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O Juiz das Garantias - de forma

didática e completa
JUIZ DAS GARANTIASPACOTE ANTICRIMELEI 13.964/2019

O Juiz das Garantias - de forma didática e completa


Considerações iniciais: o presente artigo tem a finalidade de
apresentar uma das importantes alterações no Código de
Processo Penal promovidas o Pacote Anticrime
(Lei 13.964/2019), qual seja a criação do Juiz das Garantias, de
forma clara, didática e completa.
Introdução: a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019,
denominada Pacote Anticrime, entrou em vigor em 23.01.2020,
com exceção do Juiz de Garantias [1] que ficou suspenso (não
revogado) por tempo indeterminado. À época, foram vetados 24
(vinte e quatro) dispositivos pelo Presidente da República.
Entretanto, em abril de 2021, ocorreram profundas alterações
no pacote anticrime após a derrubada de 16 (dezesseis) vetos
pelo Congresso Nacional.
O objetivo do pacote anticrime é tornar mais efetivo o combate
ao crime organizado, a criminalidade violenta e à corrupção.
Para isso, promoveu mudança de diversos artigos do Código
Penal, do Código de Processo Penal e de várias leis especiais, tais
como: Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) Lei
8.702/1990 ( Lei dos Crimes Hediondos), Lei 8.429/1992 ( Lei
de Improbidade Administrativa), Lei 10.826/2003 ( Estatuto
do Desarmamento), dentre outras.
Juiz das Garantias
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas
a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da
atuação probatória do órgão de acusação.
Com a inclusão desse artigo no Código de Processo Penal, depois
de mais de 30 anos de vigência da Constituição Federal,
finalmente, ficou expresso por lei ordinária que o processo penal
terá estrutura acusatória. A doutrina distingue o sistema
processual inquisitório do modelo acusatório pela titularidade
atribuída ao órgão da acusação. Resumidamente: (a) no
sistema inquisitorial, as funções de acusação e de julgamento
estão reunidas em uma só pessoa (ou órgão); (b) no sistema
acusatório, as referidas funções estão reservadas a pessoas (ou
órgãos) distintos.
No sistema acusatório predomina a ideia de igualdade e o direito
do contraditório entre as partes do processo bem como a
publicidade do procedimento, quando em juízo. Para garantir a
imparcialidade do juiz e do órgão acusador, existe a
possibilidade de recusa dos mesmos. Desta forma, o magistrado,
condutor da instrução, deve abster-se de qualquer atividade
probatória. Assim, não havendo requerimento expresso de uma
das partes, o juiz nunca deve determinar de ofício a produção de
uma prova como também decretar nenhuma medida cautelar
sem a provocação da parte interessada.
Observa-se, portanto, que existem dispositivos no CPP que
permitem ao magistrado colher prova diretamente como, por
exemplo: (a) “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem
a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar,
mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada
de provas consideradas urgentes (...)”; (b) “Art. 209. O juiz,
quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas,
além das indicadas pelas partes”.
Cabe ainda registrar que, atualmente, corre no STF uma
investigação criminal, instaurada de ofício pela Corte, sem
provocação do Ministério Público e sem a sua coordenação.
Investigam-se delitos e quem conduz a persecução penal é um
magistrado. Houve a produção de provas determinadas pelo
Judiciário e até a decretação de prisão cautelar. [2]
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da
legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos
direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à
autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe
especialmente:
O juiz das garantias foi criado para cuidar da fase investigatória
de um crime bem como para garantir a imparcialidade do juiz
que ficará encarregado de processar e julgar o réu. Desta forma,
o juiz das garantias não pode participar da fase processual por
razões de impedimento, ou seja, para cada persecução penal
haverá dois juízes: um para a fase investigatória e outra para a
fase processual e ambos não se misturam nem se confundem.
Na cidade de São Paulo, existe o DIPO (Departamento de
Inquéritos Policiais) e os juízes que ali atuam serão
considerados magistrados de garantias. Em outras comarcas,
haverá necessidade de designar um juiz para essa função.

O juiz das garantias, portanto, exerce suas funções nos


momentos em que há necessidade de intervenção judicial na
fase da investigação, não sendo inquisidor nem investigador.
Sua competência abrange todas as infrações penais, exceto as de
menor potencial ofensivo (art. 3º-C). Encerrada a fase pré-
processual, no momento do recebimento da denúncia ou queixa,
cessa também a competência do juiz das garantias passando a
atuar exclusivamente o juiz do processo.

