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Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Direito Penal I

Aulas Práticas

Prof. Dr. Tiago Costa Andrade


Ano Letivo 2022/2023

Marisa Branco 1
Marisa Branco 2
FINS DAS PENAS CRIMINAIS

Qual o fim das penas é perguntar para que serve o direito penal — Porque é que o Estado inflige
sofrimento a uma pessoa com uma pena criminal?

Para responder a esta questão destacam-se dois grupos de teorias:

1. Teorias absolutas/ da retribuição/ da expiação

Para as teorias absolutas a conceção de pena criminal é o castigo, uma retribuição, é uma espécie de
justo pagamento do mal do crime praticado por um agente da sociedade — Contra um mal o Estado
reage com outro mal — o crime é uma espécie de mal que acontece na sociedade, então, quando o
Estado pune o infrator está a retribuir o mal que ele causou.

Ideia de retribuição da culpa. O agente é um ser livre, logo é um ser responsável, e se foi
responsável para cometer o crime também será responsável para cumprir a pena.

Contributos filosóficos que fundamentam estas teorias:

• Princípio Talião – “olho por olho, dente por dente”.


• Representações mitológicas
• Representações religiosas
• Idealismo alemão (Kant e Engel)

Mérito destas teorias:

O grande mérito destas teorias absolutas é o facto de ter dado uma relevância muito elevada ao
princípio da culpa. O princípio da culpa é o princípio segundo o qual não há pena sem culpa —
Nulla pena sine culpa — e a medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa. Só que para
os partidários das teorias absolutas, a culpa também é fundamento da pena.

Nulla pena sine culpa. A medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa do agente. A
culpa é pressuposta e limite da pena – é o que nos diz o princípio.

Para os defensores destas teorias, o princípio da culpa era mais do que limite e pressuposto da pena,
era também fundamento da pena.

Críticas:

• A verdade é que as teorias absolutas não são teorias de fins das penas – ao dizerem que as penas
são para castigar um certo crime e para nada mais, não há propriamente um fim de índole social
da pena, a pena não tem nenhum fim para além desse. Não se prossegue um fim heterógeno
socialmente relevante além do castigo da culpa do agente.

• Além disso, num Estado como o nosso, que se quer democrático, plural e laico, a intervenção do
estado não pode basear-se num castigo do pecado, ou seja, sancionar a culpa com culpa.

• São doutrinas puramente social negativas – no fundo são inimigas da socialização do agente, estas
doutrinas não querem saber do restabelecimento da paz jurídica da comunidade, querem pura e
simplesmente castigar, e, portanto, não estão ligadas ao fim do DP (a prevenção da prática de
crimes).

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2. Teorias relativas ou da prevenção

A ideia geral que reside nestas teorias é a de que a pena criminal é um mal que se impõe ao
agente do crime, é sofrimento que se infringe ao agente, mas é um mal que tem de ser usado com a
finalidade de prevenção criminal. Não se castiga pura e simplesmente e tão só o agente, a pena
serve para um fim específico – a prevenção da prática de crime. Por isso, dizemos que são teorias
utilitaristas - o Estado aplica uma pena para a utilizar para uma específica finalidade social.

Crítica geral:

Muito na esfera de Engel – se o estado usa a pena criminal que aplica a um determinado agente para
uma finalidade que não castigar a sua culpa, o estado está a utilizar a pessoa para um fim e, por isso,
está a violar a dignidade humana.

As teorias da prevenção respondem desta maneira:

Os defensores assumem que estas são teorias utilitaristas, a pena é um mal que utilizamos para uma
determinada finalidade, mas não é isso que fazem todos os instrumentos de controlo social?! É
preciso ter presente que, para o funcionamento da sociedade, cada pessoa tem que restringir ou
limitar uma parte dos seus direitos.

Toda a pessoa humana tem dignidade, a dignidade da pessoa humana é a fonte de todos os direitos
que são reconhecidos à pessoa, mas para se viver em sociedade é preciso restringir os nossos
direitos. Portanto, para os fins das penas, a plena dignidade da pessoa humana não interessa. A
dignidade é importante para a aplicação e execução das penas. O direito penal é um instrumento de
controlo social (é a maneira que encontramos para nos organizarmos enquanto sociedade).

As teorias de prevenção dividem-se em:

a) Teoria da prevenção geral

As penas servem para enviar uma mensagem para toda a comunidade (daí ser geral). O estado diz:
se cometemos um crime, vai-nos acontecer o mesmo que a quem cometeu um crime.

A prevenção geral pode ser negativa ou positiva:

- Negativa – está ligada à ideia de que essa mensagem que é enviada é uma mensagem de
intimidação, uma mensagem para toda a comunidade de que se cometerem um crime vão sofrer o
mesmo que aquele agente infrator está a sofrer.

- Positiva – é uma mensagem de confiança, i.e., confiança na validade das normas do estado. O
estado pune o agente e, com isso, envia a mensagem para toda a comunidade, em que realça que
as normas que o agente infringiu são para cumprir – as normas são válidas e eficazes, e sofrerão
consequências se as violarem.

Fundamentos filosóficos:

• Doutrina da coação psicológica – ideia de que a finalidade da pena é criar, aos potenciais
infratores, um contra-motivo suficientemente forte para não praticarem crimes — uma espécie de
coação psicológica.

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• Psicanálise – ideias segundo as quais se deve mostrar à comunidade que o crime tem mais
desvantagens do que vantagens. Basicamente, o crime não compensa..

Méritos:

O grande mérito é a sua ligação à função principal do DP — proteção/tutela de bens jurídicos —


evitar que bens jurídicos sejam violados pelas pessoas.

Os bens jurídicos são, por exemplo, a vida, a liberdade, o ambiente, autonomia intencional do
estado, etc. O direito penal visa proteger esses bens jurídicos das pessoas.

Crítica:

A principal crítica é a de que estas teorias violam a integridade da pessoa humana, como vimos
antes.

De certo modo, essas críticas procedem para a prevenção geral negativa – pois é muito difícil
determinar o montante de pena que é preciso para enviar uma mensagem eficaz de intimidação.

A prevenção geral negativa (tinha como pena a decapitação) tem como risco cair no DP do terror –
penas duras, longas cruéis etc. Se as penas fossem sempre a morte, a mensagem passava, mas eram
exagerados.

As críticas apresentadas não procedem para a prevenção geral positiva – as penas consubstanciadas
na prevenção geral positiva conseguem chegar a penas equilibradas e justas, adequadas à dignidade
da pessoa humana.

b) Teoria da prevenção especial

Se as teorias de prevenção geral visam enviar uma mensagem à sociedade, as teorias de prevenção
especial visam enviar uma mensagem ao agente do crime, ao infrator. Estão ligadas a uma ideia de
prevenção da reincidência.

Subdividem-se em prevenção especial:

- Negativa – visa a intimidação individual do agente do crime, preside a ideia de que a pena serve
para intimidar individualmente o agente do crime. E se aquele agente não for intimidável, então a
pena serve para o afastar da sociedade.

- Positiva – também se chama prevenção especial de socialização. Reintegração na sociedade.


Ideia de aplicar uma pena para que o agente volte a conduzir a sua vida, tenha condições para tal,
sem cometer crimes.

Estas teorias já conheceram alguns desenvolvimentos extremados:

- O modelo de forma interior – que no fundo pretendia que se isolasse o condenado, para que ele
se reformasse interiormente e reformasse os valores legais da sociedade;

- O modelo clínico - temos que agir medicamente para que ele não volte a cometer o crime. A
pessoa que cometeu crime é como um doente que tem de ser tratado, para não voltar a cometer
crimes.

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Contributo filosófico/sociológico:

- Vem da chamada escola correcionalista ibérica – a ideia de que todo o homem pela sua própria
natureza é suscetível de mudar e de ser corrigido.

- Sociologia positivista italiana e alemã:


Mérito:

A sua ligação íntima à função primordial do DP – proteção de bens jurídicos – porque o que se visa
com estas teorias é prevenir a reincidência dessas pessoas.

Críticas:

1. Quanto aos modelos extremados (modelo clínico e reforma interior) é óbvio que num estado laico
não existe legitimidade para o estado impor valores morais. Tal como o estado não tem legitimidade
para intervir clinicamente na esfera de ninguém – violaria a liberdade da pessoa e a sua
autodeterminação.

2. Critica-se também que a prevenção da reincidência não pode ser a finalidade única das penas
criminais, porque, se assim fosse, haveria situações em que a pena duraria “para sempre” - tanto
tempo quanto se antevisse que a pessoa iria praticar crimes.

P.e., casos de delinquente chamados de incorrigíveis: um pequeno burlão (engana as pessoas com
pequenas burlas). Se a prevenção fosse apenas prevenir a reincidência, a pena duraria para sempre –
porque se considerava que o agente nunca ia mudar a sua conduta, logo, a pena devia durar para
sempre.

3. Crítica dirigida especificamente contra a prevenção especial positiva:

Há agentes que não são suscetíveis à socialização, ou que não precisam de ser socializados.

P.e., um homem que ama muito a sua companheira e esta decide deixá-lo. Esse senhor, que sempre
conduziu a sua vida de acordo com o direito, era um cidadão exemplar, naquele momento ficou
desvairado, comete um crime e mata-a (crime passional). Esse senhor não precisa de ser
socializado, ele sempre ordenou a sua vida de acordo com o direito, mas houve um momento da sua
vida que, por circunstâncias internas de impossibilidade de processar emoções, praticou um crime –
ou seja, o senhor não precisa de ser socializado, mas a sociedade precisa de proteção deste senhor.
Ou seja, esta prevenção nem sempre funciona.

P.e., Os criminosos de colarinho branco não precisam de ser socializados, aí a pena serve para os
afastar da sociedade e não para os socializar e, nesses casos, é preciso a prevenção especial
negativa.

c) Teoria tributária das ideias de justiça restaurativa

Terceira via de fundamentação de penas criminais – concertação entre o agente e a vítima ou


doutrinas de reparação.

A reparação dos danos causados pelo crime à vítima pode ser uma fundamentação das penas
criminais – uma ideia que está numa conceção de justiça que é a justiça restaurativa.

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Não funciona. A vários tipos de crime para os quais a reparação não serve, só serve para crimes de
pequena e media gravidade. Como se repara os danos de terrorismo? Não dá para reparar as pessoas
já não estão cá.

Estas terceira via não é uma via legítima de fundamentação por algumas razões:

• A reparação não vale nem pode valer para determinados tipos de crime nem pode esgotar o
conteúdo sancionatório de vários tipos de crime. (p.e., um caso de furto de computador pode ser
resolvido com a devolução do computador ou a dar o dinheiro (serve para crimes que protegem
bens jurídicos individuais); contudo, outros crimes que tutelam bens jurídicos supra individuais,
como o ambiente, aí não serve.

• A reparação não tem uma resposta muito eficaz para a criminalidade grave. A resposta criminal
responde ao estado e não a vítima

• Ela pode servir dentro da geral positiva e especial positiva.

• Além disso, a ideia da reparação também transferia para a esfera de disponibilidade da vítima a
resposta penal. A resposta criminal pertence ao estado, logo quem tem direito de punir é o estado.

• No máximo a reparação pode ter algumas valias de prevenção geral positiva (se o agente é
obrigado a reparar os danos, isto manda uma mensagem de prevenção da reincidência) e negativa.

• Ou seja, apesar de não ser aceitável a reparação como fundamento autónoma das penas criminais,
há alguns afloramentos no nosso ordenamento jurídico que mostram que a reparação tem valor
quando associada à prevenção especial negativa e positiva.

P.e., um furto de um computador

Lei 21/2007- mediação entre o agente e a vítima

Técnicas de diversão penal – suspensão provisória do processo – inicia-se um processo criminal


contra uma determinada pessoa e, antes dela ser condenada (no final da investigação do ministério
publico) diz-se que a pessoa ou vai a julgamento ou repara os danos que causou com o crime, e o
processo fica por aí, não indo sequer a tribunal.

Tudo isto acima é em abstrato.

O SISTEMA PORTGUÊS:

Estas teorias só ganharam importância a partir do movimento de codificação. Antes da codificação


pena era considerada um instrumento de justiça divina.

O código visigótico, apesar de não ter vigorado em Portugal, teve uma grande influência no
território português. Destinava-se principalmente a combater as formas de justiça privada, de
vingança privada.

No entanto, o direito costumeiro tinha raízes muito fortes e muitas vezes desvirtuava. A partir do
código visigótico, começou-se a centralizar-se o poder de punir no estado endereçado pelo monarca
(século XIII). Houve um grande esforço da parte do monarca de elaborar leis.

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O zénite dessa elaboração legal resultou no primeiro código penal português de forma informal – as
ordenações afonsinas (Livro V). Já tinha disposições penais em pleno vigor em Portugal. Previa
crimes e penas. Penas variáveis e degradantes.

4 períodos fundamentais:

- Época das luzes até ao código penal de 1852


- Época liberal e Código Penal de 1886
- Estado corporativo – estado novo
- Pós institucionalização do Estado de direito.

1. Época das luzes até ao código penal de 1852

A época das luzes – marcado pela constituição de 1822. Traz princípios da proporcionalidade,
humanismo, cidade

Iluminismo penal visava limitar o poder do estado e separar o direito penal das suas origens
(religiosas)

O objetivo quanto ao DP era dissociá-lo das suas origens.

Com o património esta constituição, começou-se a preparar o código penal – veio a ser o código
penal de 1852, que veio por fim à vigência das ordenações.

Para este CP as penas tinham uma função de prevenção geral negativa, de intimidação.

