Você está na página 1de 13

Mestrado em Direitos Humanos

Sistemas Jurídicos Estaduais de Proteção dos Direitos do Homem

Análise do Artigo 25º da Constituição da


República Portuguesa

Docente: Benedita Ferreira Silva Mac Crorie Graça Moura

Trabalho realizado por: Ivo José Gomes Pereira

Ano 2016/2017
Artigo 25º da Constituição da República Portuguesa

Direito à integridade pessoal


1- A integridade moral e física das pessoas é inviolável.
2- Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a tratos ou penas, degradantes ou
desumanos.

No âmbito da disciplina de Sistemas Jurídicos Estaduais do Direitos do Homem


foi-me proposto a realização de um trabalho sobre um artigo da Constituição da República
Portuguesa. Entre as várias opções, optei pela análise do artigo 25º, intitulado de “direito
à integridade pessoal”.
Desta forma, numa primeira fase pretendo introduzir o artigo, de seguida irei
apresentar casos em que ele pode ser violado, apresentar um acórdão onde o artigo esteja
envolvido, confronta-lo com outro artigo e também dar a minha opinião sobre o mesmo.
Assim, podemos afirmar que o direito à integridade pessoal abrange as duas
componentes, a integridade física e a integridade moral de cada pessoa.
Em primeira instância consiste num direito de não sermos lesados por outrem, ou
seja, a não ser agredido tanto fisicamente como psicologicamente por outra pessoa.
Este direito assume um importante papel no âmbito de relações especiais de
guarda, direção, educação, família ou trabalho relativamente a pessoas menores ou
particularmente indefesas em virtude da idade, deficiência, doença ou gravidez. Em casos
assim, poderão ser aplicadas sanções severas, como penas criminais, quando se trata de
maus tratos físicos ou psíquicos e emprego em atividades perigosas e desumanas (o caso
do arremesso do anão1) (cfr. Cód. Penal, art. 152º, e Cód. Trab., arts. 605º, 608º-1 e 665º-
1).2
Este é um direito que está presente no pacto internacional sobre os Direitos Civis
e Políticos, ou seja, é um direito que serve para nos proteger do estado e que deve ser
garantido pelo mesmo. Isto porque o pacto trouxe para o Estado deveres de manutenção
e garantia, o Estado possui uma vertente de manutenção destes direitos e deve garantir à

1
Informação obtida na aula de Sistemas Jurídicos Estaduais de Proteção dos Direitos do Homem
2
Canotilho, G. (2014). Constituição da República Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora.
população que estes se cumprem independentemente do território e tempo em que cada
um se encontre, ou seja, tem de providenciar ao povo os meios necessários para que este
possa usufruir dos direitos, sendo estes universais, indivisíveis e inalienáveis. São direitos
que todos temos a partir do momento em que nos tornamos um nado-vivo, são inerentes
a nós e irrenunciáveis. São direitos que temos, mesmo que não os queiramos invocar. O
direito à integridade física e psíquica pertence ao pacto, ou seja, é um direito fundamental
que não pode ser legitimamente negado às pessoas. Nenhum governo nem nenhuma
autoridade tem competência para negar este tipo de direitos, uma vez que fazem parte da
essência da pessoa. 3
No entanto não o torna obrigatório, nós só o invocamos se assim o pretendermos,
podemos renegar qualquer direito, mas isso não faz com que não os tenhamos. Podemos
abdicar deles, como prova disso existem pessoas que têm prazer com dor, profissões que
no seu exercer provocam dor a outras pessoas (as tatuagens, piercings, etc.) e também as
intervenções médicas e de tratamentos médico-cirúrgicos, que se forem adequados,
levados a cabo de acordo com as leis, por alguém devidamente autorizado e que tenha a
intenção de apenas provocar bem ao paciente (efr. Cód. Penal, art. 150º-1). Sobre este
assunto, hoje em dia, o que chama mais a atenção são os transplantes de órgãos mediante
doação, que de forma alguma podem afetar a integridade do doador. Em caso dos
transplantes post mortem apenas tem de se ter em conta se o doador, enquanto vivo,
aceitava disponibilizar os seus órgãos para doação ou, caso seja de sua vontade, oporem-
se a tal (efr. AcTC nº130/88). 4
Este direito é relevante no plano da legislação fazendo com que a lei penal não
possa determinar uma sentença cruel ou desumana, como podemos ver no ponto 2 do
artigo 25º, “ninguém pode ser submetido a tortura, nem tratos ou penas cruéis,
degradantes ou desumanas”.5 No plano da investigação criminal, protegendo-nos contra
as torturas tanto físicas como psicológicas, no plano das instituições prisionais,
hospitalares e equiparadas protegendo-nos contra tratamentos desumanos e degradantes
e no plano das medidas da policia devendo esta evitar medidas desapropriadas para a
integridade física dos cidadãos (cfr.art. 272º-2).

