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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO MULTIDICIPLINAR
ALUNO: DENNYS BRAGA LUCENA
MATÉRIA: NÚCLEO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENÇÃO I

ENSAIO - NEPE

NOVA IGUAÇU, 05 DE MARÇO DE 2023


A VIOLÊNCIA A-HISTÓRICA E A BUSCA EM DIMINUÍ-LA
Dennys Braga Lucena
Acadêmico do 2º período de História da UFRRJ

1 Introdução

Que as civilizações são violentas e pessoas cometem crime já é de conhecimento


da maioria, mas ainda existe uma falha na lógica em achar que métodos punitivos ou leis
extinguir ou tornar próximo a nulo esses crimes e violências. Da Bíblia Sagrada Cristã
até o tribunal de crime nas comunidades pode-se observar que a certeza de punição nem
sempre inibe pessoas de cometer tais atos, então por qual motivo esses métodos punitivos
continuam a serem aplicados? Existem outras formas de conter a criminalidade?

O presente ensaio irá se debruçar nas formas de leis e punições criadas durante a
história a trazer a reflexão como estas leis foram criadas e o porque de continuarem a
serem usadas mesmo não impedindo algumas pessoas de cometerem crimes até mesmo
que parecem ser sem sentido. Será usado argumentos filosóficos, históricos e religiosos
na busca de se aproveitar da maior quantidade de ferramentas disponíveis.

2 Desde o princípio

Desde as mitologias mais antigas, até mesmo a cristã, é possível observar que a
violência sempre esteve presente na sociedade, no livro de Gênesis conta-se sobre o que
seria então o primeiro homicídio praticado pelo homem. Movido por inveja, Caim atenta
contra a vida do seu irmão Abel em um momento de ira. Nesse caso, não havia uma pena
pré-estabelecida para o ato de homicídio, mas ainda dentro de Gênesis temos o caso de
Adão e Eva que foram contra a ordem do próprio Deus comendo do fruto proibido,
mesmo sabendo que a sentença para isto seria as suas mortes. Se até em momentos como
estes, onde se pararmos pra analisar não haveria um motivo lógico e racional pelo qual
Caim matou o seu irmão ou então pelo qual comerem de um fruto proibido, seria possível
então dizer que o crime a violência está no interior dos seres humanos de forma que é
impossível impedir que sejamos maus e desobedientes?
Para Thomas Hobbes, filósofo britânico, a natureza do homem seria má desde o
seu nascimento, e este, estaria inclinado a ser cruel durante toda a sua vida enquanto
agisse pela sua vontade (vontade essa também já apontada por Arthur Schopenhauer pelo
qual o ser humano seria movido), de forma com que seria inútil esperar que alguém
confiasse no caráter de algum outro. Se a violência sempre existiu e seguindo essa lógica
sempre vai existir, é justo que em todas as sociedades tenha criado uma maneira de inibir
tais atos da natureza humana.

3 As primeiras leis e métodos punitivos

Data-se de 1770 a.C. o primeiro código de leis conhecido pela sociedade, o Código
Hamurabi foi um conjunto de delitos e sanções criado (ou organizado) pelo rei Hamurabi
com o intuito de penalizar os crimes cometidos pelos cidadãos. Desde essa época é
possível ver que o método punitivo era o principal artifício utilizado por formas de
governo na busca de amenizar atos de violência urbana ou delitos contra os membros do
então governo. Ainda hoje na maioria dos países é utilizado métodos bastante parecidos
com um conjunto de delitos e penas a serem aplicadas quando tais delitos forem
praticados, de forma que ainda haja interpretação dessas leis e a decisão do juiz
responsável pelo julgamento de optar pelo encarceramento ou pagamento de multa pelo
então sujeito que cometeu algum delito.

