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UNIDADE 3 – JUIZ DE GARANTIAS.

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

1 – JUIZ DE GARANTIAS

1.1 – Antecedentes Históricos

Comum em países como Itália, França, México e Estados Unidos, o juiz de


garantias somente surgiu na legislação brasileira através do Pacote Anticrime
(Lei nº 13.964/2019 – arts. 3°-B a 3º-F, CPP), embora sua implantação já
viesse sendo discutida há vários anos no Congresso.

1.2 – Conceito

O juiz de garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação


criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais. É aquele que atuará
apenas na fase de investigação, com o objetivo de tutelar os direitos individuais
do cidadão. Desse modo, o juiz de garantias atua exclusivamente na fase de
investigação, não tendo atuação durante a ação penal.

1.3 – Competência do juiz de garantias

A competência do juiz de garantias está estabelecida no art. 3º-C, do Código


de Processo Pena, nos seguintes termos:

Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais,
exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou
queixa na forma do art. 399 deste Código

1.4 – Funções do juiz de garantias

As funções do juiz de garantias estão definidas no art. 3º - B, do Código de


Processo Penal. Esse rol não é taxativo e sim exemplificativo, for força do
inciso XVIII, do referido artigo. Senão vejamos:

Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da


investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha
sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe
especialmente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do
art. 5º da Constituição Federal; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão,
observado o disposto no art. 310 deste Código; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja
conduzido à sua presença, a qualquer tempo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar,
observado o disposto no § 1º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou
revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência
pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial
pertinente; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas
urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência
pública e oral; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista
das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste
artigo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento
razoável para sua instauração ou prosseguimento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o
andamento da investigação; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XI - decidir sobre os requerimentos de: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e
telemática ou de outras formas de comunicação; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico; (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019) (Vigência)
c) busca e apreensão domiciliar; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
d) acesso a informações sigilosas; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do
investigado; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental; (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste
Código; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao
investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas
produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente,
às diligências em andamento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção
da perícia; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de
colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação; (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.

I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII


do caput do art. 5º da Constituição Federal;

É o juiz de garantias a autoridade competente para fins de recebimento da


comunicação imediata da prisão de qualquer indivíduo exigida pelo art. 5º,
inciso LXII, da Constituição Federal e, no caso particular da prisão em
flagrante, de acordo com o art. 306, caput, do Código de Processo Penal: “a
prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso
ou à pessoa por ele indicada”.

II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da


prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código

Cabe ao juiz das garantias receber o auto de prisão em flagrante para fins de
análise da legalidade da prisão, bem como da necessidade de convertê-la em
prisão preventiva, de acordo com o art. 310, do Código de Processo Penal. Tal
análise ocorrerá durante a audiência de custódia.

III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que
este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;

Como tutor dos direitos fundamentais do investigado, o juiz das garantias deve
ter especial atenção com os direitos das pessoas presas, especialmente os
direitos assegurados na Constituição. Para tanto, o juiz das garantias pode
determinar a condução do preso à sua presença, o que deverá ocorrer na
audiência de custódia.

IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal

A comunicação ao juiz das garantias da instauração de qualquer investigação é


para que ele analise a legalidade dessa investigação. Assim, se não houver
fundamento razoável para a investigação, cabe ao juiz das garantias
determinar o trancamento do inquérito, como previsto no inciso IX.

V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida


cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo

A competência do juiz das garantias para análise do requerimento de prisão


provisória ou outra medida cautelar restringe-se ao momento em que ele atua,
ou seja, durante a investigação criminal, até o recebimento da denúncia ou
queixa (art. 3º-C,§ 1°, CPP).

VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como


substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do
contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste
Código ou em legislação especial pertinente

A competência do juiz das garantias nessa hipótese também se restringe ao


momento em que ele atua, ou seja, durante a investigação criminal, até o
recebimento da denúncia ou queixa (art. 3º-C,§ 1°, CPP).

Esse dispositivo legal traz ainda importante inovação: para que se prorrogue a
prisão provisória (preventiva e temporária) ou outra medida cautelar, passa a
ser obrigatório o exercício do contraditório em audiência pública e oral.
VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas
consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a
ampla defesa em audiência pública e oral

Se o pedido de produção antecipada de provas for requerido durante a


investigação será determinada pelo juiz das garantias, que deverá assegurar o
contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral.

VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado


preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e
observado o disposto no § 2º deste artigo

Pela regra estabelecida no art. 10, § 3º, do CPP, não seria possível a dilação
de prazo do inquérito se o indiciado estiver preso: “Quando o fato for de difícil
elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a
devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo
marcado pelo juiz”. Entretanto, o Pacote Anticrime, criou a figura do Juiz de
Garantias e deu a ele o poder de prorrogar o prazo de conclusão do inquérito
policial, por até 15 dias estando o indiciado preso, como determina o dispositivo
ora em comento e o § 2º do art. 3º-B, do CPP. Vejamos:

§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante


representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar,
uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se
ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente
relaxada.

IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver


fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

O trancamento do inquérito, que não tem previsão expressa no Código de


Processo Penal, é uma modalidade imprópria de arquivamento e poderá ser
feito por via de Habeas Corpus, nas seguintes hipóteses: a) evidente
atipicidade do fato; b) evidente ilegitimidade passiva; c) evidente extinção de
punibilidade; d) ausência de representação no caso de crime cuja ação penal é
de iniciativa pública condicionada; e) ausência de requerimento, no caso de
crime cuja ação penal é de iniciativa privada; f) ausência de justa causa
(suporte probatório mínimo). Nesse último caso, a maior parte da doutrina e
jurisprudência entende que, por envolver exame aprofundado de provas, não
motiva a concessão do Habeas Corpus (STJ, 5ª T., rel. Min. Luiz Vivente
Cernicchiaro, DJU, 18/12/1995, p.44624).

Embora a lei não preveja expresamente a figura do Trancamento do Inquérito


Policial e suas hipóteses, acabou por admitir o instituto, pois estabeleceu, entre
as atribuições do juiz de garantías, decidir sobre o trancamento do Inquérito
Policial, como estabelecido no dispositivo ora em comento.

X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia


sobre o andamento da investigação;
É competência do juiz de garantias que deve ser exercida com cautela,
evitando que o magistrado abandone a sua imparcialidade e acabe adotando
postura que implique em participação ativa na colheita de provas, colocando
em risco o Sistema Acusatório. Diante disso, esse poder requisitório apenas
dever ser exercido se absolutamente necessário para a tutela de direito
fundamental do cidadão.