2. Época liberal e Código Penal de 1886

Começou a ver uma grande influência da escola positivista ibérica (Levy Maria Jordão). Foi
nomeado para ser presente da revisão do Código penal de 1852, tendo como objetivos:

• Adoçamento substancial das penas (redução)

• Institucionalização do sistema penitenciário de Filadélfia (o recluso devia estar afastado da


sociedade e pensar naquilo que fez).

Foi instituída uma comissão para rever o código – a ideia era rever o código para adoçar
substancialmente as penas; para instituir o modelo penitenciário de Filadélfia (o recluso devia estar
a servir a pena sozinho para se reformar a si mesmo, reformar os seus valores, ou seja, estar
afastado para pensar bem no que fez); porque a escola correcionalista ibérica começou a ter muita
influência;

Essa comissão, o CP não foi para a frente. Foram aprovadas algumas leis avulsas – p.e., uma lei de
1867 que previa o fim da pena de morte e institucionalizou o modelo penitenciário de Filadélfia.
1 de julho 1867- abolição da pena de morte, e a pena de trabalhos forçados, depois disto institui-se o
modelo penitenciário de Filadélfia

Isto tudo leva à aprovação do código penal de 1886 com estas influências todas – tinha a coisa
portuguesa de prevenção geral negativa; a prevenção especial positiva e prevenção especial
negativa

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3. Estado corporativo – Estado novo

Em 1926 iniciou-se o estado corporativo. Apesar dos pressupostos antidemocráticos e anti-liberais


no direito penal não se fez sentir essas tendências. O direito penal continuou a ter uma pena de
retribuição.

4. Pós institucionalização do Estado de direito

Quase no final do estado novo, em 1963, o professor Eduardo Correia começou a preparar um novo
Código Penal – o projeto da parte geral é de 1963. Em 1963, o Professor Eduardo Correia ficou
encarregue de fazer um projeto de um código penal, apesar de ainda ter sido durante o estado novo
já era um código preparado para os valores democráticos e liberais. Onze anos depois dá-se o 25 de
abril.

Em 1982 foi aprovado o Código Penal que temos hoje (faz hoje 40 anos). Foi aprovado no
momento pós-revolucionário e daí não se comprometer com os fins das penas, porque era preciso
consenso no parlamento. O CP Português só se veio a comprometer com os fins das penas na
reforma de 1995:

- Artigo 40.º, n.º 1 do CP encontramos as finalidades das penas – quer isto dizer que nos
sustentamos por uma prevenção geral positiva e prevenção especial positiva.

- Artigo 40.º, n.º 2 – a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.


Sistema crimitivo português

1. Em Portugal as penas criminais só têm finalidades de prevenção: as penas criminais não visam a
retribuição.

2. O ponto de partida do nosso sistema crimitivo é a prevenção geral positiva – proteção de bens
jurídicos.

3. O ponto de chegada do nosso sistema crimitivo é a prevenção especial positiva – reintegração


do agente na sociedade. Só quando isto não é possível a pena terá uma prevenção especial
negativa (afastar o agente). O estado não castiga ninguém.

4. Tudo isto é temperado pelo princípio da culpa

Exemplo: Imaginamos que o juiz vai punir um senhor por uma pena sexual de 5 a 20 anos de
prisão. O juiz primeiro vai pegar na prevenção geral positiva e vai estabelecer um limite mínimo de
defesa do ordenamento jurídico, e ele acha que o mínimo são 7 anos e o máximo que é o ponto
ótimo de tutela de bens jurídico e esse ponto é 16 anos.

Desenha uma moldura de prevenção. E seguida através da prevenção especial positiva, o juiz pede
um relatório social ao arguido- serve para saber qual a vida social do arguido. Vai usar isso para
determinar as suas necessidades de socialização. Considera um valor de 12 anos. Entre o linear
mínimo e o ponto ótimo, a prevenção especial positiva considera que ele cumpre uma pena de
prisão de 12 anos.

A culpa é limite inultrapassável da pena. Vai olhar para o caso de o agente determinar a culpa
imaginemos que considera que é 10 anos.

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O estado só pode intervir na medida da culpa do agente

É este o exercício que, na teoria, um juiz tem de fazer para aplicar uma pena.

Se tivéssemos uma pena com finalidades retributivas dizíamos que a culpa seria o fundamento. A
culpa daria o quanto de pena, no fundo, desempenharia o papel que desempenha no nosso sistema a
prevenção especial positiva.

FINS DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

O nosso sistema punitivo tem 2 tipos de reações criminais:

- Penas
- Medidas de segurança
Qual a diferença entre elas?

- As penas pressupõem culpa, não há pena sem culpa —esta é pressuposto fundamental das penas.
- As medidas de segurança aplicam-se independentemente de culpa, vêm complementar o sistema
português.

As medidas de segurança aplicam-se em 2 casos:

1. A inimputáveis (incapazes de culpa)

A) Em razão de anomalia psíquica


B) Em razão da idade - Nota: Aqui chamadas de medidas tutelares educativas , não medidas de
segurança.

Aplicam-se também a imputáveis, quando se mostrem necessárias para fazer face à especial
perigosidade.

Para os imputáveis, o comportamento tem de ser típico, ilícito, culposo e tem de ser punível. Se
afirmarmos todos estes patamares, podemos punir.

No entanto, estas medidas aplicam-se, preferencialmente, a inimputáveis.

Pressupostos de aplicação das medidas de segurança:

1º Prática de um facto típico e ilícito;

2º Perigosidade do agente, avaliada de acordo com as circunstâncias do caso, personalidade, etc.

Fins das medidas de segurança:

As medidas de segurança articulam-se de maneira diferente das penas.

Temos o fim de prevenção especial, em princípio positiva (condições para a ressocialização), mas
também negativa (afastamento da sociedade durante determinado tempo).

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Há um caso em que estas finalidades se invertem, aqui, tão só se visa a prevenção especial
negativa — artigo 274º-A/2 CP — durante os meses de verão, tem a finalidade de afastar a pessoa
da sociedade, para que ela não volte a praticar crimes de incêndio florestal.

As medidas de segurança continuam a ter uma função de tutela de bens jurídicos, o Estado continua
a querer enviar uma mensagem à sociedade de que as suas normas são para cumprir e se não
cumprirem e forem perigosos, o Estado aplicar-lhes-á uma medida de segurança.

Nas penas a culpa era limite inultrapassável da pena, o princípio da culpa seria o princípio
fundamental de limitação estadual. No entanto, aqui não temos a culpa a limitar o Estado.

Como se limita a intervenção do Estado nas medidas de segurança?

1. Princípio da proteção de um interesse comunitário preponderante

As medidas de segurança apenas podem ser utilizadas para proteger um outro interesse maior
da comunidade.

2. Princípio da proporcionalidade

Monismo e Dualismo

O nosso sistema punitivo é monista ou dualista?

Depende do critério com o qual iremos responder à pergunta. Há 4 critérios possíveis:

1. Número de reações criminais:

O nosso sistema, de acordo com este critério, seria dualista. Temos tanto penas, como medidas de
segurança.

2. Medidas de Segurança podem ser aplicadas só a inimputáveis ou também a imputáveis:

O nosso sistema, de acordo com este critério, seria dualista, aplicam-se a ambos.

3. Medidas de Segurança privativas da liberdade podem ser aplicadas só a inimputáveis ou


também a imputáveis?

Aqui o nosso sistema seria monista, na medida em que o internamento só se aplica a inimputáveis.

Artigo 91º e ss CP.

4. Ao mesmo agente, pelo mesmo facto, podemos aplicar uma pena e uma medida de
segurança?

Aqui temos uma conceção monista, mas…

Temos de olhar para o artigo 83º e ss CP - Pena relativamente indeterminada:

Trata-se de um instituto, uma sanção criminal que se aplica a determinados agentes, que consiste
numa sanção em que o limite mínimo corresponde a 2/3 da pena que concretamente caberia ao
crime. O limite máximo é 2/3 mais 2, 4 ou 6 anos consoante os casos.
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O seu limite, no caso concreto, só será definido durante a duração da pena, vai-se dar uma
reavaliação da perigosidade do agente.

O problema tem que ver com a dificuldade de conjugar as duas reações criminais, porque temos o
receio de que o propósito ressocializador possa ficar esquecido. Assim, a resposta a esta pergunta
depende da maneira como classificarmos a pena relativamente indeterminada.

Dr. Eduardo Correia: entende que a pena relativamente indeterminada é uma pena, formalmente e
materialmente, pela culpa pela não formação correta da personalidade, aplica-se ao agente que
pratique um comportamento típico, ilícito, culposo e punível — como tal, entende que o nosso
sistema punitivo é monista.

Dr. Figueiredo Dias: entende que a pena relativamente indeterminada é formalmente pena, mas
materialmente é medida de segurança, trata-se de uma reação criminal quase que mista. Assim, diz
que o nosso sistema é tendencialmente monista ou monista prático.

CONCEITO MATERIAL DE CRIME

— O que é que pode e/ou deve ser crime no nosso sistema jurídico?

Requisitos para haver crime:

1. Perspetiva positivista legalista

É uma perspectiva agarrada à letra da lei, crime seria aquilo que o legislador dissesse que era crime.
Dava-nos o conceito formal de crime.

No entanto, esta perspetiva não nos dá o conceito material de crime, não encontramos um padrão
crítico do direito vigente.

2. Perspetiva sociológica

Crime seria tudo aquilo que em termos de objetividade e universalidade, à luz da realidade social de
determinada época, pudesse/devesse ser considerado como crime.

Crítica:

Esta perspetiva tenta superar o conceito formal de crime, mas tem 2 problemas:

- Trata-se de uma perspetiva demasiado ampla, não há segurança material para saber o que é ou
não materialmente crime;

- Permitia que um comportamento socialmente desvalioso tivesse automaticamente que ser


considerado crime. Ex.: mentir, comportamento grosseiro, desleal…

3. Perspetiva moral ou ético-social

Crime deveria ser qualquer violação de um dever fundamental ou essencial de ordem moral ou
ético-social.

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O grande mérito desta perspectiva é estar ligada a sentimentos profundamente enraizados na
comunidade - ideia de que pecados, vícios, etc, devem ser punidos.

Críticas:

- O estado não tem legitimidade, nem legitimação para castigar pecados, vícios ou aquilo que ache
que a ordem moral ou religiosa ou ética impõe, isto iria contra a liberdade de consciência de cada
um e contra o preceito constitucional do artigo 41º CRP.

- Além disso, as penas e medidas de segurança não são adequadas para fazer valer qualquer dever
moral ou ético, nem sequer os tribunais estão capacitados para fazer qualquer tipo de justiça
moral, ético ou religiosa.

- O direito penal é necessariamente fragmentário e lacunoso, ao contrário da ordem moral,


religioso ou ética que é completa.

- Num Estado laico, não é aceitável esta conceção.


Qual a perspetiva aceitável?

— Perspetiva teleológico-funcional e racional:

Teleológico-funcional: O conceito material de crime não pode ser procurado em qualquer forma
extra jurídica, tem de se procurar nos fins e na função do Direito penal.

Racional: O conceito material de crime há de estar sempre ligada à noção de que o direito penal
serve para proteger bens jurídicos dotados de dignidade penal. Sempre numa perspetiva de
última ratio, só intervém se mais nenhum ramo do direito servir para tutelar esses bens jurídicos.

1. Teoria do Bem jurídico:

É a expressão de um interesse da pessoa ou da comunidade, na proteção ou preservação de


determinado estado, interesse, bem, objeto, tido por socialmente relevante e, por isso, juridicamente
valioso.

Conceções que tentaram densificar este conceito:

1. Individualista liberal:

Bem jurídico corresponde sempre a um direito fundamental do indivíduo (vida, integridade física,
liberdade…)

2. Metodológica:

Procurava extrair das próprias normas penais o bem jurídico — um bem jurídico iria buscar-se nas
próprias normas.

Esta conceção não nos ajuda a ter uma maneira para controlar a atividade do legislador, não serve
como padrão crítico do direito constituído.

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3. A nossa conceção é uma conceção teleológico-funcional racional de bem jurídico penal:

Um bem jurídico tem de responder a 3 critérios:

- Tem de ser substanciável, material;


- Tem de servir de padrão crítico do direito vigente, não se pode encontrá-lo no direito penal
vigente, é transsistemático face ao DP;
- Deve ser político-criminalmente orientado: é às normas constitucionais que vamos buscar os
bens jurídicos - é intrassistemático no Direito Constitucional.

Entre o conceito de bem jurídico penal e a ordem constitucional há uma relação de mútua referência
- relação de sentido e de fins.

Direito penal clássico (do código penal) - protegeria Direitos, Liberdades e Garantias - e direito
penal secundário (legislação avulsa) - Direito Económicos, Sociais e Culturais.

O conceito material de crime, numa perspectiva teleológico-funcional racional tem de passar


sempre pelo princípio do Direito penal do bem jurídico, que resulta implicitamente do artigo 18º/
2 CRP e 40º/1 CP:

2 pressupostos a verificar: (senão o crime seria considerado inconstitucional)

1. Um crime tem sempre de proteger um bem jurídico dotado de dignidade penal;


2. Necessidade de pena

— Não há crime sem bem jurídico penal.

Casos duvidosos:

1. Crime de lenocínio (169º CP)

Que bem jurídico protege este crime?

O legislador tirou deste crime a expressão que era a única que dava sentido a este crime:
“explorando situações de abandono ou carência económica”. Hoje, basta que alguém favoreça a
actividade de prostituição, que, note-se, não é ilegal no estado português, para ser considerado
crime.

O legislador tirando essa referência destruiu esta norma do ponto de vista do Direito penal do bem
jurídico.

