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A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA:

Desde a Roma antiga se tem que a pessoa jurídica não pode ser punida
penalmente, posto que é um direito “construído” (toda a dogmática) para
pessoas físicas.

"societas delinquere potest" em contraposição ao


anteriormente sedimentado "societas delinquere non potest".

Modernamente, porém, esse cenário está se alterando e cada vez mais


se passa a discutir a possibilidade de responsabilizar criminalmente a
pessoa jurídica. Uma das razões é justamente o ganho de força e poder
por parte das pessoas jurídicas (filme The Corporation) e,
consequentemente, pela extensão dos danos produzidos por condutas
advindas de pessoas jurídicas.

Já se reconheceu que das cem maiores economias do mundo, 29 são


empresas, e não países.

A General Motors, por exemplo, é maior do que a economia do Peru, a


Ford é maior do que a Nigéria. A Toyota é igual a economia do Uruguai e
da Guatemala, juntas. E Cuba e Volkswagen são do mesmo tamanho,
praticamente.

A primeira teoria que tratou da responsabilidade da pessoa jurídica foi a


“teoria da ficção” (Savigny), que dizia que a pessoa jurídica só tem
existência fictícia e que, por isso, não pode delinquir (não tem conduta,
não tem vontade, não tem nada).

No final do séc. XIX, surge a chamada “teoria da realidade” (Otto Gierke),


na qual a pessoa juridica passou a ser comparada a um organismo
biológico: ela teria cérebro (governo), sistema nervoso (comunicações),
células (indivíduos), etc.

Não seria um ser artificial, mas um ser real e vivo e que atua como os
seres vivos, embora de modo distinto. Para essa teoria, a empresa teria
vontade, e essa não seria simplesmente a soma de vontades dos
administradores e sócios. Por isso, teria capacidade de delinquir.
Nas lições de Washington de Barros Monteiro, “a pessoa jurídica tem
assim realidade, não a realidade física [peculiar às ciências naturais],
mas a realidade jurídica, ideal, a realidade das instituições jurídicas.”

Para Miguel Realie, a pessoa jurídica, “não é algo de físico e de tangível


como é o homem, pessoa natural.”

No Brasil, o surgimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica –


que só existe, por enquanto, em crimes ambientais, veio por conta de
dois dispositivos constitucionais:

i) Art. 173, §5º, CR, que diz “a lei, sem prejuízo da


responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,
estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-as às
punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados
contra a ordem econômica e financeira e contra a economia
popular”.

Parte da doutrina diz que quando a lei menciona a palavra


“responsabilidade”, admite-se que seja, também, responsabilidade penal,
porque em seguida fala de “punições”.

Juarez Cirino discorda. Diz que só está escrito “responsabilidade”, não


responsabilidade penal. Pode ser civil, administrativa. Que a CR não iria
revogar o princípio da pessoalidade assim, “discretamente”.

Ademais, essencial a informação trazida por Luiz Luisi, em seu artigo


“notas sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas”, onde
afirma que em levantamento histórico da elaboração deste §5º do art.
173, na Comissão de Sistematização, observou-se que a redação era: “a
lei sem prejuízo da responsabilidade individual dos integrantes da pessoa
jurídica estabelecerá a responsabilidade criminal desta”.

Este texto não foi aprovado pelo Plenário da Constituinte. O texto


aprovado refere que devem ser aplicadas à pessoa jurídica “punições
compatíveis com sua natureza”. Assim, ao não aprovar a expressa e
literal referência à responsabilidade criminal da pessoa jurídica, parece
evidente que o constituinte recusou-se a estabelecer tal
responsabilidade.
ii) Art. 225, §3º, CR, que diz: “as condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos
causados”.

O texto aqui também depende de interpretação.

Parte da doutrina que quer legitimar a responsabilidade diz que o texto


constitucional equiparou a palavra “conduta” à palavra “atividade”, e que,
assim, pessoas físicas e jurídicas teriam consequências penais e
administrativas.

Mas há quem rejeite essa interpretação, afirmando que o texto quis dizer
“respectivamente”: pessoas físicas com conduta e consequência penal e
pessoa jurídica com atividade e consequência administrativa.

De qualquer modo, a lei dos crimes ambientais (9605/98), em seu art. 3º,
previu a possibilidade de punição penal da pessoa jurídica.

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil


e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a
infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou
contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua
entidade.

O STF admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Numa primeira onde de interpretação da lei, o STF punia a pessoa


jurídica apenas concomitantemente com a pessoa física do gestor. Ou
seja, tinha de haver a responsabilidade conjunta da pessoa jurídica com
a pessoa física.