XI - decidir sobre os requerimentos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de


informática e telemática ou de outras formas de comunicação;
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) acesso a informações sigilosas;
e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos
fundamentais do investigado

Por serem diligências que efetivamente repercutem na esfera dos direitos do


cidadão e que, em regra, são requeridas na fase de investigação, elas somente
se efetivam mediante autorização do juiz das garantias. O dispositivo apresente
hipótese clássica de atuação desse magistrado.

XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia

É o exemplo de Habeas Corpus impetrado para obter o trancamento do


Inquérito Policial, contra Delegado de Polícia e contra particular que esteja
impedindo o direito de ir e vir, como no caso das clínicas particulares que
impedem os pacientes de saírem.

XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental

Essa competência do juiz das garantias é válida se o incidente de insanidade


mental é instaurado no Inquérito Policial, conforme permitido pelo art. 149, do
Código de Processo Penal: “quando houver dúvida sobre a integridade mental
do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público,
do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do
acusado, seja este submetido a exame médico-legal”. Se a instauração se dá
no curso da ação penal a competência fica reservada ao juiz que atua no
processo.

XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do


art. 399 deste Código

A competência do juiz das garantias cessa com o recebimento da denúncia ou


queixa, nos termos do art. 3º-B, do Código de Processo Penal. Assim, passado
o recebimento da denúncia ou queixa, o juiz de garantias não pode mais atuar,
cabendo agora ao juiz da instrução a competência para os atos.
Destaque-se que com a decisão plenária do Supremo Tribunal Federal ocorrida
em 23 de agosto de 2023, a Supre Corte decidiu que a competência do Juiz
das Garantias acaba no oferecimento da denúncia, e não em sua recepção, ao
contrário do que foi estabelecido na norma

XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito


outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os
elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação
criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em
andamento

Cumpre ao juiz das garantias fazer valer o inteiro teor da Súmula Vinculante
14, do STF e do art. 7º, inciso XIV, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), os
quais garantem o acesso do advogado a todas as peças do Inquérito Policial.
Cumpre salientar que o dispositivo em comento vai além, pois permite também
o acesso ao inquérito pelo próprio investigado, mediante autorização do juiz
das garantias, ao passo que a Sumula Vinculante 14 e o Estatuto da OAB
permitem o acesso apenas ao advogado. Importante mencionar que o
dispositivo em análise só permite acesso àquilo que já foi produzido e juntado
ao Inquérito Policial, não dando direito de acesso às diligências em andamento.

XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a


produção da perícia

O assistente técnico atua como um perito de confiança das partes. Até a


aprovação da Lei 13.694/2019 (Pacote Anticrime), entendia-se que ele não
acompanhava a produção da perícia, ingressando no feito após a sua
realização e elaboração do laudo do perito, a partir de sua admissão pelo
magistrado (art. 159, § 4º, do Código de Processo Penal). Com o novel
dispositivo, ora em apreço, é possível que o assistente técnico ingresse nos
autos antes ou durante a realização da perícia, autorizando-se que ele venha a
acompanhá-la. Continua, porém, mantida a vedação de que o assistente
técnico produza o laudo pericial.

XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal


ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a
investigação

O acordo de não persecução penal ou a colaboração premiada, quando forem


realizados durante a investigação, serão homologados pelo juiz das garantias.
O acordo de não persecução penal (art. 28-A, do Código de Processo Penal),
assim como o próprio juiz das garantias, foram institutos criados pela Lei nº
13.694/2019 (Pacote Anticrime). Já a colaboração premiada é instituto que já
tinha previsão em diversos dispositivos legais,

XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste


artigo

Esse dispositivo reforça a ideia de que o rol de atribuições do juiz das garantas
é um rol exemplificativo e não taxativo, tendo o juiz das garantias competência
para determinar quaisquer outras medidas que envolvam direitos fundamentais
do cidadão e que devam ocorrer durante a investigação.

1.5 – Encerramento das atividades do juiz de garantias

As funções do juiz de garantias se encerram com o recebimento da denúncia,


nos termos do art. 3º-C, e § 1º:

Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais,
exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou
queixa na forma do art. 399 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz
da instrução e julgamento.

Destaque-se que com a decisão plenária do Supremo Tribunal Federal ocorrida


em 23 de agosto de 2023, a Supre Corte decidiu que a competência do Juiz
das Garantias acaba no oferecimento da denúncia, e não em sua recepção, ao
contrário do que foi estabelecido na norma

1.6 – Não vinculação das decisões do juiz de garantias

Nos termos do art. 3º-C, § 2º, as decisões proferidas pelo juiz das garantias
não vinculam o juiz da instrução e julgamento.

§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e
julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a
necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias

1.7 – Formas de escolha do juiz de garantias

As formas de escolha eu designação do juiz de garantias estão definidas nos


arts. 3º-D, parágrafo único, e 3º-E. senão vejamos:

Art. 3º-D
Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão
um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste
Capítulo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização
judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a
serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal.

Destaque-se que reunião plenária do dia 23 de agosto de 2023, os Ministros do


Supremo decidiram pela inconstitucionalidade da previsão segundo a qual, em
comarcas com apenas um juiz, os tribunais deveriam criar um sistema de
rodízio entre magistrados, para que juízes que atuam na fase pré-processual
não atuem no julgamento, e vice-versa. Para os ministros, o trecho violou o
poder de auto-organização dos tribunais.

1.8 – Atual situação do juiz de garantias


Quanto à aplicação do juiz de garantias, o ministro Luiz Fux, o então vice-
presidente do Supremo Tribunal Federal, decidiu suspender a implementação
do juiz das garantias até que a decisão fosse referendada no Plenário da
Corte. (ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6305)

Tal liminar revogou outra liminar, concedida pelo ministro Dias Toffoli uma
semana antes. Na decisão, Toffoli adiou a eficácia do instrumento nos tribunais
por até 180 dias e suspendeu dois artigos da Lei 13.964/2019, apelidada de
"anticrime". Além disso, em portaria, aumentou prazo do grupo de trabalho que
trata do tema no Conselho Nacional de Justiça.

A previsão em lei era que o juiz das garantias começaria a valer a partir de
23/01/2020. Entretanto, com a decisão do ministro Luiz Fux, a figura do juiz de
garantias ficou suspensa até o dia 23 de agosto de 2023, quando o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, após dez sessões, decidiu pela implantação
obrigatória do juiz das garantias em até 12 meses, com a possibilidade de uma
única prorrogação por igual período.