É por isso que a esmagadora da maioria da doutrina e o TC, em sede de fiscalização concreta da
constitucionalidade, veio dizer que o crime do lenocínio é materialmente inconstitucional, por
violação do direito penal do bem jurídico.

2. Crime de importunação sexual (art. 170º/1 CP)

Primeiras 2 modalidades do crime no preceito - onde está o bem jurídico com dignidade penal?

O direito penal só intervém em última ratio, é uma reação a algo grave, não serve para tutelar
interesses que não assumem um ponto tão alto como um bem jurídico com dignidade penal deve
assumir.
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2. Princípio da carência de tutela penal ou necessidade de pena

Há casos em que há bem jurídico, mas nem por isso tem de haver crime para o proteger:

1. O Direito Penal é um direito de tutela subsidiária, de última ratio, é o ultimo instrumento social a intervir
para resolver determinado problema. Assim, só vai haver legitimidade do intervenção penal, se mais nenhum
outro ramo do OJ for suficiente para o fim alvejado, se forem insuficiente para a proteção de determinado
bem jurídico.

O Direito Civil tem determinados institutos destinados a prevenir determinadas condutas; o Direito
Administrativo tem o seu arsenal de contra-ordenações, por exemplo. Se num determinado caso o Direito
Civil e o Direito Administrativo forem insuficiente, então, aí intervém o Direito Penal.

2. Dentro desta carência ele tutela penal está, também, a ideia de que o Direito Penal intervém quando não
criará mais problemas do que aquele que resolve, se as suas reações forem adequadas ao efeito
pretendido.

Exemplos:

• A proibição do comércio de bebidas alcoólicos nos EUA, na época da proihibition, impulsionaram o


financiamento de gangues e comercialização do mesmo no mercado negro.

• Quando procura punir o aborto causa mais problemas do que resolve, porque as mulheres vão continuar a
abortar, mas com menos condições higiénicas e de saúde.

3. Para além disso, o Direito Penal só deverá intervir quando seja eficaz para a prevenção de crimes.

Estas duas ideias de bem jurídico de dignidade penal e carência de tutela penal decorrem do artigo 18º/2
CRP.

Há uma relação de dependência do Direito Penal face ao Direito constitucional, quanto à sua
legitimação, mas isso não quer dizer que a CRP imponha que o legislador ordinário criminalize
determinadas condutas, o que ela faz é dar-nos o rol de bens jurídicos e, depois, o legislador decide se os
consegue proteger através de determinados instrumentos de controlo social ou, se não conseguir, criando um
crime para os proteger — não há imposição de criminalização na CRP.

Destes 2 princípios jurídico-constitucionais/penais decorre um princípio politico-criminal — princípio da


não intervenção moderada:

Segundo este, o Estado para ser eficaz na prevenção do fenómeno criminal, deve intervir o menos possível
através do Direito Penal, e só deve intervir na estrita medida do que for necessário para assegurar as
condições essenciais de funcionamento da sociedade.

Portanto, do conceito material de crime devem sair todas as condutas que não violem um bem jurídico
penal e aquelas que, violando o bem, não tenham carência de tutela penal, sendo que o Estado só deve
iniciar o processo de neocriminalização, quando haja fenómenos sociais novos lesivos de bens
jurídicos ou não novos, mas que antes não tinham relevância e vieram a ganhá-la e que precisem de
ser prevenidos através do direito penal. O processo político de criação do crime é sério, vinculado por
estes princípios, sob pena de inconstitucionalidade.

Crise do direito penal do bem jurídico (resumidamente)

Ideia de que o DP, tradicionalmente, protegia os bens jurídicos estritamente ligados à individualidade da
pessoa humana (vida, integridade física, património…). Hoje, na sociedade de risco, há outros valores
socialmente relevantes — A existência destes (ambiente, autonomia intencional do Estado, o património

Marisa Branco 15
fiscal…) não põe em causa o DP do bem jurídico?

O Dr. Figueiredo Dias diz que mesmo tendo presentes estes bens jurídicos ligados a comunidade no seu todo
e não ao indivíduo, ainda faz sentido falar no DP do bem jurídico, porque estes interesses continuam a ser
bens jurídicos, apesar de serem bens supra-individuais, dizem respeito a toda a Comunidade.

Autonomia do Direito penal (abordado apenas nas aulas teóricas)

O Dr. Figueiredo Dias explica porque é que o DP se diferencia de outros ramos do direito, e que há
princípios que se aplicam ao DP e a outros ramos.

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE CRIMINAL


Até agora vimos a imposição do princípio do Estado de Direito na proteção, através do DP, de
determinados Direitos Liberdades e Garantias ou Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

O mesmo princípio impõe que os mesmos direitos dos cidadãos sejam protegidos do Direito penal, estes
têm de ser protegidos da intervenção penal do Estado, que pode ser arbitrária e excessiva. Assim, existe
proclamado na CRP o princípio da legalidade criminal — artigo 29º/1/3 CRP + artigo 1º Código penal.

Não há crime, nem há pena sem lei. Que lei?

• Prévia;
• Escrita;
• Estrita;
• Certa.

Houve várias manifestações deste princípio — É um princípio sedimentado ao longo da história e que
também já sofreu vários entorses ao longo da história:

1º Magna Carta;
2º Bill of rights;
3º Primeiras constituições dos Estados americanos da Virgínia e Maryland;
4º Declaração universal dos direitos do Homem;
(…)

Sem o princípio da legalidade não conseguimos saber o que é ou não crime, quando podemos ser punidos ou
não pelo Estado.

No artigo 29º/2 CRP parece haver uma pequena entorse ao principio:

“O disposto no número anterior não impede a punição, nos limites da lei interna, por acção ou omissão que
no momento da sua prática seja considerada criminosa segundo os princípios gerais de direito
internacional comummente reconhecidos”

Mesmo que não haja lei que declare determinado comportamento como crime, se ele violar os princípios
gerais de Direito Internacional comum, então, pode haver punição criminal. Esta norma cria um problema
interessante:

- A CRP inclui o princípio da legalidade, mas aqui já se faz apelo aos princípios gerais do DI, que são
poucos determináveis.

- No entanto, esta questão não tem grande relevância, porque o Estado português criminaliza praticamente
todas as violações do direito internacional comum e é membro de organizações internacionais, assina

Marisa Branco 16
acordos internacionais — é um estado ocidental, a sua lei penal já prevê todo esse tipo de condutas que
possam ofender princípios de direito internacional comum.

Fundamentos do princípio da legalidade criminal:

O fundamento genérico é a ideia de proteger os cidadãos da intervenção arbitrária e excessiva do


Estado.

Sistematizando:

O princípio da legalidade tem fundamentos externos e internos:

• Externos: São aqueles que não se encontram no direito penal, encontramos na teoria do Estado (Direito
Constitucional)

- Princípio liberal: Impõe que o Estado só possa intervir na esfera jurídica dos cidadãos, nos seus direitos
liberdades e garantias se for legitimado por uma lei geral e abstrata.

- Princípio democrático e da separação de poderes: Impõe que, para que o Estado exerça o seu direito,
seja preciso que para tal esteja legitimado pela instância que representa a vontade do povo (o parlamento).

• Internos: São aqueles intra-sistemáticos face ao Direito penal.

- Prevenção geral positiva: Só se estiver definido em lei e com ameaça de punição consagrada no caso a
sua violação é que é possível enviar uma mensagem à comunidade, com o conteúdo de não cometer
crimes, senão o Estado faz valer as suas normas.

- Princípio da culpa: A culpa trata-se de um juízo de censura, o Estado só pode dirigi-lo ao cidadão que
violou determinada norma penal e apenas se o agente conhecesse a proibição criminal (ou seja, tem de
estar em lei).

- Prevenção especial positiva: O comportamento indiciado na lei como sendo crime não revela só uma
carência de socialização, mas é também limite dessa intervenção estadual de defesa social.

Dimensões do princípio da legalidade criminal:

1. Não há crime sem lei:

A ideia é a de que, por mais nocivo que seja o comportamento, por mais socialmente desvalioso, o
legislador tem de o prever em lei, definir os seus pressupostos e consequências, para que haja realmente
crime — qualquer lacuna, qualquer deficiência de regulamentação corre a favor do agente, da liberdade.

Pode argumentar-se que isto é vantajoso para quem tem mais competência de ação (mais possibilidades
financeiras), mas, em primeiro lugar, criminosos são só aqueles que são condenados por uma sentença
transitado em julgado e, por outro lado, é um preço a pagar pelo Estado de direito liberal democrático, que
quer limitar a sua própria intervenção penal.

2. Não há pena sem lei: art. 29º/3 CRP

Esta nulla penae tem de ser lida como: não pode haver sanção criminal sem lei e o juiz não pode inventar/
criar por sua iniciativa sanções criminais para aplicar ao caso concreto, que não estejam as previstas em lei
para aquele crime, mesmo que, do ponto de vista político criminal, fosse algo que fizesse sentido.

Marisa Branco 17
Planos de análise do princípio da legalidade:

1. Plano do seu âmbito de aplicação e extensão


2. Plano da fonte
3. Plano da determinabilidade
4. Proibição da analogia
5. Proibição da retroatividade

1. Âmbito de aplicação e extensão

O princípio da legalidade criminal só se aplica para impedir a fundamentação ou agravação da


responsabilidade criminal de uma pessoa. Assim, não se aplica à atenuação ou exclusão da
responsabilidade criminal:

Este serve para impedir uma intervenção penal arbitrária e excessiva e esta só existe quando o Estado queira
punir uma pessoa ou agravar a sua responsabilidade criminal. Assim, o que tem de estar previsto em lei são
elementos de fundamentação da responsabilidade (ilicitude e culpa) e de agravação da responsabilidade.

Se o Estado quiser atenuar ou excluir a responsabilidade de um agente, pode fazê-lo mesmo que essa não
esteja prevista em lei.

2. Plano da fonte

No fundo, trata-se do regime dos crimes e das razões criminais ter de estar previsto em lei da
Assembleia da República ou Decreto-lei autorizado. O governo, por sua própria iniciativa, não pode criar
crimes — Decorre isto do artigo 165º/1/c) CRP.

Este plano traz dois temas interessantes a tratar:

a) Se o princípio da legalidade criminal funciona só no sentido de impedir fundamentação e agravação da


responsabilidade criminal que não esteja prevista em lei, então, se fosse para descriminalizar ou
atenuar responsabilidade criminal, faria sentido que o Governo, sem autorização da AR, pudesse
descriminalizar.

O TC já se pronunciou e disse que seria inconstitucional uma descriminalização por parte do governo
sem autorização da AR, o governo não pode descriminalizar. O fundamento da sua decisão era o próprio
principio da legalidade criminal — A posição do curso é a de que o TC invocou um princípio que não se
aplica aqui, não faz sentido, pois contradiz a sua própria decisão. Faria mais sentido fundamentar com o
princípio da separação de poderes.

b) Tema das normas penais em branco: trata-se de uma norma penal, um crime que, para densificar um
comportamento criminalmente relevante, remete para outro instrumento normativo, outra lei, ou ato
administrativo.

Ex.: artigo 279º/1 CP - o crime de poluição não nos diz exatamente que conduta é crime.

O problema não é de constitucionalidade, se for facilmente ou objetivamente identificável a norma


para qual a lei remete (a remissão tem de ter um certo nível de especificação - pelo menos identificar
qual a norma concreta para que remete), desde que essa lei seja da Assembleia da República ou do
Governo, por decreto-lei autorizado.

3. Plano da determinabilidade

Exige-se que a descrição das condutas proibidas, a fronteira do que é ou não punível tem de ser
objetivamente identificável. O legislador, quando cria um crime, tem de descrever a conduta típica da
melhor forma possível.
Marisa Branco 18
É inevitável que o legislador tenha de usar conceitos indeterminados, que use cláusulas gerais, que faça
apelo a elementos normativos, mas é indispensável que o uso desses conceitos/clausulas não obste a que
os destinatários da norma saibam o que é ou não proibido.

Exemplos:

- O crime de burla exige que se engane outra pessoa de uma forma astuciosa e se crie prejuízo patrimonial
para outra pessoa. O que é astucioso? A doutrina diz que isto nos remete para a boa-fé: a boa fé como
conceito maleável, indeterminado, chega para determinar qual o engano que deve ser típico ou não?;

- ou quando a lei se refere ao requisito dos bons costumes para a validade do consentimento — o que são
bons costumes?

Assim, qual o critério decisivo para saber se há ou não determinabilidade?

Saber se, apesar da indeterminação inevitável, do conjunto da regulação típica conseguimos extrair um
fim, uma área de tutela daquele crime: Se os destinatários da norma conseguir perceber o que é que aquilo
proíbe ou não, então alcançou-se a determinabilidade.

4. Proibição da analogia

Analogia legis: Solucionar um caso não previsto na lei, através de um elemento de semelhança, previsto na
lei. Esta é permitida em vários ramos do direito para integração de lacunas e interpretação da lei.

Em direito penal, a analogia não é permitida, sempre que essa resulte numa agravação ou fundamentação da
responsabilidade criminal do agente (artigo 13º CP). A analogia só funciona a favor da liberdade, só há
analogia para atenuar ou excluir responsabilidade criminal do agente.

Para resolvermos um problema de analogia em Direito Penal, temos de saber o que é interpretação permitida
e analogia permitida. Onde estabelecemos a fronteira entre a interpretação proibida e a analogia proibida?

• O legislador usa palavras para se exprimir, palavras essas que podem ter mais do que um significado e
sempre que o interprete/ o aplicador do direito se mantiver dentro do sentido comum e literal das palavras,
está dentro da interpretação permitida e sempre que se afastar dele, está a incorrer em analogia proibida.

APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO— PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO


DA RETROATIVIDADE
Encontra-se no artigo 29º/1 e 3 CRP.

Só pode ser punido um agente que tenha atuado de acordo com uma conduta considerada crime por lei, antes
da prática do facto.

Para que se possa punir criminalmente um agente, a proibição da conduta já tem de estar prevista em lei,
antes da prática do mesmo. Se depois da prática do facto entra em vigor uma lei nova menos favorável ao
agente, essa lei não será aplicável e, quando um agente pratica determinado facto que não é crime no
momento, mas depois uma lei nova passa a criminalizá-lo, essa lei não será aplicável ao agente.

O Dr. Pedro Caeiro tem um artigo onde se debruça sobre este tema:

No fundo, diz que este princípio da proibição da retroatividade não é um verdadeiro princípio geral de
competência temporal da lei penal, o princípio que aqui se aplica é o principio da não transconexão ou da
não transatividade:

Marisa Branco 19
- Este principio é o princípio segundo o qual uma lei só se pode aplicar a factos que com ela tenham uma
determinada conexão. Para o Dr. Caeiro o que importa é ter presente que este princípio é o que se aplica ao
tema da aplicação da lei penal no tempo. A especificidade do Direito Penal é que depois funcionam outros
princípios:

- Princípio da não retroatividade, cujo fundamento é político jurídico: Proteger os Direitos Liberdades e
Garantias dos cidadãos contra o arbítrio do Estado;
- Princípio da aplicação da lei penal mais favorável, cujo fundamento é político criminal: se com uma lei
nova o legislador cria um regime penal mais favorável, é porque não existem exigências de prevenção que
justifiquem que se aplique a lei penal antiga mais severa.

Assim…

Dr. Figueiredo Dias:

O Princípio da aplicação da lei penal no tempo é o da não retroatividade.

Dr. Caeiro:

O princípio geral da aplicação da lei penal no tempo é o princípio da não transconexão e este faz com que o
princípio da não retroatividade e o princípio da lei penal mais favorável temperem este princípio.

Artigo 3º Código penal — momento da prática do facto:

Critério da ação: Considera-se praticado o facto no momento em que o agente atuou ou, no caso de omissão,
devia ter atuado. O resultado do crime não releva para este.

Ex.: A dispara um tiro para B. Esse é o momento da prática do facto, não interessa se B morreu na hora ou 2
semanas depois.

Se assim não fosse, estaria aberta a porta à intervenção penal abusiva ou excessiva do Estado — se
tivéssemos apenas o critério do resultado, teríamos problemas para a proteção dos DLG das pessoas.

Qual o âmbito de aplicação do princípio da proibição da retroatividade?

Este princípio só proíbe a aplicação da lei contra o agente. Se uma lei nova que entra em vigor depois de o
agente ter atuado, não se irá aplicar.

O que acontece quando tratamos de um crime duradouro?

Figueiredo Dias: Qualquer agravação da lei que ocorra antes do término da consumação só pode valer para
os elementos típicos do crime verificados após o momento da edificação legislativa.

Exemplo: Art. 158º CP - sequestro

Dr. Caeiro: Nestes casos, há um desvio ao princípio da não transconexão, a lei antiga é chamada a regular
factos cuja realização persista após o termo da sua vigência e ou a lei nova é chamada a regular factos cuja
realização começou antes da sua vigência.

Como se resolve?

De acordo com o princípio da não transconexão, a regra geral é que a lei posterior derroga a lei anterior e
aplica-se, porque mantém com o crime duradouro contacto (conexão).

O Dr. Caeiro diz que se aplica a lei posterior, exceto se houver um problema de retroatividade menos
favorável.
Marisa Branco 20
Casos exemplificativos:

1.

A lei 1 era mais favorável ao agente. O agente A inicia o sequestro e, entretanto, entra em vigor a lei 2 que é
menos favorável.

Aqui aplica-se a lei geral da não transconexão — a lei nova (2) derroga a primeira (1).

2.

Imagina que se trata de um crime de roubo (que implica violência e subtração do bem). Está em vigor a lei
antiga 1 e o agente exerce violência sobre alguém. Entretanto entra em vigor a lei nova menos favorável e o
agente só vem tirar os bens da vítima depois.

L1 —agente exerce violência — L2 menos favorável entra em vigor —subtração dos bens

Aplica-se a lei 1 mais favorável, não a lei nova, porque esta não pode retroagir ao momento da violência, não
é um crime que se consuma ao longo do tempo, temos 2 elementos típicos, a lei 2 não pode querer regular a
violência que ocorreu antes de entrar em vigor. — exceção ao princípio da não transconexão.

3.

Tanto no caso 1 como no 2, imagine-se que a lei nova é mais favorável.

Esta lei nova vai-se aplicar, trata-se da regra geral, princípio da não transconexão.

Nota: No caso prático temos sempre de ver se a lei nova é mais favorável ou menos favorável.

Relativamente às medidas de segurança:

• Doutrina maioritária:

Quanto as medidas de segurança, quando há um facto típico ilícito a que é aplicável uma medida de
segurança, também se aplicam os mesmos princípios acima descritos, uma vez que as medidas de segurança
continuam a ser restrições de Direitos, liberdades e garantias e, por isso, não faz sentido que não valha o
mesmo raciocínio.

• Doutrina da Dr. MJ Antunes:

À pratica do facto ilícito típico vale a lei vigente no momento da prática do facto.

A pratica do facto ilícito típico é feita ao abrigo da lei 1; entretanto entra em vigor Lei 2 menos favorável e o
agente é julgado posteriormente, quando se faz o juízo da perigosidade.

Quanto a este juízo, aplica-se a lei vigente no momento desse juízo, mesmo que menos favorável. Se há uma
lei nova menos favorável, essa lei nova tem em vista a prevenção especial positiva ou negativa e, portanto,
será sempre a que melhor se aplica ao juízo de perigosidade — A perigosidade pode ser regulada pela lei
nova menos favorável.

Relativamente à corrente jurisprudencial estabilizada:

O entendimento dos tribunais tem sido num certo sentido e o agente pratica o facto pensado que se aplicaria
determinada jurisprudência, mas, depois, esta mudou em sentido menos favorável.

Marisa Branco 21
A jurisprudência não é lei, de acordo com o princípio da legalidade criminal não há um problema de
retroação de lei, se uma jurisprudência nova menos favorável retroagir à pratica do facto.

No entanto, mesmo não se aplicando o princípio da legalidade criminal, o agente atuou com base num certo
estado de coisas que veio a mudar - há uma certa de frustração das expectativas. (A jurisprudência tem uma
publicidade semelhante às leis)

De acordo com o princípio da legalidade criminal não há problema, no entanto há esta frustração das
expectativas.

Exige-se que os tribunais sejam extremamente cuidadoso e exigentes quando há uma mudança na corrente
jurisprudencial. O tribunal que vai julgar mudando a jurisprudencia deve ser extremamente cuidadoso na
aplicação dessa nova jurisprudencia porque a pessoa achava que a maneira que se comportou era susceptível
de não ser crime de acordo com a jurisprudencia anterior, mas esta muda e frusta as suas expectativas, o que
pode implicar que o agente não tenha consciência da ilicitude (o que pode ser uma causa de exclusão da
culpa - artigo 17º CP).

A proibição da retroatividade funciona relativamente aos pressupostos de punição?

Caso exemplificativo:

Prescrição do procedimento criminal: o espaço de tempo em que depois da pratica o crime ainda pode ser
punido.

Se uma lei nova menos favorável vier regular a prescrição, num sentido menos favorável ao agente
(aumentando o prazo de prescrição). Qual lei se aplica?

O princípio da proibição da retroactividade também vale aqui, a lei nova não se pode aplicar a um crime que
já foi praticado e o prazo de prescrição era menor.

Aplicação da lei penal mais favorável:

É a consequência mais importante do princípio da proibição da retroatividade, ainda que seja autónomo do
mesmo — É autónomo porque decorre do princípio da necessidade.

Este encontra-se na CRP, no artigo 29º/4, 2ª parte e no Código penal, artigo 2º/4.

a) Hipóteses de descriminalização:

Lei antiga que diz que o facto x é crime, o agente pratica o crime e a lei 2 vem dizer que este já não é crime,
ela descriminaliza o facto que o agente praticou.

Artigo 2º/2 CP: “O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei
nova o eliminar do número das infracções; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em
julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais.”

Se a lei posterior a prática do facto deixa de considerar como crime, é essa a aplicada.

Esta eficácia do princípio da lei penal mais favorável é tão forte que se impõe mesmo quanto à execução da
pena e seus efeitos, mesmo no caso da sentença condenatória já ter transitado em julgado — porquê?

Se o legislador em determinado momento histórico decidiu que aquele comportamento já não era crime, qual
seria o sentido da pessoa estar a cumprir pena por algo que já não é crime, respondia a que exigências de
prevenção?

Ainda dentro desta hipótese:


Marisa Branco 22
Lei 1, agente pratica crime, e vem a lei 2 vem dizer que já não é crime, mas contra-ordenação.

A doutrina diverge:

Dr. Caeiro e jurisprudência dominante: Se a lei dizia que é crime e a lei diz que é CO, o agente não deve ser
punido, o DCO é autónomo face ao direito criminal e visa fins diferentes. Quando o agente é julgado, no
momento do julgamento, o comportamento já não é crime, mas quando se comportou ainda não é contra-
ordenação, há com que um vácuo de punibilidade - não deve ser punido ao abrigo da autonomia material do
direito das contra ordenações.

Dr. Figueiredo Dias: é verdade que o DCO é autónomo face ao direito penal, ainda assim, no momento da
prática do facto, o sujeito sabia que ia ser punido, não se frustram aqui expectativas e vai sê-lo, apenas não
como crime, como contra ordenação. Se assim não fosse, criavam-se algumas lacunas de punibilidade.

Imagine-se que a lei 1 diz que quem conduzir com 1,2 g de álcool por litro de sangue pratica um
crime. A lei 2 diz que a partir de 0.8 já é crime e abaixo é contraordenação. Mais tarde, com a lei 3
volta ao sistema da lei 1.

Se o agente atua depois da lei 2 e antes da lei 3, com 1 grama por litro de álcool no sangue — quid
iuris?

1 grama será contra ordenação de acordo com a lei 2. Se assim não for, haverá um lacuna de
punibilidade, pois ele não será punido.

b) Hipótese de atenuação da consequência jurídica:

Artigo 2º/4 CP: “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem
diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar
mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e
os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena
prevista na lei posterior.”

Se uma lei posterior atenua a consequência jurídica que aplica ao crime, aplica-se a lei mais favorável, a
lei retroage ao momento da prática do facto, ainda que tenha havido transito em julgado numa condenação.

No código de processo penal o artigo 371º-A encontra um instituto chamado a reabertura da audiência de
julgamento para aplicação da lei penal mais favorável.

c) Hipóteses de leis intermédias:

Lei que entra em vigor posteriormente a pratica do facto, mas que já não vigora ao tempo do julgamento.

Lei 1 — facto — lei 2 (+ favorável) — lei 3 — julgamento

A lei 2 é uma lei intermédia

Esta hipótese está coberta pelo artigo 2º/4 CP — Aplica-se a lei mais favorável das 3, a lei 2, pois o agente
nesse momento ganha uma expectativa jurídica que não pode perder com a lei nova menos favorável.

d) Hipótese das leis de emergência/temporárias

Exceção ao princípio da lei penal mais favorável.

Falamos de leis que o legislador cria para responder a determinada necessidade social e para vigorarem
durante um tempo determinado. Por exemplo, leis do tempo do covid, leis de tempos de guerra, (…)

Marisa Branco 23
Lei 1 — facto de deserção — lei 2 menos favorável (entra-se numa guerra) — julgamento

Não se aplica a lei menos favorável.

Lei 1 — lei 2 menos favorável — facto — volta a lei 1 — julgamento

O agente é punido pela lei menos favorável - exceção ao principio da lei penal mais favorável

Se pratica um facto no momento em que está em vigor a lei temporária menos favorável, o agente é punido
por esta, mesmo que o julgamento se dê quando esta já não estiver em vigor novamente.

APLICAÇÃO DA LEI PENAL DO ESPAÇO


A pergunta a que queremos responder é se a lei penal portuguesa se aplica ou não, se o Estado português
pode punir ou não.

O sistema de aplicação da lei penal no espaço em Portugal está organizado da seguinte forma:

Há um princípio base e vários princípios complementares:

Princípio base:

Territorialidade: o Estado português aplica a sua lei penal, pode punir os factos praticados no seu território,
independentemente da nacionalidade do agente e da vítima.

No entanto, esta princípio não chega, se só tivéssemos este princípio, poderíamos ter várias lacunas de
punibilidade.

Princípios complementares:

1. Princípio da nacionalidade

Portugal pode punir factos cometidos no estrangeiro, desde que praticados por um português ou um
estrangeiro contra um português

2. Princípio da defesa dos interesses nacionais

Preside a ideia de que há determinados interesses fundamentais para o Estado português contra o quais
praticado determinados factos criminalmente relevantes que Portugal pode punir, mesmo que praticado por
estrangeiro ou não estrangeiro.

3. Princípio da universalidade

Defesa dos interesses internacionais— quer-se que o Estado português aplique a sua lei penal a factos que
ponham em causa bens jurídicos internacionalmente reconhecidos como fundamentais, ou que o Estado se
tenha comprometido a proteger por convenção internacional.

4. Princípio da aplicação supletiva da lei penal/administração supletiva da justiça

Quer-se que Portugal possa punir determinados casos que não se encontrem sujeitos aos outros princípios,
mas que o deva fazer em casos em não pode conceder extradição.

