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Afonso Comidando.

Afonso Comidando

DIREITO PROCESSUAL PENAL.


APONTAMENTOS

Menongue

2021

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Direito processual penal. Apontamentos

Nota prévia

Atendendo ao pedido de alguns formandos do curso de Técnica e Táctica de


Investigação Criminal e Instrução Processual, da Polícia Nacional de Angola, bem
como as solicitações feitas por estudantes do Curso de Direito, e de alguns magistrados
e advogados, que exercem o seu labor em diversas províncias do nosso país, redigi estes
apontamentos.
Alguns conceitos não foram rigorosamente formulados, por serem bastante
técnicos e de difícil compreensão para os formandos, os quais têm, na sua maioria,
apenas a formação média, sendo, por isso, leigos em matéria jurídica. Acresce-se a isso
a necessidade de pôr, imediatamente, à disposição deles o presente material, para que
lhes sirva de apoio durante o curso, o qual já teve o seu início, pelo menos nesta cidade
de Menongue.
A graça de Deus, que se derrama sobre mim todos os dias é impagável. Por isso,
meus amados, eu vos abençoo também com esta obra singela, embora esteja muito
longe de ser uma obra acabada, porque feita às pressas e por constituir uma abordagem
parcial dos temas seleccionados. De graça recebi, de graça vo-la dou. Contudo,
pessoalmente não conseguirei fazer chegar estes escritos aos milhares de anónimos que
dela possam necessitar para terem alguma noção acerca das mudanças recentes
ocorridas no quadro do Direito processual penal. Por isso, entrego-a a vós em formato
PDF para a compartilharem, mais facilmente, e o máximo que puderem. Escusado é
dizer que aguardo pelas vossas críticas, preferencialmente por via do “Messenger” ou
“whatsApp”.

Menongue, aos 21 de Fevereiro de 2021

O autor

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Afonso Comidando.

ABREVIATURAS

CP__________________Código Penal

CPP_________________Código do Processo Penal

MP__________________Ministério Público.

OPC_________________Órgão de Polícia Criminal.

DTSR_______________Direcção de Trânsito e Segurança Rodoviária (Ex-DNVT).

FAA________________Forças Armadas Angolanas.

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Direito processual penal. Apontamentos

CAPÍTULO – NOÇÃO, TIPOLOGIA E FINALIDADE DA INSTRUÇÃO


PROCESSUAL.

1. Noção de Processo-crime.

As leis penais (Direito penal) preveem certas condutas sociais e classifica-as como
criminosas e, por isso, estipulam as respectivas sanções: penas ou medidas de
segurança. Contudo, a apuração se, de facto, o crime ocorreu, a determinação do seu
agente e o seu grau de responsabilidade não ocorre de modo automático; é um processo
mais ou menos complexo, dependentemente de diversos factores. É, precisamente, a lei
processual penal (Direito processual penal) que define a sequência de actos a serem
observados para a instauração (início) do referido processo, o seu desenvolvimento
(marcha), as decisões, a execução das decisões e os recursos dessas mesmas decisões.

A) — O processo-crime pode ser visto em três sentidos. No sentido material, processo-


crime é um conjunto de peças (papeis escritos e documentos) da acção penal, esta vista
como um direito que o Ministério Público tem de investigar o crime conhecido, achar o
agente que o cometeu e requerer ao tribunal a sua condenação a uma pena ou medida de
segurança.

B) — No sentido objectivo, o processo-crime chama-se procedimento criminal, que é o


conjunto de actos, interligados entre si, conforma manda a lei. Não havendo uma
sequencia entre os actos praticados, o órgão competente perde o fio, isto é, terá
dificuldades de tomar a decisão condenatória. Por exemplo, se a arma usada no
cometimento do crime foi apreendida, e o arguido nega ter tido contacto com a mesma,
é necessário que o processo contenha elementos que esclareçam onde, com quem e
como a arma foi encontrada. Um auto de revista ou de busca ou um testemunho terá
faltado para o esclarecimento da situação.

C) — No sentido subjectivo, o processo-crime é o conjunto de relações que vinculam os


sujeitos processuais, os quais são aqueles participantes processuais que exercem direitos
e deveres no processo e determinam a marcha e o desfecho do processo. São: o juiz, o
Ministério Público, o assistente (ofendido que agir com o seu advogado), o arguido e o
seu defensor (artigos 9.º, 48.º, 58.º, 63.º e 69.º do CPP). Por exemplo, cabe ao
Ministério Publico ordenar (à polícia de investigação criminal) a abertura oficial do
processo (artigo 308.º, n.º 2), arquivá-lo ou acusar o arguido. O arguido tem o direito de
se defender das acusações que lhe são feitas. A última palavra é do juiz.

O órgão de polícia criminal (OPC), a par do lesado, participa no processo (é


interveniente processual), porque exerce funções investigativas do crime. Ele é a mão
sem a qual o magistrado competente não é capaz de exercer plenamente o seu poder
(artigo 55.º do CPP). Ainda assim, o OPC não é sujeito processual, porque os interesses
que o movem são, quase todos, alheios, pois pertencem ao magistrado que estiver a
dirigir o processo (Ministério Público ou juiz).

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2. Estrutura do processo-crime.

Falar em estrutura do processo-crime é referir-se ao modo como o processo pode ser


organizado. Assim, o processo-crime organiza-se tendo em conta a fase e a forma.

2.1. Fases do processo.

O processo-crime tem quatro fases, entre as quais uma é facultativa. Referimo-nos à


fase de instrução contraditória. As três fases principais são: instrução preparatória,
julgamento e execução.

1 — A fase de instrução preparatória, tal como a própria denominação o indica, é a


fase inicial e visa preparar a decisão (final) do juiz, isto é, a condenação do arguido a
uma pena ou medida de segurança. Ela tem início com a ordem de abertura do processo,
proferida pelo magistrado do Ministério Público competente, depois que este tomar
conhecimento da notícia do crime (artigo artigo 48.º, n.º 2, al. a), e artigo 302.º, n.º 2 do
CPP).