2 – ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

1 – Antecedentes Históricos

O Acordo de Não Persecução Penal é instituto que, no Brasil, foi criado e


inicialmente regulamentado pelo Conselho Nacional do Ministério Público –
CNMP, através da Resolução nº 181/2017, posteriormente alterada pela
Resolução nº 183/2018.
Não havia, portanto, lei em sentido estrito que disciplinasse a matéria, o que
despertava críticas de parte da doutrina, no sentido de que o CNMP, ao inovar
no ordenamento jurídico, estava usurpando a competência privativa da União
para regular sobre processo penal (art. 22, inciso I, da Constituição).

O Acordo de Não Persecução Penal é semelhante ao Plea Bargain (pedido de


barganha ou acordo), instituto existente nos Estados Unidos e que consiste em
uma barganha (ou negociação) entre o promotor e o réu, representado por seu
advogado. No final, eles entram em um acordo (às vezes chamado de
contrato), em que o réu concorda em confessar a culpa, em troca de uma pena
menor do que a que poderia pegar se fosse a julgamento.

2 – Conceito

Acordo de Não Persecução Penal é o ajuste, antes da ação penal, entre o


Ministério Público e o investigado, a fim de que este não seja processado,
desde que cumpra as condições impostas na lei. Trata-se de um instituto de
caráter despenalizador e mitigador da obrigatoriedade da ação penal pública.

3 – Requisitos para a aplicação do Acordo de Não Persecução

Os requisitos do Acordo de Não Persecução Penal vêm estabelecidos no art.


28-A, do Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal
e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e
com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo
de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e
alternativamente:

Nos termos do novel dispositivo processual penal, é possível inferir os


seguintes requisitos para a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal:

a) Não ser caso de arquivamento do inquérito ou das peças de


informação

Esse requisito busca evitar que acordos de não persecução penal sejam
firmados com base em procedimentos investigatórios que não possuam os
necessários elementos mínimos para embasar a propositura de uma ação
penal.

Por exemplo: (a) não é possível a pactuação de acordo de não persecução


penal caso inexistente a justa causa para o exercício da ação penal
(materialidade e indícios mínimos de autoria); (b) caso esteja prescrita a
pretensão punitiva estatal ou (c) o fato investigado seja atípico.

b) Que o investigado tenha confessado formal e circunstancialmente a


prática da infração penal

Pressupõe que o investigado, diante da prática do fato criminoso, em evidente


reconhecimento da infração criminal praticada, voluntariamente, opte em
confessar a conduta ilícita objeto do procedimento investigatório.

Vale citar que vem sendo questionada sua constitucionalidade no que diz
respeito a previsão de que o investigado deve confessar o fato criminoso para
dispor do acordo de não persecução penal, violando-se assim o princípio da
presunção de inocência e o princípio de que ninguém será obrigado a produzir
prova contra si mesmo. A exigência de que tenha “o investigado confessado
formal e circunstancialmente a prática de infração penal”, em tese, viola
frontalmente a garantia constitucional de que “o preso será informado de seus
direitos, entre os quais o de permanecer calado” (CF/88, art. 5º, LXIII), bem
como o enunciado supralegal contido na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, Pacto de São José da Costa Rica (8º, 2, g), o qual prevê que “toda
pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem
direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g) direito de não
ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.”

c) Prática de infração penal sem violência ou grave ameaça

O delito praticado pelo investigado não pode ter como elementares a violência
ou grave ameaça à pessoa, visto que a violência contra o objeto não pode ser
considerada um impeditivo para a celebração do acordo de não persecução
penal.

Ademais, “a violência que impede o ajuste é aquela presente na conduta, e não


no resultado. Logo, homicídio culposo, por exemplo, admite o ANPP” (CUNHA,
2020, p. 129).

d) Prática de delito com pena mínima inferior a 04 (quatro) anos

Os tipos penais incriminadores possuem dois preceitos: (a) preceito primário:


é a parte do tipo penal em que é prevista a conduta criminosa, ou seja, é onde
se encontra a descrição de todos os elementos configuradores do crime e (b)
preceito secundário: é a parte do tipo penal em que são fixadas as espécies
de penas aplicáveis, bem como a quantidade de reprimenda que poderá ser
fixada pelo órgão julgador em caso de condenação.

Esse requisito exige que a pena mínima prevista no preceito secundário do tipo
penal seja inferior a 04 (quatro) anos, consequentemente, pena mínima igual
ou superior a 04 (quatro) anos impede, a princípio, o oferecimento do acordo
de não persecução penal.

Nos termos do § 1º do art. 28-A do CPP: “Para aferição da pena mínima


cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as
causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto”.

e) Necessidade e suficiência do acordo de não persecução penal para a


reprovação e prevenção do crime

Esses últimos requisitos para a aplicação desse instituto processual penal


estão relacionados às teorias que indicam as finalidades das penas no Direito
Penal.

De acordo com o art. 59, caput, do Código Penal e o art. 1º da Lei n.


7.210/1984 (Lei de Execuções Penais), nosso sistema penal adotou a teoria
mista ou eclética acerca das finalidades das penas, as quais propugnam que “a
pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua
finalidade é não só a prevenção, mas também, um misto de educação e
correção” (MIRABETE, 1996, p. 245).

Urge ressaltar, entretanto, que as condições impostas ao investigado/acusado


no acordo de não persecução penal não podem ser encaradas como
reprimendas, mas, apenas, como efetivas condicionantes para o gozo de
referido benefício processual.

As ideias de necessidade e suficiência, igualmente, demonstram a


preocupação do legislador em relação ao respeito aos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade.

Inclusive, nos termos do § 5º do art. 28-A do Código de Processo Penal, o juiz


poderá devolver os autos ao Parquet para que seja reformulada a proposta
caso considere inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições
apresentadas, bem como, pelos mesmos motivos, recusar a homologação do
termo de acordo de não persecução penal (art. 28-A, § 7º, do CPP),
disposições legais que encampam as duas vertentes do princípio da
proporcionalidade, quais sejam: a vedação à proteção insuficiente e a proibição
do excesso.

4 – Das circunstâncias impeditivas do oferecimento da proposta de


acordo de não persecução penal

O § 2º do art. 28-A do Código de Processo Penal prevê as hipóteses que


impedem a aplicação do acordo de não persecução penal:

§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:


I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais,
nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem
conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as
infrações penais pretéritas;
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da
infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão
condicional do processo; e
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados
contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

a) Transação Penal

A primeira circunstância impeditiva é “se for cabível transação penal de


competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei” (art. 28-A, §
2º, I, do CPP).