Marisa Branco 24
A. Territorialidade

Art. 4º/a) CP

Este é o princípio base— qual a ratio?

- Razão de ordem de política estadual: este princípio consegue a maior harmonia internacional possível,
pois também garante a menor ingerência dos Estados em assuntos que dizem respeito a outros Estados. Se
todos adotassem este princípio, teríamos a política criminal mais eficiente e eficaz possível.

- Razão de política criminal:

- do ponto de vista substantivo: é no lugar onde o facto foi praticado que se sentem as maiores
exigências de prevenção, que o Estado tem de afirmar com mais força a validade das suas normas.

- do ponto de vista processual: é no Estado onde o facto foi praticado que é mais fácil investigar, fazer a
prova e, assim, ter uma decisão mais justa

Qual o critério da determinação do lugar da prática do facto?

Artigo 7º CP

Critério da conduta e critério do resultado — trata-se de um critério misto: Vale o sítio da conduta e o
lugar do resultado — porquê?

• Imagine-se que, em Portugal, A dispara sobre B. B é sujeito a tratamento em Espanha e vem a morrer lá. O
lugar da conduta foi Portugal, o lugar da morte foi Espanha. Se Portugal tivesse apenas o critério do
resultado e Espanha apenas o da conduta, onde seria punido A? Haveria uma lacuna de punibilidade.

Parte final do artigo 7º: “resultado não compreendido no tipo de crime”:

Normalmente, o resultado típico está compreendido no tipo de crime. No entanto, há casos em que o
resultado não está compreendido no tipo de crime.

É o caso dos crimes tipicamente formais, mas substancialmente materiais:

Ex. 1: Fraude na obtenção de crédito: atinge a consumação típica, mesmo que o resultado que pressupõe não
se verifique — comete o crime no momento da fraude, não precisa do resultado de obtenção de crédito. Este
resultado também pode ser utilizado para efeitos de determinação do lugar do crime.

Ex. 2: Crimes de empreendimento: crimes que, embora pressuponham um resultado que transcende a
factualidade típica, consumam-se no momento da tentativa

Ex. 3: Crimes agravados pelo resultado: crime de violência doméstica, agravado pela morte da vítima. Este
resultado, embora não compreendido no tipo de crime, pode servir para determinar o local da prática do
facto.

Ex. 4: Condições objetivas de punibilidade: determinados crimes que precisam que se ative determinada
condição para serem puníveis. Por exemplo, alguém que se põe num estado de embriaguez para praticar um
crime. Se um senhor em Espanha, num bar se intoxica para cometer um crime em Portugal, a condição
objetiva de punibilidade é resultado não compreendido no tipo de crime, mas serve para efeitos de
determinação do lugar.

Art. 7º/2 CP: No caso de tentativa, o facto considera-se igualmente praticado no lugar em que, de acordo
com a representação do agente, o resultado se deveria ter produzido.

Marisa Branco 25
Este artigo é um pouco criticado pela doutrina. Do ponto de vista prático, estes casos em que se determina o
lugar pela prática do facto pelo lugar em que o agente pensava praticá-lo, não fariam sentido, pois o
resultado não ocorreu nesse mesmo sítio. O agente já seria punido de acordo com os outros princípios.

Dificuldades do uso desse critério do 7º/1 CP:

- Quando queremos punir de acordo com o critério do resultado, é difícil aceder a uma pluralidade de
pessoas que já pode estar noutro Estado;
- Se o resultado se tiver verificado no estrangeiro, pode dar-se o caso de, se o facto não é punível pela lei do
país estrangeiro, a competência da lei portuguesa ser questionável.

Notas:

• É território português uma aeronave/navio que tenha uma bandeira portuguesa (art. 4º/b) CP) - critério do
pavilhão.

• Lei dos atos ilícitos praticados a bordo de aeronaves civis — DL 254/2003

Art. 3º e 4º: Serve para que não haja lacunas de punibilidade quando crimes forem praticados a bordo de
aeronaves sem bandeira.

B. Princípio da nacionalidade

O crime foi cometido fora de Portugal.

Este pode ser visto de um ponto de vista ativo e passivo:

• Ativo: o agente que cometeu o crime é português

• Passivo: a pessoa contra a qual foi cometido o crime é portuguesa

Fundamento:

• Do ponto de vista ativo: “Dedere aut judicare” “Ou dás ou punes”: entende-se que para uma boa
convivência internacional entre Estados, aquele estado no qual foi praticado determinado crime e que
pretenda que o estado em que se encontra o agente que o praticou seja extraditado, ou veja que essa pessoa
é punida no estado onde esta ou que a entregue para ser punido.

• Do ponto de vista passivo: a proteção dos cidadãos nacionais.

Português, para este efeito, é qualquer pessoa que assim seja considerada pela lei de nacionalidade no
momento da prática do facto.

O princípio está consagrado no artigo 5º/1/e) CP.

Para que funcione o princípio da nacionalidade, tem de se cumprir esta Tríplice condição de aplicação:

- A exigência de que a pessoa seja encontrada em Portugal.

Seria uma condição objetiva de punibilidade.

Dr. Figueiredo Dias: não seria uma condição objetiva de punibilidade em sentido material, trata-se, antes,
de uma condição de aplicação da lei penal.

Esta não faria sentido do lado passivo

Marisa Branco 26
- O facto também tem de ser punível de acordo com a lei do estado em que foi praticado.

Do lado ativo: Se assim não for, não há exigências preventivas a que se deva responder, (nem prevenção
geral nem especial), que justifiquem que Portugal puna.

Nos casos em que no lugar onde se pratica o facto não se exercer direito punitivo, Portugal aplica o
princípio da nacionalidade como princípio base, não há esta exigência.

- Que o facto constitua crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a
não entrega do agente.

“Crime que admite a extradição”:

São todos menos os crimes que não admitem extradição (art. 7º/1 Lei da cooperação judiciária
internacional em matéria penal): crimes de natureza política, crimes militares que não estejam
simultaneamente previstos em legislação comum.

“Que não seja concedida”:

Ou a extradição não foi requerida, ou que o Estado estrangeiro pediu, mas Portugal não pode extraditar:

1. Cidadãos nacionais fora das condições previstas no art. 33º/3 CRP. Portugal admite extraditar nacionais:
A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade
estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional
organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e
equitativo.

2. Ademais, Portugal não extradita por motivos políticos.

3. Também não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por
crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte
lesão irreversível da integridade física (art. 33º/6 CRP).

4. Art. 33º/4 CRP: Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado
requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de
duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que
o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou
executada.

5. Lei do Mandato de detenção europeu, Lei 65/2003 — art. 12º

Outras extensões deste princípio:

- Art. 5º/1/b) CP: situações em que há uma conexão grande entre o agente e a vítima a Portugal - essas
pessoas comungam os valores do OJ português, logo, não se pode permitir que a lei portuguesa não se
aplique a essas pessoas.

- Art. 5º/1/g) CP: trata de uma espécie de nacionalidade de pessoas coletivas.


- Art. 27º/1/a) e b) da lei do Cibercrime

C. Princípio da defesa dos interesses nacionais

Princípio segundo o qual Portugal pode e deve aplicar a sua lei relativamente a certos bens jurídicos que
considere fundamentais para o Estado português, mesmo que o facto seja praticado por estrangeiros ou no
estrangeiro.
Marisa Branco 27
Art. 5º/1/a)

Muitas vezes, a lei dos Estados estrangeiros em que foi praticado o facto não quer saber da proteção dos
interesses portugueses e Portugal não pode ficar à mercê do que outro estado pretende fazer ou não
relativamente a esses.

A conexão faz-se logo que o agente decide atentar contra um interesse português, a conexão entre o agente e
este interesse faz-se, precisamente porque o agente decidiu atentar contra um interesse nacional português.

O estado em que foi praticado, pode encontrar-se em situação em que não consegue punir (ex. Guerra civil),
ou nem está interessado em punir (ex.: estado que apoie o terrorismo)

Este princípio tem natureza real, protege bens ou interesses, não tem natureza pessoal, como o princípio da
nacionalidade. Assim, este deve prevalecer face ao princípio da nacionalidade.

Se um crime for praticado contra os interesses nacionais no estrangeiro por um português, basta fazermos
funcionar este princípio, não precisamos de recorrer ao artigo 5º/1/e) CP.

D. Princípio da universalidade

Art. 5º/1/c) e d)

Visa a defesa dos interesses internacionais— quer-se que o Estado português aplique a sua lei penal a factos
que ponham em causa bens jurídicos internacionalmente reconhecidos como fundamentais, ou que o Estado
se tenha comprometido a proteger por convenção internacional.

Alínea c): o agente tem de ser encontrado em Portugal e que não possa ser extraditado ou entregue.

Alínea d): quanto a estes crimes não há as exigências referidas na alínea anterior, a aplicação deste princípio
é facilitada neste tipo de crimes.

Dr. Caeiro defende que mesmo nos casos da alínea d) é preciso que o agente seja encontrado em Portugal,
porque essa é uma condição da pretensão judicativa do Estado português.

Art. 5º/2: está também presente este princípio

E. Aplicação supletiva da Lei penal

Art. 5º/1/f)

Este princípio fecha o sistema de aplicação da lei penal no espaço em Portugal e serve para casos em que
Portugal não possa punir por nenhum dos princípios acima descritos, e não possa extraditar a pessoa para o
Estado onde o facto foi praticado. Evita que Portugal se torne um “paraíso” para criminosos.

Artigo 6º CP: Restrições à aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional.

Portugal só pode julgar se a a pessoa ainda não foi julgada, ou se julgada e condenada, se subtraiu ao
cumprimento da pena. Se o crime foi no estrangeiro, portugal só aplica a lei se o tribunal desse país não abriu
o processo e condenou a pessoa

Art.6º/2: casos em que tribunais portugueses podem aplicar lei estrangeira, ao abrigo do princípio da
proteção da lei mais favorável — é a confirmação de que todos os outros princípios são complementares face
ao da territorialidade.

Marisa Branco 28
Art. 6º/3: a lei estrangeira mais favorável não é aplicável nos tribunais portugueses se em causa estiverem as
situações no artigo descritas.

Nota:

Aplicação da lei penal às pessoas — matéria de oral de melhoria (não está nas lições)

Consultar lições de Direito penal do Dr. Figueiredo Costa

IMPUTAÇÃO OBJETIVA
É o grande problema que se põe quando estamos a analisar a tipicidade de um comportamento criminalmente
relevante.

Imputação objectiva é aquilo que nos permite, nos casos de crimes de resultado, fazer a imputação de um
determinado resultado que a lei exige para que haja crime, à conduta do agente.

Há varias distinções a fazer quando falamos de crime (crimes de dano, de perigo, comuns, (…)) e uma muito
central é—Crimes matérias/ de resultado ou de mera atividade/formais:

Crimes de resultado: Crimes onde a punição por ação pressupõe a produção de um determinado
resultado, que é consequência da atividade do agente, ou seja, para haver consumação tem de haver uma
determinada alteração externa espacio/temporalmente distinta da conduta — uma conduta que gera um
resultado. Ex.: para haver homicídio, tem de haver morte.

Crimes formais: O tipo incriminador não exige um resultado, preenche-se através da execução de um
determinado comportamento — Ex.: invasão de domicílio, coação sexual…

Nos crimes de resultado, suscita-se o problema de imputação do resultado à conduta:

Há um Princípio geral de Direito— intervenção do direito só se dá relativamente a comportamentos humanos


— importa verificar se determinado resultado se produziu e se esse resultado pode ser imputado à conduta do
agente.

Para percebermos o problema da imputação subjetiva, temos de estudar os vários patamares de


causalidade:

1. Categoria da causalidade naturalística:

A imputação do resultado à conduta é mais do que a mera atribuição de um nexo de causalidade, o


problema começa aí, mas não acaba nesse ponto. Coma ultrapassagem de uma conceção positivista/
causalista da dogmática penal, percebeu-se que apesar de ser a categoria da causalidade naturalística ser
a base, o problema da imputação do resultado à conduta não se reduz a ela, é uma questão normativa,
deve resolver-se segundo fins com funcionalidade própria do DP.

Esta causalidade naturalística é a exigência mínima até onde pode ser levada, sem arbítrio, a imputação
penal, tudo começa em determinar a causalidade de um comportamento, saber se o resultado é imputável
à ação — Saber se a ação foi pelo menos causa do resultado.

Para densificar este patamar da causalidade naturalística, fazemos apelo à teoria das condições
equivalentes:

- No fundo, é a ideia de que a causa de um resultado é toda a condição sem a qual o resultado não teria
tido lugar - conditio sine qua non. Todas as condições que contribuam para o resultado são causais em
relação a esse mesmo resultado e devem ser consideradas em pé de igualdade. A esta teoria está

Marisa Branco 29
associado um método:

Método de supressão mental das condições:

- O juiz vai suprimir cada uma das condições que deram causa ao resultado. Se se puder afirmar que o
resultado não se poderia ter produzido sem uma condição, então ela é relevante para estabelecer o nexo
de causalidade.

- Ex.: A mata . Para a morte do senhor B, de acordo com esta teoria e este método, o facto do senhor A
ter uma arma e com ela ter disparado 2 tiros sobre B, é causa do resultado morte. Agora, o facto do
senhor C ter fabricado essa arma é causa do resultado da morte de B? De acordo com esta teoria das
condições equivalentes sim.

O grande mérito destas condições é libertar o direito penal dos resquícios medievais do estabelecimento
da ligação entre o resultado e a conduta através de práticas supersticiosas e juízos metafísicos. Aqui, só é
causa daquele resultado aquilo que puder ser estabelecido como um nexo causal.

