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BACHARELADO EM DIREITO
POUSO ALEGRE
2022
THAIS DE JESUS LEMOS VILELA
FDSM – MG
2022
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo estudar o inquérito policial e sua importância para a fase pré-
processual. O objetivo principal é o estudo sobre a possibilidade de aplicação de princípios
constitucionais, contraditório e ampla defesa, ainda que nessa fase preliminar. A pesquisa se
pauta em uma revisão bibliográfica, por meio da análise de doutrinas jurídicas relevantes, bem
como trabalhos científicos que tenham credibilidade acadêmica. O inquérito policial traz
características próprias, sendo necessário conscientizar que ele não é um procedimento
qualquer, onde os investigados são tratados como meros objetos, mas visa apurar autoria e
materialidade e influenciará sim, na decisão ao final proferida. Aspectos, como sistema
inquisitório, acusatório e misto serão estudados e contrapostos, para tornar este presente estudo
mais coeso e coerente quanto sua natureza e contemporaneidade. Ademais, vale ressaltar que
as características do inquérito são de suma importância para a presente proposta, desta forma,
será possível identificar os efeitos do contraditório e ampla defesa ainda nessa fase.
This work aims to study the police investigation and its importance for the pre-procedural
phase. The main objective is the study on the possibility of applying constitutional principles,
contradictory and ample defense, even in this preliminary phase. The research is based on a
bibliographic review, through the analysis of relevant legal doctrines, as well as scientific works
that have academic certification. The police inquiry has its own characteristics, and it is
necessary to be aware that it is not just any procedure, where the investigated are treated as
mere objects, but aims to determine authorship and materiality and will indeed influence the
final decision. Aspects such as the inquisitorial, accusatory and mixed system will be
considered and contrasted, to make this present study more cohesive and coherent in terms of
its nature and contemporaneity. Furthermore, it is essential mentioning that the characteristics
of the investigation are extremely relevant for the present proposal, in this way, it will be
possible to identify the effects of the contradictory and full defense still in this stage.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7
O presente trabalho inicia-se com uma investigação e uma análise do sistema processual
penal. Ele pode assumir a forma de acusatório ou inquisitório, ou até mesmo, de sistema misto.
A discussão do sistema processual penal é de fundamental relevância para o problema a ser
tratado, pois cada um desses modelos fornece um meio de atuação para os policiais no âmbito
das investigações preliminares.
Começa com uma análise do sistema inquisitório, cuja expressão mais verdadeira, aliada
ao período correspondente à Santa Inquisição, consiste em uma antiga modalidade de processo
penal com forte caráter autoritário e de desprezo aos direitos do acusado. Sua característica
básica é a reunião em uma pessoa, das funções de acusação, defesa e julgamento. Esse modelo
de justiça criminal é caracterizado por um forte senso de subjetivismo entre os juízes, que
primeiro se convencem da culpa do acusado e depois buscam, inclusive criando provas para
sustentar sua decisão.
Um dos procedimentos mais comuns utilizados neste tipo de justiça criminal é a tortura.
Essa abordagem mostrou-se problemática, pois o sujeito torturado, para escapar da tortura,
acabava admitindo uma heresia sem de fato ter cometido o ato.
O nascimento do sistema acusatório é uma ruptura com essa tradição inquisitiva,
assumindo uma clara e poderosa divisão de funções no âmbito do procedimento. Assim, ao
contrário do sistema anteriormente mencionado, o sistema acusatório marca o estado de sujeito
de direitos, não sendo o acusado um mero objeto de investigação. Uma característica distintiva
desse sistema processual é a presunção de inocência do réu, carecendo de uma base fática hábil
a provar sua culpa, para que possa vir a ser condenado.
Por fim, há o chamado sistema penal misto, discutido na doutrina por sua imprecisão
conceitual. Uma grande corrente de doutrinas entende um sistema processual híbrido como uma
situação em que há elementos de ambos os sistemas. No entanto, parte da doutrina, tal como
Aury Lopes Junior, tem criticado essa categoria, argumentando que ela é imprecisa pelo fato de
todos os sistemas processuais serem híbridos.
