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FACULDADE DE DIREITO DO SUL DE MINAS

BACHARELADO EM DIREITO

THAIS DE JESUS LEMOS VILELA

ÍNDOLE, ATRIBUTOS E SUBDIVISÕES DO INQUÉRITO POLICIAL

POUSO ALEGRE
2022
THAIS DE JESUS LEMOS VILELA

ÍNDOLE, ATRIBUTOS E SUBDIVISÕES DO INQUÉRITO POLICIAL

Trabalho de Curso apresentado como requisito para


obtenção do grau de bacharel em Direito, no curso de
Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas.

Orientadora: Prof.ª Ma. Maria Eunice de Oliveira Costa

FDSM – MG
2022
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo estudar o inquérito policial e sua importância para a fase pré-
processual. O objetivo principal é o estudo sobre a possibilidade de aplicação de princípios
constitucionais, contraditório e ampla defesa, ainda que nessa fase preliminar. A pesquisa se
pauta em uma revisão bibliográfica, por meio da análise de doutrinas jurídicas relevantes, bem
como trabalhos científicos que tenham credibilidade acadêmica. O inquérito policial traz
características próprias, sendo necessário conscientizar que ele não é um procedimento
qualquer, onde os investigados são tratados como meros objetos, mas visa apurar autoria e
materialidade e influenciará sim, na decisão ao final proferida. Aspectos, como sistema
inquisitório, acusatório e misto serão estudados e contrapostos, para tornar este presente estudo
mais coeso e coerente quanto sua natureza e contemporaneidade. Ademais, vale ressaltar que
as características do inquérito são de suma importância para a presente proposta, desta forma,
será possível identificar os efeitos do contraditório e ampla defesa ainda nessa fase.

Palavras-chave: Inquérito Policial; Contraditório; Ampla Defesa; Persecução Criminal.


ABSTRACT

This work aims to study the police investigation and its importance for the pre-procedural
phase. The main objective is the study on the possibility of applying constitutional principles,
contradictory and ample defense, even in this preliminary phase. The research is based on a
bibliographic review, through the analysis of relevant legal doctrines, as well as scientific works
that have academic certification. The police inquiry has its own characteristics, and it is
necessary to be aware that it is not just any procedure, where the investigated are treated as
mere objects, but aims to determine authorship and materiality and will indeed influence the
final decision. Aspects such as the inquisitorial, accusatory and mixed system will be
considered and contrasted, to make this present study more cohesive and coherent in terms of
its nature and contemporaneity. Furthermore, it is essential mentioning that the characteristics
of the investigation are extremely relevant for the present proposal, in this way, it will be
possible to identify the effects of the contradictory and full defense still in this stage.

Keywords: Police Inquiry; Contradictory; Ample Defense; Criminal Prosecution.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7

1. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS: CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................ 9


1.1. Sistema processual penal inquisitorial ................................................................................. 9
1.2. Sistema processual penal acusatório ................................................................................. 11
1.3. Sistema processual penal misto ......................................................................................... 13

2. SOBRE O INQUÉRITO POLICIAL ............................................................................... 15


2.1. Historicidade do inquérito policial .................................................................................... 15
2.2. Características do inquérito policial .................................................................................. 27

3. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – EFEITOS QUANTO AO IN-QUERITO


POLICIAL .............................................................................................................................. 21
3.1. Como a ampla defesa e o contraditório se apresentam no Inquérito Policial .................... 21
3.2. Atividade probatória quanto à investigação policial ......................................................... 24
3.3. Nuanças da defesa técnica ................................................................................................. 38

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 31

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................................ 33


INTRODUÇÃO

O presente trabalho inicia-se com uma investigação e uma análise do sistema processual
penal. Ele pode assumir a forma de acusatório ou inquisitório, ou até mesmo, de sistema misto.
A discussão do sistema processual penal é de fundamental relevância para o problema a ser
tratado, pois cada um desses modelos fornece um meio de atuação para os policiais no âmbito
das investigações preliminares.
Começa com uma análise do sistema inquisitório, cuja expressão mais verdadeira, aliada
ao período correspondente à Santa Inquisição, consiste em uma antiga modalidade de processo
penal com forte caráter autoritário e de desprezo aos direitos do acusado. Sua característica
básica é a reunião em uma pessoa, das funções de acusação, defesa e julgamento. Esse modelo
de justiça criminal é caracterizado por um forte senso de subjetivismo entre os juízes, que
primeiro se convencem da culpa do acusado e depois buscam, inclusive criando provas para
sustentar sua decisão.
Um dos procedimentos mais comuns utilizados neste tipo de justiça criminal é a tortura.
Essa abordagem mostrou-se problemática, pois o sujeito torturado, para escapar da tortura,
acabava admitindo uma heresia sem de fato ter cometido o ato.
O nascimento do sistema acusatório é uma ruptura com essa tradição inquisitiva,
assumindo uma clara e poderosa divisão de funções no âmbito do procedimento. Assim, ao
contrário do sistema anteriormente mencionado, o sistema acusatório marca o estado de sujeito
de direitos, não sendo o acusado um mero objeto de investigação. Uma característica distintiva
desse sistema processual é a presunção de inocência do réu, carecendo de uma base fática hábil
a provar sua culpa, para que possa vir a ser condenado.
Por fim, há o chamado sistema penal misto, discutido na doutrina por sua imprecisão
conceitual. Uma grande corrente de doutrinas entende um sistema processual híbrido como uma
situação em que há elementos de ambos os sistemas. No entanto, parte da doutrina, tal como
Aury Lopes Junior, tem criticado essa categoria, argumentando que ela é imprecisa pelo fato de
todos os sistemas processuais serem híbridos.
Em relação ao modelo processual aplicável ao Brasil, a persecução criminal se divide
em duas etapas ou fases. A primeira, aparentemente inquisitória, se manifesta na investigação
preliminar, geralmente materializada no inquérito policial. Em segundo lugar, na fase
processual, está sujeita ao crivo do contraditório, estando definidas as funções de acusar,
defender e julgar
8

Isso faz sentido, uma vez que a gestão da prova é fator preponderante para se identificar
o sistema processual. Superadas essas definições iniciais de modelos processuais, passa-se à
análise dos inquéritos policiais. Serão estudadas as principais características que compõem esse
procedimento administrativo, a fim de fornecer o suporte teórico necessário para a compreensão
da aplicação dos princípios da defesa adequada e do contraditório no âmbito da investigação.
Por fim, avançando mais especificamente para o objetivo central do estudo, discute-se
a incidência do contraditório e da ampla defesa, se adequados no contexto das investigações
policiais. A partir de agora, deve-se destacar que o inquérito é um espaço onde a Constituição
também deve ser aplicada.
Alguns dos pontos discutidos no último e mais importante capítulo incluem garantias
sobre a apresentação de provas; a incidência de inconsistências e defesas adequadas no âmbito
das investigações policiais; a importância do exame pericial na formação das convicções
subjetivas dos juízes e na orientação processual; e defesas técnicas e a importância da legítima
defesa para os réus nas investigações.
A metodologia eleita foi a revisão bibliográfica, por meio do qual foram consultadas
doutrinas jurídicas relevantes, bem como artigos científicos, com credibilidade acadêmica.
Foram, portanto, feitas contraposições importantes entre as diversas visões quanto ao tema, para
que assim pudesse construir uma proposta coesa quanto aos efeitos do contraditório e ampla
defesa no Inquérito Policial.
1. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Para fins analíticos, é necessário descrever brevemente como a justiça criminal está
organizada. A organização forma e obedece a um sistema, cuja definição é, em síntese: “uma
combinação de partes recolhidas com a finalidade de concorrer a resultados ou formar um
conjunto”1, ou ainda, dentro das definições: “um conjunto de meios e processos utilizados para
atingir um objetivo específico”2.
Assim, partindo da premissa de que o processo penal e a jurisdição penal operam por
meio de um sistema entendido como uma combinação de diferentes fatores capazes de formar
uma unidade coerente como um todo, a investigação torna-se relevante para os fatores
identificados relacionados ao crime, para a propositura da ação penal e consequente aplicação
do direito ao caso concreto.
Sobre o surgimento do ordenamento jurídico brasileiro, Weber faz uma nota relevante:

O sistema jurídico brasileiro nasceu do direito romano-germânico, que sofreu a


influência do direito canônico e, atualmente, está dividido em vários subsistemas,
como o direito constitucional, o direito civil, o direito do trabalho, o direito penal, o
direito processual, o direito ambiental, além de outros ramos. Assim, ao longo da
História, os sistemas evoluíram e estão presentes em todo conjunto que a sociedade
tomou por base e desenvolveu. Os sistemas que aqui interessam, dizem respeito ao
que há de mais remoto na legislação processual penal e perduram hodiernamente.
Desse modo, é sabido que o sistema processual penal, por influência social, política,
religiosa e econômica, ao longo do tempo, ultrapassou diversos estágios, sendo ora
acusatório, ora inquisitorial e ora misto.3

Assim, ao longo da história, observa-se a prevalência de determinados modelos de


determinação da persecução penal. Eles incluem basicamente modelos acusatórios,
inquisitórios e os chamados mistos. Dada a relevância do tema, serão realizadas pesquisas sobre
cada um desses modelos, que ao longo da história serviram como paradigmas na construção
dos sistemas penais.

1.1. Sistema processual penal inquisitorial

1
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Sistemas. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/sistemas
Acesso em: 02 dez. 2022.
2
Ibidem.
3
WEBER, Cristiano. O advogado diante da inquisitorialidade do inquérito policial. São Leopoldo: Oikos, 2009.
Disponível em: http://oikoseditora.com.br/files/WeberCristiano_OAdvogado.pdf p. 24. Acesso em: 01 set. 2022.
10

As origens do sistema inquisitorial têm a ver com a criação dos tribunais eclesiásticos,
que funcionaram na Idade Média, facilitando a chamada “Inquisição”. O principal objetivo
desses tribunais era investigar e descobrir as chamadas heresias. Elas eram entendidas como
formas que violavam as normas do direito canônico e o principal corpo de crenças religiosas da
época.
Uma característica essencial desse modelo de persecução penal é a ausência da
possibilidade de defesas contraditórias e adequadas. Dessa forma, o acusado ficava totalmente
sujeito às ordens e abusos das autoridades religiosas, e até mesmo utilizando métodos forenses
desumanos, como o chamado “teste da deusa” e outros procedimentos que podiam até envolver
tortura física.
As características desse sistema de julgamento podem ser apontadas, tais como a
concentração de funções: neste sistema, a concentração de funções judiciárias é a regra. Dessa
forma, um membro designado concentra as funções de autor, juiz e defensor. Não há divisão
do corpo principal do processo: o réu está em estado de objetivação e não tem direito de
participar efetivamente do processo.
Os processos são conduzidos de forma confidencial: o processo investigativo e o
procedimento ocorrem sem que as pessoas conheçam e intervenham em suas ações. Falta de
garantias processuais: os sistemas religiosos caracterizam-se pela ausência de garantias dos
direitos individuais e as reivindicações punitivas do sujeito contra o estado da igreja. Desta
forma, o acusado é novamente elevado à condição de objeto, obediência às ordens das
autoridades religiosas e abuso de poder;
A confissão tem maior valor determinante em relação a outras provas, mas não as
desqualifica. Esse método de obtenção da verdade é muito questionável, pois o acusado já foi
submetido a diversas torturas e são comuns as falsas confissões para evitar a tortura; ser
absolvido.
Um ponto relacionado diz respeito ao papel dos juízes na produção de provas. O sistema
de interrogatório caracteriza-se pela participação ativa dos juízes na produção de provas, visto
que estas são vistas como meio de confirmar a visão subjetiva do juiz sobre a conduta do agente.
Uma característica, portanto, é a apresentação de provas pelo Inquisidor para fundamentar seu
julgamento, o que antecipa a audiência do sujeito.
Um meio amplamente utilizado para confirmar as ideias dos magistrados envolve o uso
da tortura, meio amplamente utilizado para obter a “verdade”. Deve-se notar que essa “verdade”
existe na opinião subjetiva do juiz muito antes de ele conhecer todos os fatos relevantes ao
11

processo. Então, em outras palavras, o juiz primeiro tenta tomar uma decisão e depois procura
formas de justificar a forma como decidiu.
Um ponto relacionado é o sistema de interrogatório e a delação denominada de
premiada. O aparecimento desse fenômeno pode ser rastreado até o período da corte da igreja.
Isso acontece por causa de uma atitude que encoraja os crentes a confessarem seus pecados
perante as autoridades religiosas. Como tal, o clero goza de enorme controle sobre a
comunidade, pois é prática comum condenar para obter privilégios.4
Os sistemas de investigação são atacados de várias maneiras. A crítica mais incisiva, no
entanto, é a incapacidade de exercer as garantias processuais básicas no sistema para que os
réus possam refutar as acusações impostas a eles. Argumentou-se que esse processo não
envolve necessariamente o respeito às garantias fundamentais, sendo apenas uma ferramenta
destinada a fazer valer direitos substantivos.

1.2. Sistema processual penal acusatório

O sistema acusatório tem uma longa tradição na história e sua ocorrência como
paradigma em civilizações antigas como Índia, Roma e Atenas é verificável. Na tentativa de
detalhar e analisar historicamente as principais características desse sistema nas civilizações
antigas, Weber o descreveu assim, valendo-se de Tourinho Filho:

O sistema acusatório teve o seu início na Índia, depois seguiu em Atenas e Roma,
durante o período republicano, concebido na Antiguidade clássica. Durou até o século
XII e, segundo Tourinho Filho, havia uma série de garantias a serem observadas, tais
como o contraditório, a igualdade entre as partes, a publicidade dos atos processuais,
permitindo, na maioria das vezes, o acesso às atas do processo a qualquer homem do
povo. Além disso, pessoas distintas e independentes entre si eram encarregadas de
acusar, defender e julgar. Ao juiz não era dado o poder de iniciar de ofício o processo,
pois a iniciativa cabia à parte ofendida e, também, prevalecia a oralidade e a
formalidade. Segundo Hélio Tornaghi, a investigação preliminar era realizada pelo
próprio acusador, que recebia do juiz um mandado para efetuar todas as diligências
que considerasse necessárias para provar a infração. Observavam-se as características
do sistema, nemo in iudicium trade tursine accusatione, ou seja, ninguém pode ser
levado a juízo sem uma acusação. É importante frisar que, no sistema acusatório, o
réu era presumido inocente até o julgamento final, inexistindo prisões cautelares,
exceto para a execução da pena5