No entanto, existem problemas:

- Esta teoria abrange a mais longínqua das condições, é uma espécie de “ regresso ao infinito”;

- Exclui da problemática da imputação do resultado à conduta, qual consideração sobre a interrupção do


nexo causal, e exclui também qualquer interrupção do nexo causal por efeito de uma circunstância
extraordinária ou imprevisível.

Há um grande número de críticas que se pode fazer a esta teoria que é insuficiente para fazer a
imputação do resultado à conduta:

1. Nos termos em que a categoria é concebida, resulta necessariamente, para cada resultado, um leque
muito amplo de causas para os resultados, o que obriga os seus poucos defensores a sempre aceitar
correções.

2. Este método apenas se revela prestável em certos casos, noutros não (como na causalidade virtual e
causalidade alternativa - ver abaixo)

3. Este método também revela dificuldades quando não consegue determinar, para além de toda a dúvida
razoável, se determinada ação foi realmente condição sine qua non de um determinado resultado.

4. Também existirão dificuldades especiais de comprovação quando se trate da responsabilização de


entes coletivos ou mesmo na divisão de responsabilidade no seio da direção de uma empresa, de uma
equipa cirúrgica, etc.

Assim,

Este 1º patamar, formulado nos termos da conditio sine qua non, é uma teoria inútil, porque já traz como
pressuposto aquilo que com ela deveria determinar-se. Assim, para dar alguma utilidade a este primeiro
patamar, reconstrói-se a teoria com a substituição do critério da supressão mental, pelo critério da
condição conforme às leis naturais:

- Parte-se do resultado causado, e portanto, o ponto em que se afasta da teoria das condições
equivalentes, dependendo o estabelecimento da causalidade de saber se uma ação humana é
acompanhada por modificações do mundo exterior, que se encontrem vinculadas a essa ação de acordo
com as leis da natureza e são constitutivas de um resultado típico — Pegamos num resultado e
averiguamos se, de acordo com as leis da experiência, este resultado pode ter sido causado por aquela
conduta — se sim, este critério encontra-se preenchido.

Marisa Branco 30
Se a entendermos assim este primeiro degrau de causalidade naturalística como um necessário e, antes de
tudo, estabelecer se o resultado foi causado pela conduta, então, ainda pode ter alguma utilidade, ele não
é suficiente, mas é sempre critério necessário. Antes de tudo, é necessário firmar que,
naturalisticamente, aquele resultado pode ter tido como causa da conduta do agente.

2. Teoria da Causalidade adequada/jurídica/Teoria da adequação:

Este é o 1º critério complementar — esta teoria encontra-se consagrado no artigo 10º/1 CP.

É o critério segundo o qual a imputação penal não pode nunca ir além da capacidade geral do homem de
dirigir e dominar processos causais. Para a valoração juridica da ilicitude serão relevantes apenas as
condutas que, segundo a máxima da experiência e da normalidade do acontecer, o que é em geral
previsível, são idóneas para produzir o resultado. Deixamos de fora as consequências imprevisíveis,
anómalas, ou de verificação rara.

Aqui falamos de outro método, um juízo de prognose póstuma:

- O juiz desloca-se mentalmente para o passado, para o momento em que o agente praticou a conduta
e vai, aí, ponderar se, enquanto observador objetivo, dadas as regras gerais da experiência e da
normalidade do acontecer, a ação praticada teria como consequência a produção do resultado.

A imputação do resultado à conduta não deve ter lugar se:

- o resultado era imprevisível,


- se era previsível mas improvável,
- ou se o resultado, sendo previsível, era de verificação rara.

Ex.: A dá uma facada superficial a B, que acaba por morrer devida a hemofilia. A queria apenas cortá-lo,
superficialmente e não sabia que ele se iria esvair em sangue devido a uma facada superficial — não
estamos a falar de alguém que conhece a condição de B, A não conseguiria prever a normalidade daquele
processo causal, ou seja, que o resultado seria a sua morte. Assim, o resultado morte não é imputável à
conduta.

Este juízo de prognose póstuma refere-se a todo o processo causal, não apenas ao resultado e, por isso,
deve ter em conta:

- Conhecimentos especiais do agente, conhecimentos que este detinha, mesmo que a generalidade das
pessoas não disponha deles. O conhecimento especial do agente, provados em juízo, no momento da
conduta já permite que lhe seja imputado o resultado.

- Intervenção de terceiros no processo causal — interrupção do nexo causal por terceiros: o juiz
tem de avaliar se houve interrupção do nexo causal: Se sim, exclui-se a imputação, salvo se a interrupção
do nexo causal era previsível ou provável.

Ex.: A deixa uma arma carregada perto de B e C, que estavam a discutir violentamente e B dispara um
tiro sobre C com essa arma — pode ser imputável a A a morte de C, — se face à intensidade da
discussão se pode considerar expectável que um dos indivíduos pegasse na arma e disparasse, então, esta
interrupção do nexo causal era previsível e, como tal, funciona a imputação;

Ex.: A agride B, e B acabou por morrer dos ferimentos causados, sendo que não se teria produzido a
morte se a pessoa tivesse sido tratada de forma diligente no hospital. Então, a morte não pode ser
imputada a A, apenas o crime de ofensa à integridade física — houve uma interrupção do nexo causal
por parte dos médicos, que não era previsível, nem expectável.

Ex.: Imagine-se que vai jogar Porto contra o Benfica, está um ambiente fervoroso e há adeptos bastante
agressivos. Se determinados adeptos do Porto, sabendo que ao lado estavam adeptos violentos do
Marisa Branco 31
Benfica, pegarem num outro adepto do Porto e o mandarem para perto dos adeptos do Benfica, é
provável e previsível que ele seja agredido. A interrupção do nexo causal por parte dos adeptos era
provável e previsível.

Só se imputa este 2º degrau, se pudermos dizer que era provável e expectável que aquele resultado viesse
a acontecer de acordo com a conduta do agente, o que pode não acontecer se houver uma interrupção do
nexo causal, que não seja normal e previsível, sendo que o juiz, no juízo de prognose postuma, tenha
sempre de ter em conta, os especiais conhecimentos especiais de que o agente dispunha.

Esta teoria aperfeiçoa muito mais o problema da imputação do resultado à conduta, ela normativiza-o.
Ainda assim, não é suficiente:

Há casos em que a conduta é adequada à produção do resultado típico e, ainda assim, não é possível
proibir determinadas condutas, sob pena de levar a sociedade a um retrocesso ou à paralisação.

Há atividades que, comportando em si mesmas riscos consideráveis para bens jurídicos, são legalmente
permitidas ou não proibidas, como o transporte de produtos perigosos, intervenções medicas perigosas
mas necessárias, (…)

É por isto que temos ainda um terceiro patamar a complementar esta teoria:

1. Teoria da conexão do risco:

O resultado só deve ser imputável a ação quando esta conduta tenha criado ou potenciado um
risco proibido para o bem jurídico protegido e esse risco se tenha materializado no resultado
típico.

Isto traz um duplo fator adicional ao nosso problema de imputação do resultado:

- o agente tem de ter criado ou potenciado um risco proibido,


- e esse risco tem de ter sido o que se materializou no resultado típico.

Se não se verificar nenhuma destas condições, exclui-se a imputação.

“Criar/protenciar o risco proibido”: fazemos uma delimitação negativa — estão fora do âmbito
de riscos juridicamente desaprovados vários tipos de casos:

1. Quando agente com a sua ação diminuiu o perigo que recai sobre o bem jurídico:

Ex.: A empurra B para o desviar de um carro que o ia atropelar. A não criou um risco proibido,
apenas atenuou o risco morte para aquela pessoa.

2. Quando a conduta do agente não ultrapassou o risco juridicamente proibido:

A nossa sociedade comporta uma multidão enorme de riscos que são tolerados pela própria
sociedade, associados a modelos de desenvolvimento de que a nossa sociedade não quer prescindir,
sob a pena de retrocesso social, logo, não pode o DP proibir comportamentos que podem comportar
um grande risco para bens jurídicos, mas que são tolerados pela sociedade.

Quando a conduta do agente se mantém no limite do risco permitido, mesmo que o seu
comportamento seja típico, então, não se pode imputar o resultado à conduta daquela pessoa.

Cumpre à OJ definir as regras a observar — Tem de definir quais as precauções a ter na prática de
determinadas atividades que podem acartar riscos a bens jurídicos: Ex.: circulação rodoviária; uso de
pesticidas; (…)

Marisa Branco 32
Se a OJ nada disser ou dispuser à cerca dos procedimentos a seguir relativamente a certas atividades
perigosas, então, atende-se a normas sociais que contém de forma satisfatória os riscos inerentes à
própria atividade.

Ex.: um médico que realiza uma operação arriscada, com o objetivo de tentar salvar a pessoa, ela
segue todas as leges artis, mas ela acaba por morrer — a conduta mantém-se dentro do risco
permitido pela sociedade. A conduta era arriscada, mas era justificada, ele não criou um risco
proibido, ele encontrava-se dentro dos limites dos riscos permitidos na sociedade.

Averiguamos se a conduta se mantém dentro do risco juridicamente permitido através das


normas/das regras aplicáveis às atividades em questão.

3. Falamos dos riscos gerais aplicáveis a determinadas atividades, mas também há riscos gerais da
vida:

Desde que a conduta do agente se possa considerar dotada de uma medida normal, situando-se
dentro dos riscos normais da vida, sendo socialmente adequada, então, não há criação de um risco
proibido.

Ex.: Um médico receita um antibiótico necessário à cura de uma pessoa, este deve informar-se sobre
se há alguma razão para supor se o paciente sofre de hipersensibilidade ao medicamento. Mas, em
caso negativo, não tem de condicionar a receita à execução de todos e mais alguns exames
complementares indispensáveis à despistagem da eventual hipersensibilidade. Se o paciente vier a ter
um choque anafilático, a morte não pode vir a ser imputada ao médico.

4. É possível que o resultado se venha a verificar em consequência de uma colaboração da


vítima ou de um terceiro.

É uma espécie de interrupção de nexo causal: Em princípio, o resultado não é imputável a uma
determinada conduta ou ação, em virtude da interposição da autorresponsabilidade da vítima ou de
terceiro.

Ex.: A é portador de SIDA e mantém relações sexuais com B, que é conhecedor da situação de A,
criando para ele um perigo de infeção. Então, interpôs-se a autorresponsabilidade dessa pessoa no
nexo causal. Assim, A não pode ser criminalmente responsabilizado pela ofensa à integridade física
ou eventual morte da outra, que era conhecedora da situação.

Nestes casos afastamos a imputação

“O resultado só deve ser imputável a ação quando esta: 1 - conduta tenha criado ou potenciado
um risco proibido para o bem jurídico protegido; 2 - e esse risco se tenha materializado no
resultado típico. “

1. Criação ou potenciação de um risco proibido:

Muitas vezes, o perigo que ameaça o bem jurídico protegido já esta criado antes da atuação do
agente. Ainda assim, pode ser imputável ao agente se este, com a sua conduta, potenciou ou
aumentou do risco já existente, piorando a situação do bem jurídico já ameaçado.

Ex.: Quem mata um doente que já está no hospital com uma expectativa de vida de 2 semanas
apenas — apesar da pessoa já estar moribunda, o autor aumentou o risco que já estava criado para o
bem jurídico, logo, é-lhe imputável o resultado, a morte.

Marisa Branco 33
2. É preciso que esse risco criado ou potenciado se tenha materializado no resultado típico:

Deve excluir-se a imputação quando risco criado ou potenciado não se materializou no resultado
típico.

Afastamos a imputação nos casos de comportamentos lícitos alternativos:

- São aqueles casos em que, mesmo que o agente tivesse atuado licitamente, o resultado típico
provavelmente/certamente teria acontecido.

Ex.: uma fábrica de pincéis de barbear que adquiriu para os pincéis pelos de cabra chinesa para
matéria prima e não ordenou a desinfeção desses matérias, como estava legalmente obrigado.
Entretanto, 4 trabalhadores da fábrica, por contacto com a matéria prima não desinfectada ficaram
infetados com determinada bactéria e morreram. Investigou-se o caso e provou-se que, mesmo que
se tivesse procedido à desinfeção, o resultado teria sido o mesmo, por se tratar de uma bactéria até à
altura desconhecida e resistente a qualquer processo de desinfeção.

Repare-se que neste tipo de casos, de acordo com a doutrina da teoria da adequação (2º patamar),
continuaria a imputar-se o resultado à conduta.

Doutrina relativa a comportamentos lícitos alternativos:

- Doutrina alemã:

Sempre que haja um caso de comportamento licito alternativo, exclui-se a imputação objectiva.

- Doutrina do Dr. Figueiredo Dias:

É preciso ponderar se o resultado teria tido seguramente lugar no mesmo tempo e modo, ainda que a
ação licita tivesse sido levada a cabo:

- Se sim, não se imputa o resultado à conduta;


- Se não se demonstrar que com comportamento licito alternativo o resultado teria tido seguramente
lugar, mas, antes, apenas seria provável ou até só possível, então, ainda assim, se ficou demonstrada
a potenciação do risco e a materialização do resultado, o comportamento licito alternativo deve
considerar-se irrelevante. Caso o juiz fique em dúvida, deve valorá-la a favor do agente.

Assim, só excluímos a imputação se pudermos afirmar e provar que o resultado teria tido
seguramente lugar.

Para além disto:

Ainda é preciso saber se o resultado estava ou não coberto pelo fim e âmbito de proteção da norma,
no fundo, fazer uma interpretação teleológica do tipo criminal:

Para que a conexão do risco se possa dizer estabelecida é preciso que o perigo que se tenha
concretizado no resultado seja um daqueles em vista dos quais foi proibida a ação, isto é, se
corresponde ao fim de proteção da norma de cuidado.

