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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Monografia de Graduação em Direito

(Nome completo) Rubia

OS LIMITES DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESFERA DA


INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Belo Horizonte
2021
Rubia

OS LIMITES DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESFERA DA


INVESTIGAÇÃO CRMINAL

Monografia apresentada ao curso de


Direito da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, como requisito principal
para obtenção do título de bacharel em
Direito.

Orientador:

Belo Horizonte
2021

2
Rubia

OS LIMITES DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESFERA DA


INVESTIGAÇÃO CRMINAL

Monografia apresentada ao curso de


Direito da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, com requisito principal
para obtenção do título de bacharel em
Direito.

_____________________________________
ORIENTADOR – PUC Minas

_____________________________________
Avaliador nº 1

_____________________________________
Avaliador nº 2

Belo Horizonte, DATA

3
Aos meus pais e a minha
irmã pelo amor, apoio e
incentivo e ao meu
namorado pela paciência
e companheirismo.

4
AGRADECIMENTOS

5
RESUMO

O presente estudo busca analisar a investigação criminal no Brasil. Além da


explanação acerca da investigação propriamente dita e como ela se
desenvolveu no país, será também examinado o papel do Ministério Público
nas investigações. Há opiniões divergentes a respeito do tema, com posições a
favor e contra o envolvimento do parquet nas investigações. Os contrários
alegam que não há previsão expressa na Constituição, enquanto os que
concordam fazem uma interpretação um tanto quanto extensiva do
ordenamento jurídico. O Supremo Tribunal Federal também se posicionou a
respeito do assunto alegando que o Ministério Público atua como parte e fiscal
da lei nos processos, mas que pode investigar casos relativos aos assuntos do
processo penal. De todo modo, apesar dessas controvérsias, a unanimidade é
que deve ser garantido e protegido os direitos individuais e coletivos prescritos
no ordenamento jurídico, devendo assim analisar desde a investigação criminal
se esses quesitos estão sendo cumpridos.

Palavras-chave: Direito processual penal. Direito Penal. Investigação criminal.


Ministério Público. Supremo Tribunal Federal. Direitos e garantias
fundamentais. Constituição. Normas constitucionais.

6
ABSTRACT

This study seeks to analyze criminal investigation in Brazil. In addition to an


explanation about the investigation itself and how it developed in the country,
the role of the Public Ministry in investigations will also be examined. There are
divergent opinions on the subject, with positions for and against the involvement
of parquet in the investigations. Opponents claim that there is no express
provision in the Constitution, while those who agree make a somewhat
extensive interpretation of the legal system. The Federal Supreme Court also
took a stand on the matter alleging that the Public Ministry acts as a party and
overseer of the law in the processes, but that it can investigate cases related to
the matters of the criminal process. In any case, despite these controversies,
the unanimity is that individual and collective rights prescribed in the legal
system must be guaranteed and protected, thus analyzing whether these
requirements are being met from the criminal investigation.

Keywords: Criminal procedural law. Criminal Law. Criminal investigation. Public


ministry. Federal Court of Justice. Fundamental rights and guarantees.
Constitution. Constitutional rules.

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LISTA DE SIGLAS

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

CPP – Código de Processo Penal

MP – Ministério Público

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2 A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL.....................................................


2.1 Caracterísiticas da investigação criminal no Brasil ................................
2.2 Do sistema inquisitório da investigação criminal....................................
2.3 A investigação criminal e o Ministério Público..........................................
3. A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR REALIZADA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO............................................................................................................

3.1 A Constituição de 1988 eo MP.............................................................


3.2 Posições contrárias a investigação pelo Ministério Público................
3.2.1 A investigação criminal como exclusividade da polícia
judiciária...........................................................................................................
3.2.2 O sistema de acusação e o MP ................................................................
3.2.3 O MP e a imparciliadade nas investigações............................................
3.2.4 A impossibilidade de investigação por parte do representante do MP.
3.3 Argumentos a favor da investigação pelo MP............................................
3.3.1 Inquérito policial e a investigação por parte do MP................................
3.3.2 Possibilidade de investigação direta do MP ...........................................
3.3.3 A atuação do MP somente em casos específicos.................................
4 A INVESTIGAÇÃO DO MP PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL....
4.1 Posicionamentos do STF acerca do tema...................................................
4.2 Concretização do entendimento do STF acerca da possibilidade
investigatória do MP e seus poderes................................................................

5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS

9
1 INTRODUÇÃO

A investigação criminal é de extrema importância para o direito penal e


processual penal. Através dela é que serão analisados os fatos para se ter os
indícios necessários de autoria e materialidade do delito. Somente após toda a
pesquisa e juntada de provas é que será possível saber se a carga probatória
está no caminho correto ou não e se é válida a ação penal para o caso.

Nessa investigação criminal, o Ministério Público participa também da


juntada de provas e materiais para a coleta de dados e posterior ação penal.
Muito se discutiu acerca do tema, pois, na Constituição o parquet não está
consolidado como agente investigativo.

Mas, como já possui algumas funções, como ser o fiscal da lei e parte
em determinados processos, foi sendo dada mais essa atribuição a esse órgão,
por interpretação extensiva do artigo 129 e 144 do ordenamento jurídico.
Apesar das controvérsias, até o Supremo Tribunal Federal atribuiu ao
Ministério Público a função investigativa, desde que respeitadas as garantias e
normas constitucionais.

Após a contextualização, o objetivo geral do trabalho é mostrar a


possibilidade de o Ministério Público realizar investigações criminais, não
sendo um papel exclusivo da Polícia Judiciária. Essa investigação deve ocorrer
nos moldes das normas constitucionais para se tornar válida.

No primeiro capítulo, será abordado o conceito de investigação criminal,


suas características bem como o seu desenvolvimento ao longo do
ordenamento jurídico. Será analisado também o sistema inquisitório da
investigação.

No segundo capítulo o assunto será sobre a investigação criminal e o


Ministério Público, explanando sobre a possibilidade de o parquet participar das
investigações, estabelecendo posições contrárias e a favor acerca dessa
hipótese da investigação.

10
Por fim, no terceiro capítulo será abordado o tema da investigação
criminal, porém, sob a ótica do Supremo Tribunal Federal, com suas decisões a
respeito do tema e a fixação da tese de repercussão geral sobre o tema, além
das decisões jurisprudenciais.

11
2 A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL

A investigação criminal no Brasil é regulamentada pela Constituição de


1988, pelo Código Processual Penal e pelas leis esparsas. As investigações
criminais são realizadas, na maioria das vezes, pelas polícias judiciárias, no
caso do Brasil, atribuídas à Polícia Federal, quando envolve a União, questões
internacionais ou mais de um Estado, e Civil, com atribuições residuais, exceto
a militar. Há algumas modalidades dessa investigação, sendo que as mais
conhecidas são o inquérito policial, inquérito civil, inquérito judicial, a comissão
parlamentar de inquérito (CPI), as investigações conduzidas pelo Ministério
Público, dentre outros.

A busca pelos fatos que dão indícios de prática de um ato delituoso é o


primeiro passo para a investigação criminal, e se dá quando há ofensa ao
ordenamento jurídico, fazendo com que o Estado analise os acontecimentos de
forma detalhada e elucide toda a questão, suas características e repercussões.
Esse procedimento de esclarecimento dos fatos é que é a chamada
investigação criminal, segundo Pacelli,

Mas, no que respeita à fase investigatória, observa-se que, diante da


gravidade do fato noticiado e da verossimilhança da informação, a
autoridade policial deve encetar diligências informais, isto é, ainda no
plano da apuração da existência do fato - e não da autoria - para
comprovação da idoneidade da notícia. É dizer: o órgão persecutório
deve promover diligências para apurar se foi ou não, ou se está ou
não, sendo praticada a alegada infração penal. (PACELLI, 2014, p.
77)

Complementando o descrito por Pacelli, o início da investigação criminal


se dá quando há a ciência do cometimento do delito, devendo a autoridade agir
conforme o modo descrito a seguir,

Dessa forma, ao tomar conhecimento da prática delitiva, a autoridade


deve se dirigir até o local do crime, garantindo a preservação do local
para a realização da perícia criminal; apreender bens que tenham
ligação com o delito e possam ser importantes para a elucidação do
caso, após estes terem sido liberados pelo perito criminal; solicitação
de perícias diversas; proceder ao depoimento dos envolvidos, vítimas,
testemunhas, informantes e acusados; proceder no reconhecimento
de pessoas e coisas; solicitar a realização de reconstituição simulada
dos fatos; e a averiguação da vida pregressa do investigado (LIMA,

12
2016, p. p. 133 a 138), dentre outros meios que sejam necessários
para o cabal esclarecimento dos fatos (na atualidade o uso de
agentes infiltrados, captação de sons e imagens, e a quebra de sigilo
bancário e de informações são meios modernos de investigação
previstos em leis extravagantes) (PESSOA, 2021).