Em suma: o juiz das garantias é responsável pelo controle da


legalidade da investigação criminal bem como à proteção e
garantia dos direitos individuais, cuja competência está prevista
(de forma exemplificativa) [3] nos incisos I a XVIII do art. 3º-
B, a saber:
I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do
inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal. O
referido dispositivo constitucional determina que “a prisão de
qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à
pessoa por ele indicada”. Em seguida, “Após receber o auto de
prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro)
horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover
audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado
constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do
Ministério Público (...)” – (CPP, art. 310, caput).
II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da
legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste
Código. Recebido o auto da prisão em flagrante, o juiz poderá
(a) relaxar a prisão ilegal ( CPP, art. 310, I); (b) converter a
prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os
requisitos constantes do art. 312 do CPP, desde que houver
requerimento da acusação, caso se revelarem inadequadas ou
insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ( CPP,
art. 310, II); (c) conceder liberdade provisória, com ou sem
fiança ( CPP, art. 310, III).
III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo
determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer
tempo. Este dispositivo reforça o cuidado com a integridade
física e moral do preso. Assim, diante de ameaças sofridas,
superlotação, falta de assistência médica, dentre outros fatores,
o preso pode requerer audiência e, assim, ser determinado que
o mesmo seja conduzido à presença do juiz das garantias.
IV - ser informado sobre a instauração de qualquer
investigação criminal. Trata-se de uma novidade porque até
então, quando o delegado instaurava um inquérito policial para
apurar um crime, o mesmo não estava obrigado a notificar
nenhuma outra autoridade e o investigado somente ficaria
ciente quando fosse formalmente indiciado e apontando pela
autoridade policial como suspeito. O mesmo ocorria nos casos
de procedimento investigatório criminal (PIC) do Ministério
Público quando este era servido de elemento para instruir uma
denúncia momento em que o denunciado era citado para
responder à respectiva ação penal.
Desta forma, em qualquer investigação criminal, assim que
eleito o investigado, deve o fato ser comunicado ao juiz das
garantias, sob pena de ocorrer, desde logo, vício consistente no
cerceamento de defesa e ilegalidade, valendo como instrumento
para trancamento da investigação criminal a ser requerido ao
juiz das garantias. Se este negar, caberá habeas corpus ao
respectivo Tribunal de Justiça. [4]
V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra
medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo.
Cabe ao juiz das garantias, durante a investigação, decretar a
prisão provisória ou outra medida cautelar, requerida pelo
órgão acusatório. São prisões provisórias: prisão temporária
(Lei 7.960/1989, art. 2º) e prisão preventiva ( CPP, art. 312). As
medidas cautelares, diversas da prisão, estão elencadas no
artigo 319 do Código de Processo Penal.
Finalmente, impôs-se, ainda, a observância ao disposto no § 1º
deste artigo: “ O preso em flagrante ou por força de mandado
de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de
garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em
que se realizará audiência com a presença do Ministério
Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído,
vedado o emprego de videoconferência”.
VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar,
bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro
caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral,
na forma do disposto neste Código ou em legislação especial
pertinente. Trata-se de uma competência que deverá gerar
complicações em razão da sua complexidade. Se o juiz das
garantias decreta a prisão temporária de alguém por 5 dias; se
houver necessidade de prorroga-la por mais 5 dias, deverá ser
designada audiência pública (a portas abertas) e oral (podendo
qualquer das partes envolvidas falar diretamente ao juiz
assegurando o exercício do contraditório. Entendemos que essa
medida será de difícil aplicação prática em razão da ausência de
estrutura do Poder Judiciário.
VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de
provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o
contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral. É
certo que a competência do juiz das garantias apenas se aplica
se a antecipação ocorrer antes do recebimento da denúncia ou
da queixa-crime. Após o recebimento da peça de acusação,
somente o juiz da instrução e do julgamento terá a competência
para examinar o pedido de antecipação. Entretanto, não mais
compete ao juiz, agora denominado de garantias, quanto à
produção antecipada de provas consideradas urgentes e não
repetíveis, determiná-las de ofício, dependendo de
requerimento das partes (órgão acusatório e defesa). Além
disso, o dispositivo legal em estudo, determina, expressamente,
o direito do investigado de ter assegurado o contraditório e a
ampla defesa em audiência pública e oral.

VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o


investigado preso, em vista das razões apresentadas pela
autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo.
O prazo normal de encerramento do inquérito policial é de 10
dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver
preso preventivamente ( CPP, art. 10).
A novidade trazida pelo dispositivo legal, em estudo, refere-se à
possibilidade de o prazo de duração do inquérito policial ser
prorrogado, em vista das razões apresentadas pela autoridade
policial, observado o disposto no § 2º deste artigo que, in verbis:
“Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá,
mediante representação da autoridade policial e ouvido o
Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do
inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a
investigação não for concluída, a prisão será imediatamente
relaxada”. Assim, o prazo poderá ser estendido para vinte e
cinco dias.
IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando
não houver fundamento razoável para sua instauração ou
prosseguimento. Este dispositivo não é novidade, pois qualquer
investigação decorrente de inquérito policial instaurado pelo
delegado ou de procedimento investigatório criminal instaurado
pelo membro do Ministério Público, indicando alguém como
suspeito formal, sem provas suficientes ou fundamento
razoável, podem ser trancados. Entendemos que o termo
“trancamento” utilizado pelo legislador não é da melhor técnica,
uma vez que, em se tratando de investigação criminal que se
pretende encerrar, o caso é de arquivamento dos respectivos
autos, e não propriamente o seu trancamento. De qualquer
forma, o referido trancamento pode ser requerido ao juiz das
garantias. Se este negar, caberá habeas corpus ao respectivo
Tribunal de Justiça
X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado
de polícia sobre o andamento da investigação. Este dispositivo
apenas reitera o procedimento anterior, ou seja, o juiz das
garantias (da mesma forma anterior em que o juiz que
acompanhava o inquérito policial) pode requisitar (exigir, nos
termos legais) tudo o que seja indispensável para constatar a
justa causa para o prosseguimento da investigação criminal.
XI - decidir sobre os requerimentos de: a) interceptação
telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de
informática e telemática ou de outras formas de
comunicação; b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de
dados e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso
a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova
que restrinjam direitos fundamentais do investigado. O
presente dispositivo refere-se à competência do juiz das
garantias para decidir sobre cinco espécies de requerimentos,
geralmente do órgão acusatório, a saber:
Alínea a – quanto ao requerimento de interceptação telefônica,
observa-se: (a) que a Constituição Federal dispõe que “é
inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no
último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal” – ( CF, art. 5º, XII); (b) que o dispositivo
constitucional prevê a existência de lei que permita, de maneira
excepcional, a violação das comunicações telefônicas, por
ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução
criminal; (c) que não será admitida a interceptação de
comunicações telefônicas quando não houver indícios razoáveis
da autoria ou participação em infração penal ou quando a prova
puder ser feita por outros meios disponíveis e, finalmente, se o
fato investigado constituir infração penal punida, no máximo,
com pena de detenção (Lei 9.296/1996, art. 2º, incisos I a III).
Quanto ao fluxo de comunicações em sistemas de informática e
telemática, a supra citada lei federal determina que o texto legal
se aplica à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas
de informática e telemática (Lei 9.296/1996, art. 1º, parágrafo
único). Já a última parte da alínea a (ou de outras formas de
comunicação) refere-se a todos os meios de comunicação
surgidos nos últimos tempos, tais como as mensagens trocadas
por computador, celular e outros dispositivos por meio de
inúmeros programas e aplicativos. Um exemplo recente refere-
se à captação ambiental de sinais eletromagnéticos [5], ópticos
ou acústicos (Lei 9.296/1996, art. 8-A, caput).
Alínea b – quanto ao requerimento de afastamento dos sigilos
fiscal, bancário, de dados e telefônico, a Constituição Federal
assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação” ( CF, art. 5º, X). Entretanto, é pacífico na doutrina e
jurisprudência que a referida inviolabilidade do sigilo não é
absoluta, podendo ser afastada, excepcionalmente, quando o
mesmo está sendo usado para ocultar a prática de atividades
ilícitas. Especialmente, em relação ao sigilo bancário, “As
instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações
ativas e passivas e serviços prestados” (Lei
Complementar 105/2001, art. 1º). O afastamento do sigilo
telefônico (obtenção de dados registrados de ligações
realizadas) não se confunde com a interceptação telefônica (que
acompanha a gravação das conversas enquanto se realizam).
Alínea c – quanto ao requerimento de busca e apreensão
domiciliar, verifica-se que a mesma é tratada nos artigos 240
a 250 do Código de Processo Penal. No entanto, cabe reforçar
que o juiz das garantias exerce suas funções nos momentos em
que há necessidade de intervenção judicial na fase da
investigação, não sendo inquisidor nem investigador. Desta
forma, encerrada a fase pré-processual, no momento do
recebimento da denúncia ou queixa, cessa também a
competência do juiz das garantias sendo que eventual pedido de
busca e apreensão durante o curso do processo propriamente
dito é competência exclusiva do juiz da instrução e do
julgamento.
Alínea d – quanto ao requerimento de acesso a informações
sigilosas, seria o caso, por exemplo, do acesso a um processo que
tramita na Vara da Infância e Juventude. Tratando-se de
interceptação telefônica o texto legal dispõe que “A
interceptação de comunicação telefônica, de qualquer
natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos
do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se
o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.”
(Lei 9.296/1996, art. 8º caput). Por isso, em um primeiro
momento, tais informações não são de conhecimento da defesa.
No entanto, resguardada a viabilidade prática da interceptação