3
Apontamentos da aula de Sistema Jurídico Universal de Proteção dos Direitos do Homem
4
Canotilho, G. (2014). Constituição da República Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora.
5
Constituição da República Portuguesa (3ª ed.). (2016). Coimbra: Almedina.
No entanto, mesmo o artigo tendo como fim proteger os indivíduos de represálias
por parte das forças da justiça, ainda existe muita violência nos estabelecimentos
prisionais, o abuso da autoridade é um caso que se revela frequente.6 Como exemplo disso
temos um caso que ocorreu em 1937, o caso dos irmãos Naves7. Os dois irmãos, Sebastião
e Joaquim, trabalhavam na lavoura e comercialização de cerais. Benedito, primo de
ambos, era sócio de Joaquim. Este comprava sacos de arroz e esperava revender os
mesmos a um preço superior. Contudo, o preço do arroz cai e Benedito recebe um cheque
cujo valor não consegue cobrir todas as suas dívidas. Logo após receber o cheque,
Benedito resolve levantá-lo e, dois dias depois, desaparece. Os irmãos decidem procurar
pelo primo, mas sem sucesso. Com o passar do tempo, a preocupação aumenta e eles
decidem procurar a polícia, relatando ao delegado os últimos factos. As buscas da polícia
também se revelaram sem sucesso. Na procura por uma solução para o caso, um delegado
militar é convocado para conduzir as investigações. No mesmo dia em que assume o
posto, novas testemunhas são intimadas, entre elas colegas de trabalho, a mãe dos irmãos
Naves, as suas esposas, entre outras. Contudo, umas das testemunhas e amigo de
Benedito, sugeriu durante o seu depoimento que os responsáveis pelo desaparecimento
do seu amigo eram os irmãos Naves. O delegado militar decide seguir esta última “pista”.
Os irmãos Naves e José Prontidão, colega de trabalho de ambos que alegou ter
visto e trabalhado com Benedito pouco tempo após o seu desaparecimento, são presos,
sofrem imensas agressões, passam fome e sede. Prontidão não aguenta a tortura e
modifica o seu testemunho afirmando que os irmãos ordenaram que ele dissesse tais
coisas em troca de uma gratificação posterior. Neste sentido, o delegado consegue a
acusação de que tanto esperava para desvendar aquele crime, mas ainda faltava a
confissão. Decidem prender a mãe dos irmãos, retiram-lhe as roupas e mandam os filhos
bateram na mãe idosa, o que eles recusam. Todos são torturados, a mãe é violada e após
a sua libertação decide procurar um advogado. Ainda na prisão, decidem separar os
irmãos, forjam o assassinato de Sebastião, e Joaquim, não aguantando mais, decide
confessar o crime que não cometeu, inventando que ele e o irmão atiraram o primo ao rio
e que enterraram o dinheiro. Anos mais tarde, Benedito aparece, provando a inocência
dos irmãos que, sobre tortura, confessaram um crime que não cometeram. Assim, todo o