A transação penal é outro instituto processual penal que mitiga o princípio da


obrigatoriedade da ação penal pública, estando previsto no art. 76, caput, da
Lei n. 9.099/95, cuja redação é a seguinte: “Havendo representação ou
tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de
arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena
restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”.

Essa benesse legal é aplicável aos delitos de menor potencial ofensivo, isto é,
todas as contravenções penais (Decreto-Lei n. 3.688/1941) e os crimes a que a
lei comine pena máxima não superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não com
multa (art. 61 da Lei n. 9.099/95).

Sendo assim, se diante do caso concreto for possível o oferecimento da


transação penal prevista na Lei dos Juizados Especiais Criminais, restará
inviável a aplicação do acordo de não persecução penal, vislumbrando-se,
portanto, a subsidiariedade deste em relação àquela.

b) Reincidência, habitualidade e reiteração criminosa, exceto a


insignificância
A segunda hipótese que impede o acordo de não persecução penal é “se o
investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem
conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as
infrações penais pretéritas” (art. 28-A, § 2º, II, do CPP).

Conforme preconizado pelo art. 63 do Código Penal: “Verifica-se a reincidência


quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença
que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.

Ressalte-se que não prevalece a reincidência se entre a data do cumprimento


ou extinção da pena pelo delito anterior e a infração posterior tiver decorrido
período de tempo superior a 05 (cinco) anos, computado o período de prova do
livramento condicional, bem como não se consideram as condenações
definitivas por crimes militares próprios ou políticos (art. 64, I e II, do CP),
situações em que será permitida pactuação do acordo de não persecução
mesmo que o agente ostente uma condenação criminal por fato pretérito.

De outra banda, crime habitual “é o que somente se consuma com a prática


reiterada e uniforme de vários atos que revelam um criminoso estilo de vida do
agente. Cada ato, isoladamente considerado, é atípico” (MASSON, 2015, p.
224) e crime profissional é o “crime habitual, quando cometido com finalidade
lucrativa” (MASSON, 2015, p. 224).

Por sua vez, a conduta criminal reiterada ocorre quando se constata que o
agente se encontra envolvido em atividades criminosas de modo rotineiro,
revelando a contumácia na prática de infrações penais. Esse requisito negativo,
a despeito do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII,
da CF/88), restará presente quando houver diversas investigações ou
processos criminais em trâmite em desfavor do indiciado, não havendo a
necessidade da existência de condenações criminais transitadas em julgado,
porquanto, por óbvio, acaso existentes, incidiriam na proibição de oferta do
acordo de não persecução penal ao reincidente.

No que concerne à exceção relativa à insignificância das infrações penais


pretéritas que, se presente, permitirá a pactuação do acordo mesmo nos casos
de conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, vislumbra-se a
consagração legal do princípio da insignificância ou da criminalidade de
bagatela.

O princípio da insignificância foi incorporado ao Direito Penal na década de


1970, por Claus Roxin, e, fundamentado em valores de política criminal,
“destina-se a realizar uma interpretação restritiva da lei penal” (MASSON,
2015, p. 28), possuindo natureza jurídica de causa de exclusão da tipicidade
material.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fixou requisitos de ordem


objetiva (mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social da
ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade
da lesão jurídica produzida) e subjetiva em relação ao agente do crime
(primário, não ser criminoso habitual ou militar) e à vítima (importância do
objeto material para o ofendido, condições econômicas da vítima, extensão do
dano e valor sentimental do bem) que devem ser aferidos diante do caso
concreto para a análise da possibilidade de reconhecimento da insignificância
da infração penal.

A despeito da afirmação de que, a partir de agora, o princípio da insignificância


se encontra positivado no Código de Processo Penal, a novel legislação não
deixou claro se a insignificância das infrações pretéritas deve ter sido
reconhecida judicialmente nos respectivos processos levando à atipicidade dos
fatos ou se ela poderá ser valorada pelo Ministério Público quando da análise
do oferecimento ou não da proposta do acordo de não persecução penal.

A melhor interpretação, porém, é no sentido da necessidade de que nos


procedimentos investigativos ou processos judiciais anteriores tenha sido,
efetivamente, reconhecida a atipicidade material da conduta em razão da
criminalidade de bagatela, tendo em conta que, conforme defendido linhas
acima, a mera existência de persecuções penais em aberto são suficientes
para caracterizar o impeditivo para a oferta do acordo de não persecução penal
consistente na conduta criminal reiterada.

c) Benefício nos últimos cinco anos de acordo de não persecução penal,


transação penal ou suspensão condicional do processo

A terceira circunstância que impede a pactuação do acordo de não persecução


penal é “ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao
cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal
ou suspensão condicional do processo” (art. 28-A, § 2º, III, do CPP).

Nos termos dessa disposição legal, o investigado/acusado que tenha firmado,


nos 05 (cinco) anteriores à data do cometimento de nova da infração penal,
acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do
processo, não poderá ser beneficiado por esse novo instituto processual penal.

Os precitados mecanismos de justiça criminal consensual, por se tratarem de


benefícios processuais penais, podem e devem ser limitados pela legislação e
concedidos, apenas, aos investigados/acusados que, efetivamente, não se
envolvam, rotineiramente, com a prática de infrações penais.

d) Crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar

Por fim, a quarta circunstância que impede a propositura do acordo de não


persecução penal ocorre “nos crimes praticados no âmbito de violência
doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de
sexo feminino, em favor do agressor” (art. 28-A, § 2º, IV, do CPP).

O Brasil é signatário de alguns documentos internacionais, dentre eles, a


Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a
Mulher de 1979 da Organização das Nações Unidas – ONU e a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de
1994 (Decreto n. 1.973/1996), que possuem como objeto o compromisso de
prevenir e punir todas as formas de violência contra as mulheres em razão da
condição de sexo feminino.

Em decorrência desses compromissos internacionais, mas não antes de ser


responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso
Maria da Penha (Relatório n. 54/2001 – Caso 12.051), o Brasil editou a Lei n.
11.340/2006, a qual prevê diversos mecanismos para a defesa e o combate à
violência contra as mulheres.