Em relação ao modelo processual aplicável ao Brasil, a persecução criminal se divide
em duas etapas ou fases. A primeira, aparentemente inquisitória, se manifesta na investigação
preliminar, geralmente materializada no inquérito policial. Em segundo lugar, na fase
processual, está sujeita ao crivo do contraditório, estando definidas as funções de acusar,
defender e julgar
8
Isso faz sentido, uma vez que a gestão da prova é fator preponderante para se identificar
o sistema processual. Superadas essas definições iniciais de modelos processuais, passa-se à
análise dos inquéritos policiais. Serão estudadas as principais características que compõem esse
procedimento administrativo, a fim de fornecer o suporte teórico necessário para a compreensão
da aplicação dos princípios da defesa adequada e do contraditório no âmbito da investigação.
Por fim, avançando mais especificamente para o objetivo central do estudo, discute-se
a incidência do contraditório e da ampla defesa, se adequados no contexto das investigações
policiais. A partir de agora, deve-se destacar que o inquérito é um espaço onde a Constituição
também deve ser aplicada.
Alguns dos pontos discutidos no último e mais importante capítulo incluem garantias
sobre a apresentação de provas; a incidência de inconsistências e defesas adequadas no âmbito
das investigações policiais; a importância do exame pericial na formação das convicções
subjetivas dos juízes e na orientação processual; e defesas técnicas e a importância da legítima
defesa para os réus nas investigações.
A metodologia eleita foi a revisão bibliográfica, por meio do qual foram consultadas
doutrinas jurídicas relevantes, bem como artigos científicos, com credibilidade acadêmica.
Foram, portanto, feitas contraposições importantes entre as diversas visões quanto ao tema, para
que assim pudesse construir uma proposta coesa quanto aos efeitos do contraditório e ampla
defesa no Inquérito Policial.
1. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Para fins analíticos, é necessário descrever brevemente como a justiça criminal está
organizada. A organização forma e obedece a um sistema, cuja definição é, em síntese: “uma
combinação de partes recolhidas com a finalidade de concorrer a resultados ou formar um
conjunto”1, ou ainda, dentro das definições: “um conjunto de meios e processos utilizados para
atingir um objetivo específico”2.
Assim, partindo da premissa de que o processo penal e a jurisdição penal operam por
meio de um sistema entendido como uma combinação de diferentes fatores capazes de formar
uma unidade coerente como um todo, a investigação torna-se relevante para os fatores
identificados relacionados ao crime, para a propositura da ação penal e consequente aplicação
do direito ao caso concreto.
Sobre o surgimento do ordenamento jurídico brasileiro, Weber faz uma nota relevante:
1
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Sistemas. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/sistemas
Acesso em: 02 dez. 2022.
2
Ibidem.
3
WEBER, Cristiano. O advogado diante da inquisitorialidade do inquérito policial. São Leopoldo: Oikos, 2009.
Disponível em: http://oikoseditora.com.br/files/WeberCristiano_OAdvogado.pdf p. 24. Acesso em: 01 set. 2022.
10
As origens do sistema inquisitorial têm a ver com a criação dos tribunais eclesiásticos,
que funcionaram na Idade Média, facilitando a chamada “Inquisição”. O principal objetivo
desses tribunais era investigar e descobrir as chamadas heresias. Elas eram entendidas como
formas que violavam as normas do direito canônico e o principal corpo de crenças religiosas da
época.
Uma característica essencial desse modelo de persecução penal é a ausência da
possibilidade de defesas contraditórias e adequadas. Dessa forma, o acusado ficava totalmente
sujeito às ordens e abusos das autoridades religiosas, e até mesmo utilizando métodos forenses
desumanos, como o chamado “teste da deusa” e outros procedimentos que podiam até envolver
tortura física.
As características desse sistema de julgamento podem ser apontadas, tais como a
concentração de funções: neste sistema, a concentração de funções judiciárias é a regra. Dessa
forma, um membro designado concentra as funções de autor, juiz e defensor. Não há divisão
do corpo principal do processo: o réu está em estado de objetivação e não tem direito de
participar efetivamente do processo.
Os processos são conduzidos de forma confidencial: o processo investigativo e o
procedimento ocorrem sem que as pessoas conheçam e intervenham em suas ações. Falta de
garantias processuais: os sistemas religiosos caracterizam-se pela ausência de garantias dos
direitos individuais e as reivindicações punitivas do sujeito contra o estado da igreja. Desta
forma, o acusado é novamente elevado à condição de objeto, obediência às ordens das
autoridades religiosas e abuso de poder;
A confissão tem maior valor determinante em relação a outras provas, mas não as
desqualifica. Esse método de obtenção da verdade é muito questionável, pois o acusado já foi
submetido a diversas torturas e são comuns as falsas confissões para evitar a tortura; ser
absolvido.