6
Canotilho, G. (2014). Constituição da República Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora.
7
O caso dos Irmãos Naves: "Tudo o que disse foi medo e pancada...", texto disponível em
http://revistaliberdades.org.br/_upload/pdf/5/_historia.pdf (07.02.2017)
artigo 25º tano o ponto 1 como o ponto 2, não foram tidos em conta para a “tentativa”
resolução do caso dos irmãos Naves.
O direito à integridade pessoal é um direito universal, assim sendo não há razão
para que se estenda apenas a pessoas de nacionalidade portuguesa (art. 15-1 da CRP).
Todas as pessoas, pelo simples facto de serem pessoas, gozam deste direito.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos8, no artigo 2º, está presente que
“todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na
presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de
língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna,
de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma
distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território
da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo
ou sujeito a alguma limitação de soberania”. Isto convida-nos a olhar para a sociedade e
ver que há um caso que está presente na sociedade atual e que leva as pessoas a violar o
direito à integridade pessoal. O Racismo9, que consiste no preconceito e
na discriminação com base em perceções sociais, faz com que algumas pessoas não
respeitem outras apenas por um tom de pele ou de uma crença religiosa, classe social,
etc., em pleno séc. XXI, em França,10 as forças policiais obrigaram uma senhora a retirar
o seu burkini em plena praia, violando uma série de direitos, um deles o direito à
integridade pessoal, isto porque obrigaram a senhora a coagir de forma violenta. Mesmo
do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos da América, existe uma pessoa que já
demonstrou largos sinais de racismo. Falo de Donald Trump, o presidente dos EUA já
mostrou ter como objetivo passar por cima dos direitos dos cidadãos, recentemente, após
a tomada de posse, na sua primeira entrevista, Donald Trump afirma que, depois de
conversar com os serviços de inteligência dos EUA, a tortura funciona. Assim sendo o

8
Informação obtida em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-
dh/tidhuniversais/cidh-dudh.html
9
Informação obtida em https://www.lexico.pt/racismo/
10
Informação obtida em http://www.dn.pt/mundo/interior/guerra-ao-burkini-policia-de-nice-multa-por-
demasiada-roupa-na-praia-5354099.html
presidente tem intenções de a utilizar, afirmando que para combater os terroristas temos
que jogar no mesmo campo que eles, temos de combater o fogo com o fogo.11
Visto isto, vou agora analisar um dos exemplos que podem violar a integridade
física e moral de uma pessoa, a praxe. A praxe é uma tradição que envolve rituais e
costumes que se usam e repetem numa comunidade académica (ou outra) ao longo dos
12
anos. O objetivo desta prática é integrar os novos alunos (caloiros) nas universidades.
Muitas vezes o mau exercer desta prática pode ser uma violação ao artigo 25º da
Constituição da República Portuguesa. Em vez de tentar uma boa prática da tradição os
alunos mais velhos tentam “fazer troça” dos alunos mais novos, humilhando-os,
obrigando-os a cânticos imorais e até a comprometendo a saúde dos alunos com
atividades militares.13
Existe um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (459/05.0TBMCD.S1) a
respeito deste assunto.14 O acórdão é sobre uma aluna (A) que alega ter sido vítima de
maus tratos psicológicos em uma praxe desenvolvida por parte de alunos da escola onde
(R) é a entidade instituidora.
O acórdão diz-nos que o estabelecimento de ensino superior deve promover
valores humanos para além de incentivar elevar o conhecimento científico. Deve, assim,
estimular o dever de respeito dos direitos fundamentais do homem tendo o cuidado que
esses direitos não sejam violados, direitos esses tutelados pelos arts. 70.º do CC e 24.º e
ss. da CRP -.
Embora não se possa negar a possibilidade de as diversas universidades do país
terem e exercerem as suas praxes, onde alguma irreverência será até aceitável, não será
admissível que com essas praxes se venham a exercer violências físicas e morais sobre
alunos, designadamente sobre os mais desprotegidos (os que se aprestam a frequentar o
1.º ano), para gozo e júbilo de alguns e sofrimento (moral e físico) dos atingidos, os mais