Voltando ao contexto bíblico, por volta de 1250 a.C. o profeta Moisés recebeu do
próprio Deus uma tábua de pedra com um conjunto de 10 leis (ou mandamentos) que
visavam proibir atos praticados pelo povo escolhido, diferentemente do Código Hamurabi
os 10 mandamentos não visavam penalizar de maneira física ou financeira os atos
considerados errados, mas sim inibir tais atos com consequências nos pós vidas com o
julgamento divido, do qual ninguém poderia escapar.

A constituição brasileira que hoje é vigente foi publicada em 1888, o conjunto de


delitos e penas não é engessado e eterno, diversas leis já caíram em desuso, como por
exemplo a Lei 2.807/2004 que proibia o uso de aparelhos celulares dentro de escolas,
bancos e até mesmo postos de gasolina, pela sua ineficácia ela foi lançada de mão com
uma emenda constitucional, o que faz pensar que crimes dependem muito de locais,
épocas e regimentos e que eles podem ser relativos de certa forma.
4 Por que as pessoas cometem crimes?

Antes de falar sobre as motivações de crime, é importante salientar que


praticamente todos já cometeram algum tipo de crime na vida, xingar alguém por
exemplo, é crime de injúria, fazer fofoca dizendo que uma pessoa traiu a outra constitui
crime de difamação, a única coisa que difere essas pessoas dos então considerados
“criminosos” é que essas pessoas não foram capturadas, julgadas ou processadas pelo
sistema. Porém não cabe aqui falar desse tipo de crime menos danoso, que o foco principal
sejam crimes violentos ou de usurpação de bens alheios.

Como antes dito, alguns filósofos e analisas sociais históricos vão dizer que a
natureza do ser humano é verdadeiramente má, porém deixando isso de lado por
enquanto, é possível encontrar motivos socioculturais que fazem que alguém cometa um
crime. Desigualdade social, escassez de possibilidade de gerar e obter renda, evasão
escolar diminuindo o grau de instrução e muitos outros problemas sociais podem sim ser
motivadores de crimes, mas eles com certeza não são fatores decisivos, do contrário,
todos que passam por essas condições cometeriam crimes.

Existe ainda um estudo teórico que sugere que as pessoas podem se tornar mais
agressivas em ambientes quentes do que em lugares mais frios, segundo o estudo, isso
pode estar relacionado ao fato de que o calor pode aumentar o desconforto e o estresse, o
que pode levar a comportamentos impulsivos e agressivos. Além disso, o aumento da
temperatura corporal pode afetar os neurotransmissores cerebrais, tais como a serotonina
responsável pelo controle dos impulsos e disponibilidade em se relacionar com os outros,
tornando assim as pessoas mais suscetíveis a comportamentos violentos.

Fatores familiares também podem ocasionar comportamentos agressivos, crianças


que sofrem abusos físicos por parte dos pais possuem altas chances de desenvolverem
depressão, TDAH, autolesão e transtornos de estresse pós-traumático, o que resultam em
um indivíduo violento com a mente danificada por esses transtornos diminuindo a
proporção de autocontrole desse indivíduo.

De certo, muito são os fatores que podem levar alguém a cometer um crime, seja
ele de um dano material ou físico, porém a impunidade penal aparece como um dos
principais motivadores de crimes atualmente. Se você pudesse cometer o crime perfeito
e ter a plena convicção e garantia de que ele não seria descoberto por ninguém e que você
jamais seria punido de qualquer forma por esse ato, você cometeria esse crime? No Brasil,
o sistema penal e judiciário ainda carecem muito de boas estruturas para fazer com que a
constituição seja seguida da forma mais correta e justa possível, policiais, juízes e
participantes do governo que são corruptos ou incompetentes e o pouco investimento de
dinheiro e tempo em investigações criminais fomentam a impunidade de crimes
praticados por aqueles que detém de algum poder, seja ele monetário, político ou
coercitivo.

5 Contrato social

Voltando ao estado de natureza violento e primitivo sugerido por Rousseau, temos


a sua solução que consiste em um contrato social. Rousseau argumenta que a liberdade e
o bem-estar de um povo não podem ser garantidos por meio da participação ativa de todos
na condução do Estado. Para isso, ele propõe a criação desse contrato social entre as
pessoas, no qual cada um abriria mão de parte de sua liberdade em razão do bem comum,
criando assim um poder soberano que representaria a vontade geral da população.