Um ponto relacionado diz respeito ao papel dos juízes na produção de provas. O sistema
de interrogatório caracteriza-se pela participação ativa dos juízes na produção de provas, visto
que estas são vistas como meio de confirmar a visão subjetiva do juiz sobre a conduta do agente.
Uma característica, portanto, é a apresentação de provas pelo Inquisidor para fundamentar seu
julgamento, o que antecipa a audiência do sujeito.
Um meio amplamente utilizado para confirmar as ideias dos magistrados envolve o uso
da tortura, meio amplamente utilizado para obter a “verdade”. Deve-se notar que essa “verdade”
existe na opinião subjetiva do juiz muito antes de ele conhecer todos os fatos relevantes ao
11
processo. Então, em outras palavras, o juiz primeiro tenta tomar uma decisão e depois procura
formas de justificar a forma como decidiu.
Um ponto relacionado é o sistema de interrogatório e a delação denominada de
premiada. O aparecimento desse fenômeno pode ser rastreado até o período da corte da igreja.
Isso acontece por causa de uma atitude que encoraja os crentes a confessarem seus pecados
perante as autoridades religiosas. Como tal, o clero goza de enorme controle sobre a
comunidade, pois é prática comum condenar para obter privilégios.4
Os sistemas de investigação são atacados de várias maneiras. A crítica mais incisiva, no
entanto, é a incapacidade de exercer as garantias processuais básicas no sistema para que os
réus possam refutar as acusações impostas a eles. Argumentou-se que esse processo não
envolve necessariamente o respeito às garantias fundamentais, sendo apenas uma ferramenta
destinada a fazer valer direitos substantivos.
O sistema acusatório tem uma longa tradição na história e sua ocorrência como
paradigma em civilizações antigas como Índia, Roma e Atenas é verificável. Na tentativa de
detalhar e analisar historicamente as principais características desse sistema nas civilizações
antigas, Weber o descreveu assim, valendo-se de Tourinho Filho:
O sistema acusatório teve o seu início na Índia, depois seguiu em Atenas e Roma,
durante o período republicano, concebido na Antiguidade clássica. Durou até o século
XII e, segundo Tourinho Filho, havia uma série de garantias a serem observadas, tais
como o contraditório, a igualdade entre as partes, a publicidade dos atos processuais,
permitindo, na maioria das vezes, o acesso às atas do processo a qualquer homem do
povo. Além disso, pessoas distintas e independentes entre si eram encarregadas de
acusar, defender e julgar. Ao juiz não era dado o poder de iniciar de ofício o processo,
pois a iniciativa cabia à parte ofendida e, também, prevalecia a oralidade e a
formalidade. Segundo Hélio Tornaghi, a investigação preliminar era realizada pelo
próprio acusador, que recebia do juiz um mandado para efetuar todas as diligências
que considerasse necessárias para provar a infração. Observavam-se as características
do sistema, nemo in iudicium trade tursine accusatione, ou seja, ninguém pode ser
levado a juízo sem uma acusação. É importante frisar que, no sistema acusatório, o
réu era presumido inocente até o julgamento final, inexistindo prisões cautelares,
exceto para a execução da pena5
4
NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Sistemas processuais penais. 2011. Disponível em:
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6193/Sistemas-ProcessuaisPenais Acesso em: 01 set. 2022.
5
WEBER, Cristiano. O advogado diante da inquisitorialidade do inquérito policial. São Leopoldo: Oikos, 2009.
Disponível em: http://oikoseditora.com.br/files/WeberCristiano_OAdvogado.pdf p. 26. Acesso em: 01 set. 2022.
12
Dessa forma, é perceptível a partir da citação que, dentro dos limites do sistema de
acusação, é permitido ao acusado acompanhar e participar do processo como sujeito. Não é
apenas atuar como objeto no processo, sem direitos e garantias. É um sistema capaz de defesas
contraditórias e adequadas, onde é possível impugnar fatores fáticos e outros que a acusação
possa suscitar, desde que seja por meio da participação do acusado.