A investigação criminal tem constituição administrativa, já que é


realizada anteriormente à ação penal, justamente por precisar de elementos
que convençam primeiramente a autoridade policial, de que houve prática de
ato delituoso. Essa é a chamada fase pré processual, que segundo Greco é
essencial para saber se a suspeita tem fundamento ou não, a fim de não
colocar em risco a liberdade de um indivíduo sem motivos concretos,

A ação penal por si só já é um constrangimento à liberdade individual,


exigindo, para que a ação penal seja proposta e se mantenha
elementos probatórios que sirvam de fundamento razoável para
sustentar esse constrangimento, o qual, caso contrário, seria ilegal
(GRECO FILHO, p.78, 2010)

A investigação criminal pode se subdividir em três espécies, sendo


classificadas naquelas que estão consagradas pela Constituição; a exceção do
padrão da Constituição; e a investigação que não obedece a esses padrões,
conforme descrição abaixo,
a) Investigação criminal autêntica ou pura: Insere-se nesta
classificação a investigação criminal autorizada e legalizada
pela Constituição Federal, conduzida pela polícia judiciária, sob a
presidência de um delegado de polícia de carreira. Diz-se autêntica
ou pura porque se trata do modelo padrão de investigação criminal
adotado pela Constituição. É a investigação criminal genuína.
b) investigação criminal derivada: Insere-se nesta classificação a
investigação criminal igualmente prevista no texto
constitucional como exceção ao modelo padrão. Conforme
sinalizamos, a Constituição não conferiu o monopólio da
investigação criminal à polícia judiciária, havendo duas exceções,
nas quais a atividade de investigação criminal poderá não ser
desempenhada pela polícia judiciária, quais sejam: a apuração das
infrações penais militares e as apurações das comissões
parlamentares de inquérito. Diz-se derivada porque deriva do
modelo padrão e possui, igualmente, sustentação constitucional.
c) investigação criminal não autêntica ou impura: Enquadra-se
nesta classificação qualquer outra forma de investigação criminal
levada a cabo fora dos padrões estabelecidos pela Constituição
Federal, independentemente da instituição que a realize, pois,
diante da inexistência de mandamento constitucional que lhe confire
legitimidade, se apresenta como forma de flexibilização negativa das
garantias fundamentais. Diz-se não autêntica ou impura porque não
possui previsão constitucional (MADRIGAL, 2017).

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Passada a classificação, o exercício da investigação criminal, no sentido
amplo, tem como objetivo a reunião de documentos, provas ou informações
para que o Ministério Público, que atua como acusador, possa ter um mínimo
de quesitos para a inicialização da ação penal, respeitando um dos primeiros
elementos para a instauração do processo, que seria a da justa causa,
conforme Nucci esclarece,

[...] quadro probatório prévio, justificador da ação penal, em nome da


segurança mínima exigida para a atividade estatal contra alguém no
campo criminal. [...] Em nome da dignidade da pessoa humana,
busca-se um Estado Democrático de Direito em todas as áreas,
mormente em Direito Penal e processual Penal, motivo pelo qual não
se pode investircontra o indivíduo, investigando sua vida privada,
garantida naturalmente pelo direito constitucional à intimidade, bem
como agindo em juízo contra alguém sem um mínimo de provas, de
modo a instruir e sustentar tanto a materialidade (prova de existência
da infração penal0 como indícios suficientes de autoria (prova
razoável de que o sujeito é autor do crime ou da contravenção penal)”
(NUCCI, 2011, p. 147)

Essas condições da ação estão estipuladas no artigo 6º do Código de


Processo Penal, que dispõe além dessa, outras exigências que devem ser
feitas pela autoridade policial quando há ciência da execução de um delito.
Vale ressaltar, porém, que apesar de algumas determinações serem taxativas
e obrigatórias, a autoridade pode se valer da sua subjetividade para conduzir a
investigação, nos casos em que a lei lhe permite tal ação, e desde que, não aja
em desacordo com as exigências legais.

2.1 Características da investigação criminal no Brasil


A investigação criminal tem algumas características estipuladas no
ordenamento jurídico brasileiro. Uma delas é a natureza administrativa da
investigação, como foi dito anteriormente, que é realizada antes da ação penal
propriamente dita. Por ter natureza administrativa, há a procura por provas e
documentos para a possível formação de uma ação penal. Essa fase pré
processual é fundamental para a formação do convencimento de quem está
investigando, haja vista a necessidade de analisar as provas e o grau de
importância de cada uma delas (NUCCI, 2011).

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Uma outra característica está relacionada com a aplicação de princípios
constitucionais à investigação criminal. Justamente por ela ser administrativa,
há doutrinadores que entendem que não é necessário o respeito ao
contraditório e a ampla defesa, conforme jurisprudências abaixo,

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL.


INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. 1.As
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa,
com todos os recursos a eles inerentes, insculpidos no inciso LV
do artigo 5º da Constituição da República, não se aplicam à
investigação criminal, por se cuidar, como se cuida, de
procedimento meramente preparatório da actio poenalis, e não,
de processo penal. 2.Ordem denegada.
(STJ – HC: 36133 BA 2004/0082844-9, Relator: Ministro Hamilton
Carvalhido, Data de julgamento: 04/08/2005, T6 – Sexta turma, Data
de publicação Dje: 22/09/2008) (grifo nosso).

Nessa segunda decisão, a justificativa para a não aplicação dos


princípios mencionados acima foi por conta de a investigação criminal ser
apenas uma reunião de provas, não devendo, portanto, obedecer a tais
normas, pois a acusação só acontecerá com a ação penal propriamente dita,

PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 216-A


C/C ART. 69, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PROMOTOR DE
JUSTIÇA LICENCIADO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL.
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DESNECESSIDADE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO NA
INVESTIGAÇÃO. NÃO APLICAÇÃO. REPRESENTAÇÃO CRIMINAL.
INFORMALIDADE. SURPESSÃO DE INSTÂNCIA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. 1.Não se extrai
da Lei nº 8.625/93 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – a
necessidade de prévia autorização do Tribunal Estadual respectivo
para investigação de agente com prerrogativa de foto. 2.Não se
assegura, no âmbito de inquérito policial ou procedimento
investigatório, o exercício da ampla defesa – como direito de
arrazoar e provar – ou de contraditório, pois procedimento
administrativo-inquisitorial destinado à simples reunião de
certeza da materialidade e indícios de autoria, como suporte de
seriedade à acusação penal. 3.A representação exigida para fins de
ação penal pública condicionada dispensa formalismo, bastando
reflita a vontade em ver processado o autor do delito. 4.A extinção da
ação penal, por falta de justa causa ou por inépcia, situa-se no campo
da excepcionalidade, pois somente é cabível o trancamento da
exordial acusatória por meio de habeas corpus quando houver
comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão
da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja
da ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou ainda
da incidência da causa de extinção da punibilidade. 5.Não
conhecidas, por supressão de instância, as teses de inexistência de
delegação de poderes ao Promotor de Justiça que conduziu o
procedimento investigatório e de invalidade do depoimento da
testemunha Miguel Ângelo de Vale Sampaio, assim como de

15
instauração da investigação sem a existência da manifestação das
vítimas. 6.Habeas corpus não conhecido.
(STJ – HC 326170 BA 2015/0133660-4, Relator: Ministro Nefi
Cordeiro, Data de julgamento: 23/02/2016, Sexta Turma, Data de
Publicação Dje: 09/03/2016) (grifo nosso).

Porém, há outra parte de doutrinadores, e que está sendo o


entendimento atual, que acreditam que mesmo em sede administrativa, há que
se defender a aplicação desses princípios mencionados, conforme decisões a
seguir,

CRIME DE TRÁFICO DE DROGA (ART. 33 CAPUT DA LEI N.


