Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
Ao se analisar os estudos acerca da Operação Lava Jato, a incidência do lawfare, a
alteração legislativa do juiz das garantias e a necessidade de proteção de direitos
humanos em sede de investigação criminal, o presente artigo traz o seguinte
questionamento: o instituto do juiz das garantias poderia ser um mecanismo de
combate ao lawfare e de proteção de direitos humanos em sede de investigação? A
hipótese levantada se apresenta a partir da ideia de que o instituto do juiz de garantias
atua passivamente pelo princípio da inércia e da imparcialidade na fase de persecução
penal – fase esta que, segundo a doutrina majoritária não são amparadas pelos
princípios da ampla defesa e contraditório e que, por si só, possuem caráter
amplamente inquisitivo – a partir do objetivo de coibir atos advindo da utilização da lei
como guerra dentro da fase inquisitorial. Sendo possível, portanto, verificar com maior
sensibilidade eventuais investigações com o (ab)uso da legislação como objetivo de
alcançar objetivos políticos. Para tanto, a metodologia utilizada quanto à natureza das
fontes será a pesquisa bibliográfica a partir das contribuições dos autores sob viés
analítico de suas obras. Quanto aos objetivos de pesquisa, utilizaremos a pesquisa
explicativa para entendermos os institutos apresentados, suas causas e incidências.
ABSTRACT
By analyzing the studies on Lava Jato Operation, the incidence of lawfare, the
legislative change of the judge of guarantees and the need for protection of human
rights in criminal investigations, the present article raises the following question: could
the institute of the judge of guarantees be a mechanism to combat lawfare and protect
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
2
Os direitos humanos são um dos fundamentos principais do Estado
Democrático de Direito e da consolidação da redemocratização que, infelizmente, é
necessária sua reafirmação diária.
O juiz das garantias como essência do garantismo e, neste caso, do garantismo
penal, tem como premissa a efetivação dos direitos constitucionais no âmbito do
direito e processo penal, retirando do juiz uma participação ativa na fase investigativa
e com o devido respeito à imparcialidade, com estrito cuidado aos atos processuais
que permitem decisões de ofício.
E, por fim, o lawfare, instituto este que fora protagonista da Operação Lava Jato
como demonstra os estudos apresentados em análise ao caso e que se tornou uma
grande estratégia ao utilizar a própria lei como arma política para satisfazer interesses
políticos, caracterizado por um punitivismo autoritário, coordenado e politizado.
Desta forma, embasados por essas análises críticas e no objetivo de realizar
uma correlação entre os saberes, o presente artigo traz o seguinte questionamento: o
instituto do juiz das garantias poderia ser um mecanismo de combate ao lawfare e de
proteção de direitos humanos em sede de investigação criminal?
Logo, a hipótese perpassa a ideia de que o instituto do juiz das garantias
poderia aperfeiçoar a prestação jurisdicional, pois estabelece a distinção do
magistrado na persecução penal e na fase de conhecimento.
De acordo com a doutrina majoritária, não há ampla defesa e contraditório
propriamente ditos na fase inquisitorial, considerando o aspecto meramente
informativo e procedimental. Daí se afirma o caráter predominantemente inquisitivo
dessa fase.
Espera-se que a atuação do magistrado, coberto pelo manto das garantias,
como o próprio termo já expressa, efetivaria uma prestação jurisdicional mais eficiente
e eficaz, cumprindo a função do Estado-Juiz que é promover a pacificação social.
Nutre-se ainda a expectativa de que o instituto do juiz das garantias
possibilitaria verificar com maior sensibilidade eventuais investigações maculadas
pelo (ab)uso da legislação como método de alcançar objetivos políticos ilegítimos.
Para tanto, a metodologia utilizada quanto à natureza das fontes será a
pesquisa bibliográfica a partir das contribuições dos autores sob viés analítico de suas
obras. Quanto aos objetivos de pesquisa, utilizaremos a pesquisa explicativa para
entendermos os institutos apresentados, suas causas e incidências.
3
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES).
4
busca e apreensão e outros procedimentos necessários para a elucidação e
conclusão da investigação.