telefônica, as informações sigilosas obtidas não podem ser
subtraídas da defesa, cabendo-lhe requerer o acesso às mesmas
ao juiz das garantias que tem competência para decidir sobre o
referido pedido.
Alínea e – quanto ao requerimento de outros meios de obtenção
da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado,
trata-se de uma norma aberta e de interpretação analógica, na
medida em que o legislador previu hipóteses específicas e, ao
final, previu uma fórmula genérica que deve guardar a mesma
natureza das outras hipóteses expressamente referidas pelo
legislador.
É o caso, por exemplo, de um processo de separação judicial
litigiosa do investigado que correu em segredo de justiça na Vara
de Família.
XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento
da denúncia. Este dispositivo reitera a regra existente há
décadas, pela qual qualquer abuso de autoridade gerado por
autoridade policial, por exemplo, sempre foi apreciado pelo juiz
que acompanha o inquérito e agora passa à competência do juiz
das garantias. Caso a investigação estiver sendo conduzida por
membro do Ministério Público, o abuso de autoridade deve ser
questionado, por habeas corpus, dirigido ao respectivo Tribunal
de Justiça.
Observa-se, que o dispositivo legal, em estudo, refere-se “antes
do oferecimento” e este fato pode criar um vácuo jurisdicional,
pois, são dois momentos distintos – o oferecimento da denúncia
e o recebimento da denúncia. Pode ocorrer, a hipótese de
o habeas corpus ser impetrado antes do oferecimento da
denúncia, mas de ser julgado antes do recebimento da denúncia:
Por um lado, não caberá ao juiz da instrução e do julgamento
porque a denúncia sequer foi recebida. De outro lado, a própria
lei processual retirou a competência do juiz das garantias,
limitando-a ao momento em que a denúncia foi oferecida.
Diante desta perplexidade legislativa, entendemos que a
palavra oferecimento deve ser entendida como recebimento,
para que haja a devida coerência no dispositivo legal, em estudo,
ou seja, para que a competência do juiz das garantias se encerre
somente com o recebimento da denúncia, considerando que não
faz nenhum sentido o juiz das garantias ter uma competência
mais restrita para julgar o habeas corpus impetrado antes do
recebimento da denúncia.
XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade
mental, que é tratada nos artigos 149 a 154 do Código de
Processo Penal. Havendo dúvida sobre a integridade mental do
acusado, cabe ao juiz submetê-lo ao exame médico-legal, a fim
de que esclarecer se o réu é imputável, semi-imputável ou
inimputável, o que pode mudar radicalmente a resposta penal a
ser eventualmente imposta. Em regra, cabe ao juiz da instrução
e do julgamento tal medida porque, em geral, tal constatação é
feita após o recebimento da denúncia.
No entanto, a lei processual dispõe que: “O exame poderá ser
ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação
da autoridade policial ao juiz competente” ( CPP, art. 149, § 1º).
O juiz competente para análise deste pedido é justamente o juiz
das garantias, ou seja, se o pedido de realização do exame
médico-legal for feito até o recebimento da denúncia, cabe ao
juiz das garantais decidir, porém, se o mesmo é feito após o
recebimento da denúncia, a decisão caberá, exclusivamente, ao
juiz da instrução e do julgamento.
Dependendo da conclusão do laudo pericial é possível que seja
determinada ao acusado uma medida cautelar diversa da prisão
consistente na “internação provisória do acusado nas hipóteses
de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando
os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável
(art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração” (CCP,
art. 319, VII).
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos
termos do art. 399 deste Código. Essa competência é inédita
para o juiz das garantias. Em tese, o recebimento da denúncia
ou queixa-crime deveria ser feito pelo juiz da instrução e de
julgamento, que vai conduzir o processo até o final. Porém, com
a finalidade de eliminar das mãos do juiz do processo os autos
do inquérito ou da investigação, essa era a única possibilidade.
O juiz das garantias tem amplo acesso à investigação e, assim,
somente ele pode saber se há ou não justa causa para o
recebimento da denúncia ou queixa-crime. Desta forma, cabe ao
juiz do processo-crime, após a resposta do réu, se entender
conveniente, usar a absolvição sumária. Não sendo este seu
entendimento, recebendo a denúncia, caberá ao acusado
impetrar habeas corpus ao Tribunal de Justiça para trancar a
ação penal. Em suma: caso o juiz das garantias rejeite a
denúncia ou queixa-crime, cabe a interposição de recurso em
sentido estrito; se ele a receber, cabe habeas corpus ao Tribunal
competente. [6]
Finalmente, observando a opção do legislador, verifica-se que o
juiz das garantias é o responsável pelos dois filtros a serem feitos
na acusação: o primeiro filtro, com base no art. 396, caput,
do CPP, abordando questões processuais, e o segundo filtro,
com base no art. 399, caput, do CPP, abordando questões de
mérito.
XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o
direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a
todos os elementos informativos e provas produzidos no
âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne,
estritamente, às diligências em andamento.
O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), dispõe que é direito do advogado “examinar, em
qualquer instituição responsável por conduzir investigação,
mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações
de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que
conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar
apontamentos, em meio físico ou digital” (Lei 8.906/1994,
art. 7º, XIV). Além disso, a súmula vinculante nº 14 do Supremo
Tribunal Federal dispõe que “é direito do defensor, no interesse
do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que,
já documentados em procedimento investigatório realizado
por órgão com competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa”.
Desta forma, cabe ao juiz das garantias assegurar prontamente
o acesso do investigado ou de seu defensor a todas as
informações e provas produzidas no âmbito da investigação,
desde que as diligências não estejam em andamento, ou seja,
desde que o acesso às referidas informações não atrapalhe a
investigação, como, por exemplo, uma interceptação telefônica
em andamento.

XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para


acompanhar a produção da perícia. O assistente técnico
mencionado pelo legislador é o profissional indicado pelas
partes para atuar na fase da produção da prova pericial e não se
confunde com o assistente da acusação, previsto nos artigos 268
a 273 do CPP.
A lei processual dispõe que “serão facultadas ao Ministério
Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante
e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente
técnico” ( CPP, art. 159, § 3º). Além disso, o mencionado
dispositivo esclarece que “o assistente técnico atuará a partir
de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e
elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes
intimadas desta decisão” ( CPP, art. 159, § 4º).
Na fase investigatória, cabe ao juiz das garantias examinar o
pedido de admissão do assistente técnico exclusivamente para
acompanhar a produção da perícia, possibilitando ao mesmo o
recolhimento de informações e dados para, no momento
oportuno, poder apresentar o seu parecer. Se o pedido for feito
após o recebimento da denúncia (CPP, art. 399, caput), caberá
ao juiz da instrução e do julgamento a sua análise.
Finalmente, verifica-se que a lei processual dispõe que durante
o curso do processo judicial, é permitido às partes “indicar
assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em
prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência”
( CPP, art. 159, § 5º II). Desta forma, a crítica a ser feita pelo
assistente de acusação ao trabalho dos peritos deve ser
apresentada somente em forma de parecer na fase judicial e no
prazo fixado pelo juiz da instrução e do julgamento.
XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não
persecução penal ou os de colaboração premiada, quando
formalizados durante a investigação.
Quanto ao acordo de não persecução penal, previsto no
artigo 28-A do CPP, em regra, terá sua celebração ainda na fase
investigatória, considerando que o seu propósito principal é o
de evitar a instauração do processo criminal, porém,
entendemos que é possível celebrá-lo mesmo depois do
recebimento da denúncia. Se o acordo pudesse apenas ser
celebrado na fase investigatória, o legislador ao tratar da
competência do juiz das garantias, não teria feito a ressalva no
final do dispositivo em estudo: “quando formalizados durante
a investigação”.
A colaboração premiada está prevista na Lei de Organizacoes
Criminosas (Lei 12.850/2013, arts. 3-A e seguintes). Existem
três momentos para a celebração da colaboração premiada: na
fase de investigação, durante o processo criminal e durante a
execução penal. Observa-se que a competência do juiz das
garantias apenas se refere à colaboração premiada celebrada
durante a investigação, cabendo ao juiz da instrução e do
julgamento a sua análise e decisão quando celebrada durante o
processo criminal. Finalmente, compete ao juiz da execução
penal a sua análise e decisão, quando a colaboração premiada é
celebrada durante a execução da pena. [7]
XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas
no caput deste artigo. Trata-se de um dispositivo residual,
conferindo competência ao juiz das garantias para analisar e
decidir sobre qualquer matéria a ser abordada na fase
investigatória no sentido de exercer o controle da legalidade da
investigação criminal e a salvaguarda dos direitos individuais
cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do
Poder Judiciário.

§ 1º O preso em flagrante ou por força de mandado de prisão


provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias
no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se
realizará audiência com a presença do Ministério Público e da
Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o
emprego de videoconferência.
Este dispositivo foi inicialmente vetado pelo Presidente da
República com o objetivo principal de impedir que a audiência
de custódia seja realizada por meio de videoconferência. No
entanto, o referido veto foi, corretamente, derrubado pelo
Congresso Nacional, devendo, desta forma, o juiz das garantias
realizar audiência de custódia, nos casos de prisão em flagrante
ou de prisão provisória, exclusivamente, de forma presencial.