4
NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Sistemas processuais penais. 2011. Disponível em:
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6193/Sistemas-ProcessuaisPenais Acesso em: 01 set. 2022.
5
WEBER, Cristiano. O advogado diante da inquisitorialidade do inquérito policial. São Leopoldo: Oikos, 2009.
Disponível em: http://oikoseditora.com.br/files/WeberCristiano_OAdvogado.pdf p. 26. Acesso em: 01 set. 2022.
12

Dessa forma, é perceptível a partir da citação que, dentro dos limites do sistema de
acusação, é permitido ao acusado acompanhar e participar do processo como sujeito. Não é
apenas atuar como objeto no processo, sem direitos e garantias. É um sistema capaz de defesas
contraditórias e adequadas, onde é possível impugnar fatores fáticos e outros que a acusação
possa suscitar, desde que seja por meio da participação do acusado.
Conforme explana Weber, o sistema consistia em um padrão quase hegemônico de
processos criminais em civilizações antigas que, em última análise, não respondia às aspirações
da sociedade. Isso acontece na medida em que, ao fornecer ao acusado muitos direitos e
garantias, o agressor pode ficar impune por fatores como fuga, falsas defesas etc.6
No sistema acusatório, não é permitido aos magistrados deter em suas mãos a gestão da
prova, nem conduzir procedimentos de investigação.
Portanto, a separação de funções desse sistema é clara, uma vez que existem sujeitos
específicos responsáveis pela investigação, acusação e defesa dos acusados. No âmbito deste
sistema processual, os juízes devem manter a imparcialidade para com as partes e não têm outra
função senão avaliar com justiça o desempenho delas.
Nagima lista os seguintes documentos e fatos históricos que podem ter inspirado o
sistema acusatório: Magna Carta; Bill of Rights; secularização; iluminismo.7
As características deste sistema são as seguintes: a gestão da prova é da competência
exclusiva das partes, pelo que a função dos magistrados é afastada desta fase, preservando assim
a imparcialidade e equidistância, com a separação clara das funções estabelecidas, as funções
de acusação, defesa e julgamento.
O processo deve ser público, sem restrições, princípio consagrado na democracia, no
entanto, em alguns casos, pode ser exigido seu sigilo. Dentro dos limites do sistema acusatório,
o réu não é visto como objeto, mas como sujeito, garantido o exercício de seus direitos e
garantido não ser sujeita ao arbítrio do Estado, exposto aos excessos de exigências punitivas.
Ao estender o objeto do procedimento em vez da condição da objeção, o réu recebe uma
série de garantias, como um sistema contraditório, uma defesa adequada, estrita observância ao
devido processo legal e outros direitos, impondo limites ao Estado no exercício de seu poder
punitivo.

6
WEBER, Cristiano. O advogado diante da inquisitorialidade do inquérito policial. São Leopoldo: Oikos, 2009.
Disponível em: http://oikoseditora.com.br/files/WeberCristiano_OAdvogado.pdf p. 26. Acesso em: 01 set. 2022
7
NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Sistemas processuais penais. 2011. Disponível em:
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6193/Sistemas-ProcessuaisPenais Acesso em: 01 set. 2022.
13

Presume-se a inocência do investigado/acusado, cabendo à acusação provar sua culpa.


Neste modelo, para que o acusado seja considerado culpado será necessário provar os fatos
então alegados e a decisão final deverá transitar, definitivamente, em julgado.
Nagima discute as provas no âmbito do sistema de acusação no processo penal,
revelando as divergências existentes sobre os objetivos do processo. a respeito disso:

Ainda, com relação às provas, no sistema acusatório puro, não é possível a


realização/determinação de provas pelo juiz, de ofício, sob pena de fazer às vezes das
partes (neste sentido, Luiz Flávio Gomes, Mirabete, Tourinho Filho, Scarance, etc.),
embora haja entendimento diverso (Paulo Rangel, Norberto Avena etc.). A corrente
contrária fundamenta-se no princípio da verdade real, no entanto, esse princípio, como
parte do sistema acusatório, e diante de sua interpretação teleológica e sistemática,
não permite – por si só – que o juiz produza provas ou recorra de ofício, v.g., sem
determinação pelas partes.8

Embora haja consenso teórico sobre a definição das principais características do sistema
penal para a persecução penal, na prática podem ocorrer casos de persecução não pura, em que
dispositivos legais permitem que uma parte gerencie provas, como em alguns casos no processo
penal brasileiro. Medida em que o juiz pode tomar uma posição ativa na apresentação de provas.
Como será verificado na próxima seção, ainda há resquícios de um modelo híbrido/misto de
processo penal no Brasil.

1.3. Sistema processual penal misto

O sistema processual penal misto recebe esse nome devido à intersecção do sistema
acusatório e inquisitório. Portanto, neste modelo processual, existem duas etapas processuais,
a primeira é o sistema inquisitório (investigação/inquérito) e a segunda é o sistema acusatório
(fase processual).
A primeira fase é uma investigação preliminar. É de natureza claramente investigativa.
No caso de inquérito policial é presidida pela autoridade policial, o delegado de polícia, que
recolhe os elementos de informação, para que, após concluído e remetido à justiça, seja proposta
a inicial acusatória. A segunda etapa se refere ao próprio processo, quando as provas produzidas
pelas partes se submetem ao crivo do contraditório, entretanto, o Juiz ainda dela participa, em
dados momentos.

8
NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Sistemas processuais penais. 2011. Disponível em:
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6193/Sistemas-ProcessuaisPenais Acesso em: 01 set. 2022.
14

Teoricamente, há uma visão dominante de que o processo penal brasileiro é misto nas
etapas acima mencionadas, inquisitorial e acusatória. No entanto, essa posição tem sido
duramente criticada, pois, na forma como está, a investigação não pode ser considerada parte
do processo, pois é apenas um procedimento administrativo destinado a investigar e verificar a
identidade e o significado dos autores.
Ainda divergências teóricas sobre o modelo processual vigente no Brasil, vale destacar
a posição do professor Aury Lopes Jr., o modelo processual vigente no Brasil consiste, portanto,
em um modelo inquisitório. Assim sendo:

Pensamos que o processo penal brasileiro é essencialmente inquisitório, ou neo


inquisitório se preferirem, para descolar do modelo histórico medieval. Ainda que se
diga que o sistema brasileiro é misto, a fase processual não é acusatória, mas
inquisitória ou neo inquisitória, na medida em que o princípio informador é o
inquisitivo, pois a gestão da prova está nas mãos do juiz.9

Assim, como pode ser constatado a partir de um rápido levantamento bibliográfico, a


doutrina encontra-se amplamente dividida nas características do processo penal brasileiro. No
entanto, a visão mencionada por Aury Lopes Júnior parece mais correto, utilizando um ponto
de vista crítico, identificando o núcleo que pode caracterizar o sistema processual penal.

