Quando se tratasse de crime privado, o transgressor era entregue à vítima e seus
familiares para que exercessem o direito de vingança, que assumia um autêntico dever de vingança de sangue. A compositio consistia, em geral, no dever de compensar o prejuízo sofrido com uma certa importância em pecunia, objetivando a supressão da vingança privada, que, em determinados casos, mais que um direito, era um dever da vítima ou de sua Sippe de vingar as ofensas recebidas. Essa política criminal germânica, em seus primórdios, representava uma verdadeira guerra familiar, evoluindo para um direito pessoal a partir do século IX, para, finalmente, em 1495, com o advento da Paz Territorial Eterna, ser definitivamente banida. Há uma apreciação meramente objetiva do comportamento humano, onde o que importa é o resultado causado, sem questionar se resultou de dolo ou culpa ou foi produto de caso fortuito, consagrando-se a máxima: o fato julga o homem. A composição representava um misto de ressarcimento e pena: parte destinava-se à vítima ou seus familiares, como indenização pelo crime, e parte era devida ao tribunal ou ao rei, simbolizando o preço da paz. Os povos germânicos também conheceram a vingança de sangue, “que somente em etapas mais avançadas, com o fortalecimento do poder estatal, foi sendo gradativamente substituída pela composição, voluntária, depois obrigatória”. Esse corpo legislativo, na verdade, representava apenas aformalização do direito costumeiro. O Direito era concebido como uma ordem de paz e a sua transgressão como ruptura da paz, pública ou privada, segundo a natureza do crime, privado ou público. As leis bárbaras definiam detalhadamente as formas, meios, tarifas e locais de pagamentos, segundo a qualidade das pessoas, idade, sexo, e ainda de acordo com a natureza da lesão. Só tardiamente o Direito Germânico acabou adotando a pena de talião, por influência do Direito Romano e do Cristianismo. Em relação ao aspecto procedimental, adotava-se um direito ordálico (provas de água fervendo, de ferro em brasa etc.). Consagra-se, desse modo, a vingança, hereditária e solidária, da família. Caracterizaram-se por um sistema de composição peculiar e cabalmente delineado, que se converteu na base de todo o seu ordenamento punitivo. O Direito Germânico primitivo não era composto de leis escritas, caracterizando-se como um Direito consuetudinário. Com a instalação da Monarquia, começa a extinção paulatina da vingança de sangue. Aos infratores insolventes, isto é, àqueles que não podiam pagar pelos seus crimes, eram aplicadas, em substituição, penas corporais. Mais tarde, por influência do Direito Romano, começa-se a exigir um vínculo psicológico. As leis bárbaras, que deram o perfil do Direito Germânico do século VI (500 d.C.), são as seguintes: A reação à perda da paz, por crime público, A responsabilidade objetiva também é característica do Direito Germânico. Direito Penal Canônico Sobre a influência do Direito Canônico nos princípios que orientaram a prisão moderna, afirma-se que as ideias de fraternidade, redenção e caridade da Igreja foram transladadas ao direito punitivo, procurando corrigir e reabilitar o delinquente. Seguindo a tradição canônica, na qual se fazia distinção entre pena vindicativa e pena medicinal, pode-se encontrar as iniciativas penitenciárias de Filippo Franci e as reflexões de Mabillon durante o século XVII, as realizações dos Papas Clemente XI e Clemente XII. O Direito Canônico — ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana — é formado pelo Corpus Juris Canonici, que resultou do Decretum Gratiani (1140), sucedido pelos decretos dos Pontífices Romanos (séc. XII), de Gregório IX (1234), de Bonifácio VIII (1298) e pelas Clementinas, de Clemente V (1313). Aos poucos, com a crescente influência da Igreja e consequente enfraquecimento do Estado, o Direito Canônico foi-se estendendo a religiosos e leigos, desde que os fatos tivessem conotação religiosa. Precisamente do vocábulo “penitência”, de estreita vinculação com o Direito Canônico, surgiram as palavras “penitenciário” e “penitenciária”. Pela primeira — em razão da pessoa — o religioso era julgado sempre por um tribunal da Igreja, qualquer que fosse o crime praticado; na segunda — em razão da matéria — a competência eclesiástica era fixada, ainda que o crime fosse cometido por um leigo. Eventualmente, sofriam punição eclesiástica com as poenae medicinales; c) delicta mixta — violavam as duas ordens (religiosa e laica) e eram julgados pelo tribunal que