Aqui distinguimos duas figuras:

- Fim de protecção de norma de cuidado: normalmente são as regras a que estão sujeitas as
atividades de que falamos, como normas do código da estrada, regras de procedimentos médicos,
etc.

- Âmbito de proteção da norma típica: norma típica é o crime.


Marisa Branco 34
Assim, se o risco que se materializou no resultado típico não foi em vista do qual a ação foi proibida,
então exclui-se a imputação.

Ex.: Se um condutor inicia uma manobra de ultrapassagem de outro e no decurso dessa


ultrapassagem, essa pessoa que está a ser ultrapassada, sem reparar que está a ser ultrapassada, virar
à esquerda e embater noutro automóvel, e desse acidente resultou a morte de uma pessoa, não há um
homicídio negligente. A pessoa que estava a realizar a ultrapassagem e que estava acusada de
homicídio por, ao realizar a ultrapassagem, seguir a 180 km/h, quando a velocidade máxima
permitida era 50 e se determinar que o limite de velocidade se devia a um sinal de aproximação de
travessia de peões e o acidente não teve nada a ver com a passadeira, a norma violada não tinha por
fim prevenir perigos inerentes à ultrapassagem. Se o resultado vem a ocorrer e esse resultado não
tem nada a ver com um acontecimento que tenha por contexto aquela passadeira, então, não foi
violada a norma cuidado. A norma cuidado proibia uma velocidade máxima, tendo em conta que
havia uma passadeira, mas aqui estamos a falar de uma ultrapassagem.

Há casos em que o risco que se vem a materializar no resultado típico não é aquele abrangido
pelo fim da norma de cuidado.

Há outros casos em que avaliamos o âmbito de proteção da norma típica e que também se deve
excluir a imputação quando o âmbito do tipo, de proteção da norma não cobre resultados da espécie
daquele que efetivamente se verificou. Ora, nestes casos de âmbito de proteção da norma típica,
distinguem-se os seguintes casos:

A) colaboração na autocolocação em risco dolosa:

- Imaginemos do caso de A e B que se lançam numa aposta de corrida de motas perigosa na estrada.
B perde o domínio da sua mota e sofre lesões físicas graves. O âmbito de proteção da norma
típica (crime de ofensa à integridade física) não serve para cobrir casos em que uma pessoa
colabora na autocolocação em risco dolosa, B quis participar na aposta, autocolocou-se em risco
de forma dolosa, não se imputa responsabilidade criminal a A.

B) Héterocolocação em perigo livremente aceite:

Quando, com consciência do perigo, a pessoa se deixa por em perigo por outro.

Ex.: A está com B no carro e B, o condutor, ultrapassa o limite de velocidade, limite esse que A
conhecia. Ocorre um acidente e A, o passageiro, morre. Ela tinha consciência do perigo e até queria
que ele ultrapassasse o limite de velocidade, pois estava com pressa, o condutor heterocolocou o
passageiro em perigo de forma livremente aceite por esta.

C) Imputação a um âmbito de responsabilidade alheia:

Imaginemos que alguém provoca um incêndio na sua habitação e um dos bombeiros chamados para
salvar outro habitante da casa sofre lesões físicas graves. O resultado das lesões do bombeiro não são
imputáveis à pessoa que provocou o acidente, porque faz parte do âmbito de responsabilidade da
profissão de bombeiro, em salvamento de outros, sofrer lesões, correr riscos.

O mesmo já não se passa com a Causalidade virtual:

Pode o agente, com a sua conduta, criar um risco proibido, este risco ter-se materializado no resultado
típico e haver razões para por em dúvida que ele deva ser objetivamente imputável:

O agente produziu o resultado típico numa hipótese em que, se não tivesse atuado, o resultado surgiria em
tempo e sob condições não tipicamente semelhantes.
Ex.: Se num avião o passageiro A matar o passageiro B e o avião, no momento seguinte vem a cair por erro
Marisa Branco 35
do piloto, em termos de responsabilidade criminal o passageiro que matou o outro é responsável pelo crime
de homicídio, mesmo que B viesse a morrer na mesma com a queda do avião, mas em condições diferentes
— o resultado seria o mesmo, mas em condições diferentes.

Esta é a diferença para o comportamento lícito alternativo, estes casos de causalidade virtual não relevam
para a exclusão da imputação.

TIPO SUBJETIVO DOLOSO

O tipo subjetivo doloso de um crime subdivide-se em 2 elementos principais:

1. Elemento intelectual
2. Elemento volitivo

Nos artigos 13º e 14º CP não encontramos uma grande resposta quanto à estrutura do dolo do tipo, quanto a
estes elementos principais do dolo.

Art. 13º: “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com
negligência.”

O CP não define o dolo do tipo, mas no artigo 14º elenca as suas formas.

O que é o dolo o tipo?

É o conhecimento e a vontade de realização do tipo objetivo ilícito.

O dolo tem dois momentos estruturais, o elementos intelectual, diz respeito ao conhecimento e o elemento
volito, diz respeito à vontade. É necessário um conhecimento, uma representação por parte do agente dos
elementos do facto e a vontade, que serve para indiciar uma posição ou atitude do agente desconforme ao
Direito, ao dever-ser jurídico penal.

Nota: não confundir dolo do tipo com dolo da culpa.

1. Elemento intelectual:

É o conhecimento, a representação correta ou a consciência psicológica das circunstâncias do facto que


preenche o tipo objetivo. Dentro das circunstâncias do facto inserem-se elementos de facto e elementos de
direito.

Ex.: Crime de homicídio é o conhecimento do que é matar outra pessoa.

Só se o agente conhecer todos os elementos do facto, tudo o que é necessário à correta orientação da sua
consciência ética é que nós podemos punir um agente a título de dolo. Só assim é que podemos dizer que
ao praticar a conduta que praticou o agente orientou a sua consciência ética contra o dever-ser jurídico penal,
não estava em erro.

A pessoa decidiu-se pela realização do ilícito e, por isso, deve responder criminalmente.

Sempre que o agente não represente ou represente erradamente um dos elementos do tipo, o dolo deve
ser negado, excluído — Princípio da congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo doloso.

Marisa Branco 36
Para que uma pessoa seja punida a título do dolo é necessário que represente todos os elementos que
preenchem o tipo objetivo ilícito — Que elementos?

- Elementos descritivos

No crime de homicídio, quem matar outra pessoa - vemos um elemento descritivo, outra pessoa, não é
normativo, não precisamos de aceder a ele através de uma valoração jurídica ou técnica, toda a gente sabe
o que é “outra pessoa”.

No crime de integridade física, toda a gente sabe o que é o corpo.

- Elementos normativos

Ao lado dos elementos descritivos, temos os elementos normativos, aqueles que só podem ser
representados e pensados por referência a normas, quer jurídica quer não jurídicas.

Por exemplo: “caráter alheio de uma coisa” - é um elemento normativo, leva-nos para considerações de
direitos reais, só por referência ao direito civil é que podemos saber se uma coisa alheia.

Quando falamos destes elementos normativos, qual é o grau de exigência de conhecimento que se põe
ao agente?

- Critério geral: Não se exige uma subsunção jurídica perfeita, completa, tal como a lei o prevê. O DP
exige um conhecimento dos efeitos práticos daquela expressão (p.e., do casamento, um funcionário da
Administração pública). Este critério cumpre a função de orientar a sua consciência ética do agente para o
valor ou desvalor da sua ação.

No entanto, há casos em que se exige mais para se imputar a outra pessoa uma infracção dolosa: esta
maior exigência verifica-se nos elementos normativos que têm um caráter eminentemente técnico-
jurídico, por exemplo, o conceito de prestação tributária, matéria coletável. Só através de uma decisão
estritamente técnica é que estes conceito têm um relevo normativo, só se o agente tiver este conhecimento
técnico é que pode isentar a sua consciência ética para o direito. Impõem-se que o agente conheça os
critérios determinantes da qualificação, pois sem eles não se pode dizer que o agente tenha orientado a su
consciência ética para a ilicitude.

Há uma menor exigência relativamente ao critério geral em elementos cuja qualificação derive apenas a
necessidade do legislador, por razões de brevidade de economia, abranger no mesmo elemento uma série
extensa, mas determinada de substratos normativamente relevantes. Por exemplo, quando o legislador usa
na lei um conceito de “ascendente”, imagine-se num crime de homicídio, “quando o agente matar o seu
ascendente”, esta palavra é usada para não ter de escrever pai, mãe, avô, avó, (…). Nestes casos, basta o
conhecimento do agente dos pressupostos materiais da valoração, que ali está em causa um pai, uma mãe,
…, há uma exigência menor, não é um elemento normativo estritamente técnico, é um elemento
normativo que qualquer pessoa o consegue densificar e que o legislador só o utilizou por razões de
brevidade e economia na redação da norma.

Atualidade do conhecimento:

Quanto ao momento intelectual do dolo é preciso ter presente que é no momento da atuação do agente
que tem de se verificar o conhecimento de todos os elementos do facto. Não basta a mera possibilidade
de representação do facto, requer-se que o agente represente a totalidade da factualidade típica e a atualize
de forma efetiva na sua consciência.

Por exemplo, um médico que sabe que um medicamente pode causar um colapso cardíaco sob
determinadas circunstâncias e o receita posteriormente sem pensar que aquelas condições estão novamente
dadas, então, este, ao receitar o medicamente, não tem na sua consciência atual a representação de todos
os elementos do facto. É atualizável a consciência do médico, se perguntar, se apurar as circunstâncias,
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mas não é atual, é preciso que o médico saiba, no momento em que receita o medicamento, que estão
verificadas condições que podem levar a que esses seus efeitos secundários lesivos se verifiquem. Se não
se afirmar essa consciência atual do médico, então, ele não pode ser responsabilizado a título doloso,
pode sê-lo, eventualmente, a título negligente.

Relativamente à questão da atualidade do conhecimento dos elementos do facto pelo agente, não é
preciso, sempre, que o agente represente os elementos do facto, basta, muitas vezes, que tais elementos
sejam consciencializados: fala-se de co-consciência imanente à ação.

Por exemplo, A namora há algum tempo com B, sendo o primeiro adulto e o segundo menor de 15 anos. A
tem cópula com este menor, abusando da sua inexperiência. Portanto, A pratica um crime, não é preciso
que A, sempre que tem cópula com este menor, represente efectivamente “estou a praticar cópula com um
menor abusando da sua experiência”, não é preciso fazer prova de que, sempre que praticou a conduta,
aquela pessoa representou efetivamente isso. Faz parte da consciência daquela pessoa, que namora com
outra, ter presente que a pessoa é menor.

Exemplo 2: Não é preciso que, quando um presidente da Camara receba um suborno, represente
constantemente “eu sou o Presidente da Camara”, faz parte da sua consciência imanente à ação, saber que
é presidente da Camara, é uma espécie de um permanente saber acompanhante.

Erro sobre a factualidade típica:

Muitas vezes, o agente atua sem o conhecimento dos elementos do facto e atua, portanto, em erro.

Se olharmos para o artigo 16º/1 CP, veremos a precisão normativa do erro sobre a factualidade típica: “O
erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, …, exclui o dolo.”

Basta que o agente esteja em erro sobre um dos elementos do facto (um conhecimento da totalidade das
circunstâncias de facto direito do facto), sejam descritivos ou normativos, para se excluir o dolo.

Erro, para este efeito, engloba a representação positiva errada (a pessoa pensar que o que se está a passar é
diferente do que o que realmente se passa) e a pura e simples falta de representação ( não perceber o que
se está a passar).

Por exemplo, tanto erra sobre a factualidade típica de um crime de aborto a mulher que usa um medicamento
que atua como abortivo, mas ela não está grávida, como aquela que estando grávida, pensa que está a usar
um medicamento abortivo, mas, de facto, não está. Aqui, no primeiro caso, a mulher erra porque, pensando
que está a abortar, ela não está grávida, no segundo ela erra porque, sabendo que está grávida, ela usa um
medicamento que pensa ter um efeito abortivo, mas não tem.

Dizer que se exclui o dolo não quer dizer que as pessoas fiquem sem punição, no artigo 16º/3, diz-se que
fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais. Quando se exclui o dolo, por efeito do erro
sobre a factualidade típica, se aquele respetivo comportamento, por exemplo, o homicídio, estiver
expressamente na lei como crime negligente e se a negligência se tiver efetivamente verificado (violação de
um dever de cuidado) a pessoa pode ser punida por negligência.

A pessoa só fica impune se, para o crime praticado, não tiver prevista a punibilidade por negligência.

Relativamente ao erro como excludente do dolo, quanto aos crimes de resultado, pode por-se um
problema:

Erro no decurso do acontecimento:

Além da necessidade do agente conhecer todos os elementos do facto, por-se a exigência de que o agente
tem de conhecer o decurso do processo causal, que uma ação vai ter o resultado. No crimes de resultado, a
ação e o resultado pertencem ao tipo objetivo, deve exigir-se que o agente conheça a conexão entre ação e
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resultado. Só desta maneira é que pode dizer-se que a realização do tipo objetivo surgirá, não como obra
impessoal do agente, mas como obra do agente, como a sua própria realização — que casos são estes de
possível erro na previsão do decurso do acontecimento?

1º Caso de erro sobre o processo causal:

Casos em que há uma divergência entre o risco proibido conscientemente criado pelo agente e aquele que
efetivamente se vem a materializar no resultado.

O Dr. Figueiredo Dias diz que, na esmagadora maioria dos casos de erro sobre o processo causal, o caso vai
ficar resolvido logo na imputação objetiva (remissão). No entanto, se ainda assim se puder afirmar a
imputação objetiva mas houver um erro sobre o processo causal, esse erro deve ser relevante para excluir
o dolo.