11.343/2006) – PRISÃO EM FLAGRANTE – CONDENAÇÃO –
APELAÇÃO – PRELIMINAR DE NULIDADE – DENÚNCIA
ANÔNIMA QUE DEU ENSEJO À INVESTIGAÇÃO CRIMINAL EM
FACE DO APELANTE – CABIMENTO – DENÚNCIA COM APTIDÃO
PARA DEFLAGRAR A INVESTIGAÇÃO – PRELIMINAR – PEDIDO
DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA –
CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA, EXCLUSIVAMENTE, EM
ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS NA INVESTIGAÇÃO
POLICIAL – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 155, DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL – INOCORRÊNCIA DE VÍCIO – SENTENÇA
ERIGIDA COM BASE NAS PROVAS PRODUZIDAS TANTO NA
FASE INQUISITORIAL, COMO EM JUÍZO – PRECEDENTES –
MÉRITO – PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DEVIDO À FALTA DE
PROVAS COM APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO “IN DUBIO PRO
REO” E DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA POSSE
PARA CONSUMO PRÓPRIO (ARTIGO 28 DA LEI N. 11.343/06) OU
PARA CONSUMO COMPARTILHADO (ARTIGO 33, §3º, DA LEI N.
11.343/06) – AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO DE
TRÁFICO DE DROGAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS –
CONJUNTO PROBATÓRIO COESO E CONSISTENTE
APONTANDO À TRAFICÂNCIA – COERÊNCIA E VALIDADE DO
TESTEMUNHO DOS POLICIAIS QUE EFETUARAM A
ABORDAGEM – CRIVO DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO –
RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJ-PR – APL 00162788920188160013 PR 0016278-
89.2018.8.13.0013 Acórdão, Relator: Desembargador Carvílio da
Silveira Filho, Data de julgamento: 09/07/2020, 4ª Câmara Criminal,
Data de publicação: 13/07/2020) (grifo nosso).

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – PORTE ILEGAL DE ARMA DE


FOGO DE USO PERMITIDO – RECURSO MINISTERIAL –
ABSOLVIÇÃO PROFERIDA EM PRIMEIRO GRAU – CONTEXTO
PROBATÓRIO INSUFICIENTE A SUSTENTAR O ÉDITO
CONDENATÓRIO – AUSÊNCIA DE PROVAS JUDICIALIZADAS –
INTELIGÊNCIA DO ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, o “ O juiz
formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Os
elementos de informação produzidos, de modo isolado, na fase
investigatória não podem servir de fundamento para um decreto
condenatório, sob pena de violação aos princípios do

16
contraditório e ampla defesa.
(TJ-MG – APR: 10035180099158001 Araguari, Relator: Anacleto
Rodrigues, Data de julgamento: 22/04/2021, Câmaras criminais, 8ª
Câmara Criminal, Data de publicação: 26/04/2021) (grifo nosso).

Logo, a interpretação dos princípios frente a investigação criminal tem


mudado. Caso não haja o respeito aos princípios de contraditório e ampla
defesa, mesmo quando há somente o colhimento das provas, há que se refazer
o procedimento, sob pena de nulidade de todo o curso da investigação.

Outra característica da investigação é que ela possui natureza


inquisitiva, que tem como característica o segredo investigativo, forma escrita
dos atos, suspeito visto como objeto da investigação, possui caráter informativo
e busca juntar provas de indício de materialidade e autoria do delito. Esse
modelo é adotado há muito tempo no país, e esses atributos são utilizados
para impedir que a investigação seja interrompida ou modificada, para detalhar
os atos que foram vistos e encontrados e para ter uma orientação de um
possível suspeito para o cometimento do crime.

2.2 Do sistema inquisitório da investigação criminal


O sistema inquisitório da investigação criminal no Brasil é baseado por
uma provocação surgida por um delito, aonde o Estado tem o dever de
averiguar as questões de autoria e materialidade. É através desse ato que
haverá a primeira movimentação em busca de mais informações acerca do
ocorrido.

No sistema inquisitório não há respeito a todos os princípios


constitucionais e o investigado é visto como um objeto da investigação. A
autoridade investigativa exerce o poder de apurar e colher as provas para
formar a ação penal, e por conta disso, pode determinar o desenvolvimento do
procedimento (LOPES, 2018, p. 43). Nesse sistema, as provas são colhidas
sem o acompanhamento do acusado. Além disso, a publicidade dos atos não é
obrigatória, a fim de que o acusado não possa interferir nas investigações.

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Apesar das várias formalidades do sistema inquisitório da investigação,
há que se enfatizar que a adesão da forma escrita é de extrema importância
para o acusado, haja vista a comprovação, escrita, de todo o procedimento que
está sendo analisado e investigado,

A adoção da forma escrita, constitui também, uma garantia do


investigado. [...] é possível que, no seu decorrer, seja atingido o
patrimônio jurídico do investigado, seja pelo acesso à informações
dinariamente cobertas pelo sigilo, seja, mesmo, pela possibilidade de
decretação de sua prisão ainda durante o inquérito. Dessa forma, a
documentação em peças escritas é essencial para que a atividade
policial de investigação possa ser submetida ao controle de
legalidade (BONFIM, 2010).

Outra ressalva a ser feita em relação ao sistema inquisitório é em


relação as provas obtidas. Isso porque, nessa fase pré processual, não há
respeito ao contraditório e ampla defesa, não podendo o acusado se defender
das provas obtidas e nem das acusações. Apesar disso, quando há a ação
penal de fato, essas mesmas provas não são válidas, por conta da não
obediência aos princípios mencionados. Somente entram na exceção, as
provas realizadas na investigação que não puderem ser reproduzidas
novamente (LOPES JÚNIOR, 2018).

Portanto, foram demonstradas algumas especificidades do sistema


inquisitório da investigação criminal. Apesar de controvérsias e divergências a
respeito do tema, principalmente por conta da não observância dos princípios
constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa, continua a ser utilizado
para examinar a existência do delito e de suas características primeiras.

2.3 A investigação criminal e o Ministério Público

A Constituição de 1988 estabelece em seu artigo 5º inciso XXXV, uma


das mais importantes garantias constitucionais, que dispõe o seguinte “a lei
não excluirá da apreciação do judiciário lesão ou ameaça a direito.”
(BRASIL,1988). Tal norma quer assegurar que qualquer ação que chegue ao
Poder Judiciário deverá der analisada, não podendo tal esfera deixar de
apreciar o caso concreto, sob pena de infração à Constituição.

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Alguns fatos que chegam até a justiça para serem julgados, devem
passar por uma investigação prévia, como no caso da investigação criminal.
Antes de ser ajuizada uma ação, há que se ter um mínimo de convencimento
acerca da autoridade e materialidade do crime. Por conta disso, o ordenamento
jurídico atual recepcionou o Código Processual de 1941 e ainda deu como
garantia a persecução penal, trabalho esse pré processual como falado acima,
elencando-a como fundamental, conforme previsto no artigo anteriormente
mencionado (BRASIL, 1988).

Com essa necessidade de pré exame antes da formação processual, a


Constituição estabeleceu que o Ministério Público teria atribuições, como
instituição permanente, com função primordial do Estado e sendo indispensável
para a justiça e os entes da federação, segundo artigo 127 da Constituição, “O
Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988).

Há quem diga que a Constituição confere ao Ministério Público o poder


de investigar delitos ou infrações, mas o que ocorre na prática, nos artigos
legais, não é exatamente isso. Tal fato deve-se aos artigos 127 e seguintes da
Constituição, que especificam normas acerca da função e atribuição,
prerrogativas e garantias do Ministério Público e seus representantes, que
muitos não consideram ter cunho investigativo.

Vale ressaltar também que a Constituição consagrou o Ministério Público


com autonomia administrativa, financeira e funcional, conferindo maior
liberdade para o órgão. Porém, não há menção expressa acerca da
investigação. O que se tem descrito no ordenamento são várias funções
importantes que foram elencadas para o Ministério Público, como rol do artigo
129 da Constituição,

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de

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relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para
fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos
nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los,
na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação
judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (BRASIL, 1988).

Por ter um título dedicado ao Ministério Público, aqueles que já


concordam com a investigação de cunho acusatório, passaram a interpretar a
Constituição de uma maneira mais extensiva, isto é, começaram a conceder ao
Ministério Público funções até então não expressas no texto normativo, como é
o caso da investigação criminal, pautado no artigo 144, IV e §4º da
Constituição. Embora não tivesse previsão expressa nem no Código de
Processo Penal nem na Constituição, a função de investigar crimes passou a
ser competência do parquet.

O Ministério Público passou também a ter importante papel nesse


cenário de investigações criminais porque a Constituição o realocou, trazendo
novas garantias, para julgamento, como por exemplo, de crimes de colarinho
branco, e com a maior repercussão dos casos, foi sendo introduzido o parquet
para o julgamento de casos menores também.

Um dos argumentos a favor dessa investigação é que a Constituição


atribuiu ao Ministério Público a promoção da ação penal, conforme discorre a
seguir Gustavo Badaró,

O principal argumento a favor da possibilidade de o Ministério Público


realizar investigação própria é que a atividade de investigação
preliminar para fins criminais não é exclusiva da autoridade policial.
Costuma-se a acrescentar, a tal argumento a chamada teoria dos

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poderes implícitos: se a Constituição conferiu ao Ministério Público o
direito de promover a ação penal, deve dispor dos meios necessários
para fazê-lo, mesmo que para tanto não haja expressa previsão
constitucional, e isso incluiria o direito de investigar diretamente as
fontes de provas. Afirma-se, também, que para determinados delitos
– por exemplo, que envolvam agentes policiais, ou mesmo
importantes autoridades políticas – os membros do Ministério Público,
por gozarem de garantias constitucionais para sua atuação, poderiam
investigar de forma mais independente e, portanto, efetiva (BADARÓ,
2019).

