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CAPITULO 2

EVOLUÇÃO HISTÓRICA
DO DIREITO PENAL E
ESCOLAS PENAIS

1. INTRODUÇÃO
Definitivamente, o homem não nasceu para ficar preso. A liberdade é uma característica
fundamental do ser humano. A história da civilização demonstra, no entanto, que, logo no
início da criação, o homem se tornou perigoso para seus semelhantes.
Segundo o livro de Gênesis, capítulo 3, versículo 8, Deus se encontrava com o homem
sempre no final da tarde, ou seja, na virada do dia. Seu contato era permanente com Ele.
Contudo, após sua fatal desobediência, Deus se afastou do homem. Começava, ali, a história
das penas. A expulsão do primeiro casal do paraíso foi, com certeza, a maior de todas as
punições. Logo após provar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o homem
deixou de lado sua pureza original, passando a cultivar sentimentos que até então lhe eram
desconhecidos.
Anos mais tarde, a desobediência inicial do homem gerou o primeiro homicídio. Caim,
enciumado pelo fato de que Deus havia se agradado mais da oferta de seu irmão Abel,
traiçoeiramente, o matou. Caim recebeu sua sentença diretamente de Deus, que decretou que
ele seria um fugitivo e errante pela terra.
A partir desses acontecimentos, o homem não parou de praticar fatos graves contra seus
semelhantes. O plano original de Deus era para que o homem tivesse domínio sobre todas as
coisas. Sua desobediência, contudo, levou-o a distanciar-
-se de Deus, dando início à prática de comportamentos nocivos àqueles que se encontravam
ao seu redor.
Todo grupo social sempre possuiu regras que importavam na punição daquele que
praticava fatos contrários a seus interesses. Era uma questão de sobrevivência do próprio
grupo ter algum tipo de punição que tivesse o condão de impedir comportamentos que
colocavam em risco sua existência.
Segundo as lições de Maggiore “a pena – como impulso que reage com um mal ante o mal
do delito – é contemporânea do homem; por este aspecto de incoercível exigência ética, não
tem nem princípio nem fim na história. O homem, como ser dotado de consciência moral,
teve, e terá sempre, as noções de delito e pena.”1
A palavra “pena” provém do latim poena e do grego poiné e tem o significado de inflição de
dor física ou moral ao transgressor de uma lei. Conforme as lições de Enrique Pessina, a pena
expressa “um sofrimento que recai, por obra da sociedade humana, sobre aquele que foi
declarado autor de delito.”2
A história do Direito Penal, portanto, confunde-se com a própria história da humanidade.
Desde que o homem passou a viver em sociedade, sempre esteve presente a ideia de punição
pela prática de atos que atentassem contra algum indivíduo, isoladamente, ou contra o
próprio grupo social. Essa punição não era originária de leis formais, que não existiam
naquela época, mas sim de regras costumeiras, culturais, destinadas à satisfação de um
sentimento inato de justiça e, também, com a finalidade de preservar o próprio corpo social.
Obviamente que, no início, as reações não tinham de ser, obrigatoriamente, proporcionais
ao mal praticado pelo agente infrator. Em muitas situações prevalecia, como se podia
esperar, a lei do mais forte. A ideia de retribuição pelo mal sofrido, ou mesmo de vingança, era
muito clara.
Conforme as lições de Magalhães Noronha:
“A pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que
compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à
agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a
proporção, nem mesmo com sua justiça.
Em regra, os historiadores consideram várias fases da pena: a
vingança privada, a vingança divina, a vingança pública e o período
humanitário. Todavia deve advertir-se que esses períodos não se
sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem por isso o outro
desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos
princípios característicos de cada um: uma fase penetra a outra, e,
durante tempos, esta ainda permanece a seu lado.”3
1.1. Vingança privada

A primeira modalidade de pena foi consequência, basicamente, conforme explicitado por


Magalhães Noronha, da chamada vingança privada. O único fundamento da vingança era a
pura e simples retribuição a alguém pelo mal praticado. Essa vingança podia ser exercida não
somente por aquele que havia sofrido o dano, como também por seus parentes ou mesmo
pelo grupo social em que se encontrava inserido.
A Bíblia relata a existência das chamadas “cidades refúgio”, destinadas a impedir que
aquele que houvesse praticado um homicídio involuntário, ou seja, um homicídio de natureza
culposa, fosse morto pelo vingador de sangue.4 Se, no entanto, o homicida viesse a sair dos
limites da cidade refúgio, poderia ser morto pelo mencionado vingador.5
A Lei de Talião pode ser considerada um avanço em virtude do momento em que foi
editada. Isso porque, mesmo que de forma incipiente, já trazia em si uma noção, ainda que
superficial, do conceito de proporcionalidade. O “olho por olho” e o “dente por dente”
traduziam um conceito de Justiça, embora ainda atrelada à vingança privada. Conforme
esclarecem María José Falcón y Tella e Fernando Falcón y Tella:

“Durante milênios o castigo dos atos criminais se levava a cabo


mediante a vingança privada. A intervenção da coletividade se dava
somente para aplacar a cólera de um deus que se supunha ofendido. Se
produzia uma identificação delito-
-pecado, ideia que informará durante anos de forma decisiva toda a
fisionomia penal. Nesta evolução, o talião supôs um tímido intento a fim
de superar a absoluta arbitrariedade com que se aplicava a pena
anteriormente.”6
1.2. Vingança divina

Seguindo, ainda, as lições de Magalhães Noronha, no que diz respeito à vingança divina:
“Já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de
conduta e castigo. O princípio que domina a repressão é a satisfação da
divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória
crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus
ofendido.
É o direito penal religioso, teocrático e sacerdotal. Um dos principais
Códigos é o da Índia, de Manu (Mânava, Dharma, Sastra). Tinha por
escopo a purificação da alma do criminoso, através do castigo, para que
pudesse alcançar a bem-aventurança. Dividia a sociedade em castas:
brâmanes, guerreiros, comerciantes e lavradores. Era a dos brâmanes a
mais elevada; a última, a dos sudras, que nada valiam.

Revestido de caráter religioso era também o de Hamurabi. Aliás,


podemos dizer que esse era o espírito dominante nas leis dos povos do
Oriente antigo. Além da Babilônia, Índia e Israel, o Egito, a Pérsia, a China
etc.”7
Era o direito aplicado pelos sacerdotes, ou seja, aqueles que, supostamente, tinham um
relacionamento direto com um deus e atuavam de acordo com sua vontade. Incontáveis
atrocidades foram praticadas em nome dos deuses, muitas delas com a finalidade de aplacar-
lhes a ira. A criatividade maligna dos homens não tinha limites.
As sociedades, nesse período, eram carregadas de misticismos e crenças sobrenaturais.
Eventos da natureza, como chuvas, trovões, terremotos, vendavais etc., podiam demonstrar a
fúria dos deuses para com os homens e, para tanto, precisava ser aplacada, mediante o
sacrifício humano. Alguém era apontado como culpado e, consequentemente, devia ser
entregue aos deuses.
1.3. Vingança pública

A vingança pública surge, nessa fase da evolução histórica do Direito Penal, e


fundamentada na melhor organização social, como forma de proteção, de segurança do
Estado e do soberano, mediante, ainda, a imposição de penas cruéis, desumanas, com nítida
finalidade intimidatória.
Nessa fase, ainda há resquícios das fases anteriores, ou seja, a vingança privada continua
a ser aplicada no seio das tribos, sendo carregada, também, de misticismos, típicos da fase da
vingança divina. Conforme esclarece João Mestiere:
“A vingança divina cede naturalmente lugar à vingança pública,
produto da paulatina afirmação do direito no contexto socio-cultural. As
várias sociedades, já politicamente organizadas, contam com um poder
central, procurando por todos os meios se afirmar e manter a coesão e a
disciplina do grupo social. Leis severas são ditadas e a sociedade não
demora muito a sentir a enorme perda que está sofrendo dia a dia, com a
aplicação da justiça. As mortes e as mutilações apenas enfraqueciam a
tribo, sendo necessário então outra forma de retribuição.”8
Pelo fato de as mutilações serem praticadas com muita frequência, enfraquecendo,
sobremaneira, o grupo social, surge uma nova forma de resolução dos conflitos: a compositio.
Segundo as lições de Maggiore:

“Ao transformar-se o talião em composição, se realiza o processo


subsequente. Assim, o agravo já não se compensa com um sofrimento
pessoal, senão com alguma utilidade material, dada pelo ofensor. O preço
do resgate, e já não mais o da vingança, está representado pela entrega de
animais, armas, utensílios ou dinheiro. E a proporção entre a reparação e
o agravo, está contida às vezes na chamada ‘tarifa de composição’, em sua
medida precisa.”9

2. DIREITO PENAL NA GRÉCIA ANTIGA. DIREITO PENAL


ROMANO. DIREITO PENAL GERMÂNICO. DIREITO PENAL
CANÔNICO
2.1. Direito Penal na Grécia Antiga

Após passar pelos períodos da vingança privada e da vingança divina, numa terceira
época, denominada “histórica”, a pena deixou de se assentar sobre fundamento religioso,
passando a ter uma base moral e civil, embora essas fases ainda fossem interligadas, ou seja,
não havia ocorrido uma separação absoluta entre elas. A evolução mais significativa, de
acordo com as lições de Luis Jiménez de Asúa, ocorreu no que diz respeito à
responsabilidade:
“Que durante o transcurso de vários séculos passou de sua índole
coletiva, do genos, à individual. Certo que, inclusive nas épocas mais
antigas, o direito grego somente castigou o autor, quando se tratava de
delitos comuns. Mas, no tocante às ofensas de caráter religioso e político,

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