primeiro deles tivesse conhecimento. Essa influência veio completar-se com o predomínio que os conceitos teológico-morais tiveram, até o século XVIII, no Direito Penal, já que se considerava que o crime era um pecado contra as leis humanas e divinas. Os mais entusiastas manifestam que, nesse sentido, as conquistas alcançadas em plena Idade Média não têm logrado solidificar-se, ainda hoje, de forma definitiva, no direito secular. a) Delicta eclesiastica — ofendiam o direito divino, eram da competência dos tribunais eclesiásticos, e eram punidos com as poenitentiae; lesavam somente a ordem jurídica laica, eram julgados pelos tribunais do Estado e lhes correspondiam as sanções comuns. O Direito Canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias sobre a reforma do delinquente. Direito Penal Comum Justificado por esse regime injusto e cruel, assente sobre a iníqua desigualdade de punição para nobres e plebeus, e seu sistema repressivo, com a pena capital aplicada com monstruosa frequência e executada por meios brutais e atrozes, como a forca, a fogueira, a roda, o afogamento, a estrangulação, o arrastamento, o arrancamento das vísceras, o enterramento em vida, o esquartejamento; as torturas, em que a imaginação se exercitava na invenção dos meios mais engenhosos de fazer sofrer, multiplicar e prolongar o sofrimento; as mutilações, como as de pés, mãos, línguas, lábios, nariz, orelhas, castração. Com efeito, Aníbal Bruno destacava, com muita propriedade, que, “... nesse longo e sombrio período da história penal, o absolutismo do poder público, com a preocupação da defesa do príncipe e da religião, cujos interesses se confundiam, e que introduziu o critério da razão de Estado no Direito Penal, oarbítrio judiciário, praticamente sem limites, não só na determinação da pena, como ainda, muitas vezes, na definição dos crimes, criavam em volta da justiça punitiva uma atmosfera de incerteza, insegurança e justificado terror. Nesse período histórico, por influência dos glosadores e pós-glosadores, surgiram importantes diplomas legais que aspiravam alcançar o status de Direito comum, com o consequente fortalecimento do poder político entre os povos germânicos, especialmente a partir do século XII. Na Europa, o ius commune, afirma Delmas Marty, feito de costumes locais, de Direito Feudal, de Direito Romano, de Direito Canônico e de Direito Comercial, foi acompanhado nos séculos XII a XVI do nascimento dos Direitos Nacionais. Entre os mais importantes destacam-se a Constitutio Moguntina, de Frederico II (1235), e a Constitutio Criminalis Carolina (1532), de Carlos V, sobre a qual desenvolveu-se o Direito Penal medieval na Alemanha. E, nos séculos XVI, XVII e XVIII, as figuras de Hippolito de Marsilii; André Tiraqueau, autor de De Poenis Temperandis; Jean Imbert, autor de Pratique Judiciare; Julio Claro de Alexandria, autor de Practica Civilis et Criminalis; Covarrubias Leiva, autor de De Homicidio e De Poenis, cuja obra exerceu grande influência na Alemanha, entre outros. Outros diplomas legais, posteriormente, reforçaram o direito local, como o Codex Iuris Bavarici (1751), na Baviera, a Constitutio Criminalis Theresiana (1768), na Áustria. Na França, também a partir do início do século XIII, os diplomas legais se multiplicaram. Esse movimento de unificação das normas que deveriam ser aplicadas dentro dos nascentes Estados Nacionais não significou, contudo, a sistematização de um Direito justo. Já entre os pós-glosadores — mais preocupados com o Direito comum (generalis consuetudo) — cabe destacar Alberto Gandino, autor de Tratactus de Maleficiis; A importância da Carolina reside na atribuição definitiva do poder punitivo ao Estado, que, na época, apresentava-se profundamente enfraquecido, estabelecendo a denominada cláusula salvatória. Finalmente, a Revolução Francesa, com seu movimento reformador, foi o marco das lutas em prol da humanização do Direito Penal. Na Itália, nos séculos XIII, XV e XVIII, as Constituciones Sicilianas (1231), a Pragmatica Napolitana (séc. XV) e as Constituciones Piamontesas (1770), respectivamente, Accursio, autor da compilação Magna Glosa; Guido de Suzzara e Rolandino Romanciis, autores das primeiras obras de Direito Penal. Nessa época destacou-se o trabalho dos comentadores dos textos romanos à luz do Direito Canônico e do Direito local ou estatutário.
Sobre Os Limites e Fundamentos Do Direito de Punir Nos Crimes Econômicos: Breves Reflexões Históricas e Uma Perspectiva Punitiva para A Sociedade Contemporânea