Já o STJ também se manifestou acerca da autorização ou não das


normas jurídicas e a investigação por parte do Ministério Público, conforme
trecho da jurisprudência a seguir,

(...) é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes


implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede
os fins, dá os meios, Se a atividade – fim (promoção da ação penal
pública) foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não
haveria como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já
que o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia.
Assim, reconheço a possibilidade de, em algumas hipóteses, ser
reconhecida a legitimidade da promoção de atos de investigação por
parte do Ministério Público, mormente quando se verifique algum
motivo que se revele autorizador dde tal investigação” (RE 535.478,
Rel. Min. Ellen Gracie, j.28.10.2008, DJE de 21.11.2008).

Assim, conclui-se que a Constituição não mencionou expressamente


acerca da possibilidade de investigação do Ministério Público nos casos que
necessitem apuração dos fatos. Não há também proibição expressa. Nesses
casos, ficou a cargo das interpretações extensivas o papel do Ministério
Público. Há quem diga ser função do MP a investigação. Há outros que não
concordam com tal atuação.

21
3. A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR REALIZADA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO

O Ministério Público pode ou não realizar investigações no âmbito


criminal. Essa afirmação depende da posição a respeito do assunto. Para
tanto, há que se observar alguns requisitos que serão analisados a seguir. Os
posicionamentos a respeito dessa possibilidade de investigação preliminar por
parte do MP, são vistos de formas distintas. Enquanto há opiniões a favor da
investigação desse órgão, outros não consideram legal tal prática, afirmando
não estar presente na Constituição essa atribuição ao MP. Ao longo desse
capítulo serão abordadas essas questões.

O que se tem é uma discussão a respeito do poder ou não do MP


realizar as investigações. Há correntes e doutrinadores que dizem que o
Ministério Público pode sim realizar investigações preliminares, enquanto
outros alegam não existir tal possibilidade. Essa afirmação de que é possível, é
baseada na teoria dos poderes implícitos que relata que mesmo não tendo a
Constituição dito expressamente acerca dessa possibilidade ao Ministério
Público, ele poderia agir baseado na norma implícita, que garantiria sua
atuação de forma legal, segundo Resolução nº 183 de 2018,

Art. 1º O procedimento investigatório criminal é instrumento sumário


e desburocratizado de natureza administrativa e investigatória,
instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com
atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de
infrações penais de iniciativa pública, servindo como preparação e
embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva
ação penal. (BRASIL, 2018).

Apesar de a Resolução possibilitar ao Ministério Público a investigação


preliminar, alguns elementos e requisitos devem ser respeitados, como a
investigação do MP em casos específicos, a condução dos atos do início ao fim
da investigação, respeito aos princípios, dentre outros, que serão explicados a

22
seguir. Caso haja o cumprimento desses pressupostos, não há motivos para
impedir a investigação por parte do MP.

Há, porém, a parte da doutrina que não concorda com a investigação


preliminar, revelando que se fosse atribuição do Ministério Público, estaria
expresso na Constituição, conforme Grinover,

Somente a Lei é evidente. O Princípio da Reserva Legal o impõe. E o


§5º do art. 128 da CF reforça o entendimento, quando estabelece que
as atribuições do MP serão estabelecidas por lei, observe-se lei
complementar. Servirá a esse objetivo a Lei Orgânica do Ministério
Público – LOMP em vigor, que prevê algumas funções investigativas
para o MP? Não. As referidas atribuições ligam-se ao exercício da
ação pública, outra função institucional do MP, nos termos do art. 129
III da Constituição. Só lei complementar, que atribuísse expressa e
especificamente funções investigativas penais ao órgão ministerial,
teria o condão de configurar o instrumento normativo idôneo para
atribuir outras funções ao MP, não contempladas nos incs. I a VIII do
art. 129, com base na previsão residual do inc. IX (GRINOVER,
2004).

Quem também concorda com a doutrinadora é César Bitencourt que


alega ser de responsabilidade da Polícia Judiciária o papel de investigação.
Sendo assim, não enquadraria o domínio do Ministério Público nesses casos.

A Constituição reservou a policia civil estadual um campo de atividade


exclusivo que não pode ser invadido por norma infraconstitucional e,
menos ainda, por disposição de ato administrativo. Uma delas é a
realização do inquérito policial, que constitui o cerne da atividade de
policia judiciária, que não comporta o controle do Ministério Público
(...). A outra é que também à polícia civil, policia judiciária, se
reservou a função de apuração das infrações penais, o que vale dizer
o poder investigatório, sendo, pois, de nítido desrespeito à
Constituição normas que atribuam ao órgão do Ministério Público a
faculdade de promover diretamente investigações como fez o art. 26
do ano 98/96 (BITENCOURT, 2007).

Percebe-se que a investigação preliminar por parte do Ministério Público


é um tema que gera opiniões contrárias. Isso porque a norma constitucional
elencou de uma forma e alguns entendem que pode haver uma interpretação
mais extensiva, a fim de enquadrar o Ministério Público nas investigações. A
seguir serão analisados os argumentos contrários e favoráveis a essa
investigação preliminar.

23
3.1 A Constituição de 1988 e o MP

A Constituição de 1988 estabelece em seu artigo 5º inciso XXXV, uma


das mais importantes garantias constitucionais, que dispõe o seguinte “a lei
não excluirá da apreciação do judiciário lesão ou ameaça a direito.”
(BRASIL,1988). Tal norma quer assegurar que qualquer ação que chegue ao
Poder Judiciário deverá der analisada, não podendo tal esfera deixar de
apreciar o caso concreto, sob pena de infração à Constituição.

Alguns fatos que chegam até a justiça para serem julgados, devem
passar por uma investigação prévia, como no caso da investigação criminal.
Antes de ser ajuizada uma ação, há que se ter um mínimo de convencimento
acerca da autoridade e materialidade do crime. Por conta disso, o ordenamento
jurídico atual recepcionou o Código Processual de 1941 e ainda deu como
garantia a persecução penal, trabalho esse pré processual como falado acima,
elencando-a como fundamental, conforme previsto no artigo anteriormente
mencionado (BRASIL, 1988).

Com essa necessidade de exame antes da formação processual, a


Constituição estabeleceu que o Ministério Público teria atribuições, como
instituição permanente, com função primordial do Estado e sendo indispensável
para a justiça e os entes da federação, segundo artigo 127 da Constituição, “O
Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988).

Há quem diga que a Constituição confere ao Ministério Público o poder


de investigar delitos ou infrações, mas o que ocorre na prática, nos artigos
legais, não é exatamente isso. Tal fato deve-se aos artigos 127 e seguintes da
Constituição, que especificam normas acerca da função e atribuição,
prerrogativas e garantias do Ministério Público e seus representantes, que
muitos não consideram ter cunho investigativo.

24
Vale ressaltar também que a Constituição consagrou o Ministério Público
com autonomia administrativa, financeira e funcional, conferindo maior
liberdade para o órgão. Porém, não há menção expressa acerca da
investigação. O que se tem descrito no ordenamento são várias funções
importantes que foram elencadas para o Ministério Público, como rol do artigo
129 da Constituição,

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de


relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção


do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para


fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos
nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações


indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua


competência, requisitando informações e documentos para instruí-los,
na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei


complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito


policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que


compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação
judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (BRASIL, 1988).

Por ter um título dedicado ao Ministério Público, aqueles que já


concordam com a investigação de cunho acusatório, passaram a interpretar a
Constituição de uma maneira mais extensiva, isto é, começaram a conceder ao
Ministério Público funções até então não expressas no texto normativo, como é
o caso da investigação criminal, pautado no artigo 144, IV e §4º da
Constituição. Embora não tivesse previsão expressa nem no Código de

25
Processo Penal nem na Constituição, a função de investigar crimes passou a
ser competência do parquet.

O Ministério Público passou também a ter importante papel nesse


cenário de investigações criminais porque a Constituição o realocou, trazendo
novas garantias, para julgamento, como por exemplo, de crimes de colarinho
branco, e com a maior repercussão dos casos, foi sendo introduzido o parquet
para o julgamento de casos menores também.
Um dos argumentos a favor dessa investigação é que a Constituição
atribuiu ao Ministério Público a promoção da ação penal, conforme discorre a
seguir Gustavo Badaró,

O principal argumento a favor da possibilidade de o Ministério Público


realizar investigação própria é que a atividade de investigação
preliminar para fins criminais não é exclusiva da autoridade policial.
Costuma-se a acrescentar, a tal argumento a chamada teoria dos
poderes implícitos: se a Constituição conferiu ao Ministério Público o
direito de promover a ação penal, deve dispor dos meios necessários
para fazê-lo, mesmo que para tanto não haja expressa previsão
constitucional, e isso incluiria o direito de investigar diretamente as
fontes de provas. Afirma-se, também, que para determinados delitos
– por exemplo, que envolvam agentes policiais, ou mesmo
importantes autoridades políticas – os membros do Ministério Público,
por gozarem de garantias constitucionais para sua atuação, poderiam
investigar de forma mais independente e, portanto, efetiva (BADARÓ,
2019).