9
LOPES JR., Aury. Curso de Direito Processual Penal. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 52.
2. SOBRE O INQUÉRITO POLICIAL

O presente estudo deverá passar pela análise de inquéritos policiais. Portanto, a


princípio, será feito um esboço para esclarecer as ideias básicas e as principais características
do instituto, pois ele é essencial na maioria dos casos para a investigação de infrações penais.
Dessa forma, serão compreendidas as linhas básicas do procedimento de investigação
policial e nos momentos seguintes, a investigação como parte da evolução do instituto tratado,
passando-se a analisar o ordenamento jurídico que o define e o molda, buscando destacar suas
principais nuances.

2.1. Historicidade do inquérito policial

As investigações policiais têm uma longa tradição na história brasileira, a partir da


redação do Código de Processo Penal de 1941, e sua inclusão se manteve e assim foi
transmitida. Dentro dos limites da norma, especialmente na exposição de motivos daquela
seção, o legislador justifica a existência do procedimento como essencial.
O contexto histórico em que o Código acima foi aprovado explica, em parte, a
investigação policial inicial. Conforme o doutrinador Aury Lopes Jr., em outros ordenamentos
jurídicos, notadamente na Europa, prevalecem os chamados “juízes dirigidos”, enquanto no
Brasil persistem as já mencionadas investigações policiais anteriores.10
Assim, um inquérito policial pode ser entendido como uma série de atividades
empreendidas pelo Estado, no âmbito das investigações preliminares, a fim de serem apuradas
materialidade e autoria. As circunstâncias do suposto crime também serão investigadas. O
procedimento é uma forma inicial de preparação para que a ação penal possa ser tomada
posteriormente.
Cabe destacar que é papel do Estado promover a punição adequada aos sujeitos que
violaram normas previstas na legislação penal. Existem diferentes razões para esta punição, e
isso é do interesse e segurança da comunidade como um todo. Para que haja condenação, o
processo criminal deverá ser conduzido sob estrita condição de legalidade.
Na Constituição da República, de 1988, há previsão de que a polícia judiciária, como
integrante do órgão estadual de segurança pública, tem a função de apurar fatos criminais.

10
LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 135
16

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,


é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária
federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e
corpos de bombeiros militares. […] § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de
polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.11

Nucci define as investigações policiais em termos do papel desenvolvido pela


autoridade competente. Dessa forma, esse procedimento pode ser entendido como uma espécie
de futura front office (linha de frente) criminal, na qual será investigada a autoria e a
materialidade dos fatos criminosos.12 Corrobora com sua visão, Aury Lopes Jr., que disserta:

Constitui o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do


Estado, a partir de uma notícia-crime, com caráter prévio e de natureza preparatória
com relação ao processo penal, e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias
de um fato aparentemente delituoso, com o fim de justificar o processo ou o não
processo.13

As investigações policiais surgiram pela primeira vez no ordenamento jurídico


brasileiro sob a Lei nº 2.033, de novembro de 1871. No âmbito desta legislação, confirma-se
que uma investigação policial inclui todas as etapas necessárias para esclarecer os fatos de um
crime, precisa ser claramente escrita.14
Como enfatiza Nucci15, o inquérito policial (ainda não com esse nome) existe como
procedimento informacional, com separação entre o judiciário e a polícia, desde o Código de
Processo Penal de 1932. O fundamento para a existência prévia do inquérito policial é a busca
pelo fato oculto, procurando que o crime, na maior parte das vezes, é total ou parcialmente
oculto, o que enseja a maior investigação com o escopo de associar elementos suficientes para
autoria e materialidade (fumus comissi delicti) para então, haver o oferecimento da acusação ou
mesmo a justificativa para o pedido de arquivamento podendo ser feito pelo juiz ou promotor
de justiça.16

11
BRASIL. Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 05 set. 2022.
12
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016, p. 95.
13
LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 65.
14
Ibidem.
15
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit. p. 65.
16
LOPES JR, Op. cit. p. 65.
17

Dessa forma, como front office do processo penal, a investigação é um meio pelo qual
o Estado investiga as infrações penais e é capaz de fornecer subsídios a serem utilizados em
futuros processos criminais.
Por fim, cabe ressaltar a natureza jurídica dos inquéritos policiais. Trata-se de uma
natureza administrativa significativa, uma vez que não deve ser confundida com qualquer
processo-crime ou processo administrativo posterior, desde que não se aplique qualquer sanção
no âmbito da investigação. Portanto, este procedimento destina-se apenas a esclarecer os fatos
ocorridos na infração penal denunciada.
O inquérito policial se traduz em mecanismo investigativo em fase pré-processual, não
sendo imprescindível, mas extremamente relevante, quando são coletados elementos de
informação, necessários à apuração de autoria e materialidade – lastro mínimo probatório, para
a propositura da competente ação penal.

2.2. Características do inquérito policial

Para que se entenda as características do Inquérito Policial, devem ser analisados alguns
pontos referentes a ele, tais como: ser escrito; inquisitivo; discricionário; oficioso; sigiloso;
indisponível; dispensável; oficialidade.
Uma das características de um inquérito policial, é ser escrito. É um procedimento
documentado porque tudo tem que ser registrado, não precisa necessariamente ser em papel, e
aí pode ser gravado, digitalizado. Nesse sentido: “Tendo em vista as finalidades do Inquérito,
não se concebe a existência de uma investigação verbal. Por isso, todas as peças do inquérito
policial serão, num só processo, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas
pela autoridade (CPP, art. 9°)”17
A segunda característica é ser ele inquisitivo. De acordo com a doutrina majoritária,
porque remonta ao sistema inquisitório, onde todo o poder está concentrado nas mãos do rei,
assim é o inquérito policial, porque todo o poder está nas mãos da autoridade policial, que o
preside.
A terceira característica é a discricionariedade, ainda nesta fase pré-processual, onde
quem decide sobre o inquérito policial, seu conteúdo, é a autoridade policial que o preside.

17
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2018. DILEMAS: Revista de Estudos
de Conflitos e Controle Social, [s. l.], v. 3, n. 7, p. 35-50, Jan. Fev. Mar. 2010. p. 119.
18

Ademais, o inquérito não tem parte, não tem acusação, tampouco defesa e lide. Tem-se apenas
a imagem do investigado e da vítima, portanto a defesa majoritária não é contraditória:

Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias


concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a
sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de oficio,
empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento
do crime e da sua autoria.18

De acordo com os artigos 6º e 7º, Código de Processo Penal, no que diz respeito às várias
diligências que o delegado de polícia pode tomar após ter conhecimento dos fatos criminosos,
essas diligências ficam a critério da autoridade policial. Além disso, é importante observar que
essa discricionariedade conflita com a legalidade e, portanto, é regulamentada.
A quarta característica é a oficiosidade, onde em regra, a partir do momento em que a
autoridade policial tiver conhecimento do crime, poderá ser constituído por ela apuração de
ofício, no caso de crime de ação penal pública incondicionada, ou no caso de crime de ação
penal pública condicionada à representação da vítima, se ela manifestar essa vontade; e até
mesmo em crime de ação penal privada, também mediante manifestação da vítima ou seu
representante legal.
A quinta característica do inquérito é ser sigiloso, o que refere-se, de acordo com o
Código de Processo Penal, que as investigações policiais devem ser mantidas em sigilo quando
as autoridades policiais julgarem necessário, com o fito de serem eficazes no processo de
investigação e esclarecimento de crimes. A confidencialidade não se estende às autoridades
judiciárias ou representantes do Ministério Público. Importa destacar aqui a Súmula Vinculante
14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de
prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.19
Quanto à sexta característica, a indisponibilidade, isso significa que, a partir do
momento em que se inicia o inquérito policial, o representante não pode mais arquivar, mesmo
que as autoridades percebam que o ato não é um fato criminoso típico, a única coisa que ele
pode fazer é encaminhar o processo. O art. 17, Código de Processo Penal, estipula esta regra de
forma clara.

