sendo garantido o pleno contraditório e presente a igualdade de
armas e oportunidades. Por sua vez, o sistema misto, também conhecido como ilusório, divide
o processo em duas fases, a fase pré-processual (presente as características do sistema
inquisitório) e a fase processual (características do sistema acusatório), na qual parte da doutrina
define o sistema brasileiro, visto que muitos entendem que o inquérito seja inquisitório e a fase
processual acusatória.
No entanto, apesar da existência de artigos com características inquisitória no CPP, a
doutrina majoritária entende que o sistema adotado no Brasil seja o sistema acusatório, isto
porque as leis infraconstitucionais devem ser interpretadas conforme a constituição, de modo a
garantir ao acusado um processo democrático, onde as garantias fundamentais sejam
respeitadas, como a presença de juiz imparcial, que julgue dentro das normas jurídicas.
Dispõe o artigo 3º-A da lei n.º 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, que o
processo penal seja orientado pelo sistema acusatório em conformidade com a Constituição
Federal/1988, vejamos:

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do


juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de
acusação.

Assim, conclui-se que processo penal pode ser compreendido como a possibilidade do
Estado, por meio da sua jurisdição, exercer o denominado “Jus Puniendi”. O processo iniciará
a partir da ocorrência de um delito, no momento que um indivíduo pratique uma ação que esteja
descrita como crime na legislação penal, que deverá receber uma punição do Estado, seja uma
pena privativa de liberdade ou outra medida cautelar à prisão
Portanto, a partir do momento que uma autoridade policial tenha conhecimento do
fato, o procedimento penal será inicializado, na qual passará por diversas fases/etapas
previamente ordenada pelo ordenamento jurídico vigente.

II. DESENVOLVIMENTO

A) A PERSECUÇÃO PRELIMINAR OU PRÉVIA

Para que seja iniciado o processo penal, é necessária uma acusação consubstanciada
em provas, sendo que estas devem ser apuradas por meios de procedimentos preparatórios e
prévio à ação penal. As provas apuradas devem demonstrar a materialidade do fato (o aparente
ilícito e típico) e a autoria, co-autoria ou participação, bem como demonstrar os elementos de
convicção quanto à provável culpabilidade do indiciado (MARTA SAAD, 2004, pág. 22).
Para isso, é necessário um suporte probatório, que será realizado na persecução, ou
apuração, prévia ou preliminar à instauração da persecução penal judicial. A persecução
preliminar possui dois aspectos, quais sejam: i) a função preservadora e ii) a função
preparatória. O primeiro aspecto, a função preservadora, pauta-se em prevenir acusações
infundadas e assim, diminuir os custos do judiciário. Já o segundo aspecto, a função
preparatória, de acautelar eventuais meios de provas que podem sumir ao decorrer do tempo.
A persecução penal preliminar ou prévia sempre esteve presente na sociedade
brasileira, ainda que com modelos, denominações ou aparência diversa da atualidade.
Marta Saad faz um panorama histórico da evolução da persecução preliminar, na qual
inicia debatendo sobre período imperial, com o surgimento do Código de Processo Penal de
Primeira Instância, onde a polícia era um dos órgãos do judiciário, visto que o denominado juiz
de paz possuía atribuições policiais preventivas e repreensivas, e o juiz de direito era chefe da
polícia. O processo preliminar era o sumário de culpa, pelo qual o acusado apenas possui o
direito de ouvir e apresentar perguntas as testemunhas. O responsável por inquirir as
testemunhas era o juiz de paz, que inclusive, ao final, decidia pela culpa e declarava a
procedência da acusação, sendo então os autos remetidos ao júri, que possuía dois conselhos,
que deveria confirmar ou reformar a pronuncia ou impronuncia, que era o ato decisório
formador da culpa.
Após uma reação monárquica-conservadora na década de XIX, foi promulgada a Lei
261, de 02 de dezembro de 1841, e o Regulamento 120, de 31 de janeiro de 1842, com viés
autoritário e centralizados. A polícia deixa de ser um dos órgãos do judiciário, para ser do poder
executivo, uma vez que os poderes do juiz de paz foram transferidos aos delegados e
subdelegados de polícia, que ficaram responsáveis pela formação da culpa, sendo estes ainda
chefe de polícia e sob comando do governo. A autoridade policial era encarregada de registrar
os resultados das indagações realizadas para auxiliar a autoridade competente para a formação
da culpa. O que pode ser visto como embrião do inquérito policial e é neste momento que ocorre
a separação da polícia administrativa da polícia judiciária.
No que tange ao direito de defesa, o acusado possuía o direito de apresentar
explicações durante os interrogatórios, apresentar contestação das falas das testemunhas e de
juntar documentos que entendesse pertinentes. Após a implementação da Lei 2.033, de 20 de
setembro de 1871, e do Decreto 4.824, de 22 de novembro de 1871, o direito de defesa é
acrescido com a possibilidade do acusado em oferecer conclusões antes da decisão de pronuncia
ou impronuncia,
A Constituição da Republica de 1891 confere aos Estados a discricionariedade de
estabelecer as formas prévias para apuração das infrações penais que melhor os convir,
decidindo sobre qual grau de participação os acursados teriam durante o procedimento prévio.
No entanto, no âmbito federal foi estabelecido o seguinte:

“ [...] o Decreto 848, de 11.10.1890, cuidou da formação da culpa e do direito


de defesa antes da decisão de pronuncia, podendo o indiciado ter
conhecimento de todas as peças juntados aos autos, reinquirir as testemunhas
e juntar documentos. Depois, o Decreto 3.082, de 05.11.1898, determinou que
o indiciado preso ou afiançado ou aquele que residisse no distrito poderia
assistir à inquirição das testemunhas, podendo ainda juntar documentos”.
(Marta Saad, 2004, pág. 133).

Objetivando um Código de Processo Penal único, após a Constituição de 1934, foi


elaborado o projeto Vicente Ráo que não entregou em vigor devido ao golpe de Estado de 1937,
que pretendia criar um juizado de instrução e supostamente suprimir o inquérito policial, mas
que apenas alterava sua denominação para “diligencias policiais”. Cabendo, assim, as
autoridades policiais preservar e conservar os vestígios da infração.
Da análise das alterações da persecução preliminar ao longo dos anos, demonstra-se
que, com exceção do Anteprojeto Hélio Tornaghi, de 1963, que não permitia atos de acusação
ou de defesa durante o inquérito, tanto o Anteprojeto de José Frederico Marques quanto o
Projeto de Reforma de 1983, assegurava ao acusado o direito de defesa antes do recebimento
da acusação. .
É com o Projeto de Lei 4.209, de 12.03.2001, que ocorreu a alterou a denominação da
primeira fase da persecução penal, alterando de inquérito policial para investigação policial,
bem como disciplinou sobre o direito de defesa do indiciado, que poderia reconhecer pessoas
ou coisas e reprodução simulada dos fatos. Assim, concedeu direito ao contraditório nas
situações de provas irreparáveis, as quais poderão ser utilizadas na fundamentação das
sentenças.

B) O INQUÉRITO POLICIAL
Pitombo (1987) define o inquérito policial como:

“[...] procedimento de investigação administrativa, em sentido estrito, que


mediante a atuação da polícia judiciaria, guarda a finalidade de apurar a
materialidade da infração penal, cometida ou tentada, e a respectiva autoria,
ou co-autoria, para servir ao titular da ação penal condenatória” (pág. 15).

Estabelece assim que o inquérito policial deve possuir quatro pontos básicos, sendo i)
o procedimento cautelar; ii) a natureza administrativa; iii) que contem investigação policial e;
iv) acerca do fato, supostamente violante da norma penal, bem como de sua autoria.
Nesse sentido, Marta Saad diz que:

“Consta, na maioria da doutrina, o entendimento de que o inquérito policial,


visando a apurar o fato, que aparenta ser ilícito e típico, bem como sua autoria,
co-autoria e participação, é o procedimento preliminar prévio, cautelar,
realizado pela polícia judiciária e, portanto, de natureza administrativa e
finalidade judiciária” (pág. 139).