Já o STJ também se manifestou acerca da autorização ou não das


normas jurídicas e a investigação por parte do Ministério Público, conforme
trecho da jurisprudência a seguir,

(...) é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes


implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede
os fins, dá os meios, Se a atividade – fim (promoção da ação penal
pública) foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não
haveria como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já
que o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia.
Assim, reconheço a possibilidade de, em algumas hipóteses, ser
reconhecida a legitimidade da promoção de atos de investigação por
parte do Ministério Público, mormente quando se verifique algum
motivo que se revele autorizador dde tal investigação” (RE 535.478,
Rel. Min. Ellen Gracie, j.28.10.2008, DJE de 21.11.2008).

Assim, conclui-se que a Constituição não mencionou expressamente


acerca da possibilidade de investigação do Ministério Público nos casos que

26
necessitem apuração dos fatos. Não há também proibição expressa. Nesses
casos, ficou a cargo das interpretações extensivas o papel do Ministério
Público. Há quem diga ser função do MP a investigação. Há outros que não
concordam com tal atuação.

3.2 Posições contrárias a investigação pelo Ministério Público


Para aqueles que não concordam com a atuação do Ministério Público
na investigação, há alguns argumentos que são analisados para se chegar a
essa conclusão. A seguir serão demonstrados esses posicionamentos.

3.2.1 A investigação criminal como exclusividade da polícia judiciária

Um dos principais argumentos contra a investigação por parte do


Ministério Público está relacionado com a Constituição. No art. 144 do texto, há
a seguinte redação,
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital (BRASIL, 1988).

Há quem diga que essa atribuição não deve ser estendida ao Ministério
Público por conta da taxatividade do artigo supracitado. Se não há menção
expressa no ordenamento jurídico, a justificativa para a inclusão do
representante do Ministério Público nas investigações não se fundamenta.
Logo, se não possui legitimidade para averiguar, há que se pedir à autoridade
policial competente do caso.

27
Se não há de forma explícita na Constituição ou no ordenamento, não há
que se falar em investigação criminal com a liderança do MP, conforme diz
Santos,

Outro argumento é o de que o membro do parquet ao realizar esta


investigação, retira da Polícia Judiciária essa função, disposta
expressamente no art. 144 da CR/88, que atribuiu a instituição a
exclusividade na investigação criminal.
Ademais, afirmam que a investigação criminal só pode ocorrer
através de um inquérito policial, que conforme o art. 4º do Código de
Processo Penal Brasileiro, é exclusivo da Polícia Judiciária. Diante
disso, o Ministério Público não detém legitimidade para realizar
investigação criminal, sendo necessária requisitá-la à autoridade
policial (SANTOS, 2017).

O argumento para essa não possibilidade de o MP realizar as


investigações está atrelado à expressividade da norma. Como não há
literalmente a competência expressa do MP, não teria motivos para que ele
agisse sem a lei determinar.

3.2.2 O sistema de acusação e o MP

Há dois sistemas processuais penais, quais sejam, o inquisitório e o


acusatório. A diferença é que no primeiro, não há divisão das tarefas; a busca
por provas, a acusação, a defesa e o julgamento, são todos feitos
conjuntamente. Segundo Rangel, o sistema inquisitório teve seu surgimento da
seguinte forma,
Surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito
canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações
europeias dos séculos XVI, XVII e XVIII. Surgiu com sustento na
afirmativa de que não se poderia deixar que a defesa social
dependesse da boa vontade dos particulares, já que eram estes que
iniciavam a persecução penal no acusatório privado anterior. O cerne
de tal sistema era a reivindicação que o Estado fazia para si do poder
de reprimir a prática dos delitos, não sendo mais admissível que tal
repressão fosse encomendada ou delegada aos
particulares” (RANGEL, 2009, p. 191).

No sistema inquisitório não há respeito ao contraditório e ampla defesa e


o suspeito é visto apenas como um objeto da investigação. O juiz exerce a sua
influência para determinar o desenvolvimento do processo, pode atuar sem ser
provocado e o julgamento tende a ser parcial (LOPES, 2018, p. 43).

28
Insta salientar que a maior parte da doutrina considera que a
Constituição instituiu o modelo acusatório, em que há uma separação de
poderes nos julgamentos, como no artigo 102, que os crimes são julgados pelo
STF e 105 que cabe o julgamento ao STJ, por exemplo. Segundo Castro, essa
divisão é de extrema importância para salvaguardar os direitos do acusado,
Encontramos dentro de nosso ordenamento desse sistema a
importância das separações de órgãos constituídos para esse fim em
observância a legalidade imperativamente guiada dentro do
contraditório, ampla defesa, juiz natural, presunção de inocência (ou
não culpabilidade), o devido processo legal e outros dispositivos de
suma importância para se resguardar um julgamento justo.
Podemos perceber que a nossa Constituição se preocupou em
possibilitar ao réu uma defesa com amplitude ao impor condições de
indispensabilidade de advogado perante a justiça o que, segundo já
consolidado pelo verbete 523 do STF, é causa de nulidade absoluta a
ausência de advogado no processo (CASTRO, 2018).

Apesar da maioria considerar o modelo acusatório como o predominante


no sistema processual penal brasileiro, há que se falar do Código de Processo
Penal de 1941. Tal norma é vista como inquisitiva em razão de alguns artigos
que permitem que o juiz pode determinar o desenrolar do processo, atuando de
ofício, sem respeito aos princípios e sem considerar o acusado como de fato
um indivíduo.

Há ainda sistemas que englobam os dois modelos, sendo inquisitório na


fase antes do processo e acusatório na fase processual propriamente dita,
como é no Brasil (LOPES, 2018, p. 43). Há quem concorde com essa mescla
de modelo de sistema, como Muccio, que disserta o seguinte,

As funções de acusar, defender e julgar são entregues a pessoas


distintas. Na fase do julgamento, o processo é oral, público e
contraditório (oralement, publequemente et contradictoirement),
contudo, as duas primeiras fases são secretas e não-contraditórias.
No processo tipo misto ou acusatório formal, na fase da investigação
preliminar e da instrução preparatória, observa-se o processo do tipo
inquisitivo e na fase de julgamento o processo do tipo acusatório
(MUCCIO, 2000, p. 65).

Porém, algumas críticas desse sistema misto também são feitas por
haver uma disparidade no tratamento das provas antes do processo e após a
inicialização processual o molde de acusação ser distinto. Isso porque no
modelo inquisitório, que seria utilizado na fase pré, o juiz pode ir atrás das

29
provas e não há contraditório. Já no modelo acusatório que seria adotado no
processo em si, o juiz não age de ofício e há respeito aos princípios. Logo,
utilizar os dois métodos conjuntamente não seria a opção mais coerente
quando se trata de processar um acusado, segundo Avena,

O que não se pode é cogitar de uma terceira possibilidade, qual


seja, a da coexistência do sistema inquisitivo previsto em
dispositivos de legislação infraconstitucional juntamente com o
sistema acusatório assegurado em normas constitucionais, pois isto,
a nosso ver, implica negar vigência à Constituição Federal enquanto
Lei Maior (AVENA, 2015).

Assim, vale ressaltar que o sistema misto é o menos aceito entre os


doutrinadores, justamente por englobar dois sistemas tão diferentes em um só.
Portanto, após demonstrados os sistemas processuais existentes, a
Constituição elencou o sistema acusatório para julgar os processos no país. É
um regime mais justo do que o inquisitório e mais coerente do que o misto,
devido a separação dos poderes, bem como o respeito ao acusado como
indivíduo e aplicação dos princípios constitucionais.

Por conta desse modelo mais utilizado é que vem a crítica ao Ministério
Público. Por já ser um órgão acusatório, o parquet exerce a sua influência para
determinar o desenvolvimento do processo e o julgamento tende a ser
desenvolvido nos moldes e determinações do Ministério Público (LOPES, 2018,
p. 43).