11
Trump diz que tortura funciona e está disposto a aplicá-la, texto disponível em
http://www.jn.pt/mundo/interior/trump-diz-que-tortura-funciona-e-esta-disposto-a-aplica-la-5630332.html
(07.02.2017).
12
Informação obtida em https://www.uc.pt/informacaopara/visit/codigopraxe
13
Informação obtida em http://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/artigos/66/RCCS66-081-116-
Anibal%20Frias.pdf
14
Informação obtida em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/38432871065fcc0c802575e70032ccad?
OpenDocument.
fracos, assim, cabe ao estabelecimento de ensino superior tem o dever jurídico e social de
impedir que seja levado à prática nas suas instalações um “Regulamento de Praxes de
Alunos” contendo praxes humilhantes e vexatórias, procedimentos constrangedores que
podem levar ao exercício de violência física e psíquica sobre os alunos, claramente
restritivas dos direitos, liberdades e garantias dos visados.
Na sua defesa, R alega que A participou na praxe de livre vontade, que existiu um
consentimento por parte desta e que não foi forçada pelos outros alunos a pertencer à
praxe. Assim sendo A não pode alegar que tenho sido desrespeitada por algo que ela
mesma consentiu. Dado este argumento, A diz que de facto consentiu e que participou na
praxe de livre vontade, mas que não consentiu que os seus direitos fossem violados, pois
não há nada no “Regulamento de Praxes de Alunos” que diga que, ao pertencer a uma
praxe, estamos a abdicar dos nossos direitos, não diz nada sobre sofrer de insultos nem
de humilhações.
Assim, o estabelecimento de ensino que nada faz para impedir o desenrolar de
uma aplicação de um “Regulamento da Comissão de Praxe” é responsável, por omissão,
pelos danos sofridos por uma aluna que foi submetida a praxes dessa natureza.
Então, de acordo com o acórdão, existe uma cumplicidade da parte do
estabelecimento de ensino pelo comportamento omissivo que originou que à aluna fossem
aplicadas práticas violadoras dos seus direitos de personalidade, e os danos de ordem
material (gastos com medicamentos e consultas médicas, despesas com anulação da
matrícula e outras, bem como lucros cessantes pelo tardio ingresso no mercado de
trabalho) e moral sofridos por esta. Não se pode considerar que os gastos em causa tenham
sido realizados pelos pais da aluna se ficou provado que o dinheiro despendido lhe foi
entregue pelos seus pais. Nesse caso, ter-se-á verificado uma situação de doação dos pais
a favor da filha, assistindo a esta o direito a ser reembolsada.
Considerando a humilhação a que a aluna foi sujeita, a tristeza que sentiu, a
situação de baixa médica, os sintomas de depressão e stress e o abandono daquele
estabelecimento de ensino, tendo perdido um ano escolar e por consequência um ano de
atraso na entrada do mercado de trabalho, é adequado fixar em 25.000€ o montante da
indemnização por danos não patrimoniais.
No meu ponto de vista, sempre que a praxe não cumprir o seu objetivo principal
(o de integrar o novo aluno na universidade) poderá estar a violar o artigo 25º da CRP.
Com isto não quero dizer que a praxe deva ser abolida, pois também há valores que se
adquirem na praxe, atividade que se fazem e que não violam qualquer lei, tudo depende
de quem “comanda” a praxe. Contudo devemos ter em atenção que é o caloiro que se
submete à praxe académica, pois este tem o direito de decidir ser quer ou não quer ser
praxado, mas que isto não significa que ele abdique dos seus direitos, pois o ato de praxar
não é sinonimo de ofensas verbais, exercícios militares nem agressões físicas.
Já explicito no artigo 1º da Constituição Portuguesa, “Portugal é uma República
baseada na dignidade da pessoa humana e empenhada numa sociedade livre, justa e
solidária” (Constituição da República Portuguesa, 2016: 9). Assim sendo cabe a este
decidir se é ou não praxado e cabe às pessoas que praxam um bom exercer da atividade,
respeitando os novos alunos, integrando-os e cumprindo todo o objetivo da praxe
académica.
Após a analise do acórdão analisemos o seguinte exemplo: um aliado ao
terrorismo que foi capturado pela polícia alega saber que há uma bomba escondida em
um local público e que, com a possibilidade de detonar, a vida de milhares de pessoas
estará ameaçada. Dado esta situação a policia resolve interrogar o individuo e, caso
necessário, recorrer à tortura para fazer com que o individuo confesse onde se encontra a
bomba.
Então, caso se venha a verificar a tortura, estaria a violar o artigo 25º da CRP (“2-
Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou
desumanos”). Assim sendo não podemos torturar o terrorista pois isso seria contra a
constituição.
No entanto, o facto de não recorrermos à tortura levará a que o terrorista não
confesse qual é o local em que a bomba se encontra que por sua vez irá detonar e matar
milhares de pessoas, pessoas que por sua vez têm direito à vida (artigo 24º da CRP)15.
Direito que seria violado neste caso.
A pergunta que surge é: Qual dos direitos devemos seguir no caso de haver um
confronto? Devemos reger-nos pelo bem maior e ignorar o artigo 25º de forma a salvar o
maior número de pessoas possível ou devemos não fazer nada? No entanto, se não
fizermos nada o artigo 24º será violado então, o que devemos fazer?
E se realmente não fosse um caso hipotético? Tendo em conta este último
exemplo, analisemos um caso ocorrido na Alemanha16, onde uma criança de onze anos