Conforme explana Weber, o sistema consistia em um padrão quase hegemônico de
processos criminais em civilizações antigas que, em última análise, não respondia às aspirações
da sociedade. Isso acontece na medida em que, ao fornecer ao acusado muitos direitos e
garantias, o agressor pode ficar impune por fatores como fuga, falsas defesas etc.6
No sistema acusatório, não é permitido aos magistrados deter em suas mãos a gestão da
prova, nem conduzir procedimentos de investigação.
Portanto, a separação de funções desse sistema é clara, uma vez que existem sujeitos
específicos responsáveis pela investigação, acusação e defesa dos acusados. No âmbito deste
sistema processual, os juízes devem manter a imparcialidade para com as partes e não têm outra
função senão avaliar com justiça o desempenho delas.
Nagima lista os seguintes documentos e fatos históricos que podem ter inspirado o
sistema acusatório: Magna Carta; Bill of Rights; secularização; iluminismo.7
As características deste sistema são as seguintes: a gestão da prova é da competência
exclusiva das partes, pelo que a função dos magistrados é afastada desta fase, preservando assim
a imparcialidade e equidistância, com a separação clara das funções estabelecidas, as funções
de acusação, defesa e julgamento.
O processo deve ser público, sem restrições, princípio consagrado na democracia, no
entanto, em alguns casos, pode ser exigido seu sigilo. Dentro dos limites do sistema acusatório,
o réu não é visto como objeto, mas como sujeito, garantido o exercício de seus direitos e
garantido não ser sujeita ao arbítrio do Estado, exposto aos excessos de exigências punitivas.
Ao estender o objeto do procedimento em vez da condição da objeção, o réu recebe uma
série de garantias, como um sistema contraditório, uma defesa adequada, estrita observância ao
devido processo legal e outros direitos, impondo limites ao Estado no exercício de seu poder
punitivo.
6
WEBER, Cristiano. O advogado diante da inquisitorialidade do inquérito policial. São Leopoldo: Oikos, 2009.
Disponível em: http://oikoseditora.com.br/files/WeberCristiano_OAdvogado.pdf p. 26. Acesso em: 01 set. 2022
7
NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Sistemas processuais penais. 2011. Disponível em:
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6193/Sistemas-ProcessuaisPenais Acesso em: 01 set. 2022.
13
Embora haja consenso teórico sobre a definição das principais características do sistema
penal para a persecução penal, na prática podem ocorrer casos de persecução não pura, em que
dispositivos legais permitem que uma parte gerencie provas, como em alguns casos no processo
penal brasileiro. Medida em que o juiz pode tomar uma posição ativa na apresentação de provas.
Como será verificado na próxima seção, ainda há resquícios de um modelo híbrido/misto de
processo penal no Brasil.
O sistema processual penal misto recebe esse nome devido à intersecção do sistema
acusatório e inquisitório. Portanto, neste modelo processual, existem duas etapas processuais,
a primeira é o sistema inquisitório (investigação/inquérito) e a segunda é o sistema acusatório
(fase processual).
A primeira fase é uma investigação preliminar. É de natureza claramente investigativa.
No caso de inquérito policial é presidida pela autoridade policial, o delegado de polícia, que
recolhe os elementos de informação, para que, após concluído e remetido à justiça, seja proposta
a inicial acusatória. A segunda etapa se refere ao próprio processo, quando as provas produzidas
pelas partes se submetem ao crivo do contraditório, entretanto, o Juiz ainda dela participa, em
dados momentos.
8
NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Sistemas processuais penais. 2011. Disponível em:
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6193/Sistemas-ProcessuaisPenais Acesso em: 01 set. 2022.
14
Teoricamente, há uma visão dominante de que o processo penal brasileiro é misto nas
etapas acima mencionadas, inquisitorial e acusatória. No entanto, essa posição tem sido
duramente criticada, pois, na forma como está, a investigação não pode ser considerada parte
do processo, pois é apenas um procedimento administrativo destinado a investigar e verificar a
identidade e o significado dos autores.
Ainda divergências teóricas sobre o modelo processual vigente no Brasil, vale destacar
a posição do professor Aury Lopes Jr., o modelo processual vigente no Brasil consiste, portanto,
em um modelo inquisitório. Assim sendo:
9
LOPES JR., Aury. Curso de Direito Processual Penal. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 52.
2. SOBRE O INQUÉRITO POLICIAL
10
LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 135
16
11
BRASIL. Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 05 set. 2022.
12
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016, p. 95.
13
LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 65.
14
Ibidem.
15
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit. p. 65.
16
LOPES JR, Op. cit. p. 65.