“[...] porque, primeiramente, cada qual se entregando


por completo e sendo a condição igual para todos, a
ninguém interessa torna-la onerosa para os outros.” (O
Contrato Social - Rousseau)

Tendo em vista isso, Rousseau acreditava que a única forma de fazer com que as
pessoas não cometessem atos de violências umas contra as outras para satisfazer suas
próprias vontades, era criando um tipo de poder moderador comum sobre todas elas, os
indivíduos deveriam concordar em uma espécie de contrato para que o bem comum fosse
alcançado, do contrário viveríamos em um eterno estado de guerra uns contra os outros.

Entrando nessa visão de “estado de guerra”, Thomas Hobbes vai o descrever como
parte do estado de natureza do ser humano, onde viver sem uma forma de controle ou
governo faria com que os seres humanos vivessem em uma luta constante uns contra os
outros, pois como também para ele a natureza do homem sendo má e egocêntrica, todos
esperariam o pior do outro e viveriam em um espírito de defesa, e para alguns, o ataque
é a melhor defesa.
6 As leis não evitam os crimes

Não é preciso pensar muito para se perceber que a existências das leis por si só
não inibem os indivíduos de praticarem delitos, sejam eles quais forem. Como antes dito,
a certeza da impunidade muita das vezes pode ser o fator principal para o cometimento
de atos criminosos ou violentos.

Desde que a constituição foi criada praticamente nenhum crime dos mais graves
houve redução a médio ou longo prazo, do contrário, a cada dia a criminalidade no Brasil
aumenta mais, em 1980 tínhamos uma média de 11 homicídios a cada 100 mil habitantes,
já em 2012 esse número subiu para 29 homicídios a cada 100 mil habitantes.

Na visão de Claus Roxin, grande jurista alemão, criar métodos punitivos mais
severos não inibem o cometimento de mais crimes, para ele a única função do legislador
é criar leis justas e infalíveis, criando um equilíbrio entre a sociedade e o governo.

7 Como se previnem os delitos?

Michel Foucault em boa parte dos seus estudos vai analisar as formas de poder
entre os indivíduos entre si e com o governo, para ele a maneira mais eficaz de inibir atos
considerados errados é justamente o que vai dar título a uma das suas obras mais famosas,
“vigiar e punir”. Para Foucault não necessariamente o poder de coerção deve partir do
governo com a criação de leis, o autor vai argumentar que na sociedade, mais se obedecem
costumes e tradições do que leis. As micro relações de poder que cada um tem entre os
seus próximos geram um padrão de conduta aceitável na sociedade enquanto as pessoas
estão sobre vigilância entre seus semelhantes. Foucault vai dizer que as sociedades saíram
de um sistema de punição física para um sistema de micro punições que vão moldando o
cidadão através das relações sociais sem a necessidade de atacar o corpo físico, antes se
fazia morrer e deixava viver, agora se faz viver e se deixa morrer.

Já segundo Cesare Beccaria, considerado o principal representante do iluminismo


penal e da Escola Clássica do Direito Penal, a maneira mais lógica de se evitar delitos é
dificultando a sua execução o prevenindo e se isso não for possível, dar a certeza da
punição. Com essas duas coisas, Beccaria vai argumentar que é melhor prevenir os delitos
do que os punir, pois nem sempre a punição será possível ou de teor justo dentro da
concepção de algumas pessoas, dito isso, tornar as cidades mais bem iluminadas,
aumentar o policiamento, criar oportunidades de obtenção de renda de formas legais ou
até mesmo dar mais acesso a educação seria de bem mais ajuda para a sociedade do que
as punições.
“Quereis prevenir os delitos? Fazei que as leis sejam
claras, simples e que toda a força da nação esteja
aplicada em defende-las, e nenhuma parte desta seja
empregada em destruí-las.” (Cesare Beccaria – Dos
delitos e das penas).