2 — A instrução contraditória só pode ser requerida ao juiz ou pelo assistente – por se


sentir inconformado com o facto de o Ministério Público se ter recusado a acusar o
arguido – ou pelo arguido, por não aceitar a decisão do Ministério Público ou do
assistente, de o submeter a julgamento (artigos 332.º a 354.º do CPP).

3 — Finda a fase de instrução (preparatória ou contraditória), se o processo tiver que


prosseguir, entra-se na fase de julgamento, onde, por meio de debate oral e público,
serão expostas as provas que sustentam a acusação e a defesa do réu, visando confirmar
a acusação e condenar o réu, ou absolve-lo caso não se confirmem as provas do crime
ou da sua culpabilidade (artigos 355.º a 426.º do CPP).

4 — A última fase respeita à execução da sentença (decisão final), ditada pelo juiz, caso
ele conclua que o crime, de facto, ocorreu e que o réu foi quem o cometeu. A sanção
pode ser uma pena (de prisão, de multa, de prestação de trabalho à comunidade ou de
admoestação) ou uma medida de segurança, caso o condenado sofra de anomalia
psíquica (artigos 548.º a 604.º).

O recurso não é uma fase do processo. É um incidente, que pode ser levantado a meio
do processo ou no final, pelo qual o interessado, que se sente inconformado com a
decisão desfavorável do juiz, pede ao tribunal superior a reapreciação da referida
decisão (artigo 459.º e seguintes do CPP).

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2.2. Formas ou tipos de processo.

O processo-crime pode revestir uma forma comum ou uma especial. A forma comum é
a regra, é aquela usada para a tramitação do processo sempre que a lei não definir,
expressamente, uma forma especial para o caso em concreto (artigo 299.º, n.º 2 do
CPP). A forma especial subdivide-se em processo sumário, processo de contravenções,
processo abreviado e processo para infracções que devem ser julgados em primeira
instância no Tribunal supremo.

I — O Processo sumário destina-se aos crimes puníveis com pena de prisão, quando o
limite máximo da moldura penal não for superior a 3 anos, e o arguido ter sido detido
em flagrante delito e, além disso, poder ser julgado no prazo de 5 ou 15 dias a contar da
data da detenção (artigos 427.º a 4 36.º do CPP).

II — O processo de contravenção é um processo cujo início não compete ao OPC


(polícia judiciária), por ser um processo meramente administrativo, despoletado pelo
serviço de fiscalização competente (por exemplo a DTSR, por ser Polícia
administrativa) para autuar o transgressor. Se o autuado não pagar voluntariamente a
multa dentro do prazo legalmente estipulado, então, sim, o processo é remetido ao
Ministério Público o qual, depois de verificar os pressupostos para o julgamento, irá
mandar remeter os autos ao juiz criminal (artigos 437.º a 444.º do CPP).

III — Os crimes que, por escassez de tempo, não poderem ser objecto de julgamento
sumário e os crimes puníveis com multa ou com pena de prisão de máximo não superior
a 5 anos podem ser objecto de processo abreviado, caso possam ser julgados no prazo
de 45 dias a contar da data da notícia do crime (artigos 445.º a 450.º do CPP).

IV — Por fim, há determinadas pessoas que não podem ser julgadas, em primeira
instância, por outro tribunal que não seja o Tribunal Supremo. É o caso do deputado à
Assembleia Nacional, os Ministros de Estado, Ministros, Secretários de Estado, Vice-
Ministros, Oficiais Generais das FAA. O tipo de processo para esses sujeitos denomina-
se processos julgados em primeira instância pelo Tribunal Supremo (artigo 289.º, n.ºs 1
à 5 do CPP, e artigo 34.º da Lei n.º 13/11, de 18 de Março – da Orgânica do Tribunal
Supremo).

CAPÍTULO II – NOTIFICAÇÃO. FALTA DE COMPARÊNCIA.

1. Notificação.

A notificação tem dois sentidos. Por um lado, é o acto por meio do qual se dá a
conhecer um facto ou uma decisão processual a determinada pessoa. Por exemplo, a
notificação de constituição como arguido, dita ou entregue à pessoa antes tida como
mero suspeito [artigo 64.º, n.º 2, al. a), do CPP]. Igualmente, serve de convocatória, isto
é, o chamamento de algum interveniente para praticar algum acto no processo ou para
ser submetido a algum acto processual. Por exemplo, a pessoa pode ser notificada para

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prestar declarações (ser entrevistado – se for declarante ou testemunha –, ser


interrogado – caso seja constituído como arguido), para ser submetido a revista ou
exame, etc.

O Código do Processo Penal admite várias formas convencionais de chamamento de


pessoa (pessoalmente ou seu intermediário, ou por meio de carta, telefonema,
mensagem electrónica, etc.), conforme prevê o artigo 128.º, n.º 1. Porém, atendendo à
gravidade da falta de resposta a certas notificações, a lei exige um formalismo especial
no acto de notificação. Ela determina que certos sujeitos, com interesses em agir ou
reagir, devem ser pessoalmente notificados do despacho de acusação, do pedido de
indemnização, dos despachos de pronúncia (isto é, a aceitação da acusação por parte do
juiz) ou de não pronúncia (isto é, a rejeição da acusação), da sentença e do despacho que
designar dia para julgamento ou que ordenar a aplicação de medida de coacção e
garantia patrimonial. Tais sujeitos interessados são o arguido, o assistente, a parte civil e
os respectivos advogados. A notificação diz-se pessoal ainda que seja entregue em
pessoa intermediária escolhida pelo notificando, desde que ela resida na área de
jurisdição do magistrado que a ordenar (artigo 127.º, n.ºs. 2, 3 e 4).