O sistema acusatório é visto como propício para a defesa dos direitos do


acusado, e no caso do acusado, prevalece a dignidade da pessoa humana em
contraponto da autoridade estatal. Ter o cumprimento dos direitos dispostos
nas normas é fundamental para que o processo de investigação criminal seja
realizado de maneira justa. O ordenamento jurídico vigente elucida as garantias
constitucionais para evitar qualquer traço do sistema inquisitivo que possa
influenciar no processo, porém, não há fiscalização da totalidade dos atos do
Ministério Público.

3.2.3 O MP e a imparcialidade nas investigações

30
Outra crítica feita está relacionada com a sua imparcialidade nas
investigações criminais. A Constituição concedeu ao Ministério Público função
essencial à jurisdição do Estado, segundo art. 127 do ordenamento,

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à


função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (BRASIL, 1988).

Com isso, o MP teve como principais funções a de fiscal da lei e de


agente acusador. Por sua primeira função, há o pré entendimento que será
imparcial, pois não possui interesse na causa, devendo apenas fiscalizar os
procedimentos.

Há uma parte da doutrina que não acredita ser possível que o MP seja
imparcial, sob os seguintes argumentos,
Não há que se falar em imparcialidade do Ministério Público, porque
então não haveria necessidade de um Juiz para decidir a acusação
(...) No procedimento acusatório, deve o promotor atuar como parte,
pois se assim não for, debilitada estará a função repressiva do
Estado. O seu papel, no processo, não é o de defensor do réu nem o
de Juiz, e sim o de órgão do interesse punitivo do Estado
(TORNAGHI, 1987).

É exatamente a enganosa concepção do Ministério Público como


‘parte imparcial’-como se fosse possível superar tão clara contradição
entre tais termos – que induz ao desequilíbrio, fazendo ao lado
acusatório aparecer, mesmo diante de magistrados, como mais sério,
mais comprometido com o direito e, assim, mais digno de
credibilidade, superior a quem, no processo, se defende (KARAM,
2009).

Assim, quem acredita que não há imparcialidade do MP, alega que


apesar de não ter interesse na causa, não há como não ser imparcial, haja
vista, seu papel de agente acusador, que por si só, já demonstra que o parquet
quer a condenação do acusado. Portanto, o Ministério Público, segundo quem
defende não ser imparcial está baseado nesses argumentos e em
posicionamentos parecidos, a respeito do tema.

3.2.4 A impossibilidade de investigação por parte do representante do MP

31
Insta salientar que a impossibilidade de investigação por parte do MP
está relacionada com o tópico de exclusividade da polícia judiciária, conforme
art. 144 da Constituição.

Um argumento que reforça essa alegação é o fato de que ao elaborar o


inquérito o Ministério Público sai da sua zona de atuação, além de não ser apta
para a realização disso, conforme disposições constitucionais, sendo função
apenas da polícia judiciária. Há ainda a argumentação de que as diligências
realizadas pelo MP são dadas a ele pois não configuram o seu poder de
instaurar procedimento de investigação,

O poder dado pela Constituição vigente ao Parquet para requisitar


diligências investigatórias e instauração de inquérito policial,
demonstra, na verdade, que ele próprio não possui atribuição parar
instaurar procedimento investigatório criminal, mas sim para requerer
tais atuações ao órgão competente (TORMENA, 2020).

Uma complementação ao que foi mencionado é o fato de que a


Constituição não deu o status de investigação criminal para o Ministério
Público, função essa da polícia judiciária, o que inviabilizaria a investigação por
parte do MP,
Pode-se concluir que a atribuição investigativa criminal não foi
implicitamente conferida ao Ministério Público, tanto que a
Constituição Federal não estruturou o Parquet como um órgão
investigativo, por não ser essa a sua finalidade constitucional. O
Ministério Público não possui investigadores, que analisem os fatos in
loco, não é estruturado com servidores para cumprir mandados de
busca e apreensão ou mesmo para efetuar uma interceptação
telefônica, tendo sempre que pedir auxílio à Polícia Militar, Polícia
Civil ou Oficiais de Justiça, o que deixa evidente a fragilidade de sua
estrutura (ZANOTTI, SANTOS, 2014).

Grinover também elencam a impossibilidade de o MP investigar, sob os


seguintes argumentos,

A própria Constituição, como é sabido, atribui o poder de investigar a


outros órgãos, como as Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI
e os tribunais. E também é sabido que não confere expressamente
essa atribuição ao MP, sendo oportuno lembrar que as emendas à
Constituição de 1988 que pretendiam atribuir funções investigativas
penais ao Parquet foram rejeitadas, deixando, portanto a salvo a
estrutura constitucional acima descrita (GRINOVER, 2004).

Algumas das posições e argumentações contrárias acerca da atuação


do Ministério Público como investigador foram expostas, sendo o argumento

32
principal a não vinculação do parquet no artigo 144 da Constituição, que
estabelece os órgãos responsáveis pela investigação.

3.3 Argumentos a favor da investigação pelo MP

Há doutrinadores e correntes que concordam com a atuação do


Ministério Público na investigação, sendo determinados alguns argumentos
para se chegar a essa conclusão. A seguir serão demonstrados esses
posicionamentos.

3.3.1 Inquérito policial e a investigação por parte do MP

A duplicidade de atos investigatórios já causou muitas discussões, pois


há quem considera contrangimento para o acusado, e outros bis in idem. Tal
assunto passou a ser tratado de outra forma quando o STF autorizou a
investigação criminal por parte do MP. Assim, é possível haver duas
investigações simultâneas, porém, com nomenclatura diversa, que seria
procedimento de investigação criminal e o inquérito policial.

Insta salientar que a duplicidade desses atos não é prejudicial como


muitos doutrinadores acreditam. Primeiramente, porque há um gasto público
para se chegar a uma conclusão exata acerca do crime, pois, dois dos seus
órgãos estão realizando o mesmo trabalho. Outra questão é a
complementariedade que uma das operações pode levar para a outra, pois,
com os sistemas interligados, a chance de êxito na operação é maior. Além do
poder público, o investigado pode ser beneficiar com as duas investigações.
Isso porque são investigações simultâneas para o mesmo caso, levando a
possibilidade de defesa e comprovação de sua inocência de forma dupla sobre
o mesmo caso.

Portanto, não há que se falar em bis in idem haja vista as investigações


serem distintas, de órgãos diferentes e que se complementam. A investigação
policial em nada interfere na do Ministério Público, pois seus campos são
distintos e as investigações não correm para a mesma direção. Quando há o
término das investigações, há a junção de tudo o que foi colhido pelos dois
órgãos para posteriormente haver a instauração de qualquer ação penal.

33
3.3.2 Possibilidade de investigação direta do MP

Os defensores dessa tese alegam que o Ministério Público pode sim


investigar de maneira própria. Apesar de a Constituição não mencionar
expressamente acerca dessa possibilidade, há a aplicação da teoria dos
poderes implícitos, que segundo Ortega significa o seguinte,
Segundo essa doutrina, nascida nos EUA se a Constituição outorga
determinada atividade-fim a um órgão, significa dizer que também
concede todos os meios necessários para a realização dessa
atribuição. A CF/88 confere ao MP as funções de promover a ação
penal pública (art. 129, I). Logo, ela atribui ao Parquet também
todos os meios necessários para o exercício da denúncia, dentre
eles a possibilidade de reunir provas para que fundamentem a
acusação. Ademais, a CF/88 não conferiu à Polícia o monopólio da
atribuição de investigar crimes. Em outras palavras, a colheita de
provas não é atividade exclusiva da Polícia. Desse modo, não é
inconstitucional a investigação realizada diretamente pelo MP. Esse
é o entendimento do STF e do STJ (ORTEGA, 2016).

Além da doutrina, há também o artigo 129 da Constituição que corrobora


com essa teoria dos poderes, ao determinar, implicitamente o seguinte,
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-
los, na forma da lei complementar respectiva; VII - exercer o
controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior; VIII - requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os
fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação
judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (BRASIL,
1988).

O RE 593727 mencionou a possibilidade de o Ministério Público realizar


a investigação, de forma própria, desde que respeitados alguns requisitos
como o cumprimento e resguardo dos direitos e garantias fundametais além
dos princípios constitucionais prevalecerem quando da investigação.

Há ainda outro argumento para aqueles que defendem o MP como


investigador direto, que alegam o seguinte,

Os que se posicionam de maneira favorável alegam que a condução


de investigação deve ser aceita, concentrando seus argumentos na
Teoria dos Poderes Implícitos, a autorização de investigação pelo
Ministério Público, a Constituição Federal ter atribuído uma
competência expressa a determinado órgão, estaria também

34
atribuindo, na forma de poderes implícitos, a esse mesmo órgão
estatal, os meios necessários à integral realização de tais fins que lhe
f oram outorgados, ficando apenas sujeitas às proibições e limites.