18
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2018. DILEMAS: Revista de Estudos
de Conflitos e Controle Social, [s. l.], v. 3, n. 7, p. 35-50, Jan. Fev. Mar. 2010. p. 121.
19
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 14. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1230. Acesso em: 02 dez. 2022.
19

Referente à sétima característica, a dispensabilidade, se já houver elementos conclusivos


para instauração de processo criminal, não há necessidade de investigação, portanto, se já
houver informações e provas documentais suficientes, o interessado poderá ser encaminhado
ao Ministério Público. Ele vai apresentar denúncia se já existirem os elementos: materialidade
e autoria, substantivos e o autor dos fatos. O ofendido, nos casos de ação penal de iniciativa
privada apresentará queixa-crime, observado o prazo decadencial de seis meses.
A investigação é um procedimento oficial nos termos da lei. Portanto, é ela uma
ferramenta da polícia judiciária, que somente os delegados de polícia podem conduzir. A Lei
nº 12.830, de 20 de junho de 2011, trata especificamente sobre a questão, ao dispor sobre a
investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Questão relevante à investigação preliminar, diz respeito a ser ela utilizada como meio
de prova, no momento de contribuir para o convencimento do magistrado:

O inquérito policial possui conteúdo informativo [...], sendo que a finalidade é a de


fornecer ao Ministério Público e ao ofendido todos os elementos necessários para
proceder com a proposição de ação penal. O valor probatório dos elementos colhidos
para informar e provar a autoria e o delito para intentar com a ação penal, no âmbito
do inquérito policial, não haveria o consequente contraditório e ampla defesa, o que é
diferenciado quando se verificam as doutrinas favoráveis à aplicação do contraditório
e da ampla defesa. Nem tampouco há a presença do juiz natural e imparcial durante o
procedimento.20

Portanto, os elementos obtidos em uma investigação criminal devem ser entendidos


como capazes de influenciar o julgamento do juiz, embora seja vedado pela lei, valer-se
exclusivamente dele para condenar. conforme dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal,
in verbis: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas”21. Na verdade, no inquérito policial são obtidos elementos de informação, pois,
prova de fato, é aquela produzida em juízo, sob o crivo do contraditório. E o foi produzido na
fase de inquérito deve ser corroborado e integrar todo o conjunto probatório.

20
OLIVEIRA NETO, Erivan Carvalho de. A (in)aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa no inquérito
policial. p. 18. Monografia de graduação: UFPB, 2019. Disponível em:
https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/14670/1/ECON16052019.pdf Acesso em: 05 set. 2022.
21
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 02 dez. 2022.
20

Como orienta Oliveira Neto, os tribunais possuem jurisprudência sólida no sentido de


considerar o inquérito policial como procedimento apenas informativo, não havendo que se
falar em nulidade, quando houver alguma irregularidade na investigação.22

22
OLIVEIRA NETO, Erivan Carvalho de. A (in)aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa no inquérito
policial. Monografia de graduação: UFPB, 2019. Disponível em:
https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/14670/1/ECON16052019.pdf Acesso em: 05 set. 2022.
3. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA: EFEITOS QUANTO AO INQUERITO
POLICIAL

Hoje, é comum discutir a possibilidade de uma defesa adequada no âmbito do inquérito


policial. Para alguns operadores do direito, não é possível falar em exercício do contraditório
no âmbito das investigações policiais, pois trata-se apenas de uma peça informativa, exercida
por órgão administrativo.
No entanto, como será revelado, o inquérito policial não pode ser encarado como um
mero documento informativo, uma vez que, na verdade, é um instrumento que irá influenciar
na tomada de decisão do magistrado. Certas provas só podem ser produzidas em inquérito
policial, como a perícia, indicando a necessidade de observância aos princípios da ampla defesa
e do contraditório, ainda na fase preliminar.
Na esfera penal devem ser observadas três condições básicas para justificar uma
investigação. A primeira diz respeito à necessidade de provas. A segunda é a viabilidade de
contradizer as evidências. Finalmente, a necessidade de fundamentar uma condenação, após a
produção probatória.23
A primeira premissa envolve questão característica de um inquérito policial,
considerando que o magistrado precisa basear a sentença em um conjunto de provas, ressaltando
que não há hierarquia entre elas.
A segunda premissa é sobre a possibilidade de que a contradição deva existir, ou seja,
diante das evidências apresentadas, há a possibilidade de um contra-argumento. Portanto, deve
ser dada ao investigado a oportunidade de refutar os fatos que lhe são atribuídos.
A terceira premissa diz respeito à necessidade de os juízes serem imparciais, devendo
decidir com base nas múltiplas provas apresentadas, produzidas dialética e racionalmente. Sua
decisão, a partir de sua convicção devidamente fundamentada, deve estar em consonância com
todas as provas coletadas.
Assim, no que se refere às garantias probatórias, essas três premissas devem ser
respeitadas, sob pena de comprometer as balizas que orientam e sustentam o sistema de
acusação e, assim, o exercício do contraditório.

3.1. Como a ampla defesa e o contraditório se apresentam no Inquérito Policial

23
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 75
22

É possível e necessário que o investigado se valha do contraditório no âmbito de uma


investigação policial. Isso acontece quando os inquéritos policiais contêm documentos que vão
além da mera informação, pois em muitos casos as decisões dos magistrados são neles
fundamentadas, embora seja vedada que nele se paute, exclusivamente.
Preconiza a inclusão do artigo LV da Constituição Federal no âmbito das garantias
pessoais, estabelecendo o direito de defesa como dispositivo consagrado. É possível comprovar,
conforme explana Barbosa, que há previsão para o exercício do direito de defesa em todas as
constituições brasileiras.24
A Constituição Federal de 1988 buscou ampliar de forma bastante completa e inovadora
o direito à defesa, o direito de o acusado exercer uma defesa adequada, não apenas contraditória
no âmbito do próprio processo judicial, mas também dentro do procedimento administrativo,
durante as investigações policiais.
Desta forma, todos os arguidos que estejam de alguma forma vinculados ao inquérito
policial têm o direito de exercer o direito à ampla defesa e o direito ao contraditório. Nesta
análise, ressalta-se o valor probatório dos inquéritos policiais, ou seja, seu papel como detentor
de provas que auxiliarão no convencimento do magistrado. Portanto, além dos princípios da
defesa adequada e do contraditório, existem outros que também são relevantes para a prova no
processo penal:

Não há dúvida de que as garantias da ampla defesa e o contraditório são, ao lado da proibição
de produção de prova ilícita, da presunção de não culpabilidade e da não obrigatoriedade de
produzir prova contra si mesmo, condicionantes da validade das provas dentro de um
processo penal garantista, que abrange não apenas a instrução processual presidida pelo juiz,
mas toda atividade de instrução probatória que tenha repercussão sobre o processo, com
destaque para a realizada durante o inquérito policial. 25

Indiscutivelmente, a possibilidade de exercer defesas contraditórias e adequadas no


âmbito de um inquérito policial é crucial, pois esse procedimento administrativo envolve a
produção de provas, muitas vezes com restrições à liberdade do investigado, além de poder
afetar seu patrimônio.
Nesse sentido, é a explicação de Barbosa, que alerta sobre a justificativa para o exercício
de defesas contraditórias e abrangentes no âmbito das investigações policiais:

24
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011. p. 80.
25
Ibidem, p. 81.
23

Todavia, como já ressaltado, não é apenas a natureza coativa da atuação da polícia


judiciária incidente, principalmente, sobre a liberdade que demanda a intervenção da
defesa desde o início da persecução penal. É preciso, ainda, ter-se em vista o caráter
probatório, de antecipação da instrução processual no inquérito policial, como
procedimento administrativo com funções judiciárias.26

Portanto, para possibilitar o efetivo jogo do contraditório e a adequada defesa, a fase de


inquérito policial não deve ser colocada em segundo plano, pois no âmbito da persecução penal
podem ocorrer perdas. O investigado considerado como parte e não apenas um objeto.
Um passo importante para que os princípios acima funcionem é o acréscimo de
salvaguardas ao Código de Processo Penal, por meio da Lei nº 13.964/1927, para o juiz
responsável pela legalidade da investigação e pelos direitos individuais do investigado.
Assim sendo, ao juiz supramencionado, sua função será atuar na fase de investigação,
deixando que, nesta perspectiva, caiba a outro juiz atuar na fase processual. Não obstante, sua
eficácia está suspensa, por liminar do Ministro Luiz Fux, conforme argumenta:

Em suma, concorde-se ou não com a adequação do juiz das garantias ao sistema


processual brasileiro, o fato é que a criação de novos direitos e de novas políticas
públicas gera custos ao Estado, os quais devem ser discutidos e sopesados pelo Poder
Legislativo, considerados outros interesses e prioridades também salvaguardados pela
Constituição.28

Nesta ótica, pelo fator de ter que reorganizar todo um aparato estatal em âmbito
nacional, há uma problemática quanto a esta alteração referente aos serviços públicos.
Portanto, o investigado deve ter certos direitos em relação à acusação pela polícia. A
primeira questão que deve ser abordada é que ele precisa conhecer os fatos que lhe são
imputados que motivariam uma investigação contra ele.
Por outro lado, o investigado deve ser capaz de apresentar acusações que contradizem
as acusações contra ele. Outro direito do investigado na investigação diz respeito à sua
capacidade de acompanhar a produção de provas e de contraprovas. Durante a fase de
investigação, o investigado deve dispor de defesa técnica capaz de instruí-lo e promover uma
defesa efetiva em seu nome:

26
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011.
27
BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm Acesso em: 05 set.
2022.
28
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar Na Ação Direta De Inconstitucionalidade 6.298. Distrito
Federal. Relator: Min. Luiz Fux, julgado em 22/01/2020.
24

Assim, o conhecimento dos fatos investigados e das provas produzidas, bem como a
possibilidade de insurgência antecipada, marca o inquérito com a característica de
uma contrariedade antecipada às alegações e provas do acusador no processo penal,
necessária a sua qualificação democrática. Se há verdadeira atividade probatória
durante a investigação criminal policial, torna-se indispensável o reconhecimento do
direito ao contraditório na persecução extrajudicial, como veremos a seguir.29

Portanto, a exigência de que o investigado possa exercer plenamente o seu direito de


defesa durante a fase de inquérito policial envolve um necessário ajuste entre o processo penal
e as disposições constitucionais sobre o contraditório e a defesa adequada.
Mais uma vez, vale ressaltar que o processo de investigação policial, embora não faça
parte do processo, tem um impacto significativo sobre ele, e essa situação exige a aplicação do
direito ao contraditório e à defesa adequada.

3.2. Atividade probatória quanto à investigação policial

Relevante para este estudo é o papel desempenhado pela descoberta do sujeito penal por
sua capacidade probatória única em situações fáticas envolvendo crime. Trata-se de uma
verdadeira reconstrução dos fatos de um crime, investigando todas as suas etapas, o que levou
ao desfecho, e outros fatores relevantes que permeiam as circunstâncias fáticas em que o crime
ocorreu.
O tema do ilícito refere-se à materialidade dos fatos criminosos, e a revisão do ilícito
inclui os meios técnicos que podem verificar essa materialidade. É comum haver alguma
confusão entre os dois termos, e na verdade eles designam coisas diferentes, embora estejam
intimamente relacionados no processo penal.
Por exemplo, a materialidade de um crime, por meio do exame de corpo de delito, pode
ser verificada de duas maneiras diferentes. A primeira é a lei que envolve o autor do ilícito, ou
seja, a situação em que a polícia judiciária utiliza meios técnicos para verificar sua essência. A
outra forma é indireta, ou seja, onde a prova testemunhal é usada principalmente, que é mais
frágil do que a prova direta, mas visa evitar a impunidade onde não há possibilidade direta de
um crime.
Surge, então, o corpo de delito direto e o indireto. De forma direta, realiza-se por
perícia, a forma científica mais próxima de se atestar a existência ou inexistência de
algo (ex.: drogas). De forma indireta, o corpo de delito advém da prova testemunhal
(art. 167, CPP). Não é a forma correta e ideal, mas um escape para evitar a impunidade
de certos delitos (ex.: testemunhas veem o agente desferir vários tiros na vítima,

29
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011. p. 81.
25

jogando-a, depois, de um penhasco nas águas do mar, onde desaparece). A


possibilidade de atestar a morte de alguém por testemunhas é capaz de gerar erro, mas,
conforme o exemplo dado, o percentual é muito baixo. Diante disso, aceita-se o corpo
de delito indireto para a condenação30