Mas não são somente estes os requisitos da notificação. É que, nos termos do artigo
127.º, n.º 6, o próprio despacho, que ordenar a notificação, deverá, excepcionalmente,
ser transcrito no auto de notificação ou deve juntar-se à notificação uma cópia do
referido despacho caso, com a notificação, se pretender o seguinte:

a) Dar a conhecer ao notificado o início ou o fim de um prazo caducável (isto é, um


prazo que, em princípio, corre sem a possibilidade de suspensão ou de
interrupção – artigo 328.º do Código Civil);
b) Convocar determinada pessoa a fim de ser ouvido como arguido ou como
declarante ou para participar de um debate na fase de instrução contraditória
(debate instrutório) ou em audiência de julgamento;
c) Convocar pessoa que, tendo antes sido convocada sem cominação, não
comparecer (a cominação, isto é, a ameaça de uma consequência pela falta de
comparência injustificada é normalmente prevista no próprio acto para o qual a
pessoa é chamada);
d) Convocar o arguido para lhe ser aplicada medida de coacção ou de garantia
patrimonial.

A entrega da transcrição da ordem de notificação ou da sua cópia têm como finalidade


garantir que o notificado saiba pormenorizadamente sobre os motivos da sua
convocação e possa preparar-se prévia e convenientemente para defender os seus
interesses que estiverem em causa no processo.

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2. Falta de comparência.

É necessário distinguir a notificação da notificação (sobreposição de notificações) da


notificação da qual se deve esperar a resposta do notificado (notificação final ou legal).
A notificação para a notificação é aquele que ocorre quando certa pessoa é,
primeiramente, chamada para comparecer perante o funcionário (oficial de diligência,
oficial de justiça ou OPC) – notificação inicial – o qual vai, finalmente, notifica-la da
decisão da decisão proferida pela autoridade competente – notificação final ou legal. O
legislador não admite a sobreposição de notificações ou, pelo menos, não prevê
consequência alguma em caso de incumprimento dela.

A notificação diz-se legal quando ordenada pela autoridade competente, em matéria de


serviço, e dada da forma legal, e a notificação obedecer a forma legalmente prescrita.
Por exemplo, não é legal a notificação ordenada por um magistrado quando a causa
exigir um tipo de processo que, nos termos da lei, não lhe compete dirigir. É o caso da
convocatória ordenada pelo magistrado para, oficiosamente, tentar conciliar o devedor e
o credor por alegado incumprimento contratual por uma das partes.

Quando a notificação é legal, a falta de comparência, dentro do prazo estipulado, pode


ter efeito cominatório, nos casos em que a comparência é obrigatória ou quando
constitui um ónus para o notificado. No primeiro caso (falta injustificada de
comparência obrigatória), a lei comina determinados efeitos disciplinares ou
processuais.

a) O efeito disciplinar é a sanção que consiste numa multa a ser aplicada pelo juiz
[artigo 135.º, n.º 1, e artigo 313.º, n.º 1, al. i)].

b) Os efeitos processuais (não sancionatórios) podem traduzir-se em comparência


sob custódia (isto é, sob detenção – artigo 135.º, n.º 2) ou em quebra da caução
(artigos 275.º) ou, ainda, na aplicação da medida de prisão preventiva, quando o
faltoso for arguido (artigo 279.º, n.º 1).

CAPÍTULO III – CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO.

Quando as suspeitas sobre um crime conhecido recaírem sobre determinada pessoa, ela
não deverá ser interrogada muito menos poderá ser submetida a medida de coacção ou
de garantia patrimonial enquanto não for constituída como arguido. Constituir a pessoa
como arguido significa dar-lhe a conhecer que foi aberto, contra si, um processo, por
alegadamente ter cometido um crime, e, por esta razão, está vinculado ao referido
processo mediante direitos, que passa a ter, e deveres que passam a ser-lhe impostos. O
suspeito torna-se arguido de forma imediata e automática ou por meio de simples
notificação.

A constituição diz-se imediata e automática quando o arguido é notificado dessa sua


condição por meio da entrega, a si, da acusação ou da instrução contraditória já
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deduzidas (artigo 63.º, n.º 2). Diversamente, a constituição por meio de notificação
ocorre quando, fora dos (dois) casos que referimos, a lei exigir a constituição de
arguido. Agora, tais outra situações de constituição obrigatória de arguido são aqueles
previstos no artigo 64.º, n.º 1:

a) Quando, em fase de instrução preparatória, o suspeito dever ser interrogado


sobre os factos que pesam sobre si, e pela primeira vez, pelo magistrado do MP
ou pelo OPC;

b) Quando a autoridade competente pretender aplicar medida de coacção ou de


garantia patrimonial ao suspeito;

c) Quando a pessoa for detida por pesarem sobre si suspeitas de ter cometido
algum crime. Nota: no momento da detenção devem ser dado a conhecer ao
arguido os seus direitos, nomeadamente, o direito de comunicar aos parentes e
ao advogado que está a ser detido e o direito de não responder às perguntas
sobre o crime que motivou a sua detenção, e, ainda, ser advertido de que tudo
quanto disser poder ser usado contra si em juízo.

d) Quando o suspeito é comunicado sobre o auto de notícia levantado contra si.

O OPC deve constituir o suspeito como arguido, mesmo sem a prévia autorização do
Ministério Público, quando detém o suspeito em flagrante delito ou quando levante
contra si um auto de notícia [artigo 64.º, n.º 1, als. c) e d), conjugado com o artigo 251.º,
n.º 3] ou, ainda, quando o OPC tiver de aplicar a medida de termo de identidade e
residência à pessoa [artigo 64.º, n.º 1, al. b), conjugado com o artigo 269.º, n.º 2].

A falta de constituição de arguido, nos casos em que a constituição é exigida, dá lugar à


nulidade de todos os actos praticados por causa da intervenção informal do suspeito no
processo. Isso explica-se pelo facto de a constituição como arguido ser a condição sem a
qual ele não é sujeito processual, isto é, não tem o direito nem o dever de intervir no
processo [artigo 140.º, n.º 1, al. b)].

CAPÍTULO IV – PROVA OU MEIO DE PROVA.