Outro argumento é o de que a Carta Magna dispôs em seu


art. 144 que a polícia federal e a polícia civil exercem com
exclusividade a função de Polícia Judiciária, onde não confunde essa
exclusividade com a atribuição de investigar delitos.
Outrossim, os defensores entendem que o disposto no parágrafo
único do art. 4º do CPP, concede plenos poderes ao membro
do parquet, evidenciado que nenhuma autoridade administrativa será
excluída, desde que pertença à mesma função. Portanto, sendo o
Ministério Público ente administrativo dotado de poderes conferidos
pela Constituição Federal, não há possibilidade de questionamentos
no que diz respeito ao seu poder investigatório. (SANTOS, 2017).

Outro elemento que solidifica a possibilidade direta de investigação


direta do MP é o art. 39 § 5º do CPP que de maneira expressa, dá ao parquet a
viabilidade de mesmo sem a abertura do inquérito, promover a ação penal,
desde que esteja dentro dos requisitos abaixo,

Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido,


pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante
declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério
Público, ou à autoridade policial.
§ 5o O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a
representação forem oferecidos elementos que o habilitem a
promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo
de quinze dias (BRASIL, 1941).

Portanto, nota-se que apesar de não ter norma constitucional explícita


acerca do tema, vários são os julgamentos que defendem a investigação por
parte do MP, baseado em princípios e julgamentos, além de interpretações
implícitas das normas.

3.3.3 A atuação do MP somente em casos específicos


A atuação do MP deve ser pautada na especificidade. Isso quer dizer
que o parquet somente deve atuar quando não houver interesse da autoridade
policial no caso ou quando a situação exigir a sua participação. Tal conduta é
perfeitamente compreensível haja vista a necessidade de garantir que o
Ministério Público deve atuar nos casos em que a lei determinar.

Além disso, por ter atuação em vários ramos do direito, não pode o
parquet ficar com várias ações simultâneas e sem o interesse público na
causa. Com já demonstrado, o MP pode ser fiscal da lei ou parte do processo

35
em casos determinados. Caso a ação não necessite de fiscalização ou o MP
não seja parte do processo, não há que se falar em sua participação.

Nos casos de investigação criminal, o MP faz sim parte dela. Isso por
conta das normas constitucionais que o colocam como investigador direto, por
exemplo. Nesses atos, a atuação do MP é imprescindível para o andamento
das investigações.

Logo, o MP é de extrema importância para o ordenamento jurídico como


um todo. Sua atuação confere a correta aplicação da lei bem como, no caso
em tela, a investigação dos crimes de maneira normativa.

4 A INVESTIGAÇÃO DO MP PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A investigação do Ministério Público segundo o Supremo Tribunal


Federal possui entendimento consolidado na tese de que o MP pode atuar
como investigador na hipótese de investigação criminal. O STF ainda menciona
que tal prerrogativa não é exclusiva e que o parquet deve se ater a todas as
determinações e normas constitucionais para a ocorrência correta da
investigação.

O MP, na investigação policial, também pode requisitar investigações,


testemunhas, demais diligências importantes para a elucidação do crime e
mais orientações acerca da autoria do delito. No caso dessa investigação, o
MP não preside, pois, é papel do delegado, podendo, somente, cumprir com as
funcionalidades descritas acima.

O STF deixa claro que não é função exclusiva de um órgão, devendo


consultar o ordenamento e a interpretação legal para se chegar a essa

36
conclusão. O CPP, a Constituição e as demais normas, determinam as funções
do MP.

Durante o trabalho, foram expostas algumas questões acerca da


investigação criminal do Ministério Público, e em sua maioria, os casos são
permitidos e com posicionamentos a favor da doutrina e da jurisprudência,
conforme será demonstrado a seguir.

Apesar das controvérsias e algumas discussões acerca da participação


do MP nas investigações, o STF, firmou a tese de que a investigação criminal
por parte do MP é possível, resguardando sempre as garantias fundamentais,
mas concordando que o parquet possui essa funcionalidade.

4.1 Posicionamentos do STF acerca do tema

O Supremo Tribunal Federal também se posicionou a respeito da


investigação, de forma geral, do Ministério Público. Seu entendimento já é
consolidado e para comprovar, há tese de repercussão geral sobre o tema,
além das jurisprudências. A seguir, serão descritas e analisadas.

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por


autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza
penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a
qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado,
observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva
constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais
de que se acham investidos, em nosso país, os advogados (Lei
8.906/1994, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e
XIX), sem prejuízo da possibilidade — sempre presente no Estado
Democrático de Direito — do permanente controle jurisdicional dos
atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14),
praticados pelos membros dessa instituição.
[Tese definida no RE 593.727, rel. min. Cezar Peluso, red. p/ o ac.
min. Gilmar Mendes, P, j. 14-5-2015, DJE 175 de 8-9-2015, Tema
184.]

Essa primeira tese exemplifica bem o que já foi dito ao longo do


presente trabalho. O STF decidiu que o Ministério Público tem sim capacidade
investigatória, incluídas, é claro, as de natureza penal, com a necessidade
primeira de garantir e respeitar as normas constitucionais.

As jurisprudências proferidas pelo STF também vão de encontro com a


tese de repercussão geral firmada acima, conforme decisões a seguir,

37
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PODER DE
INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. 1.O
Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a ausência de
repercussão geral da matéria, entendeu que o Ministério Público
dispõe de competência para promover investigações por
autoridade própria (RE 593.727-RG). Precedentes. 2.No caso, todos
os elementos de provas colhidos pelo Ministério Público foram
submetidos ao crivo do contraditório no curso da ação penal. Não há,
portanto, nulidade a ser declarada. 3.Agravo interno a que se nega
provimento.
(STF – AgR ARE: 1139086 RS – Rio Grande do Sul 0072912-
48.2006.8.21.0026, Relator: Min. Roberto Barroso, Data de
julgamento: 28/09/2018, Primeira Turma, Data de publicação: DJe
228 26/10/2018) (Grifo nosso).

Nas jurisprudências a seguir, o julgamento do RE 593.727 foi citado


como sendo o precursor da tese de que o Ministério Público é competente para
promover investigações de natureza penal,

AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL DA CONTROVÉRSIA
JÁ DECIDIDA PELO STF. PODER DE INVESTIGAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE DESDE QUE
RESPEITADOS DIREITOS E GARANTIAS DA PESSOA
INVESTIGADA (TEMA 184). AGRAVO DESPROVIDO. 1.A
controvérsia a respeito da legalidade constitucional do poder de
investigação do Ministério Público está pacificada no âmbito
desta Corte. Em 14/05/2015, o Plenário, ao concluir o julgamento
do RE 593.727//MG, fixou a seguinte tese: O Ministério Público
dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e
por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que
respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer
indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado,
observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva
constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas
profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os
Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7ª, notadamente os incisos I, II, III,
XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade sempre presente no
Estado democrático de Direito do permanente controle jurisdicional
dos atos, necessariamente documentados (Súmula vinculante 14),
praticados pelos membros dessa instituição. 2.Agravo interno a que
se nega provimento.
(STF – AgR ARE: 1005861 PR – PARANÁ 0005094-
88.2008.8.16.0013, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Data e
julgamento: 22/06/2018, Primeira Turma, Data de publicação: DJe
153 01/08/2018) (grifo nosso).

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO EM


RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DISPENSA INDEVIDA DE

38
LICITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL.
INEXISTÊNCIA. PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. MATÉRIA DECIDIDA EM REPERCUSSÃO GERAL. TEMA
184. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E DO
CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS (SÚMULA
279/STF). 1.Quanto à alegação da agravante acerca das supostas
nulidades nas intimações da defesa, tal como consta no parecer
Ministerial, “além de se tratar de inovação recursal incompatível com
o agravo regimental, não há que se discutir nulidade processual
decorrente da intimação que atingiu seu fim legal, sem qualquer
prejuízo à parte suscitante, tanto assim que o recurso cabível foi
devidamente interposto”. 2.O Supremo Tribunal Federal (STF),
após reconhecer a repercussão geral da matéria, entendeu que o
Ministério Público dispõe de competência para promover
investigações por autoridade própria (RE 593.727-RG/Tema 184).
3.O STF já fixou o entendimento de que “não é absoluta a
inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações, o que
não infirma a abrangência que a Magna Carta conferiu ao instituto”
(HC 69.085, da relatoria do ministro Celso de Mello)” (AI 747.807-
AgR, Rel. Min. Ayres Britto). 4.O STF rejeitou preliminar de
repercussão geral relativa à controvérsia sobre suposta violação aos
princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa
julgada e do devido processo legal (ARE 748.371-RG, Rel. Min.
Gilmar Mendes – Tema 660). 5. Para chegar a conclusão diversa do
acórdão recorrido, imprescindíveis seriam a análise da legislação
infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do
material probatório constante dos autos, o que não é possível nesta
fase processual (Súmula 279/STF). Precedente. 6.Agravo interno a
que se nega provimento.
(STF – RE: 1275110 DF 0190934-91.2010.8.07.0001, Relator:
Roberto Barroso, Data de julgamento: 28/09/2020, Primeira Turma,
Data de publicação: 05/10/2020) (grifo nosso).