No entanto, adverte que as definições podem variar, a depender da ênfase dada a um


ou outra das características. Aury Lopes Jr ao abordar sobre a natureza jurídica do inquérito
policial, elucida que o inquérito deve ser considerado como um procedimento administrativo
pré-processual, dando maior ênfase ao inquérito como procedimento destinado a preparar a
ação penal, na qual servirá como meio de busca de algum fato oculto, com função simbólica
para restabelecimento da normalidade social abada pelo crime, afastando o sentimento de
impunidade e ainda como um filtro processual para evitar acusações infundadas.
O art. 4º do CPP prevê que o inquérito policial será realizado pela policial judiciária,
vejamos:

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no


território de suas respectivas circunscrições e terá pôr fim a apuração das
infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de
9.5.1995)
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de
autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.1

A opção por manter a polícia judiciária como órgão encarregado do inquérito se deu
pelo legislador de 1941, justificada na Exposição de Motivos como o modelo que seria o mais
adequado à época, devido ao alcance em territórios mais distantes dos centros urbanos.
No entanto, não há que se falar que o inquérito seja unicamente pessoal, isto porque o
parágrafo único do artigo supracitado define que tal competência não excluirá a de autoridades
administrativas que eventualmente tenham competência para investigar, para exemplificar tais
competências administrativas, Aury Lopes diz:

“Mas o inquérito não é necessariamente policial. [...] é possível que outra


autoridade administrativa – v.g., nas sindicâncias e processos administrativos
contra funcionários públicos – realize a averiguação dos fatos e, com base
nesses dados, seja oferecida a denúncia pelo Ministério Público. Da mesma
forma, um delito praticado por um militar será objeto de um inquérito policial
militar, e, ao final, concluindo a autoridade militar que o fato não é crime
militar, mas sim comum, ou ainda que foram praticados crimes militares e
comuns, deverá remeter os autos do IPM ao Ministério Público, que poderá
diretamente oferecer a denúncia.
Também pode a investigação ser realizada por membros do Poder Legislativo
nas chamadas Comissões Parlamentares de Inquérito. Segundo o art. 58, § 3º,
da CB, as CPIs têm poderes de investigação e são criadas pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante
requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato
determinado e por prazo certo, sendo que suas conclusões, quando afirmarem
a existência de um delito, serão remetidas ao Ministério Público para que
promova – diretamente se entender viável – a respectiva ação penal. ”
(AURY, 2020 - Item II do capitulo IV).

1
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del3689.htm#:~:text=Art.%204%C2%BA%20A%20pol%C3%ADcia%20judici%C3%A1ria,penais%20e%20
da%20sua%20autoria. Acessado em 13 de novembro de 2023.
Mas no que tange ao inquérito policial, trata-se de um modelo de investigação
preliminar policial, sendo que a autoridade policial possui autonomia e controle sobre todo o
procedimento, ficando restrita apenas a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais.
Em regra, a investigação será iniciada a partir de uma denúncia ou notícia-crime, que
pode ser feita por qualquer pessoa que tenha o conhecimento de um crime. Constada indícios
suficientes de autoria e materialidade, abre-se o inquérito policial para a investigação do caso.
Em regra, o inquérito será conduzido pelo delegado de polícia e objetiva coletar
provas, ouvir testemunhas e interrogar os suspeitos. Após a coleta de todas as provas
necessárias, o inquérito será remetido ao Ministério Público, que o analisará e decidirá se há
elementos suficientes para oferecer a denúncia à justiça, caso contrário, será arquivado.
Nota-se que a investigação criminal é um processo complexo que tem diferentes
atores, abrangendo a polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário, para que assim seja
possível coletar as provas suficientes que viabilize a identificação e a responsabilização dos
autores do crime.
A polícia brasileira, ainda que não seja todas as vezes, possui o papel tanto de polícia
judiciaria, quanto de polícia preventiva. O policiamento preventivo ou ostensivo é de atribuição
das policias militares dos estados e em regra, não realizam a investigação preliminar, que é de
atribuição da polícia judiciária, que no âmbito estatual é realizado pela Policia Civil e, no
âmbito federal, pela Policia Federal.
Por sua vez, conforme dispõe os artigos 129 e 144 da CF, a Lei 12.830/13, a Lei
8.625/93 e a Lei Complementar 75/93, o Ministério Público atua de modo independente e
imparcial, visando a garantia do cumprimento da lei e a defesa da ordem jurídica. Realizará
assim controle externo policial, com o dever de fiscalizar se a atuação da polícia esteja em
conformidade com lei e realizada de modo eficiente. Pode ainda acompanhar o andamento do
inquérito policial, para orientar a polícia na coleta de prova e requerendo as diligências que
entenderem necessárias para maiores esclarecimentos dos fatos.
No que cabe ao poder judiciário, a atividade jurisdicional é a principal responsável por
dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais, sendo assim reconhecido sua função como
garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição.
Em conformidade com o art. 3º-C do CPP2, o juiz terá como função atuar como
garantidor. A figura do juiz das garantias não possui postura inquisitória, não investiga e nem