17
Dessa forma, como front office do processo penal, a investigação é um meio pelo qual
o Estado investiga as infrações penais e é capaz de fornecer subsídios a serem utilizados em
futuros processos criminais.
Por fim, cabe ressaltar a natureza jurídica dos inquéritos policiais. Trata-se de uma
natureza administrativa significativa, uma vez que não deve ser confundida com qualquer
processo-crime ou processo administrativo posterior, desde que não se aplique qualquer sanção
no âmbito da investigação. Portanto, este procedimento destina-se apenas a esclarecer os fatos
ocorridos na infração penal denunciada.
O inquérito policial se traduz em mecanismo investigativo em fase pré-processual, não
sendo imprescindível, mas extremamente relevante, quando são coletados elementos de
informação, necessários à apuração de autoria e materialidade – lastro mínimo probatório, para
a propositura da competente ação penal.
Para que se entenda as características do Inquérito Policial, devem ser analisados alguns
pontos referentes a ele, tais como: ser escrito; inquisitivo; discricionário; oficioso; sigiloso;
indisponível; dispensável; oficialidade.
Uma das características de um inquérito policial, é ser escrito. É um procedimento
documentado porque tudo tem que ser registrado, não precisa necessariamente ser em papel, e
aí pode ser gravado, digitalizado. Nesse sentido: “Tendo em vista as finalidades do Inquérito,
não se concebe a existência de uma investigação verbal. Por isso, todas as peças do inquérito
policial serão, num só processo, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas
pela autoridade (CPP, art. 9°)”17
A segunda característica é ser ele inquisitivo. De acordo com a doutrina majoritária,
porque remonta ao sistema inquisitório, onde todo o poder está concentrado nas mãos do rei,
assim é o inquérito policial, porque todo o poder está nas mãos da autoridade policial, que o
preside.
A terceira característica é a discricionariedade, ainda nesta fase pré-processual, onde
quem decide sobre o inquérito policial, seu conteúdo, é a autoridade policial que o preside.
17
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2018. DILEMAS: Revista de Estudos
de Conflitos e Controle Social, [s. l.], v. 3, n. 7, p. 35-50, Jan. Fev. Mar. 2010. p. 119.
18
Ademais, o inquérito não tem parte, não tem acusação, tampouco defesa e lide. Tem-se apenas
a imagem do investigado e da vítima, portanto a defesa majoritária não é contraditória:
De acordo com os artigos 6º e 7º, Código de Processo Penal, no que diz respeito às várias
diligências que o delegado de polícia pode tomar após ter conhecimento dos fatos criminosos,
essas diligências ficam a critério da autoridade policial. Além disso, é importante observar que
essa discricionariedade conflita com a legalidade e, portanto, é regulamentada.
A quarta característica é a oficiosidade, onde em regra, a partir do momento em que a
autoridade policial tiver conhecimento do crime, poderá ser constituído por ela apuração de
ofício, no caso de crime de ação penal pública incondicionada, ou no caso de crime de ação
penal pública condicionada à representação da vítima, se ela manifestar essa vontade; e até
mesmo em crime de ação penal privada, também mediante manifestação da vítima ou seu
representante legal.
A quinta característica do inquérito é ser sigiloso, o que refere-se, de acordo com o
Código de Processo Penal, que as investigações policiais devem ser mantidas em sigilo quando
as autoridades policiais julgarem necessário, com o fito de serem eficazes no processo de
investigação e esclarecimento de crimes. A confidencialidade não se estende às autoridades
judiciárias ou representantes do Ministério Público. Importa destacar aqui a Súmula Vinculante
14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de
prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.19
Quanto à sexta característica, a indisponibilidade, isso significa que, a partir do
momento em que se inicia o inquérito policial, o representante não pode mais arquivar, mesmo
que as autoridades percebam que o ato não é um fato criminoso típico, a única coisa que ele
pode fazer é encaminhar o processo. O art. 17, Código de Processo Penal, estipula esta regra de
forma clara.
18
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2018. DILEMAS: Revista de Estudos
de Conflitos e Controle Social, [s. l.], v. 3, n. 7, p. 35-50, Jan. Fev. Mar. 2010. p. 121.
19
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 14. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1230. Acesso em: 02 dez. 2022.