Outra ressalva que está presente nas jurisprudências é a de que os


direitos e garantias fundamentais devem ser respeitados para que a
investigação do Ministério Público seja realizada,

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM FACE DE DECISÃO


MONOCRÁTICA QUE INDFERE LIMINAR EM TRIBUNAL
SUPERIOR. SÚMULA 691/STF. NÃO CONHECIMENTO. PODERES
DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TEMA
ASSENTADO EM REPERCUSSÃO GERAL. POSSIBILIDADE.
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS CONDICIONANTES.
INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA OU ABUSO DE PODER. 1.A teor
da súmula 691/STF, não se conhece do habeas corpus impetrado
contra decisão de relator que indefere liminar em writ originário, salvo
em hipóteses excepcionais, em que o impetrante demonstre a
existência de flagrante ilegalidade ou abuso de poder na decisão
hostilizada. 2.”O Ministério Público dispõe de competência para
promover, por autoridade própria, e por prazo razoável,
investigações de natureza penal, desde que respeitados os

39
direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a
qualquer pessoa sob investigação do Estado. O Ministério
Público dispõe de competência para promover, por autoridade
própria, e por prazo razoável, [...] investigações de natureza
penal. Portanto, o julgamento abriu as portas para a investigação
de natureza penal desde que vem “respeitados os direitos e
garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer
pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus
agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e,
também as prerrogativas profissionais de que se acham investidos,
em nosso País, fazendo referência expressa aos ilustre advogados –
(...) sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado
democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos
atos, - do Ministério Público, necessariamente documentados
(Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição.
(RE 537.727, Redator para o Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado
em 14.05.2015). 3.Writ não conhecido.
(STF – HC 100978 SP – São Paulo 0008140-76.2009.0.01.0000,
Relator: Min. Marco Aurélio, Data de julgamento: 22/09/2015, Primeira
Turma, Data de publicação: DJe 240 17/11/2015) (grifo nosso).

Logo, o entendimento firmado e consolidado do STF é de possibilidade


em relação à investigação criminal por parte do Ministério Público, desde que
resguardadas as garantias constitucionais presentes no ordenamento jurídico
vigente.

4.2 Concretização do entendimento do STF acerca da possibilidade


investigatória do MP e seus poderes

O entendimento do STF acerca da investigação criminal realizada pelo


Ministério Público foi consolidado pelo RE 593.727. Nesse julgamento foi
confirmada a possibilidade de o parquet participar das investigações de
natureza penal, cumprindo com o determinado no ordenamento jurídico.
Abaixo, o teor da decisão,

REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO


REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONSTITUCIONAL.
SEPARAÇÃO DOS PODERES. PENAL E PROCESSUAL PENAL.
PODERES DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 2.
Questão de ordem arguida pelo réu, ora recorrente. Adiamento do
julgamento para colheita de parecer do Procurador-Geral da
República. Substituição do parecer por sustentação oral, com a
concordância do Ministério Público. Indeferimento. Maioria. 3.
Questão de ordem levantada pelo ProcuradorGeral da República.
Possibilidade de o Ministério Público de estadomembro promover
sustentação oral no Supremo. O Procurador-Geral da República não

40
dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet
estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição
constitucional (art. 128, § 1º), a Chefia do Ministério Público da União.
O Ministério Público de estado-membro não está vinculado, nem
subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à
Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla
possibilidade de postular, autonomamente, perante o Supremo
Tribunal Federal, em recursos e processos nos quais o próprio
Ministério Público estadual seja um dos sujeitos da relação
processual. Questão de ordem resolvida no sentido de assegurar ao
Ministério Público estadual a prerrogativa de sustentar suas razões da
tribuna. Maioria. 4. Questão constitucional com repercussão geral.
Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos
LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constituição
Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia,
nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público.
Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: “O Ministério
Público dispõe de competência para promover, por autoridade
própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde
que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer
indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado,
observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva
constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais
de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei
8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e
XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado
democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos
atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14),
praticados pelos membros dessa instituição”. Maioria. 5. Caso
concreto. Crime de responsabilidade de prefeito. Deixar de cumprir
ordem judicial (art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei nº 201/67).
Procedimento instaurado pelo Ministério Público a partir de
documentos oriundos de autos de processo judicial e de precatório,
para colher informações do próprio suspeito, eventualmente hábeis a
justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado
provimento ao recurso extraordinário. Maioria (STF RE 593.727 MG,
Relator: Min. Cezar Peluso, Data de julgamento: 14/05/2015).

E quanto aos poderes do Ministério Público, estão elencados no artigo


129 da Constituição Federal, nos incisos I a IX. Dentre eles, há algumas
considerações a serem feitas. O inciso I, dá a garantia de que somente o
Ministério Público realizará a ação penal; o inciso II reflete sua função de fiscal
da lei, que deve garantir o cumprimento das normas já estabelecidas; o inciso
III tem também função de fiscalização, mas no caso de bens coletivos; o IV
busca a intervenção nos entes federativos quando necessário, de acordo com
os requisitos legais; o V inclui a fiscalização do interesse dos índios,
especificamente; o VI está relacionado com o papel do MP nos procedimentos
administrativos; o VII no domínio da atividade da polícia; o VIII está atrelado
41
com a investigação criminal, de forma ampla, e as diligências que devem ser
realizadas; e por fim, o IX com as demais atribuições que lhe são determinadas
legalmente (BRASIL, 1988).

Logo, o STF requer do Ministério Público todas essas funções que já lhe
foram determinadas, incluídas essas do artigo 129 da Constituição mais os
poderes que lhe foram dados por outras normas legais.

5 CONCLUSÃO

O tema apresentado no presente trabalho é importante de ser analisado.


Isso porque uma investigação criminal, quando realizada, serve de respaldo
para a ação penal, posteriormente. Para que seja feita uma investigação, há a
colheita de provas, materiais e tudo o que possa servir para fortificar os indícios
de autoria e materialidade do caso.

Como há determinação expressa de quais órgãos devem ser


responsáveis pela investigação criminal, expresso no artigo 144 da
Constituição, o Ministério Público não se encaixaria em tal função. Porém, há
que se analisar a importância do órgão para o Poder Judiciário como um todo.

42
O Ministério Público passou também a ter importante papel nesse
cenário de investigações criminais porque a Constituição o encaminhou para a
solução de novos casos, de maior repercussão, trazendo novas garantias, para
julgamento, e posteriormente, foi sendo introduzido o parquet para o
julgamento de casos menores também.

Apesar de não haver menção expressa no artigo supra, o artigo 129 do


mesmo texto constitucional, prevê as funções institucionais do MP, o que levou
a uma interpretação extensiva do tema de investigação criminal. Tal análise
passou a ser uma discussão, haja vista a desconformidade em relação a
possibilidade ou não do Ministério Público investigar.

Os que consideram válida a investigação, baseiam-se na teoria dos


poderes implícitos que descreve que mesmo não tendo a Constituição dito
expressamente acerca dessa possibilidade ao Ministério Público, há a
possibilidade de agir baseado na norma implícita, que garantiria sua atuação
de forma legal. Os que discordam, alegam discordância com a própria
Constituição, pois se houvesse interesse de o Ministério Público ser órgão
investigativo, não teria impedimento para que o legislador assim fizesse.

Quanto a essa divergência, o Supremo Tribunal Federal, firmou uma


tese de repercussão geral sobre o tema, consolidando a investigação criminal
sendo realizada pelo Ministério Público. O motivo é o que já foi explanado. Não
há motivo para denegar tal permissão, haja vista não ser matéria exclusiva de
um órgão, ao passo que o parquet seria um membro de auxílio para a
investigação, aumentando a chance de maior colheita de provas, com menor
tempo e mais eficiência.

Concluindo o trabalho, o Ministério Público pode sim realizar


investigações criminais. A Constituição dá respaldo a ele para a investigação
criminal, primeiramente, pela importância constitucional que ele tem para o
ordenamento. Além disso, o parquet está envolvido nos casos em que há maior
necessidade de solução de crimes, o que contribuiu para o auxílio nas

43
investigações. Portanto, depois de tudo que foi pesquisado, é sim válida e legal
a investigação criminal realizada pelo Ministério Público.

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