2
Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial
ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código. (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.299) (Vide ADI 6.300) (Vide ADI
produz prova de ofício. O STF em julgado recente (decisão das ADIS 62983, 62994, 63005 e
63056), considera obrigatória a implementação do juiz das garantias, fixou que a partir do dia
23 de agosto de 2023 os estados, o Distrito Federal e a União possuem prazo de 12 meses,
prorrogáveis por mais 12, para definir o formato em suas respectivas esferas.
Assim, os juízes das garantias deverão seguir as normas de organização judiciária de
cada esfera da justiça, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelos
tribunais. A presidente do STF da época, a ministra Rosa Weber, afirmou que o direito ao juiz
imparcial é uma garantia prevista na CF e nas convenções internacionais das quais o Brasil é
signatário.
Em relação aos atos de iniciação do inquérito polícia, o art. 5º do CPP diz que o
inquérito pode ser iniciado de ofício pela própria autoridade policial, por requisição do
Ministério Público (ou órgão jurisdicional), por requerimento do ofendido (delitos de ação
penal de iniciativa publica incondicionada), por comunicação oral ou escrita do delito de ação
penal de iniciativa pública, por representação do ofendido nos delitos de ação penal de iniciativa
publica condicionada e por requerimento do ofendido nos delitos de ação penal de iniciativa
privada.
Já o art. 6º e 7º do CPP, disciplina que a polícia judiciaria deverá dirigir-se ao local,
providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos
peritos criminais; aprender os objetos que tiverem relação com o fato, após a liberação pelos
peritos criminais; colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas
circunstâncias; ouvir o ofendido; ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do
disposto no Capitulo III do Título VII do CPP, devendo o respectivo termo ser assinado por 2
(duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; proceder o reconhecimento de pessoas e
coisas e a acareações; determinar, se for caso, que se proceda o exame do corpo de delito e a
quaisquer outras pericias; ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico (e
também coleta de DNA, se for o caso), se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de
antecedentes; averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar
e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e
durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu

6.305). Acessado em 15 de novembro de 2023 no seguinte endereço eletrônico:


https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm.
3
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5840274
4
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5840373
5
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5840552
6
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5844852
temperamento e caráter e de colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades
e se possuam alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados
dos filhos, indicado pela pessoa presa. Nas palavras de Aury Lopes Junior, “em suma, o
inquérito policial tem por finalidade o fornecimento de elementos para decidir entre o processo
ou o não processo, assim como servir de fundamento para as medidas endoprocedimentais que
se façam necessárias no seu curso”.
Por sua vez, os autos do inquérito policial possuem valor probatório limitado, e uma
mesma fonte e meio pode gerar atos com naturezas distintas, de modo que a sua valoração
jurídica pode ser dividida em atos de prova e atos de investigação.
Conforme diferencia Aury Lopes, os atos de investigação possuem as seguintes
características: a) não se referem a uma afirmação, mas a uma hipótese; b) estão a serviço da
investigação preliminar, isto é, da fase pré-processual e para o cumprimento de seus objetivos;
c) servem para formar um juízo de probabilidade, e não de certeza; d) não exigem estrita
observância da publicidade, contradição e imediação, pois podem ser restringidos; e) servem
para a formação da opinio delicti do acusador; f) não estão destinados à sentença, mas a
demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo (recebimento
da ação penal) ou o não processo (arquivamento); g) têm função endoprocedimental, isto é,
interna ao procedimento, para legitimar os atos da própria investigação (indiciamento e/ou
adoção de medidas cautelares pessoais, reais ou outras restrições de caráter provisional); h)
podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária.
Já os atos de prova entende que a) estão dirigidos a convencer o juiz da verdade de
uma afirmação; b) estão a serviço do processo e integram o processo penal; c) dirigem-se a
formar um juízo de certeza – tutela de segurança; d) exigem estrita observância da publicidade,
contradição e imediação; e) servem à sentença, logo, são destinados ao julgador; f) destinados
a formar o convencimento do juiz, para condenar ou absolver o réu; g) a produção da prova é
essencial para o processo, destinando-se à (re)cognição do juiz acerca do crime (fato passado)
para formar sua convicção (função persuasiva); h) são praticados pelas partes, em contraditório,
perante o juiz que julgará o processo.
Nota-se que devido a garantia da jurisdicionalidade, é assegurada as partes o direito ao
contraditório e a um julgamento do processo perante o juiz competente. Excepcionalmente, o
direito ao contraditório será exercido posteriormente nas situações de provas técnicas,
irrepetíveis, produzidas no inquérito (tais como exame de corpo de delito, necropsia etc). As
demais provas deverão ser jurisdicionalizadas e as peças da investigação juntados ao processo.
C) O DIREITO DE DEFESA E CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO
POLICIAL