A palavra provar, em matéria criminal, significa demonstrar a veracidade do crime e de


quem o cometeu e o grau de responsabilidade dele. Essa demonstração pode ser feita
por qualquer meio não excluído por lei. O Código enumera exemplificativamente tais
meios: prova testemunhal, prova por declarações, prova por acareação, prova por
reconhecimento, prova por reconstituição, prova documental e prova pericial.

a) Prova testemunhal: aquela pessoa física que tenha estado presente no momento
em que ocorreu algum facto relacionado com o crime sob investigação pode ser
chamada para depor, isto é, para relatar, com verdade, o que viu, ouviu ou se

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apercebeu por meio de outros órgãos de sentido. A testemunha não é a vítima do


crime, não é a pessoa que o cometeu, muito menos pode sê-lo a pessoa que
padece anomalia psíquica. Se a pessoa tiver sido, indevidamente, ouvida como
testemunha, o auto será simplesmente invalidado (artigos 148.º a 164.º do CPP).

b) Prova por declarações: tanto a testemunha como o declarante são declarantes no


sentido amplo do termo, porque ambos narram perante a autoridade competente
os factos de que tenham tomado conhecimento. Entretanto, declarante e
testemunha diferem, entre si, tendo em conta a relação da pessoa com o crime ou
com as pessoas envolvidas no crime, pois que, a algumas, a lei não impõe o
dever de responder com verdade as perguntas que lhe forem feitas acerca do
crime. O arguido é, portanto, um declarante. Também podem sê-lo, caso
queiram, os seus pais, filhos e irmãos, bem como a sua esposa, os pais filhos e
irmãos dela (artigo 150.º, n.º 1, e artigo 165.º).

Em fase de instrução preparatória, as declarações do arguido devem ser tomadas pelo


Ministério Público ou pelo Órgão de Polícia Criminal a quem o magistrado delegar esse
poder [artigo 312.º, n,º 2, al. a) e n.º 3; e artigo 55.º, n.º 2, al. a)]. Tratando-se de
primeiro interrogatório de arguido detido, só excepcional e transitoriamente, ele ainda
será interrogado pelo Ministério Público, ali onde não houver juiz das garantias (artigo
4.º da Lei n.º 39/20, que aprova o CPP).

c) Prova por acareação: consiste em confrontar os intervenientes que antes tenham


prestado declarações ou depoimentos, nos casos em que houver contradição
entre o que um e outro ou outros haviam declarado nos autos. O objectivo dessa
diligência é tentar desfazer a contradição, isto é, procurar encontrar a opinião
verdadeira e, por isso, prevalecente (artigos 174.º e 175.º).

d) Prova por reconhecimento: visa confirmar as características de uma pessoa ou


de uma coisa quando essa confirmação é relevante para a descoberta da verdade
material (artigos 176.º a 181.º).

e) Prova por reconstituição: é uma encenação de como, alegadamente, certo facto


se terá produzido (artigos 182.º e 183.º).

f) Prova documental: é a confirmação de um facto feita por meio de documento.


Documento é todo o suporte material ou técnico, nomeadamente, papel, disco,
fita gravada, banda magnética ou outro meio de natureza similar que incorpore
declaração feita por uma pessoa e possua idoneidade para provar um facto
juridicamente relevante e, ainda, o sinal, com relevância jurídica e eficácia
probatória, gravado ou aposto numa coisa para indicar a sua origem, natureza ou
qualidade [artigo 250.º, al. a), do CP, por remissão do artigo 184.º do CPP].

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g) Prova pericial: é a confirmação do facto, que se deseja provar, por meio de


alguém que tenha competências e saberes científicos, técnicos ou artísticos
particulares, que se presume não estarem ao alcance dos julgadores (artigos
192.º a 207.º).

CAPÍTULO V – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA.

Já vimos como a prova pode ser produzida. Por vezes, porém, só é possível chegar à
prova, usando algum dos meios enumerados, taxativamente, na lei. Tais meios são:
identificação do suspeito, revistas e buscas, apreensão, exame, identificação ou
localização celular e vigilância electrónica, escutas telefónicas e acções encobertas.

I — Identificação de suspeitos: tem em vista a comprovação da identidade da pessoa


sobre a qual recaem suspeitas de ter cometido um crime (artigo 211.º do CPP).

II — Revistas e buscas: são operações materiais que visam encontrar coisa, escondida
na pessoa (revista) ou em local não acessível ao público (busca), que possa servir para a
prova de um crime (artigo artigo 212.º). O Órgão de Polícia Criminal apenas pode
ordenar buscas com o fundamento [a] ou na indisponibilidade do magistrado a quem o
mandado devia ser requerido, [b] ou por consentimento prévio e expresso do titular do
direito à inviolabilidade do local de busca, ou [c] se se verificar a iminência ou a
ocorrência de um crime ou, no caso da revista, o suspeito tiver sido detido em flagrante
delito (artigo 214.º).

III — Apreensão: consiste na retenção e colocação de determinada coisa à disposição da


autoridade competente tendo em conta a relação de a referida coisa tem com o crime.
Quem faz revista ou busca não tem, necessariamente, de reter a coisa encontrada. Por
vezes, o seu exame imediato dispensa a apreensão. O auto de apreensão, assim como a
ordem de busca, deve mencionar o objecto a ser apreendido (ou procurado, em caso de
busca) e o lugar em concreto onde a coisa foi encontrada (ou onde deverá ser
procurada). Fora de flagrante delito, a lei não parece admitir a busca genérica
(varreduras) em locais aleatórios e de objecto não identificado.

IV — Exame: é a actividade que consiste em procurar, por via da observação, os


vestígios deixados pela conduta criminosa (artigo 238.º).

V — Identificação ou localização celular e vigilância electrónica: é a actividade


policial realizada visando alcançar duas finalidades distintas: [A] identificar ou
localizar, por via celular, o paradeiro de uma pessoa, que se presume ter sido vítima de
um crime ou o autor do crime; [B] vigiar, por meios electrónicos, pessoas, bens, locais
públicos ou privados (Lei n.º 11/20, de 23 de Abril).

VI — Escuta telefónica: consiste em interceptar conversações ou comunicações


realizadas por via telefónica (artigo 241.º do CPP).