No âmbito do Código de Processo Penal, a busca pela elucidação do crime e as


consequentes medidas a serem adotadas pela autoridade policial estão previstas em seu art.
sexto. Entende-se, assim, que é dever da polícia continuar a recolher informações, vestígios e
outros elementos que sirvam de base para uma indicação de materialidade e autoria, ainda na
fase preliminar da persecução penal.
É importante ressaltar que há necessidade de uma defesa mais ampla no âmbito das
investigações policiais, considerando que os juízes podem confiar inteiramente em
determinados tipos de provas que só podem ser obtidas no âmbito de um inquérito policial.
Consonante com esta ótica, a redação do artigo 155 do Código de Processo Penal: “O juiz
formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não
podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”31
Portanto, é evidente a necessidade de adequada defesa e contraditório no âmbito da
investigação, pois a condenação, manifestada na decisão do magistrado, só pode ter ocorrido
em decorrência de provas que só poderiam ter sido colhidas no âmbito da investigação
preliminar, no âmbito da polícia judiciária. Assim, o artigo acima afirma uma realidade
raramente reconhecida pela doutrina de que as investigações policiais são mais sérias e
comprometidas do que artigos meramente informativos. A investigação policial tem provas
reais.
Certos tipos de provas utilizam o inquérito policial como ponto ideal para coleta e
produção. Na medida em que isso ocorre é que se a produção for atrasada, a possibilidade de
verificação pode ser perdida, caso em que a impunidade criminal se torna mais fácil:

Não se trata, por óbvio, somente do exame de corpo de delito naqueles crimes que
deixam vestígios, mas de várias outras medidas como coleta de documentos,
inquirições, busca e apreensão, quebra do sigilo bancário, fiscal entre outros, o
reconhecimento de pessoas e coisas, a interceptação das comunicações telefônicas
etc., realizáveis, em regra, somente durante a fase da investigação policial preparatória
do processo-crime. Há provas que, por sua natureza ou por dada circunstância
temporal, não podem ser obtidas ou produzidas apenas durante a fase da instrução

30
NUCCI, Guilherme de Souza. Corpo de delito e exame de corpo de delito. Disponível em:
http://genjuridico.com.br/2015/04/30/corpo-de-delito-e-exame-de-corpo-de-delito/ Acesso em: 07 set. 2022.
31
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 05 set. 2022.
26

processual em juízo, sob pena de perecimento e consequente prejuízo à descoberta da


verdade32

Assim, por razões de prudência, é atribuída às autoridades policiais a função de aclarar


o fato criminoso, através da coleta de elementos de informação, antes do processo em si. É uma
forma de persecução penal provisória e deve assegurar o exercício de defesas adequadas e
contraditórias.
Portanto, não há dúvida de que o delegado de polícia atua ativamente, no âmbito da
investigação preliminar. Também é indiscutível que, de acordo com as características da
investigação criminal, é necessário estender o sistema de confrontação e defesa integral ao
campo da investigação policial, desde que haja provas importantes nesse momento da
persecução penal.
Quando se propõe discutir o exercício da defesa adequada e autocontraditória no âmbito
de um inquérito policial, diversos argumentos são apresentados. Confidencialidade, curiosidade
e outros argumentos são usados para impedir o exercício dos direitos acima. No entanto, com
o pleno exercício dos direitos de defesa, esses obstáculos podem ser superados.
Quanto ao sigilo do procedimento, deve-se dizer que é relativo, ou seja, existem somente
os pareceres da polícia, devendo-se proporcionar a determinados sujeitos acompanhamento e
conhecimento sobre a conduta conduzida na investigação, ou seja, ao Ministério Público e ao
advogado do investigado.
O modelo processual penal vigente no Brasil não se conforma com as características dos
procedimentos investigativos secretos, ou seja, o sistema penal censório e autoritário do
processo penal.
A investigação deve respeitar as disposições constitucionais que permitem
expressamente ao arguido exercer uma ampla defesa autocontraditória em todas as
circunstâncias, quer na fase do inquérito (processo administrativo) quer na fase do próprio
processo penal.
Por outro lado, tem a ver com a adequação do modelo de procedimento formal de
apuração. Isso se deve à divisão clara e limitada das atividades realizadas por cada sujeito no
âmbito das investigações e do processo penal, sem perder o caráter exploratório processual. Daí
a necessária relativização acerca dos direitos e garantias que o investigado deve poder explorar.

32
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011. p. 82.
27

Ou seja, a partir do momento em que as autoridades policiais comparecem e


demonstram imparcialidade, é possível viabilizar o exercício do contraditório e a plena defesa
do investigado. Assim, as exigências da acusação e da defesa, se atendidas, permitem que o
procedimento decorra da forma constitucionalmente prescrita.
Assim, o investigado tem o direito de ser plenamente informado de todos os atos no
âmbito do inquérito policial. No entanto, pode acontecer que as autoridades policiais atrasem a
divulgação de informações, quando necessário à preservação da investigação.
No entanto, após essa necessária fase de sigilo, a defesa do investigado deve receber
todas as informações necessárias sobre o procedimento para que ele possa apresentar (se
houver) contraprovas.
Embora as normas sobre quando as informações devem ser repassadas à defesa e ao
investigado sejam imprecisas, é necessário reconhecer que a transmissão dessas informações
na fase de acusação não é suficiente. Isso ocorre na medida em que são formadas provas no
decorrer do processo investigativo, que servirão como meio de persuadir o magistrado. Devido
a esta situação, as ações a serem tomadas durante o processo de prova devem ser comunicadas
ao agente, desde que a comunicação não se torne um obstáculo à prova:

Desse modo, propõe-se que não deve haver dúvida de que no indiciamento deve ser
conferido ao investigado, por seus próprios meios e por meio de seu defensor, a
possibilidade de se insurgir contra as evidências de autoria que pesam sobre ele.
Todavia, devemos ir mais além. Sustentamos que, não havendo risco para coleta da
prova, deve o suspeito, sobre o qual pesam ainda parcas evidências de autoria do
delito, ser inquirido e informado sobre o fato o quanto antes, a fim de que possa
esclarecê-lo, afastando ou não a suspeita.33

Esta situação exige duas posições contra o suspeito durante a intimação ou processo de
acusação. Em primeiro lugar, quando as provas forem insuficientes para apurar a autoria do
crime, o representante deve proceder à redução do prazo da declaração do investigado e
proceder à transmissão dos direitos do arguido, previstos no âmbito do art. 5º, CF/88. Noutro
giro:

A segunda hipótese consiste na situação em que existem já algumas provas e indícios


acerca da autoria do delito que recaem sobre um sujeito determinado. A este sujeito
determinado deve ser facultado que dê início à produção de contraprovas a partir da
apresentação de todas as evidências já reunidas naquele estágio do inquérito. Observa-
se que, neste instante, o até então simples suspeito gozará da condição de indiciado,
uma vez, a juízo da autoridade de polícia judiciária, convergem sobre ele todos os

33
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011. p. 83.
28

indícios de autoria do delito. Desse modo, se a contrariedade é característica da


instrução criminal, como imperativo de um processo justo, e esta se executa durante
o inquérito e, em juízo, para que se possibilite ao juiz se manifestar mais
adequadamente sobre todos os elementos colhidos durante a persecução penal,
podendo este melhor justificar a formação de seu convencimento, deve-se assegurar
o contraditório e a ampla defesa já na fase preliminar da investigação criminal.34

Uma das principais características da defesa no processo penal é a igualdade de armas.