Após o indiciamento do acusado, surge a questão sobre se durante a persecução


preliminar o acusado possui ou não o direito de defesa e contraditório. Aury Lopes Jr defende
que seria reducionismo afirmar pela inexistência de tais garantias durante a investigação
preliminar, isto porque o indiciado pode exercer no interrogatório policial sua autodefesa
positiva ou negativa, assim como poderá ser acompanhado por defesa técnico através de um
advogado, que poderá intervir no final do interrogatório. Ainda, dispõe o art. 14º do CPP7 que
o acusado poderá postular diligencias, juntar os documentos que entender necessários e
apresentar razões (defesa escrita e outras alegações defensivas), conforme prevê o art. 7º, XXI,
da Lei n. 8.906/948 e que ainda, poderá exercer a defesa exógena, por meio do habeas corpus e
do mandado de segurança.
Nesse sentido, Marta Saad elucida que:

“É preciso, pois, garantir a defesa efetiva do acusado quando esta realmente


importa, estendendo-se o exercício de direito de defesa ao inquérito policial.
Mas não só a autodefesa, insuficiente em face do próprio comprometimento
emocional e do desconhecimento técnico do acusado. Este deve poder conter,
pois, com assistência de advogado, legalmente habilitado, zeloso e
competente, na real defesa dos interesses de sua liberdade jurídica”. (Pág.
202).

Para o doutrinador Aury, durante a persecução preliminar o acusado não possui o


direito a “ampla” defesa, pois o acusado teria apenas uma defesa pessoal e técnica com alcance
limitado. Aduz que o direito a defesa “existe, é exigível, mas sua eficácia é insuficiente e deve
ser potencializada. É uma potencialização por exigência constitucional”.

7
Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será
realizada, ou não, a juízo da autoridade. Acessado em 15 de novembro de 2023 no endereço eletrônico:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm.
8
Art. 7º São direitos do advogado: XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob
pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos
investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso
da respectiva apuração: (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016). Acessado no dia 15 de novembro de 2023 no
seguinte endereço eletrônico: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm.
O art. 5º, LV, da CF, dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes”. O direito de defesa não pode ser objeto de leitura restritiva, pois ainda
que o legislador tenha optado por utilizar processo administrativo ao invés de procedimento,
não deve ocorrer prejuízos em sua aplicação no inquérito policial. Assim como, a opção de
mencionar acusados, e não indiciados, também não deve ser fator impeditivo na sua aplicação
durante a investigação preliminar.
Nesse sentido:

“Sucede que a expressão empregada não foi só acusados, mas sim acusados
em geral, devendo nela ser compreendidos também o indiciamento e qualquer
imputação determinada (como a que pode ser feita numa notíciacrime ou
representação), pois não deixam de ser imputação em sentido amplo. Em
outras palavras, qualquer forma de imputação determinada representa uma
acusação em sentido amplo. Por isso o legislador empregou acusados em
geral, para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo
que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um
claro intuito de proteger o sujeito passivo. ” (AURY LOPES JR. 2020 – Cap.
IV - item 9).