15
Constituição da República Portuguesa (3ª ed.). (2016). Coimbra: Almedina.
16
Gäfgen v. Germany: threat of torture to save a life?, texto disponível em
https://strasbourgobservers.com/2010/07/06/389/
foi sequestrada por um estudante e este exigia um resgate pela criança. Três dias após o
rapto, o estudante recebe o dinheiro do resgate e é apanhado numa cilada da polícia e
acaba por ser preso. Mesmo já tendo sido capturado pelas forças policiais o indivíduo
recusa-se a colaborar e a dar informações sobre o paradeiro da criança e o seu estado de
saúde. Os policias, com o fim de obter a confissão do indivíduo, recorreram a métodos de
tortura, algo que tinha sido banido pelos direitos humanos, mas o objetivo dos policias
seria salvar a vida da criança. Então o indivíduo foi notificado da intenção dos policias,
que estes lhe iriam provocar dores inimagináveis. Com esta decisão dos policias, de
infligir dor ao individuo (de uma forma controlada e suportados por um médico), o
homem revelou a localização da criança com o receio de passar por uma situação de
tortura. No entanto, a criança já se encontrava sem vida. Então a tortura à qual o indivíduo
foi submetido (tortura psicológica) foi justificada? Os dois policias foram condenados
pela corte alemã, foram considerados culpados de ameaçar um suspeito, no entanto foi-
lhes atribuída pena suspensa, eles foram culpados mas não receberam qualquer
penalização por tal atitude. Até que ponto a decisão alemã pode influenciar outros países?
Se esta decisão se tornasse universal o direito à integridade pessoal seria ameaçado ou até
inexistente, porque não nos iria proteger. Mesmo que esteja presente na constituição e
tenha como dever nos proteger do estado, o castigo aplicado às forças policiais pelo ato
de tortura e pela respetiva violação do artigo seria de pena suspensa e, se assim fosse, é
como se legitimassem a tortura.
No meu ponto de vista, tomaria a decisão de ignorar o artigo 25º com o fim de
fazer prevalecer o 24º, em busca de um bem maior, neste caso hipotético. Mas a hipótese
de não fazer nada também penso que seja uma hipótese viável porque, além de que matar
não é a mesma coisa que deixar morrer, os resultados da aplicação da tortura nunca serão
viáveis (como no caso dos irmãos Naves) e facultarão experiências que ninguém deve ter.
Por exemplo, recorrendo ao problema do elétrico17, que nos diz que estamos a
comandar um pequeno elétrico que está desgovernado. Na linha onde passa o elétrico
encontram-se a trabalhar um grupo de três trabalhadores que estão completamente
privados dos seus sentidos, e eu, que conduzo o elétrico, vou matar esses trabalhadores,
pois não consigo parar o elétrico desgovernado. No entanto, existe um botão no elétrico
que faz com que ele troque de linha, e para sorte minha há uma linha adjacente que me