Portanto, com base nessa necessária igualdade, deve ser possível que as partes, mesmo no
âmbito de inquéritos policiais, possam defender suas posições por meio de um sistema de
confronto.
Barbosa tem criticado as tendências atuais das investigações policiais, partindo do
pressuposto de que as investigações não podem ser subsidiadas exclusivamente para os
promotores:

Cumpre ressaltar, todavia, que embora a polícia judiciária tenha exercido desde
sempre a função de investigação com relativa independência técnica e orgânica,
necessárias ao êxito da tarefa de perquirição, vislumbra-se na atualidade forte
tendência a se consolidar um modelo de investigação unilateral, nitidamente voltado
aos interesses da acusação e em detrimento do acusado e de sua defesa, quando, em
verdade, a busca da prova deve ser tanto tutelada e favorecida quanto da
contraprova.35

O sistema processual brasileiro privilegia, assim, sobremaneira os interesses da


acusação em detrimento da defesa, beneficiando-se da possibilidade de participação ativa nas
etapas que marcam o processo investigativo, especialmente na produção de provas.

3.3. Nuanças da defesa técnica

Pode-se ver que o acusado deve ter certeza de que ele tem todos os meios para provar
sua inocência. Embora não haja obrigação de juntar provas ao processo, uma situação
decorrente da presunção de inocência, em alguns casos, a prestação de provas é uma forma
eficaz de provar a inocência.
Ao longo do processo, viabilizar todos os meios de defesa disponíveis, inclusive a
autodefesa, a partir do momento em que a defesa não é obrigada a apresentar provas contra si
própria, e a viabilidade da defesa técnica capaz de compreender profissionalmente as

34
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011, p. 84.
35
Ibidem.
29

características do processo e auxiliar o acusado da melhor forma possível. A legislação


brasileira, especialmente a Constituição Federal de 1988, tem uma postura extremamente
segura quanto ao direito de defesa técnica do acusado.
Portanto, no Brasil, a defesa técnica é um direito inalienável e indispensável. Com isto
o réu tem a possibilidade de obter a assistência de um defensor com forte capacidade técnica,
condição necessária para o correto andamento do processo.
As questões de defesa técnica são relevantes para os sujeitos do presente estudo, pois a
defesa completa, com recurso ao contraditório e ampla defesa, só pode ser considerada se a
defesa tiver acesso a todas as etapas que constituem um processo criminal, inclusive, por
ocasião do inquérito policial, quando ainda figura como investigado.
Ressalta-se que nos casos em que o preso não constitui defensor próprio, a Defensoria
Pública deve ser notificada em até 24 horas para facilitar a defesa técnica do investigado.
A questão da defesa técnica não pode ser discutida sem referência ao entendimento
firmado pelo Supremo Tribunal Federal de que a defesa do réu deve ter amplo acesso a
documentos e condutas conduzidas no âmbito de inquérito policial. Esse entendimento é
confirmado pela versão da Súmula Vinculante nº 14 de 2009.36
O resumo acima inclui um passo importante para a viabilidade de um sistema de defesa
e adversário em grande escala, e reafirma os fundamentos do sistema de acusação, deixando de
lado a tradição perniciosa de interrogatório.
Nesse sentido, o Estatuto da OAB também mudou, inovando o regime jurídico dos
procedimentos investigatórios da Lei 13.245/16, que altera o art. registros de delegacias de
polícia, e hoje, de acordo com essa lei específica, diz que os advogados têm acesso a qualquer
órgão de investigação criminal e, além dessa alteração, a referida lei traz no inciso XXI, bem
como nos incisos 10, 11 e 12:

Art. 7º: XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob
pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e,
subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele
decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da
respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
b) (VETADO).
§ 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o
exercício dos direitos de que trata o inciso XIV.
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o
acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento

36
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 14. 2015. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1230 Acesso em: 07 set. 2022.
30

e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da


eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.
§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento
incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já
incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional
por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o
intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do
advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.”37

No entanto, até agora, as garantias sobre a conduta levada a cabo na investigação


preliminar limitaram-se aos documentos e medidas que foram tomadas.
Eles não se aplicam àqueles que são mantidos em segredo por suas próprias
características. Saber antecipadamente o que os investigadores farão pode inviabilizar
processos criminais, o que, por sua vez, incentiva a impunidade.

37
BRASIL, LEI Nº 13.245, DE 12 DE JANEIRO DE 2016. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13245.htm Acesso em: 05 set. 2022.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta investigação é defender adequadamente a incidência de princípios e


inconsistências no âmbito das investigações policiais, com o objetivo de justificar a aplicação
desses princípios, explicando as crescentes correntes doutrinárias e, assim, trazendo uma
perspectiva constitucional à investigação.
Percebe-se que a investigação pela polícia não é apenas um documento de informação
para o processo e ao magistrado, para sentenciar, mas ainda é necessário popularizar tal
conscientização. A própria legislação processual penal confere valor probatório a esta fase
preliminar da persecução penal.
Desta forma, foram indicados os modelos de sistema processuais de outrora e feito
relações com o sistema brasileiro em sua generalidade e contemporaneidade. Trazendo o
sistema inquisitorial, acusatório e misto, onde o primeiro refere-se a discussão gravitando em
torno dos ataques aos quais sofre, como sua incapacidade de exercer determinadas garantidas
quanto ao procedimento, não fazendo valer, de fato, garantias fundamentais. O segundo traz
características para a persecução penal, ainda assim, casos desta persecução não pura, causando
uma atividade maior do juiz quanto a apresentação das provas, e por último, mas não menos
importante, o terceiro mostra como a doutrina brasileira encontra-se dividida quanto as
características do processo penal no Brasil, não obstante com críticas que podem vir a
caracterizar o sistema de forma a identificá-lo.
Foi discutido a situação do inquérito policial, sua historicidade e características, onde
aquela indica o inquérito, historicamente falando, como um mecanismo que serve para realizar
investigação antes do processo, inclusive com relevância, enquanto ele se divide em, como o
nome supõe, características do inquérito - escrito; inquisitivo; discricionário; oficioso; sigiloso;
indisponível; dispensável; oficialidade.
Ademais, na terceira seção, traz-se as questões referentes ao contraditório e ampla
defesa no inquérito policial e suas formas de se apresentar, tal como a relevância da atividade
probatória na própria investigação, mostrando como o sistema brasileiro tem como prioridade
os interesses da acusação em contraposição a defesa, tal como se vê na produção das provas.
Nesta perspectiva, foram levantas pontos de grande relevância quanto à defesa técnica,
trazendo as metodologias que possibilitam todos os meios possíveis para que possa provada a
inocência de qualquer investigado, mesmo que em determinados casos, como em inquéritos
mantidos em segredo, pelas questões que possam vir a inviabilizá-la.
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Dessa forma, para que os princípios acima sejam aplicados de forma concreta, é preciso
entender que o investigado não pode ser tratado como um simples objeto durante a fase de
investigação. Como sujeito real, o investigado tem o direito a apresentar contraprovas,
acompanhar todas as etapas da investigação e acompanhar todos os aspectos protegidos por lei.
Mas a conclusão é que é preciso vislumbrar a possibilidade de contraditório e adequada
defesa nos inquéritos policiais, pois é imprescindível que o investigado possa exercer melhor
seu direito constitucional ao contraditório e, assim, exercer plenamente o direito de defesa
técnica.
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