19
20
OLIVEIRA NETO, Erivan Carvalho de. A (in)aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa no inquérito
policial. p. 18. Monografia de graduação: UFPB, 2019. Disponível em:
https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/14670/1/ECON16052019.pdf Acesso em: 05 set. 2022.
21
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 02 dez. 2022.
20
22
OLIVEIRA NETO, Erivan Carvalho de. A (in)aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa no inquérito
policial. Monografia de graduação: UFPB, 2019. Disponível em:
https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/14670/1/ECON16052019.pdf Acesso em: 05 set. 2022.
3. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA: EFEITOS QUANTO AO INQUERITO
POLICIAL
23
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 75
22
Não há dúvida de que as garantias da ampla defesa e o contraditório são, ao lado da proibição
de produção de prova ilícita, da presunção de não culpabilidade e da não obrigatoriedade de
produzir prova contra si mesmo, condicionantes da validade das provas dentro de um
processo penal garantista, que abrange não apenas a instrução processual presidida pelo juiz,
mas toda atividade de instrução probatória que tenha repercussão sobre o processo, com
destaque para a realizada durante o inquérito policial. 25
24
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011. p. 80.
25
Ibidem, p. 81.
23
Nesta ótica, pelo fator de ter que reorganizar todo um aparato estatal em âmbito
nacional, há uma problemática quanto a esta alteração referente aos serviços públicos.
Portanto, o investigado deve ter certos direitos em relação à acusação pela polícia. A
primeira questão que deve ser abordada é que ele precisa conhecer os fatos que lhe são
imputados que motivariam uma investigação contra ele.
Por outro lado, o investigado deve ser capaz de apresentar acusações que contradizem
as acusações contra ele. Outro direito do investigado na investigação diz respeito à sua
capacidade de acompanhar a produção de provas e de contraprovas. Durante a fase de
investigação, o investigado deve dispor de defesa técnica capaz de instruí-lo e promover uma
defesa efetiva em seu nome:
26
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011.
27
BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm Acesso em: 05 set.
2022.
28
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar Na Ação Direta De Inconstitucionalidade 6.298. Distrito
Federal. Relator: Min. Luiz Fux, julgado em 22/01/2020.
24
Assim, o conhecimento dos fatos investigados e das provas produzidas, bem como a
possibilidade de insurgência antecipada, marca o inquérito com a característica de
uma contrariedade antecipada às alegações e provas do acusador no processo penal,
necessária a sua qualificação democrática. Se há verdadeira atividade probatória
durante a investigação criminal policial, torna-se indispensável o reconhecimento do
direito ao contraditório na persecução extrajudicial, como veremos a seguir.29
Relevante para este estudo é o papel desempenhado pela descoberta do sujeito penal por
sua capacidade probatória única em situações fáticas envolvendo crime. Trata-se de uma
verdadeira reconstrução dos fatos de um crime, investigando todas as suas etapas, o que levou
ao desfecho, e outros fatores relevantes que permeiam as circunstâncias fáticas em que o crime
ocorreu.
O tema do ilícito refere-se à materialidade dos fatos criminosos, e a revisão do ilícito
inclui os meios técnicos que podem verificar essa materialidade. É comum haver alguma
confusão entre os dois termos, e na verdade eles designam coisas diferentes, embora estejam
intimamente relacionados no processo penal.
Por exemplo, a materialidade de um crime, por meio do exame de corpo de delito, pode
ser verificada de duas maneiras diferentes. A primeira é a lei que envolve o autor do ilícito, ou
seja, a situação em que a polícia judiciária utiliza meios técnicos para verificar sua essência. A
outra forma é indireta, ou seja, onde a prova testemunhal é usada principalmente, que é mais
frágil do que a prova direta, mas visa evitar a impunidade onde não há possibilidade direta de
um crime.
Surge, então, o corpo de delito direto e o indireto. De forma direta, realiza-se por
perícia, a forma científica mais próxima de se atestar a existência ou inexistência de
algo (ex.: drogas). De forma indireta, o corpo de delito advém da prova testemunhal
(art. 167, CPP). Não é a forma correta e ideal, mas um escape para evitar a impunidade
de certos delitos (ex.: testemunhas veem o agente desferir vários tiros na vítima,
29
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011. p. 81.