Os delitos praticados no âmbito da violência doméstica e familiar contra a


mulher, em razão de sua evidente gravidade, não admitem a concessão de
benefícios processuais penais aos seus autores, haja vista que, em última
análise, a firme aplicação da lei penal nesses casos visa demonstrar a urgente
necessidade de uma reeducação de nossa sociedade, a qual, em pleno século
vinte e um, ainda se mostra extremamente machista, o que encontra
fundamento na “função ético-social do Direito Penal” (MASSON, 2015, p. 15).

Portanto, essa circunstância impeditiva do acordo de não persecução penal


reforça essa necessidade, e, em sua primeira parte apenas repete, para não
deixar nenhuma sombra de dúvida, a impossibilidade da adoção dessa
benesse legal quando o crime envolver violência ou grave ameaça contra a
pessoa.

Por outro prisma, na segunda parte desse dispositivo legal, restou consignada
a ideia de que qualquer delito praticado contra mulher por razões da condição
de sexo feminino impedirá a pactuação do acordo de não persecução penal,
independentemente de não se tratar de crime perpetrado no ambiente
doméstico.

5 – Das condições aplicáveis para a adoção do acordo de não persecução


penal

Tratando-se o acordo de não persecução penal de uma mitigação ao princípio


da obrigatoriedade da ação penal pública e, ainda, uma benesse legal que visa
ao atendimento da justiça penal consensual, é inerente a necessidade de que,
em compensação a sua concessão, sejam exigidas algumas contraprestações
por parte dos investigados/acusados beneficiados, até mesmo pela
necessidade de reprovação e prevenção do crime perpetrado.

Tais condições estão previstas no art. 28-A, incisos I a V, do Código de


Processo Penal:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;


II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como
instrumentos, produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente
à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser
indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal);
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de
interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente,
como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente
lesados pelo delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público,
desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

a) Reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade


de fazê-lo

Há algum tempo a legislação processual penal passou a se preocupar com a


situação da vítima do crime, a qual era relegada ao esquecimento nessa
âmbito do direito, passando a prever, por exemplo: (a) a necessidade de sua
comunicação sobre os atos processuais relativos ao ingresso e à saída do
acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e
respectivos acórdãos (art. 201, § 1º, do CPP); (b) a reserva de espaço
separado para o ofendido antes do início e durante a audiência (art. 201, § 4º,
do CPP); (c) a possibilidade de a vítima ser encaminhada para atendimento
multidisciplinar (art. 201, § 5º, do CPP); (d) a tomada de providências
necessárias para a preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem
do ofendido (art. 201, § 6º, do CPP) e (e) a imposição ao magistrado de, por
ocasião da prolação de sentença penal condenatória, fixar valor mínimo para a
reparação dos danos causados pela infração penal, levando em conta os
prejuízos sofridos pelo ofendido (art. 387, IV, do CPP), o que facilita,
sobremaneira, a execução perante o juízo cível.

Faz-se imperioso consignar que existem duas espécies de sujeitos passivos


(vítimas) para o Direito Penal, haja vista que “sob o aspecto formal, o Estado é
sempre o sujeito passivo do crime, que poderíamos chamar de sujeito passivo
mediato. Sob o aspecto material, o sujeito passivo direto é o titular do bem ou
interesse lesado” (BITENCOURT, 2009, p. 243).

Logicamente, nos delitos em que os bens jurídicos tutelados interessem de


forma direta ao Estado, tais como os contra a administração pública, aquele
será considerado o sujeito passivo direto, imediato, da infração penal.

De outra banda, nos crimes vagos, em que “o sujeito passivo é uma


coletividade destituída de personalidade jurídica” (MIRABETE, 1996, p. 133),
por não haver uma vítima certa e determinada, não haverá a possibilidade do
reconhecimento de um dano indenizável, como, por exemplo, no delito de
tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006), em que o bem jurídico
tutelado de forma imediata é a saúde pública. Entretanto, se no caso concreto
restar evidente um dano moral ou material a uma pessoa certa e determinada,
haverá a possibilidade de reparação desses prejuízos.

A condição de reparar o dano ou restituir a coisa à vítima que pode ser


imposta no acordo de não persecução penal tem por finalidade, como
evidencia a clareza do texto legal, minimizar os danos causados ao ofendido,
demonstrando a preocupação do Direito Processual Penal não apenas com os
direitos e garantias dos investigados e acusados, mas, também, com os dos
sujeitos passivos de crimes, o que denota a adoção do garantismo penal
integral ou binocular pela novel legislação.
Questão importante a ser avaliada é que, para alguns delitos, como, por
exemplo, os crimes tributários e o peculato culposo, o pagamento dos tributos
devidos ou a reparação do dano, por expressa disposição legal, ensejam a
extinção da punibilidade do agente, fato que, na prática, mostra-se mais
vantajoso para o investigado/acusado, pois, adotando essas condutas, será
beneficiado com a extinção da punibilidade sem a necessidade de cumprir
outras condições passíveis de estipulação no acordo de não persecução penal.

A despeito da ausência de previsão legal, no afã de, efetivamente, resguardar-


se os direitos da vítima do delito, faz-se imprescindível sua convocação para
participar das tratativas do acordo, pois a reparação dos danos ou restituição
da coisa lhe interessam de forma direta.

Ademais, participando o ofendido de pactuação, sua consequente


homologação pelo magistrado terá o condão de formar título executivo judicial,
passível de execução no juízo cível mesmo que, eventualmente, ocorra a
rescisão do acordo (art. 28-A, § 10, do CPP), conforme entendimento
encampando pelo Superior Tribunal de Justiça em relação à suspensão
condicional do processo, que se aplica ao acordo de não persecução penal em
razão da similitude dos institutos.

Mas a vantagem decorrente da participação do sujeito passivo vai além, tendo


em vista que, mesmo não havendo a homologação judicial do acordo de não
persecução penal por qualquer motivo, formar-se-á título executivo extrajudicial
diante da transação referendada pelo Ministério Público (art. 784, IV, do
CPC/2015), o que permite a deflagração de processo executivo no juízo cível.

Por fim, essa condição poderá deixar de ser aplicada caso reste impossível ao
investigado/acusado reparar o dano ou restituir a coisa, seja em decorrência da
hipossuficiência financeira, seja em razão do perecimento do bem jurídico
tutelado.

b) Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério


Público como instrumentos, produto ou proveito do crime

Os instrumentos do crime são os objetos e materiais utilizados na prática do


delito e, em regra, com a sentença penal condenatória transitada em julgado,
devem ser declarados perdidos em favor da União “desde que consistam em
coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito” (art.
91, II, “a”, do CP).