Ocorre que, a Lei 13.964/2019 (pacote anticrime) foi


promulgada antes do advento da surpreendente pandemia da
Covid-19. Assim, a partir desse fenômeno mundial, consagrou-
se o trabalho por meio de videoconferência, inclusive nos
tribunais, ficando permitido, nesta fase excepcional, que a
audiência de custódia se realize pelo mecanismo da
videoconferência. Porém, cabe ao Judiciário analisar caso a caso
para constatar se o mecanismo tecnológico trouxe efetivo
prejuízo à parte, anulando o ato, se for o caso. [8]
§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá,
mediante representação da autoridade policial e ouvido o
Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do
inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a
investigação não for concluída, a prisão será imediatamente
relaxada.
Esse dispositivo complementa o disposto no inciso VIII do
artigo 3-B do CPP, acima estudado, que trata da possibilidade
de o prazo de duração do inquérito policial ser prorrogado, uma
única vez, por até 15 dias, em vista das razões apresentadas pela
autoridade policial, no caso de investigado preso (que é de 10
dias), ou seja, o prazo poderá ser estendido para até vinte e cinco
dias. No entanto, decorrido esse prazo, se a investigação não
estiver concluída, a prisão será imediatamente relaxada.
Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas
as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e
cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do
art. 399 deste Código.
Com exceção das infrações de menor potencial ofensivo [9], que
seguem para o Juizado Especial Criminal (JECRIM), dentro de
suas regras próprias (procedimento comum sumaríssimo), a
competência do juiz das garantias abrange todas as demais
infrações penais, como também não há nenhuma ressalva
quantos aos demais procedimentos (sumário, ordinário e
especiais).
A Justiça Estadual tem competência residual, mas também
abrange as contravenções penais, o que não ocorre com a Justiça
Federal, que tem sua competência prevista no artigo 109
da Constituição Federal, onde afasta expressamente as
contravenções ( CF, art. 109, IV).
A parte final do dispositivo, em estudo, afirma que a
competência do juiz das garantias cessa com o recebimento da
denúncia ou da queixa-crime. Na realidade, o art. 399 do CPP,
marca a divisão existente entre as atuações do juiz das garantias
e do juiz da instrução e julgamento. Observa-se que existem
investigações que duram anos e que os juízes se afastam de suas
atividades por vários motivos, como férias e licenças etc. Assim,
se vários juízes atuarem como juiz das garantias, todos eles
estarão impedidos para atuar como juiz da instrução e
julgamento.
§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes
serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento.
Trata-se de uma novidade que merece destaque, pois é o juiz das
garantias é quem recebe a denúncia ou queixa-crime (e não o
juiz da instrução e julgamento). Observa-se que o ato
jurisdicional que recebe a denúncia (CPP, art. 396, caput) e o
ato jurisdicional que afasta as hipóteses de absolvição sumária
(CPP, art. 399, caput), têm natureza de decisão interlocutória e,
por consequência, se submetem ao princípio da motivação das
decisões judicias ( CF, art. 93, IX), porém, prevalece o
entendimento segundo o qual as referidas decisões não exigem
motivação aprofundada, justamente para não antecipar o exame
de mérito. Basta que o juiz utilize fundamentação sucinta, para
afastar as hipóteses de rejeição da denúncia e de absolvição
sumária.
Quanto ao acusado, cabe-lhe impetrar habeas corpus ( CPP,
arts. 647 e seguintes) para trancar a ação penal a partir do
recebimento da denúncia ou queixa-crime. Se este juiz rejeitar
as referidas peças acusatórias, cabe recurso em sentido estrito
para o Ministério Público ou para o querelante, quando se tratar
de ação penal privada ( CPP, art. 581, I).
Finalmente, o dispositivo legal, em estudo, determina que, a
partir do recebimento da peça acusatória, todas as questões
eventualmente pendentes serão decididas pelo juiz da instrução
e julgamento, até porque, neste momento, cessa a competência
do juiz das garantias.

§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não


vinculam o juiz da instrução e julgamento, que, após o
recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a
necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo
máximo de 10 (dez) dias.
Diante do que já foi analisado, verifica-se que não há hierarquia
entre o juiz das garantias e o juiz da instrução e do julgamento.
Existe apenas uma separação de competência porque, enquanto
aquele atua na fase que vai até o recebimento da denúncia ou
queixa-crime, o juiz da instrução e do julgamento atua a partir
daquela referida fase. Desta forma, não faria sentido que o juiz
da instrução e do julgamento ficasse vinculado aos mesmos
entendimentos do juiz das garantias. [10]
Recebida a denúncia ou queixa-crime, cabe ao juiz da instrução
e do julgamento o reexame da necessidade das medidas
cautelares em curso, no prazo máximo de 10 dias. Entendemos
que esse prazo é fatal para determinar a legalidade ou
ilegalidade da medida cautelar existente, ou seja, ultrapassado
o referido prazo, sem o reexame da necessidade, as medidas
cautelares em curso tornam-se ilegais e devem ser revogadas.

Ocorre que, o juiz da instrução e do julgamento deverá decidir


sobre a mantença ou revogação de medidas, especialmente, a
prisão cautelar [11] sem ter tido acesso às provas colhidas nos
autos da investigação, que não chegam até ele, logo, terá apenas
a denúncia ou queixa-crime em mãos para dar continuidade –
ou não – às medidas cautelares em curso. Neste sentido, torna-
se oportuno observar que as partes devem ofertar provas ao juiz
da instrução e do julgamento, já que acusação e defesa têm
amplo acesso aos autos da investigação.
§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz
das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à
disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão
apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução
e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas
irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação
de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em
apartado.
Trata-se de uma relevante modificação que consiste na
separação dos autos da investigação dos demais elementos de
prova. Os autos da investigação servirão ao juiz das garantias
para receber – ou rejeitar – a denúncia ou queixa-crime. Depois
disso, eles são encaminhados ao cartório, ficando somente à
disposição do Ministério Público e da defesa, [12] e não serão
apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e
julgamento.
A ideia do legislador é que o juiz da instrução e do julgamento
não fique influenciado pelas informações obtidas na fase
investigatória. Portanto, a lei não veda que as partes levem aos
autos, sob a responsabilidade do juiz da instrução e do
julgamento, as cópias dos autos que ficaram acautelados na
secretaria do juízo das garantias.

Finalmente, o dispositivo legal, em estudo, determina que


deverão ser remetidos para apensamento em apartado, os
documentos relativos às provas irrepetíveis (exemplo: exame
necroscópico para determinar a causa da morte), medidas de
obtenção de provas (exemplo: decisão que determinou a
interceptação telefônica) ou de antecipação de provas (exemplo:
declarações de uma testemunha tomadas antecipadamente,
quando for inviável a sua nova oitiva).

§ 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos


acautelados na secretaria do juízo das garantias.
O presente dispositivo legal apenas ratifica o disposto no seu
parágrafo antecedente, na medida em que autos que compõem
as matérias de competência do juiz das garantias ficarão
acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério
Público e da defesa, ficando aos quais assegurado o amplo
acesso junto à referida secretaria do juízo das garantias.
Evidentemente, nas secretarias onde os autos são virtuais
(digitalizados), esta consulta fica bem mais facilitada.