Concluída a fase inquisitorial do procedimento, o Ministério Público, detentor
do poder acusatório, apresenta a denúncia para o Poder Judiciário que instaura a fase
processual sob a presidência de um juiz de instrução e julgamento, responsável pela
condução da prova judicial, apreciação dos fatos e promulgação da sentença
Assim, o Pacote Anticrime estabelece que a persecução penal será conduzida
por dois magistrados com funções diferentes: o juiz das garantias, na fase pré-
processual ou na persecução penal e o juiz de instrução e julgamento, na fase
processual ou de conhecimento (BRASIL, 2019a).
Importa frisar que a nova lei institui o sistema acusatório na organização
judiciária e o impedimento de o juiz funcionar durante a investigação criminal de forma
ativa, in verbis: “[...] Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a
iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do
órgão de acusação [...]” (BRASIL, 2019a, n.p.).
Contudo, há uma dificuldade no pleno respeito ao sistema acusatório –
especialmente em processos de grande clamor social – que é o cerne da
redemocratização, como preceitua Santos (2008, p. 102):
3 Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua
capacidade de resistência, a: I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; III - produzir prova
contra si mesmo ou contra terceiro: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo
da pena cominada à violência (BRASIL, 2019b, n.p).
5
possível verificar uma resposta direta às violações da Operação Lava Jato e uma
consequente tentativa de supressão ao lawfare, como se vê:
[...] Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das
regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de
qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem
da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil,
administrativa e penal [...] (BRASIL, 2019a, n.p.).
4 Art. 282, § 2º. As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando
no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento
do Ministério Público. [...] Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal,
caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou
do assistente, ou por representação da autoridade policial. (BRASIL, 2019a, n.p).
6
Judiciário, utilizou de uma relação de conchavo para se beneficiar, como bem expõe
criticamente Martins Junior (2020, p. 255), verbis:
[...] Quer dizer, há uma tríplice aliança entre agentes estatais do sistema
judicial – Polícia, Ministério Público, Magistratura – que se desenrola em
lugares distantes dos espaços públicos das audiências, à revelia da parte
adversa. [...]
Neste contexto, é possível que o juiz das garantias contribua para que a
prestação jurisdicional seja conduzida sob o viés de imparcialidade e atuando numa
posição de equidistância em relação às partes e com independência funcional
(BRASIL, 2019a).
Ainda que haja manifestações problemáticas a partir de um senso punitivista,
esta figura garantidora desempenha função cujo objetivo se pautará também na
necessidade de controlar, parametrizar e definir os limites de atuação das partes
envolvidas em busca da humanização e democratização do processo penal.
Os direitos humanos, desta forma, solidificam-se pelos próprios objetivos do
juiz das garantias ao se fundamentar a partir dos princípios protegidos pelos tratados
internacionais que se resumem na imparcialidade do juiz, evitando que haja um estado
ou tribunal de exceção; no devido processo legal, respeitando a sequência natural do
processo, seus prazos, teses e atos; na ampla defesa e no contraditório pelo controle
do punitivismo irracional; na fundamentação das decisões judiciais, evitando
arbitrariedade e, por fim, no respeito à dignidade da pessoa humana e na presunção
de inocência, evitando a humilhação pública e o linchamento moral do cidadão
arrolado no polo passivo da persecução penal diante da sociedade.
7
3. A LEI COMO GUERRA: A VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS QUE
SUSTENTA A HEGEMONIA ESTATAL
8
de interpretações escusas sobre princípios, procedimentos e
categorias. [...]
O sujeito, então, que busca utilizar a lei como guerra, atua diretamente no
sistema judiciário e provoca uma ampla participação de vários outros atores que
controlam diversos segmentos da sociedade como o foro processual, as vítimas a
quem se pretende atingir e é claro, a lei. E vai além, influenciando a sociedade a partir
da alienação das massas e controle da informação pela imprensa. Cria-se um
ambiente de confronto aos moldes da Guerra Fria que, até certo ponto, possui
interessantes características similares e um forte intuito econômico, como explica
Oliveira (2020, p. 81):
5 É importante citar que, como em todo corpo do trabalho, a Operação Lava Jato é citada como o
principal processo – como é de fato – que a incidência do lawfare é intimamente perceptível e ressurgiu
como amplo debate jurídico-político, principalmente porque, Cristiano Zanin e sua equipe responsável
pela defesa do ex-presidente Lula, estruturou uma doutrina que conceitua e nos apresenta importantes
debates sobre o sistema de justiça brasileiro à luz do lawfare (ZANIN; MARTINS; VALIN, 2019).