25
Não se trata, por óbvio, somente do exame de corpo de delito naqueles crimes que
deixam vestígios, mas de várias outras medidas como coleta de documentos,
inquirições, busca e apreensão, quebra do sigilo bancário, fiscal entre outros, o
reconhecimento de pessoas e coisas, a interceptação das comunicações telefônicas
etc., realizáveis, em regra, somente durante a fase da investigação policial preparatória
do processo-crime. Há provas que, por sua natureza ou por dada circunstância
temporal, não podem ser obtidas ou produzidas apenas durante a fase da instrução
30
NUCCI, Guilherme de Souza. Corpo de delito e exame de corpo de delito. Disponível em:
http://genjuridico.com.br/2015/04/30/corpo-de-delito-e-exame-de-corpo-de-delito/ Acesso em: 07 set. 2022.
31
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 05 set. 2022.
26
32
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011. p. 82.
27
Desse modo, propõe-se que não deve haver dúvida de que no indiciamento deve ser
conferido ao investigado, por seus próprios meios e por meio de seu defensor, a
possibilidade de se insurgir contra as evidências de autoria que pesam sobre ele.
Todavia, devemos ir mais além. Sustentamos que, não havendo risco para coleta da
prova, deve o suspeito, sobre o qual pesam ainda parcas evidências de autoria do
delito, ser inquirido e informado sobre o fato o quanto antes, a fim de que possa
esclarecê-lo, afastando ou não a suspeita.33
Esta situação exige duas posições contra o suspeito durante a intimação ou processo de
acusação. Em primeiro lugar, quando as provas forem insuficientes para apurar a autoria do
crime, o representante deve proceder à redução do prazo da declaração do investigado e
proceder à transmissão dos direitos do arguido, previstos no âmbito do art. 5º, CF/88. Noutro
giro:
33
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011. p. 83.
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Cumpre ressaltar, todavia, que embora a polícia judiciária tenha exercido desde
sempre a função de investigação com relativa independência técnica e orgânica,
necessárias ao êxito da tarefa de perquirição, vislumbra-se na atualidade forte
tendência a se consolidar um modelo de investigação unilateral, nitidamente voltado
aos interesses da acusação e em detrimento do acusado e de sua defesa, quando, em
verdade, a busca da prova deve ser tanto tutelada e favorecida quanto da
contraprova.35
Pode-se ver que o acusado deve ter certeza de que ele tem todos os meios para provar
sua inocência. Embora não haja obrigação de juntar provas ao processo, uma situação
decorrente da presunção de inocência, em alguns casos, a prestação de provas é uma forma
eficaz de provar a inocência.
Ao longo do processo, viabilizar todos os meios de defesa disponíveis, inclusive a
autodefesa, a partir do momento em que a defesa não é obrigada a apresentar provas contra si
própria, e a viabilidade da defesa técnica capaz de compreender profissionalmente as
34
BARBOSA, Emerson Silva. O devido processo penal e as garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito policial. Sistema Penal e Violência. Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 73-88, jan./jun. 2011, p. 84.
35
Ibidem.
29
Art. 7º: XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob
pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e,
subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele
decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da
respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
b) (VETADO).
§ 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o
exercício dos direitos de que trata o inciso XIV.
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o
acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento
36
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 14. 2015. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1230 Acesso em: 07 set. 2022.
30
37
BRASIL, LEI Nº 13.245, DE 12 DE JANEIRO DE 2016. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13245.htm Acesso em: 05 set. 2022.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, para que os princípios acima sejam aplicados de forma concreta, é preciso
entender que o investigado não pode ser tratado como um simples objeto durante a fase de
investigação. Como sujeito real, o investigado tem o direito a apresentar contraprovas,
acompanhar todas as etapas da investigação e acompanhar todos os aspectos protegidos por lei.
Mas a conclusão é que é preciso vislumbrar a possibilidade de contraditório e adequada
defesa nos inquéritos policiais, pois é imprescindível que o investigado possa exercer melhor
seu direito constitucional ao contraditório e, assim, exercer plenamente o direito de defesa
técnica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 14. 2015. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1230 Acesso
em: 07 set. 2022.
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Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social, [s. l.], v. 3, n. 7, p. 35-50, Jan. Fev. Mar.
2010.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
34
LOPES JR., Aury. Curso de Direito Processual Penal. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Sistemas processuais penais. 2011. Disponível em:
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6193/Sistemas-ProcessuaisPenais Acesso em: 01
set. 2022.
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http://genjuridico.com.br/2015/04/30/corpo-de-delito-e-exame-de-corpo-de-delito/ Acesso
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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 13 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2016.