O produto do crime “é o objeto diretamente obtido com a atividade criminosa”


(TÁVORA e ARAÚJO, 2020, p. 367), como, por exemplo, o dinheiro subtraído
do caixa do supermercado no crime de roubo.

Por sua vez, o proveito do crime “é o fruto da utilização do produto, leia-se, é


originado da especialização deste” (TÁVORA e ARAÚJO, 2020, p. 367), como,
por exemplo, o celular adquirido com o dinheiro subtraído do caixa do
supermercado.
Nos termos do art. 91, II, “b”, do Código Penal, o produto e proveito do crime,
diante da sentença penal condenatória, devem ser declarados perdidos em
favor da União, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé.

Essa condição do acordo de não persecução penal impõe ao


investigado/acusado renunciar a bens e direitos indicados pelo Ministério
Público como instrumentos, produto ou proveito do crime.

Logicamente, por se tratar de transação, o indiciado e seu defensor poderão


demonstrar ao membro do Parquet que os bens e direitos indicados não são
advindos da prática delituosa, ressaltando-se que, para ser possível a
aplicação dessa condição, faz-se imperioso que esses bens e direitos estejam
relacionados ao delito objeto da investigação e/ou processo criminal, não
sendo permitido se alcançar outros que estejam ligados a crimes diversos.

c) Prestar serviços à comunidade ou a entidades públicas por período


correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de uma a
dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do
art. 46 do Código Penal

A prestação de serviços à comunidade é uma pena restritiva de direitos que se


encontra prevista no art. 43, IV, do Código Penal, entretanto, para fins de
acordo de não persecução penal, essa espécie de reprimenda funciona como
uma de suas condicionantes.

Essa condição atende, de modo bastante eficiente, quando aplicada e


cumprida de forma correta, às finalidades das penas, quais sejam: retribuição,
prevenção geral e prevenção especial, haja vista que, por ser um serviço
prestado de forma gratuita, retribui o mal injusto do crime com o mal justo da
“pena”, demonstra à sociedade que presencia o apenado executando os
serviços a eficiência do Direito Penal, bem como desestimula a atuação
criminosa de outras pessoas e, ainda, de certa forma, cria um contraestímulo à
prática de novos delitos pelo agente e o reeduca para o convívio em
comunidade.

No acordo de não persecução penal, o período de cumprimento dessa


condição é fixado a partir da pena mínima prevista no preceito secundário do
tipo penal em que incorreu o investigado/acusado diminuída de um a dois
terços, parâmetros que deverão ser fixados nas tratativas entre as partes.

Tendo em vista que o acordo de não persecução penal é executado perante o


juízo de execução penal (art. 28-A, § 6º, do CPP), este é o juízo competente
para indicar o local em que serão cumpridos os serviços comunitários
acordados.

d) Pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do


Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada
pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função
proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente
lesados pelo delito
A prestação pecuniária é outra pena restritiva de direitos com previsão no art.
43, I, do Código Penal que, para fins de acordo de não persecução penal,
funciona como uma condição.

Nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, a prestação pecuniária deverá
ser fixada em valor não inferior a 01 (um) salário-mínimo nem superior a 360
(trezentos e sessenta) salários-mínimos, patamares que devem, igualmente,
ser levados em consideração no acordo de não persecução penal, tendo em
vista que o inciso IV do art. 28-A do Código de Processo Penal é claro ao
prescrever que essa condicionante deve ser estipulada nos moldes do
dispositivo legal acima mencionado.

De acordo com o Código Penal, a prestação pecuniária tem como beneficiários


a vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação
social (art. 45, § 1º, do CP), no entanto, o Código de Processo Penal, no que
tange à aplicação dessa condição no acordo de não persecução penal, faz uma
restrição aos beneficiários, prevendo que ela será paga, apenas, a entidade
pública ou de interesse social.

Apesar da aparente contradição entre essas previsões legais, o legislador foi


bastante técnico ao limitar os beneficiários da prestação pecuniária, pois,
conforme prevê o art. 45, § 1º, in fine, do CP, “O valor pago será deduzido do
montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes
os beneficiários”.

Se o crime causou danos a vítima determinada, logicamente, a condição a ser


aplicada é a inserta no inciso I do art. 28-A do Código de Processo Penal
(reparar o dano ou restituir a coisa à vítima) e não a prestação pecuniária,
considerando que, se for aplicada esta, ocorrerá a esdruxula necessidade de
abatimento de valores entre as respectivas condições no bojo de uma mesma
relação jurídica processual, acaso coincidentes os respectivos beneficiários.

e) Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo


Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração
penal imputada

Essa condição genérica ou inominada permite a pactuação de outras


condições proporcionais e compatíveis com a infração penal imputada ao
investigado/acusado que, obviamente, não deverão ser indicadas de modo
unilateral pelo Ministério Público, mas, sim, acordadas entre os signatários do
acordo de não persecução penal.

Podem ser citadas, como exemplos, a condição de comparecimento periódico


em juízo para informar e justificar suas atividades, proibição de se ausentar da
sede do juízo sem comunicação, obrigação de publicar pedido público de
escusas nos casos de crimes contra a honra e suspensão do direito de dirigir
nos crimes de trânsito.
Por fim, resta consignar que as precitadas condições podem ser ajustadas de
forma cumulativa ou alternativa, o que vai depender da gravidade em concreto
do delito e das negociações do acordo de não persecução penal.

6 – Do procedimento para a efetivação do acordo de não persecução


penal

Com o recebimento do inquérito policial relatado ou diante das peças de


informação, o membro do Ministério Público avaliará o preenchimento ou não
dos requisitos insertos no art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal e,
após isso, verificando a viabilidade do oferecimento da proposta de acordo de
não persecução penal, deverá tomar as medidas necessárias para sua
pactuação.

Conforme se infere do § 3º do precitado dispositivo legal, o acordo de não


persecução penal deverá ser formalizado por escrito e firmado pelo membro do
Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.

Da análise desse dispositivo legal é possível extrair algumas conclusões:

a) O acordo de não persecução penal é realizado, em regra, em uma fase


precedente à propositura da ação penal, aliás, uma das consequências de sua
pactuação é, logicamente, a não propositura daquela, isto é, não haverá
oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público, o que leva à
conclusão de que esse instituto é mais uma das exceções ao princípio da
obrigatoriedade da ação penal pública, a exemplo do que já ocorre com a
transação penal prevista na Lei n. 9.099/95 no âmbito dos Juizados Especiais
Criminais.