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VII — Acção encoberta: é a operação executada por agente da autoridade, agindo em


nome do OPC, e cuja identidade verdadeira é ocultada, que consiste em aproximar-se ou
infiltrar-se entre pessoas suspeitas de cometer crimes, visando desvendar crimes novos
ou a autoria de crimes conhecidos ou com vista a prevenir o cometimento de crimes
(Lei n.º 10/20, de 16 de Abril).

CAPÍTULO VI – PROVA ILÍCITA.

É ilícita e, por isso, não pode ser usada contra o arguido – é inadmissível –, toda a prova
obtida por meios ilegais ou, ainda que obtida por meios legais, não tenham sido
observadas as formalidades legais exigidas pelo uso de tais meios.

Os meios de prova a que nos referimos no ponto anterior exigem a observância de


determinados pressupostos, porque o respeito pelos direitos, liberdades e garantias do
cidadão é um dever imposto pela Constituição angolana (artigo 30.º e seguintes). A
dignidade da pessoa humana é inegociável e insubstituível por qualquer outro valor que
lhe seja inferior. Sem o mínimo de dignidade, o arguido não é pessoa humana. Por isso,
caso não tenham sido observados os pressupostos legais, qualquer prova que for
arrancada, por exemplo, em resultado de uma má detenção ou por meio de tortura ou
de invasão de casa alheia é absolutamente nula, e o agente que praticou o acto ilícito
pode ser criminalmente responsabilizado (artigo 146.º do CPP), além do dever de
indemnizar a vítima do abuso da autoridade ou seu agente (artigo 296.º).

CAPÍTULO VII – MEDIDAS PROCESSUAIS DE NATUREZA CAUTELAR.

SECÇÃO I – DETENÇÃO.

1. Noção.

Deter uma pessoa significa privar a liberdade dela por período necessário para a prática
de um determinado acto. Se a detenção tem em vista, somente, fazer comparecer, à
força, aquele que não respondeu a convocatória, a pessoa detida deve ser apresentada ao
magistrado competente até 24 horas [artigo 250.º, n.º 1, al. c), do CPP].

Quando a detenção é motivada por fortes indícios de que a pessoa cometeu um crime, a
privação da sua liberdade pode durar até 48 horas (artigo 250.º, n.º 1). Fora desse
período, a pessoa só não é restituído à liberdade caso esteja já sob o domínio do juiz
(detenção judicial) ou quando estiver em prisão preventiva.

2. Momentos da detenção.

A detenção pode ocorrer em dois momentos distintos: em flagrante delito ou fora de


flagrante delito.
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a) Detenção em flagrante delito: é aquela que ocorre quando a pessoa capturada foi
surpreendida no momento em que estava a cometer o crime ou no momento em
que acabou de o cometer. Também constitui detenção em flagrante delito a
captura do suspeito no decurso da perseguição, ininterrupta, a seguir ao
cometimento do crime. Mas, quando o crime cometido é aquele que se prolonga
no tempo, a captura é sempre em flagrante delito enquanto o crime durar (artigo
252.º do CPP). É o caso do rapto (artigo 175.º do CP).

b) Detenção fora de flagrante delito: é a captura do suspeito, ocorrida fora dos


casos indicados na alínea anterior. Ela só pode ser executada quando for
ordenada pelo magistrado competente ou por Autoridade de Polícia Criminal
(artigo 255.º). A ordem só poderá ser dada pela autoridade de Polícia, por razões
de urgência, isto é, por haver impossibilidade de aguardar pelo mandado do
magistrado. A urgência só se funda no perigo que a liberdade do arguido
constitui para a vítima ou para a sociedade ou para a investigação e não por mera
questão administrativa ou operativa.

SECÇÃO II – MEDIDAS DE COACÇÃO PESSOAL E DE GARANTIA


PATRIMONIAL.

As medidas de coacção pessoal e de garantia patrimonial não são sanções como ocorre
com as penas e as medidas de segurança. Elas são meras decisões, taxativamente
enumeradas, que têm como objecto proteger determinados interesses processuais
enquanto o processo não atingir a sua finalidade.

As medidas de coacção pessoal são: termo de identidade e residência, apresentação


periódica às autoridades, proibição ou obrigação de permanência e de contacto, caução,
interdição de saída do país, prisão preventiva domiciliar e prisão preventiva.

a) Termo de identidade e residência: é a declaração prestada pelo arguido, em que


ele declara a sua verdadeira identidade e a sua residência actual, para garantir
que possa ser notificado se for caso disso. Esta medida pode ser aplicada pelo
magistrado. É a única que, também, pode ser imposta pelo Órgão de Polícia
Criminal (artigo 269.º).

b) Apresentação periódica: é a ordem emitida pelo magistrado do Ministério


Público ou pelo juiz competente, impondo ao arguido o dever de marcar
presença, em certos dias e certas horas, na secretaria de apoio ao magistrado ou
numa unidade policial, de modo a certificar-se da sua proximidade e
contactabilidade (artigo 270.º).

c) Proibição ou obrigação de permanência e proibição de contacto: é a proibição


imposta ao arguido de permanecer em determinada circunscrição territorial ou
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de não frequentar a referida ária, ou a proibição de contactar com determinadas


pessoas que o magistrado indicar (artigo 271.º).

d) Caução: é um determinado meio que o arguido deve prestar a título de garantia


de que irá cumprir as obrigações que lhe forem impostas, sob pena de perder o
meio (dinheiro, objecto) a favor do Estado (artigo 272.º). A caução não é um
imposto nem é uma taxa. Deverá ser devolvida a quem a prestou em caso de
absolvição ou não seja necessário ou legalmente possível deduzir dela a dívida
resultante da condenação.

e) Interdição de saída do país: é a proibição imposta ao arguido de sair para fora


das fronteiras de angola (artigo 276.º).

f) Prisão preventiva domiciliar: é a obrigação de permanecer no espaço


circunscrito da habitação, isto é, ficar em casa, sem o direito de se deslocar,
sequer, para a vizinhança. Só o juiz pode aplica-la (artigo 277.º).

g) Prisão preventiva: é a obrigação de estar sob a guarda das autoridades


penitenciárias ou similares. A aplicação dessa medida também competirá,
exclusivamente, ao juiz de garantias (artigo 279.º).