Exemplo:

- Deve afirmar-se a imputação objectivo e também o dolo se A dispara sobre B, representando e querendo a
sua morte imediata, mas o B vem a ser encaminhado para o hospital e só lá é que morre. A não atuou em
erro quanto à conexão “disparo contra B” e “morte de B no hospital”.

- Há casos em que A dispara sobre B, mas este só vem a morrer no hospital por causa de uma negligência
do médico (interrupção do nexo causal) - aqui nem se afirma a imputação objetiva.

- Mas pode dar-se o caso de se afirmar a imputação objetiva e a imputação subjetiva não poder afirmar-se,
por exemplo, A lança B de uma ponte para o rio e A queria que B morasse de afogamento. Se B vem a
chegar à margem do rio, mas é morto por esmagamento de uma pedra que rola da margem para o rio, não
foi o resultado que A planeou, este planeou matá-lo por afogamento, mas B consegue chegar à margem do
rio. No entanto, entretanto morreu do esmagamento, logo, não pode haver punição do agente por crime
doloso consumado, o máximo que pode haver neste caso de erro sobre o processo causal é punição do
agente por tentativa. Só pode haver imputação do resultado se houve plano do agente.

2º Casos de aberratio ictus:

Casos em que há um erro na execução, o resultado correspondente à vontade não se verifica, mas
verifica-se um outro da mesma espécie ou de espécie diferente. Por exemplo, vem a ser atingido um objeto
diferente daquele que queria ser atingido pelo agente — A quer disparar numa garrafa de vidro, mas acerta
numa pessoa que ia a passar.

Qual a solução a dar a este tipo e caso?

- Teoria da equivalência: Desde que haja coincidência típica entre o tipo projetado e o tipo consumado,
então, deve haver punição pelo crime doloso consumado.

Assim, de acordo com esta teoria, A dispara sobre B mas vem a a acertar em C — a pessoa deve ser
punida pelo homicídio doloso consumado; A dispara sobre uma garrafa de vidro (tipo - dano), mas vem a
acertar em B (tipo - homicídio) — aqui a teoria da equivalência não diz que a pessoa tem de ser punida
pelo crime doloso consumado, dá-lhe, antes, a solução que a outra teoria dá a todos estes casos,
independentemente de estarmos a falar de resultados da mesma espécie ou de espécie diferente.

- Teoria da concretização (subscrita por Figueiredo Dias): A ação que falha o seu alvo apresenta a
estrutura da tentativa e, por tanto, a produção do outro resultado só pode ser afirmada por negligência,
mesmo que haja coincidência entre o tipo projetado e o tipo consumado. Em todos estes casos, (exemplos
dados acima) a solução deve ser a mesma, A é punido com tentativa de homicídio, ou de dano, e
relativamente a acertar à pessoa que ia a passar, só pode ser punido pelo homicídio negligente.

Solução: Tentativa do crime projetado e negligência do crime consumado.


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3º Casos de erro na pessoa ou objeto

Nestes casos, o decurso real do acontecimento corresponde inteiramente ao intentado pelo agente. No
entanto, o agente encontra-se em erro quanto à identidade do objeto ou da pessoa a atingir. Nestes casos, não
há erro na execução, há erro na formação da vontade.

Por exemplo: A vê B, uma pessoa na rua, que é seu inimigo mortal e quer disparar sobre ele. Dispara e,
quando vai a ver mais de perto sob quem disparou, percebe que não era B, mas sim alguém parecido com ele.
Aqui não há um erro na execução, porque A atingiu exatamente quem queria atingir, só que pensava que se
tratava de outra pessoa, há um erro quanto à pessoa, na formação da vontade de A.

A solução a dar a este tipo de casos: tudo depende de haver identidade típica ou não.

Neste caso, A queria disparar sobre uma pessoa e atingiu outra pessoa. Há identidade típica, A matou uma
pessoa, o crime projetado era de homicídio e o crime consumado é um crime de homicídio — Há identidade
típica, então, o erro é irrelevante.

Assim, o dolo não está excluído quando existir identidade típica, logo, a pessoa é punida por crime doloso
consumado.

Agora, não havendo identidade típica, o erro é relevante e, portanto, só pode haver responsabilidade por
tentativa ou, eventualmente, combinação da tentativa com o crime negligente.

Exemplo 1: A quer roubar um quadro valioso que está no museu, mas apenas vem a roubar uma réplica
muito semelhante, mas que não vale nada. Há aqui uma diferença de identidade típica, A quer roubar uma
coisa com valor patrimonial avultado e, portanto, aqui, praticaria o furto qualificado, quando apenas vem a
furtar uma réplica, furto simples.

Exemplo 2: Se A dispara sobre um vulto que vê nuns arbustos, pensando que é um animal, mas afinal é uma
criança. Aqui não há identidade típica, o crime projetado era um crime de dano, mas o crime consumado é
um homicídio. Neste caso, teríamos a combinação de tentativa de dano com homicídio negligente daquela
criança.

2. Elemento volitivo

O elemento volitivo do dolo tem que ver com a vontade com que o agente pratica o facto. O elemento
intelectual não pode, por si só, indiciar a atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-
penal. É preciso que o agente queira praticar aquele tipo objetivo ilícito.

Assim, exige-se uma vontade, o elemento volito é a vontade dirigida à realização de um facto.

O artigo 14º do CP prevê as 3 modalidades de dolo, sendo que classificamos estas a partir do elemento
volitivo, não tanto do elemento intelectual, até porque este é igual nas duas primeiras formas de dolo e
veremos e é igual, também, entre o dolo eventual e a negligência consciente.

a) Dolo direto intencional ou de primeiro grau (artigo 14º/1)

Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual), actuar
com intenção de o realizar (elemento volitivo).

A realização do tipo objetivo ilícito é o verdadeiro fim da conduta do agente, o agente quer que a sua
conduta produza aquele resultado, ele quer realizar aquela conduta.

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Por exemplo, A, admirador incondicional de Picasso, mas não tendo dinheiro para comprar um quadro dele,
assalta um estabelecimento de leilões onde o quadro ia ser vendido. A representa que o quadro não é seu e
quer furtá-lo — Dolo direito intencional (dolo mais simples).

Também abrange os casos em que uma pessoa não tem a realização típica como o fim último da sua
conduta, mas sim como pressuposto ou estágio intermédio do seu plano. Aqui, as motivações do agente não
desempenham quanto ao tipo subjetivo qualquer papel.

Voltando ao exemplo, se A, que queria roubar aquele quadro, para o fazer mata o segurança do
estabelecimento, este pratica ainda esse crime de homicídio com dolo direto e intencional, apesar do fim
último da sua conduta ser furtar o quadro. O homicídio do segurança representou um estágio intermédio da
sua conduta, um pressuposto do seu plano. A teve intenção de matar o segurança e intenção de roubar o
quadro.

b) Dolo direto necessário ou de segundo grau (artigo 14º/2)

Age com dolo direto necessário quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime
como consequência necessária da sua conduta.

Estamos a falar da realização típica como consequência inevitável da sua conduta.

O agente tem um plano, sabe que para praticar o seu plano, inevitavelmente, vai cometer um crime, a
previsão do facto, para haver dolo direto necessário, tem de ultrapassar a mera possibilidade, tem de ser certa
e inevitável ou altamente provável a realização típica.

Por exemplo, num avião, A faz explodir uma bomba para matar B, seu inimigo. No entanto, é consequência
inevitável da sua conduta que com a explosão da bomba mate outros passageiros. A atua com dolo direto
intencional relativamente a B, mas com dolo direto necessário relativamente aos outros passageiros que
acaba por matar. A morte desses passageiros era inevitável, altamente provável.

Em termos práticos, não há grande diferença nesta distinção, a pena aplicada por um juiz a um homicídio por
dolo necessário ou intencional é praticamente igual.

c) Dolo eventual ou condicional (artigo 14º/3)

Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência
possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.

Basta, para haver dolo eventual, que o agente represente como meramente possível a prática do facto, não
é preciso que o agente represente todas as circunstâncias do facto como certas, basta que ele pense que é
possível estar a cometer um crime, mas que se conforme com essa possibilidade.

Dolo eventual e negligência consciente — diferenciação:

Se olharmos para o artigo 15º, alínea a) do CP, veremos que o elemento intelectual é o mesmo no dolo
eventual e na negligência consciente. Na negligência consciente, também se diz “Age com negligência quem,
…, representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se
conformar com essa realização”

Como fazemos a distinção?

Nota: Nas lições do professor Figueiredo Dias encontramos várias teorias que procuraram fazer esta
distinção, a teoria da probabilidade, da aceitação… é uma distinção muito ténue.

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No nosso Código penal, recebemos a Teoria da Conformação:

Só há dolo eventual se o agente se conforma, se resigna com a verificação das consequências da sua ação
— 2ª parte do artigo 14º/3. É preciso que o agente tome como sério o risco possível da lesão do bem jurídico
e, depois, que se conforme com essa realização.

Aqui imputa-se dolo, porque o propósito que move o agente vale a realização do facto, vale o preço a pagar
por essa realização.

Exemplos:

1. Caso da correia de coro: A e B querem roubar C e, então, têm o plano de o deixar inconsciente. Para tal,
planeiam usar uma correia de coro para asfixiar C, deixando-o inconsciente. No entanto, pensam que, usando
a correia de coro, podem acabar por matar C e, então, optam por bater-lhe na cabeça com um saco de areia.
Ao tentarem bater com o saco de areia na cabeça de C, o saco rompe-se, não serve para o propósito dos
agentes e, então, voltam ao plano inicial, usando a correia de coro — eles tinham previsto como possível a
morte da pessoa, mas não queriam a morte dela — C acaba por morrer devido à mesma.

Aqui se vê que A e B representaram como possível a morte daquela pessoa, não era o que eles queriam,
apenas queriam deixá-la inconsciente e ficar-lhe com os pertences, mas usando a corrente de coro na mesma
resignaram-se com a possibilidade do resultado morte (o que se verificou).

2. Caso do very light: Caso de um adepto do Sporting que foi morto por um very light — um adepto do
Benfica atirou um very light do topo da bancada, que acabou por cair em cima de um adepto do Sporting e,
então, para analisar este caso, a grande questão jurídica era saber se se tratava de um homicídio doloso ou de
um homicídio negligente, a fronteira aqui seria entre o dolo eventual e a negligência consciente.

O adepto mandou o very light, imaginaram os tribunais, para acertar no campo, mas a verdade é que caiu
ainda na bancada em cima de um adepto. Portanto, aquele adepto do Benfica representou como possível que
o very light caísse em cima do adepto do Sporting e disse “pode acontecer, mas eu quero na mesma atirar o
very light”, ele representou esse resultado como possível, apesar de não ser esse o plano, mas ainda assim
atirou, conformou-se com a representação típica.

Nos casos de dolo eventual é preciso, ainda assim, fazer apelo a um critério de probabilidade:

Nestes casos, não estamos perante hipóteses em que a realização típica é absolutamente inviável, uma
possibilidade remota, insignificante. Nestes dois casos que vimos acima, era, pelo menos, provável que a
realização típica viesse a acontecer, que os dois homicídios se viessem a verificar.

Assim, no dolo eventual só tratamos de casos em que haja realmente uma probabilidade da realização típica.

Exemplo: Se estivermos a falar de crime de ofensa à integridade física ou homicídio por infeção com o vírus
da SIDA, que, hoje em dia, tem entre 0% e 0,1% de probabilidade de se dar, é ínfima, remota. O dolo
pressupõe que essa consequência lateral de infeção seja tomada como possibilidade real e, para ser tomada
como tal, não pode ser um mero perigo abstrato verificável 0,1% dos casos.

Temeridade — Dr. Figueiredo Dias:

Note-se que esta fronteira entre dolo eventual e negligência consciente é muito ténue e é por isso que
Figueiredo Dias defende que:

Temos uma modelo de imputação subjetiva bipartido, dolo e negligência. O professor sugere que deve
haver, aqui, um sistema tripartido, um terceiro, a que chamou “temeridade”:

Figueiredo Dias juntaria o dolo direto e intencional e dolo direto necessário (1ª categoria do dolo), os casos
de dolo eventual e negligência consciente (2ª categoria) e negligência inconsciente (3ª categoria). Isto
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porque, entre o dolo eventual e a negligência consciente, é muito difícil fazer uma distinção. Já a diferença
da severidade da sanção aplicada em função dessa distinção é avultada — do ponto de vista sancionatório
faz toda a diferença imputar um crime por negligência ou por dolo eventual.

CONCLUINDO

• Para haver um crime doloso é sempre preciso que o agente represente o facto;

• Se não representa algum dos elementos do facto (elemento intelectual e elemento volitivo), exclui-se o
dolo — Art. 16º/1 CC;

• Além do agente ter de conhecer todos os elementos do facto, nos crimes de resultado é preciso que tenha
conhecimento da conexão entre a ação e o resultado. Se não o tem, esse erro pode ser relevante, na
esmagadora maioria dos casos;

• Relativamente ao elemento volito temos sempre de ver se há intenção ou apenas conformação com o
resultado e, em função disso distinguir o tipo de dolo;

• O dolo eventual exige a conformação e a negligência consciente a não conformação (o que é difícil de
distinguir na prática).

Estrutura do exame:

Pergunta teórica

Normalmente relacionada com a distinção de categorias de crime.

Exemplo: é nos apresentado um crime de burla, e temos de classificar o crime como de burla, de dano, de
perigo, de resultado…

3 casos práticos

Nota: ser objetivo na resposta; saber bem as considerações teóricas.

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