17
Informação obtida em Justice: What's The Right Thing To Do? Episode 01 "THE MORAL SIDE OF
MURDER" obtido em https://www.youtube.com/watch?v=kBdfcR-8hEY&t=96s
permite alterar o rumo do elétrico e que salva a vida dos três trabalhadores. Mas, nessa
linha adjacente encontra-se igualmente um trabalhador que está na mesa situação que os
outros, privado dos seus sentidos. Então, se eu alterar o rumo do elétrico vou matar essa
pessoa.
Que devo fazer? Optar pelo bem maior e matar apenas um trabalhador (como no
caso do terrorista) ou devo deixar o elétrico no seu rumo e matar os três trabalhadores?
Eu penso que escolheria novamente o bem comum, pois seria sempre melhor três vidas
em vez de uma. Então, se neste caso escolhemos o bem comum na opção referida em
cima também podemos optar pelo bem comum e torturar o individuo para salvar o maior
número de vidas, ficando assim a opção de não fazer nada fora de questão, mesmo que
matar e deixar morrer não sejam a mesma coisa.
Mas o que aconteceria se as condições fossem alteradas?18 Reformulemos o
problema do elétrico. Imaginemos que agora nós não estamos a conduzir o elétrico, mas
sim que somos um mero observador e que nos encontramos em cima de uma ponte e que
estamos a presenciar todo o acontecimento. Então, nós estamos em cima de uma ponte a
ver um elétrico desgovernado que irá tirar a vida a três trabalhadores (já não existe linha
adjacente) e reparamos que em cima da ponte existe um botão que, caso acionado, abre
um alçapão existente na ponte. Nesse momento está a passar uma pessoa
significativamente obesa que se cair na linha do elétrico irá ser atropelada, mas irá parar
o elétrico salvando a vida dos três trabalhadores. Que devemos fazer? Carregar no botão
e matar a pessoa obesa novamente em prol de um bem maior? Penso que não, porque nem
sempre devemos realizar as nossas ações em prol de um bem maior. Isto porque, neste
exemplo, se eu pressionar o botão, eu irei matar uma pessoa, mas se eu não carregar eu
não vou matar ninguém, eu nem sequer vou ter nada a ver com o assunto, pois eu não
matei ninguém, apenas deixei morrer e como vimos, matar e deixar morrer não é a mesma
coisa.
Então, com base no exemplo reformulado do problema do elétrico, não
deveríamos torturar o terrorista, pois não seriamos nós que iriamos matar milhares de
pessoas, seria uma bomba que iria explodir, mas eu nada teria a ver com isso.
Assim sendo, posso concluir que a tortura não seria uma solução, porque deixar
as pessoas morrer pela explosão da bomba e a respetiva violação do artigo 24º da CRP