As medidas de garantia patrimonial são a caução económica e o arresto. A caução


económica é um determinado meio que o arguido deve prestar a título de garantia para o
pagamento de eventual multa, custas do processo ou eventuais indemnizações caso
venha a ser condenado (artigo 285.º). Caso o arguido não preste a referida caução dentro
do prazo estipulado, o juiz pode ordenar o arresto (apreensão) de algum meio
pertencente ao arguido ou àquele que se tenha comprometido em cobrir a falta do
arguido, com vista a convencê-lo do cumprimento daquela medida (artigo 286.º). O que
foi dito em relação ao destino da caução aplicada como medida de coacção pessoal vale
para a caução económica.

SECÇÃO III – MEIOS PROCESSUAIS DE CONTESTAÇÃO INDIVIDUAL DE


MEDIDAS CAUTELARES.

A pessoa contra a qual tenha sido aplicada uma detenção ou medida de coacção,
executada ou ordenada por uma autoridade ou seu agente, pode pedir ao juiz a
reapreciação da medida mediante recurso ou habeas corpus.

A — o recurso é o pedido de revogação ou substituição da medida de coacção aplicada


ao arguido. Se a medida tiver sido aplicada pelo Ministério Público, o requerimento é
dirigido ao juiz das garantias ou (enquanto vigorar o regime transitório fixado pelo
artigo 4.º, da Lei n.º 39/20) ao juiz presidente do tribunal da respectiva província (artigo
287.º, n.ºs 1 e 2 do CPP). Diversamente, se a medida primária tiver sido aplicada pelo
14
Afonso Comidando.

juiz das garantias (a pedido do Ministério Público), ou for uma medida substitutiva
(secundária) resultante da impugnação da medida aplicada pelo Ministério Público
(formulada pelo arguido), recorre-se ao tribunal superior. A mesma solução aplica-se
quando a medida de coacção for aplicada pelo juiz da fase de julgamento, (artigo 287.º,
n.º 6).

B — o habeas corpus: é o pedido de liberdade imediata e urgente feito pelo detido ou


pelo arguido preso preventivamente (ou por outra pessoa, a pedido ou no interesse
daqueles), com o fundamento de que a detenção ou a prisão preventiva, em que a pessoa
se encontra, é abusiva. Imediata, significa que o juiz que tiver que decidir o pedido, ele
mesmo mandará soltar. Urgente, significa, sem mais delongas. A detenção ou prisão
preventiva é abusiva quando tiver sido ordenada por autoridade incompetente ou
quando não obedecer outros requisitos legais, tais como a moldura penal do crime que
motivou a aplicação da medida, o factos tempo e o local em que a pessoa estiver detida
ou presa. O requerimento é dirigido ao presidente do tribunal que, caso o crime deve ser
já julgado, ditaria a sentença da causa (artigo 290.º).

SECÇÃO IV – INDEMNIZAÇÃO DEVIDO À PRIVAÇÃO ILEGAL OU


INJUSTIFICADA DA LIBERDADE.

A pessoa que tenha sido detida ou presa ilegalmente, pelos abusos referidos na secção
anterior, deve ser indemnizada pelo Estado, embora este, por sua vez, tenha o direito de
regresso, isto é, de cobrar à autoridade ou do agente que deu causa à condenação do
Estado. Além do caso que acabamos de referir, a pessoa que for detida ou presa
preventivamente deve ser indemnizada quando a detenção ou prisão preventiva resultar
de erro grosseiro da autoridade ou agente que tenha ordenado ou executado a detenção
ou a prisão, ou se se provar que, afinal de contas, o arguido não cometeu o crime ou que
o cometeu, mas em legítima defesa, em estado de necessidade, em situação de conflito
de deveres, em caso de ter havido consentimento vinculante da vítima, ou tiver actuado,
em situação de excesso de legítima defesa ou de estado de necessidade desculpante ou
de conflito de deveres desculpante (artigos 30.º a 38.º do CP). O regime das
indemnizações, pelas causas que acabamos de referir está. previsto nos artigos 296.º a
298.º do CPP.

CAPÍTULO VIII – PROCESSO E PROCEDIMENTOS DA INSTRUÇÃO


PREPARATÓRIA.

1. Notícia do crime (auto de notícia, denúncia e queixa).

Para que o crime seja investigado é necessário que seja reportado ao órgão a quem
compete mandar instaurar o processo correspondente. O órgão titular da acção penal é o
Ministério Público, o qual, para o efeito, é representado por magistrados junto dos
Órgãos de Polícia Criminal (artigo 48.º, n.º 2, al. a), do CPP). O magistrado toma
15
Direito processual penal. Apontamentos

conhecimento do crime por três vias: quando ele mesmo constata directamente, por
meio dos órgãos de polícia ou por denúncia (artigo 303.º do CPP).

A — O conhecimento por constatação directa ou oficiosamente é aquele que consiste


em o magistrado captar a informação criminal com os seus órgão de sentido. Por
exemplo, quando ele mesmo presencia o crime (a ser cometido) ou quanto a informação
é passada por qualquer meio de comunicação ou plataforma digital (tv, rádio, jornais,
páginas de internet, etc.). Entretanto, quando o magistrado presencia um crime, ele é
testemunha. Deve exarar ou mandar levantar o respectivo auto de notícia (artigo 304.º,
n.º 1 do CPP) e declarar-se impedido de dirigir a instrução (artigo 36.º, al. a) e artigo
38.º, n.º 1, por remissão do artigo 54.º, n.º 1).