Embora o dispositivo legal, em estudo, não é explícito quanto à


possibilidade de as partes tirar fotocópias e juntá-las ao
processo, como também de retirar os autos da secretaria para
consulta em seus respectivos gabinetes ou escritórios,
entendemos que o amplo acesso às provas, significa também o
amplo uso das mesmas, especialmente, em juízo.

Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar


qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste
Código ficará impedido de funcionar no processo.
O presente dispositivo legal, criou uma nova causa de
impedimento para a atuação do juiz, o que poderia ter sido feito
de outra forma, ou seja, acrescentando um novo inciso no
artigo 252 do CPP, para ampliar as hipóteses de impedimento,
deixando todas agrupadas em um único dispositivo, o que
acabou não ocorrendo.
Um outro problema de falta de técnica legislativa se deu em
razão do dispositivo legal, em estudo, afirmar que o juiz que, na
fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas
competências dos artigos 4º e 5º do CPP ficará impedido de
atuar no processo.
Observa-se que o referido art. 4º (caput ou parágrafo único),
não se refere a qualquer competência do juiz das garantias e,
sim, sobre à autoridade policial ou de qualquer outra autoridade
administrativa à qual a lei confira a atribuição de investigar as
infrações penais e sua autoria. Desta forma, é difícil imaginar
um juiz investigando a prática de algum ilícito penal.
Quanto ao impedimento do juiz para atuar no processo quando
tiver praticado qualquer ato incluído nas competências do
art. 5º do CPP (que trata das formas de instauração do inquérito
policial), é certo que o seu inciso II, na sua primeira parte, prevê
a instauração do inquérito policial mediante requisição da
autoridade judiciária. Nas comarcas pequenas, onde,
geralmente, funcionam com um juiz de direito, um promotor de
justiça, um defensor público e um delegado de polícia, torna-se
conveniente que o único juiz da comarca, quando determinar a
instauração de inquérito policial, não tenha competência para
atuar no processo de instrução e do julgamento.
Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um
juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de
magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.
O presente dispositivo trata da maneira como os tribunais
devem organizar a atuação do juiz das garantias, mediante
rodízio, no caso das comarcas em que funcionar apenas um juiz.
Verifica-se que este dispositivo é formalmente inconstitucional,
pois, trata-se de norma de organização judiciária e não de norma
processual. Não é competência da União legislar sobre
organização judiciária. Neste sentido, a Constituição Federal
determina que os Estados organizarão sua Justiça e a
competência dos tribunais será definida na Constituição do
Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do
Tribunal de Justiça (CF, art. 125, caput e § 1º).
De qualquer forma, entendemos, ser praticamente impossível
aplicar a regra do juiz das garantias em total separação do juiz
da instrução e do julgamento, considerando que as partes não
podem ser prejudicadas por falta de estrutura do Poder
Judiciário, como também não seria razoável enviar o processo
para uma outra comarca para ser instruído e julgado, fazendo
com que as partes se deslocassem até este lugar, simplesmente
porque, por exemplo, na fase da investigação, o magistrado da
Comarca acompanhou o inquérito policial e proferiu decisões
cautelares. [13]
Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado conforme as
normas de organização judiciária da União, dos Estados e do
Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem
periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal.
De acordo com este dispositivo legal, o juiz das garantias precisa
ser designado conforme as normas de organização judiciária da
União, dos Estados e do Distrito Federal, com a observância de
“critérios objetivos” a serem periodicamente divulgados pelo
respectivo tribunal. Considerando a existência do DIPO
(Departamento de Inquéritos Policiais) em São Paulo,
entendemos que este deveria constituir um modelo para o
conjunto de juízes das garantias, embora nunca existiu nenhum
critério objetivo para designação desses magistrados.

A ideia do legislador foi a de evitar que o juiz das garantias seja


designado pela Presidência do Tribunal ao qual está vinculado
e, caso profira alguma decisão que desagrade a cúpula desta
instituição, seria dali removido para outro local, por meio de
simples designação, sem passar por qualquer processo
administrativo.

Os juízes, gozam, dentre outras, da garantia constitucional da


inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público ( CF,
art. 95, II). Além disso, o ato de remoção ou de disponibilidade
do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão
por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do
Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa ( CF,
art. 93, VIII). Desta forma, o ideal seria a criação da Vara das
Garantias e das Investigações, com cargo fixo, com acesso por
concurso público, pois, o fato de atuar na fase de investigação (e
não na fase processual), não reduz a importância do magistrado.
Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o
cumprimento das regras para o tratamento dos presos,
impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com
órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa
submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil,
administrativa e penal.
O presente dispositivo determina que o juiz das garantias
assegure o cumprimento das regras para tratamentos dos
presos, visando impedir a indigna exposição de investigados,
evitando qualquer acordo ou ajuste de qualquer autoridade com
órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa
submetida à prisão e, ainda, sob pena de responsabilidade civil,
administrativa e penal.