18
Informação obtida em Justice: What's The Right Thing To Do? Episode 01 "THE MORAL SIDE OF
MURDER" obtido em https://www.youtube.com/watch?v=kBdfcR-8hEY&t=96s
não seria culpa minha. Assim sendo, devemos não torturar com a desculpa de que deixar
morrer não é a mesma coisa que matar.
É certo que a tortura é uma coisa desumana e que em nenhuma circunstância
deveria ser aplicada como meio de obtermos algo, pois nem sempre são os fins que
interessam, não podemos simplesmente ignorar os meios para obter um fim desejado, pois
esses meios podem não justificar esse fim.
No entanto, não consigo deixar de pensar que se o fizéssemos, iriamos acarretar
com uma culpa moral, uma sensação de que poderíamos fazer algo a respeito de todas as
mortes. Afinal porque é que uma pessoa que vai contra os direitos da humanidade, que
atenta contra a humanidade em si (falo especificamente no caso do terrorismo), tem o
direito de ser protegida pelos mesmos direitos que está a violar? No final sinto que iriamos
acabar por ser uma espécie de cúmplices, pois de uma maneira indireta deixamos com
que o artigo 24º fosse violado.
No que toca à prioridade dos artigos, com a ajuda dos exemplos anteriores
pudemos constatar que o que interessa para a sua utilização é a ação em si, devemos ver
qual deles devem ser aplicados de acordo com a situação, pois nenhum é superior a outro,
todos eles têm um valor prioritário.
No entanto, não consigo deixar de pensar que há um que deveria ser o prioritário.
Isto porque se formos um cadáver não somos abrangidos por qualquer direito, então há
um direito que nos faz ter acesso aos outros direitos, nomeadamente o direito à vida. Por
esta razão penso que este direito deveria prevalecer sobre os outros, porque afinal a vida,
para mim, é aquilo mais precioso que temos.
Em suma, penso que o artigo 25º da Constituição da República Portuguesa deveria
ter exceções, pois da maneira como está exposto coloca-nos em paradoxos morais
extremamente difíceis. Pois quando recorremos a exemplos hipotéticos (mas que não são
impossíveis) surge um problema que, para uns, tem uma solução e para outros tem outra.
A meu ver, nenhuma delas está correta, mas também nenhuma delas está errada.
Bibliografia

Canotilho, G. (2014). Constituição da República Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra


Editora.

Constituição da República Portuguesa (3ª ed.). (2016). Coimbra: Almedina.

Webgrafia

459/05.0TBMCD.S1. (25 de Junho de 2009). Obtido em 5 de Novembro de 2016, de


http://www.dgsi.pt/

(s.d.). Obtido em 22 de 02 de 2017, de https:


http://revistaliberdades.org.br/_upload/pdf/5/_historia.pdf

(s.d.). Obtido em 23 de 02 de 2017, de http://www.jn.pt/mundo/interior/trump-diz-que-


tortura-funciona-e-esta-disposto-a-aplica-la-5630332.html#ixzz4YF6YFE6Q

Código Civil (s.d.). Obtido em 5 de Novembro de 2016, de http://www.codigocivil.pt/

Codigo da Praxe. (s.d.). Obtido em 24 de 02 de 2017, de


https://www.uc.pt/informacaopara/visit/codigopraxe

Código Penal (s.d.). Obtido em 5 de Novembro de 2016, de http://www.codigopenal.pt/

Código do Trabalho (s.d.). Obtido em 5 de Novembro de 2016, de


http://www.codigodotrabalho.pt/

DGSI. (s.d.). Obtido em 24 de 02 de 2017, de


http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/38432871065fcc0c80
2575e70032ccad?OpenDocument

Diario de Noticias. (s.d.). Obtido em 24 de 02 de 2017, de


http://www.dn.pt/mundo/interior/guerra-ao-burkini-policia-de-nice-multa-por-
demasiada-roupa-na-praia-5354099.html

Frias, A. (s.d.). Ces. Obtido em 25 de 02 de 2017, de


http://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/artigos/66/RCCS66-081-116-
Anibal%20Frias.pdf
Léxico: dicionário de português online. (s.d.). Obtido em 23 de 02 de 2017, de
https://www.lexico.pt/racismo/

Observatório dos Direitos Humanos (Dezembro de 2010). Praxes Académicas. Obtido


em 4 de Novembro de 2016, de http://www.observatoriodireitoshumanos.net/

Strasbourg Observers. (s.d.). Obtido em 25 de 02 de 2017, de Gäfgen v. Germany: threat


of torture to save a life?: https://strasbourgobservers.com/2010/07/06/389/

Tribunal Constitucional (s.d.). Acórdão Nº 130/88. Obtido em 5 de Novembro de 2016,


de http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19880130.html

YouTube. (s.d.). Obtido em 26 de 02 de 2017, de Justice: What's The Right Thing To Do?
Episode 01 "THE MORAL SIDE OF MURDER":
https://www.youtube.com/watch?v=kBdfcR-8hEY&t=96s

Você também pode gostar