B — O Ministério Público pode, também, tomar conhecimento da notícia do crime por


meio de uma informação policial. Os efectivos da polícia têm o dever de reportar o
crime de que tomem conhecimento, ainda que não estejam no exercício das suas
funções (artigo 305.º, n.º 1 do CPP). O auto de denúncia (obrigatório) elaborado por
autoridade ou agente policial toma a designação de auto de notícia caso a autoridade ou
agente tenha estado presente no momento em que o crime ocorreu (artigo 304.º, n.º 1).
Se tiver visto mais do que um crime a ser cometido, mas que estejam interligados entre
si (como é o caso de um acidente de viação seguido de uma rixa entre as partes
envolvidas), deverá elaborar um único auto (artigo 305.º, n.º 4). Tal como ocorre no
caso de constatação directa, o auto de notícia é um testemunho do crime.

C — Denunciar ou participar um crime é declarar perante a autoridade competente o


que viu ou ouviu. Quer dizer que aquele que levanta o auto de notícia também está a
denunciar. Entretanto, só as autoridades judiciárias e os funcionários públicos, quando
estes presenciam o crime no exercício das suas funções e por causa delas, são obrigados
a levantar o correspondente auto de denúncia. As restantes pessoas denunciam se lhes
convier. Diz-se, por isso, que eles prestam denúncia facultativa (artigo 306.º, n.º 1).

D — A queixa é o nome que se dá à denúncia (facultativa) feita pelo ofendido (ou seu
representante) nos casos em que, sem a declaração expressa dele, dizendo que deseja o
procedimento criminal contra o arguido, o Ministério Público não pode ordenar a
instauração do processo-crime (artigos 50.º e 306.º, n.º 3). Diz-se, então, que estamos
perante crime semipúblicos, conforme indica a epígrafe do artigo 50.º. Alguns crimes,
porém, exigem do queixoso mais um passo para que o Ministério Público possa mandar
iniciar a instrução e, no final, acusar, se for caso disso. São os chamados crimes
particulares. Estes impõem que o ofendido seja colaborador do Ministério Público, isto
é, que constitua advogado e, no final da instrução preparatória, se o processo tiver que
transitar para a fase de julgamento, deduza, também, a acusação sob pena de o
Ministério Público perder a legitimidade e, por isso, arquivar o processo (artigo 51.º).

16
Afonso Comidando.

2. Marcha ou desenvolvimento do processo-crime.

Já vimos como é formalmente conhecida a notícia de um crime. Também dissemos que


compete ao Ministério Público ordenar a abertura oficial do processo, ou seja, a recolha
de provas sobre o facto alegadamente criminoso, as provas sobre o autor do crime e a
sua responsabilidade. Portanto, não sendo causa de arquivamento imediato do auto de
denúncia (por manifesta falta de prova criminal), o processo segue em diante. Se o
suspeito de ter cometido o crime for já conhecido, haverá a necessidade ou mesmo a
obrigatoriedade de o constituir como arguido nos termos igualmente já vistos. Os actos
que se seguem à abertura oficial da instrução são os que dão marcha ou seguimento do
processo. aqui, há que distinguir actos do juiz das garantias, actos do Ministério
Público, actos do Órgão de Polícia Criminal, actos do assistente e actos do arguido ou
seu defensor.

2.1. Actos do juiz das garantias.

Na fase de instrução preparatória, alguns actos devem ser, exclusivamente, praticados


pelo juiz. Pelo menos, assim será quando passar a existir o juiz das garantias. As
competências do juiz das garantias estão previstas no artigo 313.º do CPP. Competir-
lhe-á, em exclusividade, a aplicação de medidas privativas da liberdade (a obrigação de
permanência na habitação e a prisão preventiva) e a medida de proibição de saída do
país, bem como as medidas de garantia patrimonial (caução económica e arresto). O juiz
das garantias só poderá aplicar as demais medidas de coacção no âmbito do
interrogatório judicial requerido pelo Ministério Público ou em sede de recurso da
medida de coacção aplicada pelo Ministério Público. Caberá ao referido juiz o primeiro
interrogatório de arguido, caso este tenha de ser interrogado na condição de detido;
ordenar buscas e apreensão em escritório de advogado, estabelecimentos de saúde,
estações de correios e serviços de telecomunicações (Movicel, Unitel, etc.) ou, ainda,
em bancos; aplicar multas ao faltoso à ordem de comparência; colher depoimentos e
declarações antecipadas e ordenar ou praticar outros actos que, pela sua natureza, só
podem ser praticados pelo juiz (por exemplo, a perda de bens apreendidos ou da caução
a favor do Estado).

2.2. Actos do Ministério Público.

Compete ao Ministério Público, na fase de instrução preparatória, a prática dos actos


prescritos pela norma do artigo 312.º do CPP. Nomeadamente: o interrogatório
preliminar do arguido detido (a fim de apurar se vale à pena pedir ao juiz das garantias
que interrogue e aplique certas medidas de coação ao arguido); aplicar mas medidas de
coacção não reservadas, exclusivamente, ao juiz; ordenar e autorizar as buscas, salvo às
instituições que funcionam em regime de confidencialidade (bancos, etc.) e apreender
os bens apreendidos e validar tais buscas e apreensões; colher testemunhos, opiniões de

17
Direito processual penal. Apontamentos

peritos e intérpretes; ordenar a detenções e praticar outros actos que forem da reserva do
juiz.

2.3. Actos do Órgão de Polícia Criminal.

Não obstante o Órgão de Polícia Criminal ser o órgão de execução de certas decisões
dos magistrados que dirigem o processo-crime, ele não só dispõe de poderes delegados
(artigo 313.º, n.º 3 do CPP). Também tem competências próprias, tais como a
identificação de suspeitos (artigo 211.º), as revistas e buscas (artigo 214.º) e detenções
(artigo 251.º, n.º 4, e artigo 254.º, n.º 3).

2.4. Actos do arguido.

O arguido tem direitos e deveres dentro do processo que corre contra si. Ele tem o
direito de estar presente em acto processual do seu interesse, direito de audiência,
direito à informação, direito ao silêncio, direito a defensor, direito de intervenção e
direito de impugnação (artigo 67.º do CPP). Ele tem, porém, o dever de comparência, de
responder e com verdade as perguntas atinentes à sua identidade e estatuto social, de se
sujeitar a actos ou medidas legais e de não perturbar a instrução processual (artigo 68.º).