Não podemos ignorar o fato de que ocorrem muitos excessos


relacionados às informações relativas às investigações policiais.
Em alguns casos, a imprensa extrapola a sua missão de
informar, quase teatralizando os casos com o intuito de
aumentar a sua audiência. Em outros casos, os profissionais
envolvidos na investigação cedem à vaidade de ver seus nomes
e imagens veiculados pela imprensa. Também não se recomenda
a adoção de medida radical, em sentido oposto, negando
qualquer tipo de acesso às informações constantes nas
investigações, gerando um sigilo que não convém ao Estado
Democrático de Direito. O papel da imprensa, quando exercido
dentro dos parâmetros legais, é de fundamental importância à
nação.

Parágrafo único. Por meio de regulamento, as autoridades


deverão disciplinar, em 180 (cento e oitenta) dias, o modo pelo
qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade
do preso serão, de modo padronizado e respeitada a
programação normativa aludida no caput deste artigo,
transmitidas à imprensa, assegurados a efetividade da
persecução penal, o direito à informação e a dignidade da
pessoa submetida à prisão.
O presente dispositivo prevê a elaboração de um regulamento
(em 180 dias), visando padronizar o modo pelo qual as
informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso
serão transmitidas à imprensa. É indiscutível a importância
desta padronização, especialmente, em razão de evitar a
possibilidade de exageros, sem perder o foco da efetividade da
persecução penal, do direito à informação e da dignidade da
pessoa submetida à prisão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECCARIA, Cesare Bonesana, Marquês de. Dos Delitos e das
Penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti
Contessa. – 2ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2000.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. – 29ª ed. – São
Paulo: SaraivaJur, 2022.
DEZEM, Guilherme Madeira. Comentários ao pacote
anticrime: Lei 13.964, de 24.12.2019 / Guilherme Madeira
Dezem, Luciano Anderson de Souza. – 1ª ed. – São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020.
MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte
culposa do recém-nascido. Campinas, SP: Millenium Editora,
2004.
NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado:
Lei 13.964, de 24.12.2019. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense,
2021.
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. – 26ª ed. – São
Paulo: Editora JusPodivm, 2022.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Direito Processual Penal /
Victor Eduardo Rios Gonçalves. – 11ª ed. – São Paulo:
SaraivaJur, 2022.
[1]. Liminar do Supremo Tribunal Federal: Na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 6.299-DF, o Ministro Luiz Fux, em
22.01.2020, suspendeu a vigência dos arts. 3º-A a 3º-F, todos
relacionados à nova figura do juiz das garantias. Assim, os
referidos artigos estão suspensos, por prazo indeterminado, até
que o mérito da causa seja avaliado pelo Plenário do STF.
[2]. NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime
Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. – 2ª ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2021., pp. 44-45.
[3]. Da não taxatividade da competência do juiz de
garantias - o termo “especialmente” utilizado na redação
do caput do artigo 3º-B deixa subentendido que outras
competências possam ser atribuídas ao juiz de garantias. Além
disso, o disposto no inciso XVIII do artigo 3º-B: “outras
matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste
artigo” não deixam qualquer dúvida sobre a não taxatividade da
competência do juiz de garantias. Desta forma, a ampliação de
competência pode ser feita pelo legislador bem como pelo
respectivo Tribunal de Justiça estadual.
[4]. NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime
Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. – 2ª ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2021., pp. 47-48.
[5]. Ondas eletromagnéticas resultam da combinação de um
campo elétrico (campo gerado por uma carga elétrica) e de um
campo magnético (região do espaço capaz de exercer forças
sobre cargas elétricas) que se propagam no espaço. Em razão de
suas propriedades, podemos ouvir músicas nos rádios, assistir
televisão, aquecer alimentos em micro-ondas, acessar à internet
etc.
[6]. NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime
Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. – 2ª ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2021., p. 51.
[7]. Disponível
em: https://emporiododireito.com.br/leitura/comentarios-ao-
código-de-processo-penal-artigo-3bincisos-xiv-ate-2 -
publicado em 24.04.2020, acesso em 09 de maio de 2022.
[8]. NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime
Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. – 2ª ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2021., p. 53.
[9]. “Consideram-se infrações penais de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois)
anos, cumulada ou não com multa” (Lei 9.099/1995, art. 61).
[10]. Disponível
em: https://emporiododireito.com.br/leitura/comentarios-ao-
código-de-processo-penal-artigo-3-c - publicado em
01.05.2020, acesso em 10 de maio de 2022.
[11]. A prisão cautelar é uma espécie de prisão excepcional, de
caráter provisório e que ocorre antes do trânsito em julgado da
sentença penal condenatória, ou seja, antes do fim do processo.
São prisões provisórias: prisão temporária (Lei 7.960/1989,
art. 2º) e prisão preventiva ( CPP, art. 312). As medidas
cautelares, diversas da prisão, estão elencadas no artigo 319
do Código de Processo Penal. Com exceção da prisão
temporária, não há um prazo máximo para as prisões cautelares.
[12]. NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime
Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. – 2ª ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2021., p. 55.
[13]. NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime
Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. – 2ª ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2021., p. 57.

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