Hoje, porém, o STF e STJ estão pacificados que uma coisa independe
da outra. Pode haver punição só da pessoa física, só da pessoa jurídica
ou de ambas.

STJ, RHC 50470, de outubro de 2015.


No caso concreto, em 20/4/2009, o caminhão de uma pessoa
jurídica tombou e derramou ácido no solo, causando poluição
em níveis que pode causar danos à saúde humana.

MP denunciou a empresa. Depois, o MP quis incluir os dois


sócios proprietários da empresa como réus. STJ negou
dizendo que só o fato de serem sócios proprietários violaria o
princípio da culpabilidade. Precisa demonstrar a
responsabilidade dos sócios. Disse também que não precisa
mais denunciar pessoas físicas para que se possa denunciar
pessoa jurídica.

RE 548181, julgado em 8/2013, STF, “o art. 225, §3º, CF, não


condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por
crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa
física. A norma constitucional não impõe a necessária dupla
imputação”.

ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À RESPONSABILIDADE PENAL DA


PESSOA JURÍDICA:

- Não tem conduta (viola conceito analítico de crime nesse ponto);


- Não tem culpabilidade (como falar em dolo ou culpa?)
- Viola pessoalidade/personalidade da pena
- Incompatibilidade com a própria dosimetria da pena: como se fala em
conduta social? Personalidade?

REVISÃO DA DOGMÁTICA

A dogmática penal foi, até a Teoria Finalista, construída para pessoas


físicas – lembrar conceito analítico de crime.

Nullum crimen sine conducta.

ZAFFARONI ensina que “en el derecho penal stricto sensu las personas
jurídicas no tienen capacidad de conducta, porque el delito se elabora
sobre la base de la conducta humana individual, (...) porque el delito
según surge de nuestra ley es una manifestación individual humana.”
Para Claus ROXIN, o crime demanda um “comportamento humano
relevante no mundo exterior, dominado ou ao menos dominável pela
vontade. Efeitos causados por animais ou poderes da natureza não
constituem ações em sentido jurídico-penal, o mesmo podendo dizer-se
dos atos de uma pessoa jurídica.”

Johannes WESSELS segue na mesma linha, ensinando que “o ponto


de referência no Direito Penal é a conduta humana ligada às
consequências socialmente danosas”, pois “o homem se diferencia de
outras formas de vida pelo fato de que porta em si mesmo uma imagem
do mundo estampada por representações de valor e está apto, através
de sua potencialidade criadora, à configuração sensível de seu meio.”

E para que exista crime, é necessário que uma pessoa “capaz de ação
em sentido jurídico-penal”, por isso, “as pessoas jurídicas e
associações não são capazes de ação em sentido natural.”

Para Winfried HASSEMER “o dolo e a culpa são os dois elementos de


uma conduta humana, dos quais resulta positivamente a possibilidade
de imputação subjetiva.”

O penalista italiano Giuseppe BETTIOL ensinava que “apenas o homem


pode agir no campo penal”, e que o “sujeito capaz de ação é apenas o
homem, entendido como entidade psicofísica, como entidade que pode
cumprir uma ação animada por um processo psicológico finalístico,
ainda que não passível de reprovação”.

Por isso, “a pessoa jurídica torna-se centro de imputação de atos de


vontade expressos pelas pessoas físicas”, não havendo, no direito
penal, critérios normativos para se imputar crime à pessoa jurídica.

Isso porque, “o Direito Penal pressupõe que os seus violadores


responsáveis sejam seres inteligentes, livres e sensíveis. Mas a pessoa
jurídica é um ser abstrato, que não tem inteligência, nem liberdade,
nem sensibilidade, se bem que, por privilégio da lei, seja capaz de
prover; não é, portanto sujeito possível de delito. Isto significa que pelo
crime praticado responderá em nome próprio a pessoa física, não a
pessoa jurídica.”

Na doutrina nacional, penalistas respeitados são contrários à


responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Para René Ariel DOTTI, “o ilícito penal [crime ou contravenção] é fruto
exclusivo da conduta humana”, e assim, “somente a pessoa física pode
ser sujeito ativo da infração penal. Apenas o ser humano, nascido de
mulher pode ser considerado como autor ou partícipe do crime ou
contravenção”.

Luiz Regis PRADO defende que “falta ao ente coletivo o primeiro


elemento do delito: a capacidade de ação ou omissão típica”.

Juarez CIRINO DOS SANTOS defende ser “possível concluir que a


definição capaz de identificar o traço mais específico e, ao mesmo
tempo, a característica mais geral da ação humana, parece ser a
definição do modelo final de ação”.