É importante, porém, frisar a possibilidade de aplicação dessa benesse a


processos criminais em curso diante da retroatividade da lei penal mais
benéfica (art. 5º, XL, da CF/88), haja vista a natureza híbrida da norma penal
(direito material e processual), fato que não retira a necessidade de que o
acordo seja lavrado, inteiramente, no âmbito do Ministério Público.

b) O acordo de não persecução penal é formalizado perante o próprio


Ministério Público, ou seja, não deve existir qualquer participação do Poder
Judiciário com o fim de viabilizar sua feitura.

Sendo assim, não haverá possibilidade, por exemplo, de o Promotor de Justiça


ou Procurador da República requerer que a intimação do investigado para
comparecimento perante o respectivo Ministério Público para as tratativas do
acordo seja feita por meio de oficial de justiça ou qualquer outro ato a cargo da
Secretaria do Foro Judicial.

Percebe-se que a atuação judicial se dá, somente, após a assinatura do termo


do acordo de não persecução penal pelas partes envolvidas, ocasião em que
será designada audiência para a análise do preenchimento dos requisitos
legais e consequente homologação ou não do referido acordo (art. 28-A, § 4º,
do CPP).
Essa conclusão encontra amparo, inclusive, no sistema acusatório e no
necessário resguardo da imparcialidade do Magistrado, bem como no princípio
da paridade de armas que orientam o processo penal.

Diante dessa situação, uma saída prática e que viabilizaria a celeridade e a não
sobrecarga de serviços ao Ministério Público, é própria autoridade policial,
percebendo o preenchimento dos requisitos necessários para o acordo de não
persecução penal, já notificar o investigado para que compareça perante o
órgão ministerial em data previamente agendada, devidamente acompanhado
de defensor, para a análise da proposta do respectivo acordo, aplicando-se,
analogicamente, o procedimento previsto no art. 174 do Estatuto da Criança e
do Adolescente.

Por fim, uma questão que pode surgir é o caso de o investigado não possuir
condições financeiras para constituir um advogado particular. Nessas
situações, é possível o próprio Ministério Público requerer ao Juiz competente
a nomeação de um defensor dativo para que acompanhe o indiciado nas
negociações do acordo de não persecução penal ou este se fazer acompanhar
por um Defensor Público, caso a localidade seja abrangida pelo atendimento
desse órgão.

c) É vedado ao Magistrado participar das tratativas do acordo de não


persecução penal, haja vista que sua participação em referido ato extrajudicial
é capaz de macular o princípio acusatório e, ainda, sua imparcialidade, bem
como pode representar implícita coação sobre a vontade do investigado em
aceitar ou não a proposta apresentada pelo Parquet, fatos que, evidentemente,
poderão ocasionar a nulidade do respectivo pacto consensual.

O princípio acusatório (sistema acusatório) “é diametralmente oposto ao


sistema inquisitivo, pois caracteriza-se pela publicidade, contraditório e
presunção de inocência. Além disto, a principal característica do sistema
acusatório é que as funções de acusação, defesa e julgamento estão
separadas. O órgão acusatório não se confunde com o julgador” (TÁVORA e
ARAÚJO, 2020, p. 21).

Ora, caso o Magistrado participe da elaboração e oferecimento da proposta de


acordo de não persecução penal agirá, concorrentemente, com o Ministério
Público, isto é, exercerá, claramente, uma função acusatória (art. 129, I, da
CF/88), e, pior, em uma fase pré-processual, onde o contraditório e a ampla
defesa são extremamente mitigados, visto que “no sistema acusatório, além de
se atribuírem a órgãos diferentes as funções de acusação (e investigação) e de
julgamento, o processo, rigorosamente falando, somente teria início com o
oferecimento da acusação” (PACELLI, 2012, p. 10), ou seja, com o
oferecimento e recebimento da denúncia ou queixa-crime.

Por outro lado, como visto linhas acima, um dos requisitos para o oferecimento
do acordo de não persecução penal é a necessidade de o investigado
confessar, formal e circunstancialmente, a prática do delito.
Conclui-se, portanto, que se for permitido ao Juiz participar das tratativas desse
acordo, inevitavelmente, ele terá contato com essa confissão, que,
evidentemente, em eventual caso de rescisão do negócio processual pactuado
ou recusa de sua homologação, com o consequente oferecimento de denúncia
(art. 28-A, §§ 8º e 10, do CPP), restará contaminada a formação de sua
convicção acerca do fato criminoso, isso, sem a observância da ampla defesa e
do contraditório, prejudicando, assim, a imparcialidade do órgão julgador.

Impende ressaltar, também, que a participação do Magistrado no oferecimento


da proposta do acordo de não persecução penal é capaz de representar
coação sobre a voluntariedade de o investigado firmar ou não o respectivo
termo.

Formalizado o acordo de não persecução penal, o membro do Parquet


apresentará o respectivo termo ao Magistrado competente e requererá, na
mesma ocasião, sua homologação.

O Juiz, recebendo os autos com o requerimento e o termo do acordo,


verificando sua regularidade formal, designará audiência, na qual verificará, por
meio da oitiva do investigado, na presença de seu defensor, sua voluntariedade
acerca das condições acordadas, bem como sua legalidade, ressaltando que o
Ministério Público, por ausência de previsão legal, não deve participar dessa
audiência, visto que ela tem como finalidade a “salutar possibilidade de avaliar
se o acordo foi ou não forçado, contra a vontade do investigado” (CUNHA,
2020, p. 136).

O Magistrado pode tomar as seguintes atitudes nessa audiência: (a) devolver


os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo,
com a concordância do investigado e seu defensor, caso considere as
condições impostas inadequadas, insuficientes ou abusivas (art. 28-A, § 5º, do
CPP); (b) recusar homologação ao acordo que não atender aos requisitos
legais ou quando não realizada sua adequação pelo Ministério Público quando
as condições forem consideradas inadequadas, insuficientes ou abusivas (art.
28-A, § 7º, do CPP) e, neste caso, devolver os autos ao Parquet para a análise
da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da
denúncia (art. 28-A, § 8º, do CPP) e (c) homologar o acordo de não persecução
penal e, após, devolver os autos ao Ministério Público para que inicie sua
execução perante o juízo de execução penal (art. 28-A, § 6º, do CPP).

A decisão de recusa de homologação do acordo de não persecução penal


desafia recurso em sentido estrito (art. 581, XXV, do CPP), que poderá ser
interposto tanto pelo Ministério Público quanto pela defesa do investigado, visto
que ambos, eventualmente, podem ter interesse em sua reforma.