O contraditório, por sua vez, não existe em seu sentido pleno, pois não existe uma
relação jurídico-processual e não constata a presença de uma estrutura dialética que caracterize
o processo. Aury Lopes Jr completa que “não há o exercício de uma pretensão acusatória. Sem
embargo, esse direito de informação – importante faceta do contraditório – adquire relevância
na medida em que será através dele que será exercida a defesa. ”
Parte da doutrina defende a existência de dependência entre contraditório e direito de
defesa, de modo que o contraditório seja gênero do direito de defesa. Outros, por outro lado,
defendem que o direito de defesa engloba o contraditório. Divergindo dos demais, alguns ainda
defenda pela inexistência de ambos na persecução penal preliminar.
Marta Saad defende a clara separação entre os dois, visto que:

“[...] o contraditório e defesa devem ser vistos separadamente. Se é certo que


para o exercício de defesa exige-se previa ciência dos fatos e imputação, tal
como ocorre para a efetivação do contraditório, nem por isso ambos se
confundem. O contraditório exige partes, em sentidos opostos. Mas, se essas
não existem e não se estala o contraditório, nem por isso se pode deixar de dar
oportunidade ao acusado informalmente ou acusado sob o ângulo substancial
de exercício do direito de defesa”. (Págs. 218/2019).

O disposto na Lei n. 13.245/2016, que alterou o art. 7º da Lei n. 8.906/94, ampliou a


participação do advogado na investigação policial, ao conceder o direito de acesso aos autos, o
direito de assistir o investigado “durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta
do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos
investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo,
inclusive, no curso da respectiva apuração” e de apresentar razões e quesitos.
Portanto, conclui-se que não há como falar que inexiste direitos de defesa e
contraditório na investigação criminal preliminar, pois é cristalino o entendimento que é
presente durante a persecução preliminar o direito de defesa do acusado, seja técnica ou pessoal,
positiva ou negativa, assim como presente o contraditório, no sentido de acesso aos autos, ainda
que ambos sejam limitados. O contraditório, por sua vez, será restrito ao momento da
informação (art. 5º, LV, da CG; art. 8, item 2, da CADH9 e Súmula Vinculante n. 14 do STF10).
Nas situações que for denegado o pedido de vista do inquerido, poderá a defesa utilizar a
reclamação (art. 102, I, “I”, da CB), ou de Mandado de Segurança interposto em primeiro grau
quando a recusa for da autoridade policial.

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Art. 8. Garantias Judiciais. [...] 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade,
às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não
falar o idioma do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de
comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não,
segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo
estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como
testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.
g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. Acessado em 16 de novembro de 2023 no
endereço eletrônico: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm.

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É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa. Acessado em 16 de novembro de 2023 no endereço eletrônico:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1230#:~:text=%C3%89%20direito
%20do%20defensor%2C%20no,exerc%C3%ADcio%20do%20direito%20de%20defesa.
III. CONCLUSÃO

O inquérito policial durante muitos anos foi considerado como uma peça meramente
informativa, o que se mostrou um entendimento equivocado. A persecução penal preliminar ou
prévia sempre esteve presente na sociedade brasileira, ainda que com modelos, denominações
ou aparência diversa da atualidade, sendo uma importante ferramenta investigatória para se
aproximar da verdade sobre o fato, tipo e autoria.
O direito de defesa também esteve presente, ainda que com modelos diversos. No
entanto, é com a constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso LV, que se consagrou o direito
de defesa no inquérito policial. Assim, atualmente o inquérito policial pode ser compreendido
com um importante procedimento administrativo, cautelar, um instrumento para elucidar um
fato que aparenta ser ilícito e típico, com indícios de autoria, co-autoria ou participação.
Tendo em vista a natureza inquisitiva e não inquisitória, e a discricionariedade e o
poder-dever do delegado de polícia em buscar a verdade material, decorre disso uma mitigação
da participação e da colaboração da defesa do acusado na fase preliminar, mas seria
reducionismo afirmar que no inquérito não exista o direito de defesa e do contraditório. Isto
porque, é assegurado ao acusado o direito de defesa pessoal positiva ou negativa e o direito da
presença de advogado, assim como terá direito ao contraditório durante a fase de informação.

IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVENA, Roberto. Processo Penal. – 12.º Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo.
MÉTODO, 2020.

CONJUR. Em face da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público pode


realizar e/ou presidir investigação criminal, diretamente? Acessado em 15 de novembro de
2023.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17ª ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2020.

PITOMBO, Sérgio M. de Moraes. Inquérito Policial: Novas Tendências. – Belém:


CEJUP, 1987. 92 p.
SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. Prefácio Maria Thereza Rocha
de Assis Moura. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. – (Coleção estudos de
processo penal Joaquim Canuto Mendes de Almeida; v. 9)

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