Para Juarez TAVARES, “o conceito de conduta está indissoluvelmente


ligado às características da vida humana como vida de relação, da qual
emergem todos os aspectos da sociabilidade e da individualidade e
pela qual o homem se materializa e se realiza, produz, cresce, organiza
e adquire, através de repetições e atividades laborais cada vez mais
complexas, possibilidade de formular pensamentos abstratos e propor
seus respectivos objetivos.”

Para João MESTIERI, “a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo por
ser incapaz de ação [...]. Pelos atos delitivos praticados em nome da
sociedade respondem os indivíduos diretamente responsáveis pelos
fatos incriminados, e não todos os diretores, como já se pretendeu no
Direito Penal Econômico brasileiro.”

Porém, com a evolução social e dos estudos de direito penal, a


dogmática penal ganha novos contornos que permitem adequar a
responsabilidade penal da pessoa jurídica.

A principal importância do direito penal para a tutela de pessoas jurídicas


é simbólica.

Veja-se que as penas, efetivamente, que podem ser aplicadas a pessoas


jurídicas, já podem ser aplicadas pelo do direito administrativo (multa,
extinção, etc). A privação da liberdade, que é o “algo a mais” do penal,
nunca será compatível com a pessoa jurídica.
Outro ponto que vale destacar é que a responsabilidade penal da pessoa
jurídica não necessariamente é uma visão punitivista, pois ao tornar a
questão “penal”, aumentam-se as garantias [ampla defesa, contraditório,
in dubio pro reo] para a defesa, e a consequência será basicamente a
mesma que já se atinge com o direito administrativo.

* Outros países que adotam a responsabilidade penal da pessoa jurídica:


a) Inglaterra, b) alguns estados dos estados unidos, c) holanda, d)
Dinamarca, e) Venezuela, f) México, g) França.

* A Alemanha não adota a responsabilidade penal da pessoa jurídica.


Nem a Italia.

* Doutrinadores que são a favor da responsabilidade penal da pessoa


jurídica: Sérgio Salomão Shecaira, Paulo José da Costa Jr.

Como é a punição da pessoa jurídica?


Art 21, 22 e 23 e 24 Lei 9605/98.

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às


pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I - multa;
II - restritivas de direitos;
III - prestação de serviços à comunidade.

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:


I - suspensão parcial ou total de atividades;
II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter
subsídios, subvenções ou doações.
§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem
obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do
meio ambiente.
§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou
atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com
a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios,
subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica


consistirá em:
I - custeio de programas e de projetos ambientais;
II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III - manutenção de espaços públicos;
IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente,


com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei
terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado
instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário
Nacional.

O STJ havia consolidado o entendimento de que a responsabilidade


penal da pessoa jurídica dependia da atuação da pessoa física, daí
porque ambas deveriam compor o polo passivo da ação penal, com a
descrição da ação e atividade lesiva na denúncia.

E 548181 AgR / PR - PARANÁ


AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ROSA WEBER
Julgamento: 14/05/2013
Publicação: 19/06/2013
Órgão julgador: Primeira Turma

Partes
AGTE.(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL AGDO.(A/S) : PETRÓLEO BRASILEIRO S/A -
PETROBRAS ADV.(A/S) : JUAREZ CIRINO DOS SANTOS E OUTRO(A/S) INTDO.(A/S) : LUIZ
EDUARDO VALENTE MOREIRA INTDO.(A/S) : HENRI PHILIPPE REICHSTUL

Ementa
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL.
CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO À
IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO DA PESSOA FÍSICA. Tese do condicionamento da
responsabilização penal da pessoa jurídica à simultânea identificação e persecução penal da pessoa
física responsável, que envolve, à luz do art. 225, § 3º, da Carta Política, questão constitucional
merecedora de exame por esta Suprema Corte. Agravo regimental conhecido e provido.

RE 548181

Órgão julgador: Primeira Turma


Relator(a): Min. ROSA WEBER
Julgamento: 06/08/2013
Publicação: 30/10/2014
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL.
CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO
DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE
NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição
Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à
simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma
constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da
atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo
inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3.
Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa
física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário
não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos
crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às
corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e
agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada
no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no
exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no
interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar
determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização
da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não
raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo
que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário
parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido.