Por fim, a vítima será intimada da homologação do acordo e, ainda, de seu


eventual descumprimento (art. 28-A, § 9º, do CPP).

6 – Das consequências do cumprimento e do descumprimento do acordo


de não persecução penal
Conforme determinado pelo § 6º do art. 28-A do Código de Processo Penal,
após o juiz homologar o acordo de não persecução penal, os autos serão
devolvidos ao Ministério Público para que se inicie sua execução perante o
juízo da execução penal.

A opção do legislador de impor a necessidade de que o acordo seja executado


perante o juízo das execuções penais não é isenta de críticas, haja vista que as
condições impostas aos investigados/acusados não possuem natureza de
sanções penais. Ademais, criou-se uma regra extremamente burocrática,
considerando que os autos devem ser devolvidos ao Parquet para que este
ingresse com um novo pedido perante a vara de execuções penais com o fim
de serem executadas as condições pactuadas, o que contraria os princípios da
celeridade e economia processuais.

Não andou bem o legislador, porquanto poderia, na esteira do que já ocorre


com a transação penal e a suspensão condicional do processo, ter previsto que
a competência para acompanhar o cumprimento das condições do acordo de
não persecução penal restaria a cargo do juízo que o homologou.

Ressalte-se, ainda, que o acordo é pactuado, em regra, em uma fase


embrionária da persecução penal, em momento muito anterior à sentença
penal condenatória.

A despeito dessa crítica, trata-se de lei válida e vigente e, deste modo, deve
ser aplicada.

O § 13 do art. 28-A do Código de Processo Penal prevê que: “Cumprido


integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará
a extinção da punibilidade”, ou seja, o cumprimento escorreito das condições
acordadas ocasiona a extinção da punibilidade por meio de sentença do juízo
da execução penal, a qual possui o condão de fazer coisa julgada material,
impedindo a rediscussão do fato criminoso objeto dos autos.

Por sua vez, o § 10 do acima mencionado dispositivo legal prescreve que:


“Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não
persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de
sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia”.

As condições pactuadas devem ser devidamente cumpridas, e, caso não o


sejam, cabe ao Parquet ingressar com requerimento de rescisão do acordo de
não persecução penal e, após a oitiva do investigado/acusado, sendo
constatado o descumprimento injustificado daquelas, o juízo da execução penal
decretará a rescisão do pacto, o que ocasionará o prosseguimento do feito
com: (a) o oferecimento da denúncia ou (b) continuidade do processo criminal
em curso da fase em que se encontrava.

Além das consequências acima indicadas, o descumprimento das condições


poderá servir de fundamento para o Ministério Público não oferecer o benefício
da suspensão condicional do processo (art. 28-A, § 11, do CPP).
Por fim, frise-se que a “celebração e o cumprimento do acordo de não
persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto
para os fins previstos no inciso III do § 2º […]” do art. 28-A do Código de
Processo Penal, ou seja, para evitar que sejam ofertados, dentro dos 05
(cinco) anos posteriores, os benefícios da transação penal, suspensão
condicional do processo e o próprio acordo de não persecução penal.

7 – Da recusa do Ministério Público em ofertar o acordo de não


persecução penal

No caso concreto, pode ocorrer de o Ministério Público, mesmo diante do


possível preenchimento dos requisitos legais, recusar-se a ofertar o acordo de
não persecução penal.

Com o fim de possibilitar a insurgência por parte do investigado/acusado que


pretende obter a benesse legal, o legislador fez constar no § 14 do art. 28-A do
Código de Processo Penal que aquele, por intermédio de seu defensor, poderá
requerer a remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público
(Procurador-Geral de Justiça do Estado ou Câmara de Coordenação e Revisão
Criminal do Ministério Público Federal).

Caso o órgão ministerial superior entenda serem improcedentes os argumentos


do investigado/acusado, deverá devolver os autos ao membro do Parquet que
se recusou a ofertar o acordo para prosseguimento do feito com a propositura
da ação penal.

No entanto, se os argumentos da defesa forem considerados procedentes pelo


órgão superior do Ministério Público, este poderá: (a) oferecer a proposta de
acordo de não persecução penal ou (b) delegar a outro membro do Ministério
Público em atuação na localidade de origem para que elabore e ofereça o
acordo de não persecução penal ao investigado/acusado, tendo em vista a
necessidade de respeito ao princípio institucional da independência funcional
dos órgãos ministeriais (art. 127, § 1º da CF/88).

Percebe-se que restou, uma vez mais, reforçado o sistema acusatório, tendo
em vista que se evita a participação do Poder Judiciário nessa fase do
procedimento criminal, sendo todas as questões resolvidas no âmbito do
Ministério Público.

Ademais, a exemplo do que ocorre com a suspensão condicional do processo,


o acordo de não persecução penal não pode ser considerado direito público
subjetivo do investigado/acusado, mas, em verdade, um poder-dever do
Ministério Público, o qual deve analisar, de forma fundamentada, a aplicação
desse novo instituto.

8 – Da aplicação do acordo de não persecução penal aos processos em


curso por infrações penais praticadas antes da vigência da Lei n.
13.964/2019
O acordo de não persecução penal é uma norma processual penal material,
isto é, está no âmbito das normas penais mistas ou híbridas, as quais, “apesar
de estarem no contexto do processo penal, regendo atos praticados pelas
partes durante a investigação policial ou durante o trâmite processual, têm forte
conteúdo de Direito Penal” (NUCCI, 2013, p. 151), haja vista que influi,
diretamente, no direito de punir do Estado, pois pode ocasionar a extinção da
punibilidade do agente (art. 28-A, § 13, do CPP).

Desta forma, “tratando-se de normas de conteúdo misto, contendo disposições


de Direito Penal e de Direito Processual Penal, deve-se seguir o conteúdo
normativo das primeiras” (OLIVEIRA, 2012 p. 28), e, portanto, sua aplicação
retroativa dependerá de seu conteúdo ser benéfico ou maléfico ao réu.

Exemplos de aplicação dessa orientação no espectro do Direito Processual


Penal foi o reconhecimento jurisprudencial da irretroatividade das novas
redações do art. 366 e do inciso IV do art. 387 do Código de Processo Penal
em decorrência de suas naturezas híbridas.

Portanto, em razão da singularidade inerente ao Direito Penal, a retroatividade


da lei penal mais benéfica é uma exceção à regra da irretroatividade das leis e,
deste modo, o acordo de não persecução penal deve ser aplicado aos
processos criminais em curso.

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