Voltando na questão religiosa, é possível observar que dentro das religiões existe
um padrão de conduta a ser seguido e atos inegociáveis que não podem ser cometidos,
como por exemplo o ato de adultério, que na constituição não é crime, mas dentro da
concepção cristã judaica é pecado, que tem como punição o castigo eterno no inferno. De
certa forma, as instituições religiosas promovem um padrão de conduta moralmente
aceitável que promovem uma redução nos crimes e violência, a busca pelo “caráter de
Cristo” ou as boas condutas e generosidade para renascer em uma vida melhor tornariam
os indivíduos mais controlados e menos aptos a cometerem crimes mesmo que a
constituição não existisse, pois estes estariam debaixo de outro sistema de leis punitivas
de formas mais substanciais e abstratas.

8 Reincidência

Tendo em mente que nem sempre as punições, vigilâncias e quaisquer métodos


de prevenções de crimes sejam capazes de coibir todos os crimes e formas de violência,
é preciso se pensar em como, após as punições vigentes em lei, fazer com que esse
indivíduo capaz de cometer um crime não volte a cometer ele ou algo pior novamente.
Sistemas penitenciários muita das vezes são hostis e falham na segurança do detento, o
que quando não resulta na sua morte dentro das celas, o tornam um indivíduo com mais
fobia social, raivoso e violento.

No Brasil, 7 em cada 10 criminosos voltam a cometer crimes depois de serem


libertos de seus cárceres, não é surpreendente visto um sistema prisional que promete a
reinserção do indivíduo na sociedade, mas nada faz para que isso seja possível e um país
onde muitas pessoas tem como filosofia de vida que “bandido bom é bandido morto”.
Prisões superlotadas, condições de higiene precárias e a desumanização do corpo e do
indivíduo são uns dos principais problemas dentro do sistema prisional brasileiro, o que
faz refletir sobre se caso as condições fossem melhores as taxas de reincidência seriam
menores.

Estudos feitos com o sistema prisional da Noruega, país que em 2012 foi
considerado pela ONU como o melhor lugar para se viver, mostrou que um sistema
carcerário que promove a reinserção do indivíduo na sociedade causa um efeito muito
mais positivo do que um sistema punitivo. O país em 2013 possuía uma taxa de
reabilitação de até 80% dos presos, onde, mesmo que sejam presos na pena máxima (21
anos) e acabem de cumprir ela, o detento passa por uma avaliação para ver se está hábil
a voltar para a sociedade, caso contrário, essa pena pode ser prolongada por mais 5 anos,
até que esse detento esteja pronto para voltar para as ruas.

A prisão de Bastoy, chamada de ilha paradisíaca, está localizada no meio de uma


floresta onde as celas não possuem grades, existem cursos profissionalizantes, quadras
de esportes e uma grande biblioteca para que o detento possa, enquanto está ali,
conquistar conhecimento, uma profissão e uma chance de mudar de vida quando sair de
lá, como Beccaria vai dizer, é melhor prevenir do que punir, e qual maneira melhor de
fazer isso do que tirando a necessidade de um novo crime após a liberdade do indivíduo?

9 Conclusão

Sejam quais forem as motivações dos crimes, durante toda a história os homens
criaram formas de conviverem entre si diminuindo a violência para talvez fugirem do seu
estado de natureza ou do estado de guerra de todos contra todos, muitas vezes falhando e
em outras acertando, a única certeza é de que a violência não pode ser aceita e deve ser
combatida ao máximo por todos.

Que se façam reflexões a respeito dos sistemas judiciais e prisionais do Brasil,


pois é inadmissível que se continue convivendo com a realidade brutal e cruel em que
vivemos, de incerteza da segurança e para alguns a certeza da impunidade. Que se traga
a luz a lei bem como Beccaria disse, e que sejamos menos hipócritas, pois como dizia
Bezerra da Silva “se gritar pega ladrão, não fica um”.
BIBLIOGRAFIA

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