3. Prazos de instrução preparatória.

O processo-crime deve ser instruído dentro dos prazos previstos no artigo 321.º do CPP.
Assim:
a) 6 Mês, se houver arguido preso (n.º 1). Mas este período de tempo pode ser
alargado para 10 meses (n.º 2), quando o crime imputado ao arguido for punível
com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 5 anos e o processo se
revestir de especial complexidade, nos termos previstos pelo artigo 283.º, n.º 2,
aplicável por remissão do artigo 321.º, n.º 2;

b) 24 Meses se não houver arguido preso (n.º 1);

Em regra, a lei não prevê o tempo que deve durar a instrução enquanto não for
determinada a pessoa suspeita de cometer o crime. De facto, se ninguém é perseguido
criminalmente, o Estado não pode ser pressionado pelo factor tempo, a abdicar do seu
direito de perseguir o criminoso a fim de o levar a julgamento. Portanto, se o agente do
crime ainda não foi descoberto, o exercício da acção penal estará apenas condicionado
pelos prazos de extinção da responsabilidade criminal (artigos 129.º a 137.º do CP).

18
Afonso Comidando.

4. Relatório de instrução.

Salvo disposição legal expressa, o Código do Processo Penal não exige do Órgão de
Polícia Criminal a apresentação de um relatório (parecer) final da actividade instrutória.
Exige, sim, relatórios do resultado de algumas diligências probatórias, tais como
relatório pericial (artigo 197.º) e relatório de escutas e gravações (artigo 243.º, n.º 2).
Isto quer dizer que o relatório final, além de não vincular o titular da acção penal só
pode ter utilidade administrativa e interna, por exemplo, para a avaliação da
produtividade do instrutor, salvo outro entendimento do legislador.

5. Encerramento da instrução preparatória.

Realizadas as diligências possíveis, com vista a descoberta do crime, o seu autor e o seu
grau de responsabilidade, dá-se por encerrada a fase de instrução preparatória. Se o
resultado da instrução for negativo, o Ministério Público ordenará o arquivamento do
processo, fundamentando que existe prova bastante de que não há crime, ou de que o
arguido não o cometeu ou de que o procedimento criminal ou se extinguiu ou não é
legalmente admissível, ou, ainda, quando não se tiver produzido prova suficiente da
existência do crime ou de quem o cometeu, ou por simples desistência por parte do
queixoso [artigo 322.º, n.º 1; artigo 331.º, n.º 6, do CPP; e artigo 127.º, n.º 2 do CP].

Caso o resultado da instrução seja positivo, isto é, tenha reunido prova bastante do
crime, da autoria e da responsabilização do agente, ainda assim, poderá haver
arquivamento do processo ainda nessa fase de instrução preparatória, por meio de mini-
sentenças condenatórias, com o fundamento em dispensa de pena (artigo 325.º), ou em
cumprimento das injunções e regras de conduta impostas ao arguido (artigo 327.º, n.º 2).

Enfim, tendo havido prova bastante do crime, o seu agente e a sua responsabilidade, e
não for caso de arquivamento nos termos já referidos, então o processo transitará
imediatamente para a fase de julgamento, salvo se o assistente ou o arguido recorrerem
do despacho do Magistrado do Ministério Público. O despacho mediante o qual o
referido magistrado promove o julgamento do arguido chama-se acusação (artigo 328.º).

19
Direito processual penal. Apontamentos

Índice

Nota prévia…………………………………………………………………………………..2

Abreviaturas……………………………………………………………………………........3

CAPÍTULO – NOÇÃO, TIPOLOGIA E FINALIDADE DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.

1. Noção de Processo-crime………………………………………………………..4
2. Estrutura do processo-crime……………………………………………………..4
2.1. Fases do processo…………………………………………………………...5
2.2. Formas ou tipos de processo………………………………………………..6

CAPÍTULO II – NOTIFICAÇÃO. FALTA DE COMPARÊNCIA.

1. Notificação……………………………………………………………….6
2. Falta de comparência…………………………………………………….8

CAPÍTULO III – CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO…………………………………….8

CAPÍTULO IV – PROVA OU MEIO DE PROVA………………………………………9

CAPÍTULO V – MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA……………………………….11

CAPÍTULO VI – PROVA ILÍCITA……………………………………………………..12

CAPÍTULO VII – MEDIDAS PROCESSUAIS DE NATUREZA CAUTELAR……....12

SECÇÃO I – DETENÇÃO………………………………………………………12

1. Noção………………………………………………………………………..12
2. Momentos da detenção…………………………………………………......12

SECÇÃO II – MEDIDAS DE COACÇÃO PESSOAL E DE GARANTIA

PATRIMONIAL………………………………………………...13

SECÇÃO III – MEIOS PROCESSUAIS DE CONTESTAÇÃO INDIVIDUAL DE

MEDIDAS CAUTELARES…………………………………......14

SECÇÃO IV – INDEMNIZAÇÃO DEVIDO À PRIVAÇÃO ILEGAL OU

INJUSTIFICADA DA LIBERDADE…………………………....15

CAPÍTULO VIII – PROCESSO E PROCEDIMENTOS DA INSTRUÇÃO PREPARATÓRIA.

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Afonso Comidando.

1. Notícia do crime (auto de notícia, denúncia e queixa) ……………………........15


2. Marcha ou desenvolvimento do processo-crime………………………………..17
2.1. Actos do juiz………………………………………………………………..17
2.2. Actos do Ministério Público…………………………………………….....17
2.3. Actos do Órgão de Polícia Criminal……………………………………….18
2.4. Actos do arguido…………………………………………………………...18
3. Prazos de instrução preparatória………………………………………………..18
4. Relatório de instrução……………………………………………………….......19
5. Encerramento da instrução preparatória………………………………………..19

Índice………………………………………………………………………………….....20

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