9
rol de atos e medidas judiciais determinadas nos processos penais que se sucederam
durante a referida operação, além da velocidade destes atos, senão, vejamos:
10
e da Odebrecht – réus no mesmo processo – foram julgadas num prazo de 400 dias
e quase 800 dias, respectivamente.
Segundo Zanin, Martins e Valim (2019, p. 20), a Operação Lava Jato
instrumentalizou o Direito, isto é, fez uso estratégico do sistema de justiça para
deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo, na figura do ex-presidente Lula: “[...]
havia método e propósito claros em todo aquele conjunto de atos processuais e
extraprocessuais do Estado, a revelar uma inaudita instrumentalização do Direito para
destruir uma pessoa considerada inimiga [...]”.
E todo o contexto de campanha anticorrupção e de manipulação do aparato da
persecução penal resultaram numa intensa violação de direitos humanos. Esse viés
constitui uma mácula do sistema de justiça, da própria democracia, além do
autoritarismo empregado.
Ressaltamos que, muito embora o objetivo deste trabalho não seja a análise
dos entendimentos jurisprudenciais que resultam numa espécie [fracassada] de
common law, em detrimento do civil law, o polêmico protagonismo do judiciário ou
ativismo judicial na sua via de mão-dupla da judicialização da política e da politização
da justiça, exercem, é certo, influência na forma da aplicabilidade das interpretações
a depender de quem usa e da forma como usa – eivados de objetivos políticos –,
podendo ser convertidos em armas de guerra, contribuindo igualmente para o lawfare.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
11
do juiz das garantias propõe exatamente a garantia de direitos fundamentais
essenciais para o processo penal democrático.
Aliado à isso, a Supremo Corte brasileira julgou os atos praticados pelo ex-juiz
Sérgio Moro no contexto da Operação Lava Jato recentemente e, entendeu que houve
imparcialidade, reconhecendo o lawfare em desfavor do ex-presidente Lula,
resultando na anulação de todos os atos praticados pelo ex-juiz, o que demonstra uma
vitória em relação ao próprio Poder Judiciário em verificar a violação de direitos e
garantias dentro do processo.
Contudo, é necessária cautela, principalmente porque, o Supremo Tribunal
Federal suspendeu a eficácia do juiz das garantias, sem data para reanalisar o caso,
o que deixa boa parte das análises sobre o juiz das garantias, até certo ponto,
abstratas, se considerarmos a reinante sensação de insegurança jurídica.
A cautela é necessária ainda em relação à organização judiciária que pode
problematizar a devida atuação do juiz das garantias, seja por rodízio indevido de
juízes, seja pela argumentação de ausência orçamentária para não obedecer a lei. O
juiz das garantias precisará ainda ter conhecimento e expertise suficientes para evitar
a violação de direitos humanos e perceber, com mínima eficácia, a possível incidência
do lawfare no sistema político-jurídico.
A questão da mídia e manipulação social talvez seja um dos pontos mais
sensíveis do lawfare uma vez que, todo poder emana pelo povo – ou assim, deveria
ser. Logo, o manejo de informações tendenciosas para problematizar, controlar e
formar o subconsciente coletivo de culpabilidade da pessoa alvo da investigação,
pode nos induzir ao erro de criticar o ideal democrático como fundamento do Estado.
A realidade que encontramos é em uma sociedade que endossa os atos
violadores da Operação Lava Jato, endeusa seus agentes, descredibiliza a proteção
aos direitos humanos para, ao final, termos lamentáveis resultados nas urnas.
REFERÊNCIAS
12
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art3.
Acesso em: 14. jul. 2021.
MARTINS JUNIOR, Osmar Pires. Lawfare em debate. Goiânia: Kelps, 2020. 480 p.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 3. ed. Curitiba: ICPC: Lwnen
Juris, 2008. 139p.
13