HC 92921

Órgão julgador: Primeira Turma


Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 19/08/2008
Publicação: 26/09/2008
Ementa
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. HABEAS CORPUS PARA
TUTELAR PESSOA JURÍDICA ACUSADA EM AÇÃO PENAL. ADMISSIBILIDADE. INÉPCIA DA
DENÚNCIA: INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA QUE RELATOU a SUPOSTA AÇÃO CRIMINOSA DOS
AGENTES, EM VÍNCULO DIRETO COM A PESSOA JURÍDICA CO-ACUSADA. CARACTERÍSTICA
INTERESTADUAL DO RIO POLUÍDO QUE NÃO AFASTA DE TODO A COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA.
EXCEPCIONALIDADE DA ORDEM DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA. I
- Responsabilidade penal da pessoa jurídica, para ser aplicada, exige alargamento de alguns conceitos
tradicionalmente empregados na seara criminal, a exemplo da culpabilidade, estendendo-se a elas
também as medidas assecuratórias, como o habeas corpus. II - Writ que deve ser havido como
instrumento hábil para proteger pessoa jurídica contra ilegalidades ou abuso de poder quando figurar
como co-ré em ação penal que apura a prática de delitos ambientais, para os quais é cominada pena
privativa de liberdade. III - Em crimes societários, a denúncia deve pormenorizar a ação dos denunciados
no quanto possível. Não impede a ampla defesa, entretanto, quando se evidencia o vínculo dos
denunciados com a ação da empresa denunciada. IV - Ministério Público Estadual que também é
competente para desencadear ação penal por crime ambiental, mesmo no caso de curso d'água
transfronteiriços. V - Em crimes ambientais, o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta, com
conseqüente extinção de punibilidade, não pode servir de salvo-conduto para que o agente volte a poluir.
VI - O trancamento de ação penal, por via de habeas corpus, é medida excepcional, que somente pode
ser concretizada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime, estiver extinta a punibilidade,
for manifesta a ilegitimidade de parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. VII
- Ordem denegada.

HC 192204
Órgão julgador: Segunda Turma
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 17/05/2022
Publicação: 15/09/2022
Ementa
Habeas corpus. Trancamento de processo penal. Excepcionalidade reconhecida. 2. Denúncia oferecida
contra o presidente de sociedade empresária causadora de dano ambiental apenas em razão da posição
de direção. Inexistente, no caso concreto, qualquer narrativa fática que especifique conduta comissiva ou
omissiva a ser enquadrada nos tipos penais indicados. Vedação à responsabilidade penal objetiva.
Precedentes da Corte. 3. Ordem concedida para determinar o trancamento do processo penal.
A mais recente posição do Supremo Tribunal Federal
– Perdemos a batalha

Publicado por Rômulo de Andrade Moreira

Por maioria de votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal


Federal reconheceu a possibilidade de se processar penalmente
uma pessoa jurídica, mesmo não havendo ação penal em curso
contra pessoa física com relação ao crime.

A decisão determinou o processamento de ação penal contra a


Petrobras, por suposta prática de crime ambiental no ano de
2000, no Paraná.
Segundo o voto da Ministra Rosa Weber, a decisão do Superior
Tribunal de Justiça violou diretamente a Constituição Federal,
ao deixar de aplicar um comando expresso, previsto no
artigo 225, parágrafo 3º, segundo o qual as condutas lesivas ao
meio ambiente sujeitam as pessoas físicas e jurídicas a sanções
penais e administrativas. Para a relatora do Recurso
Extraordinário, a Constituição não estabelece nenhum
condicionamento para a previsão, como fez o Superior
Tribunal de Justiça ao prever o processamento simultâneo da
empresa e da pessoa física.
A Ministra afastou o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça segundo o qual a persecução penal de pessoas jurídicas
só é possível se estiver caracterizada ação humana individual.
Segundo seu voto, nem sempre é o caso de se imputar
determinado ato a uma única pessoa física, pois
muitas vezes os atos de uma pessoa jurídica podem
ser atribuídos a um conjunto de indivíduos.

“A dificuldade de identificar o responsável leva à


impossibilidade de imposição de sanção por delitos
ambientais. Não é necessária a demonstração de coautoria da
pessoa física”, afirmou a Ministra, para quem a exigência da
presença concomitante da pessoa física e da pessoa jurídica na
ação penal esvazia o comando constitucional.

A relatora também abordou a alegação de que o legislador


ordinário não teria estabelecido por completo os critérios de
imputação da pessoa jurídica por crimes ambientais, e que não
haveria como simplesmente querer transpor os paradigmas de
imputação das pessoas físicas aos entes coletivos. “O mais
adequado do ponto de vista da norma constitucional será que
doutrina e jurisprudência desenvolvam esses critérios”,
sustentou.

Ao votar pelo provimento do Recurso Especial, a relatora foi


acompanhada pelos Ministros Luís Roberto Barroso e Dias
Toffoli. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Luiz
Fux.

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