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A legítima defesa é hoje tida pela quase generalidade da doutrina como uma causa de
exclusão da ilicitude, constituindo o exercício de um direito, direito esse de defesa. Com
efeito e conforme é também entendimento unânime, a protecção dos indivíduos dentro de um
Estado de Direito Democrático deve, em linha de princípio, ser garantida pela autoridade
pública. O Estado detém o monopólio da força pública, sendo apenas a ele que, em princípio,
é lícito usar essa força para garantir a protecção dos seus cidadãos e garantir, igualmente, o
império do Direito sobre a ilicitude. Sucede, entretanto, que dada a constante dinâmica das
relações sociais, sempre caracterizada por situações imprevisíveis, o Estado (por meio de seus
agentes) não se encontra em todo o lado para proteger os seus cidadãos.
Não raras vezes ocorre que os cidadãos são vítimas de agressões ilícitas em situação
em que não é possível, em tempo útil, recorrer à força pública para prevenir ou suspender a
agressão. Porque esse não pode ser um motivo para que a ilicitude triunfe sobre o Direito, a
ordem jurídica admite que em certas ocasiões, verificados certos requisitos, os cidadãos
possam usar dos meios ao seu dispor para prevenir, repelir ou suspender a agressão de que
sejam vítimas; nesses casos, a sua actuação será lícita, porque os mesmos estarão agindo no
exercício de um direito: o direito de legítima defesa. A protecção individual e o
prevalecimento aparecem então como as duas ideias fundamentais que sustentam a figura da
legítima defesa. Porém, ocorre, não raras vezes, que a agressão é provocada pela própria
vítima por meio de uma acto culposo ou mesmo doloso. Donde se coloca a seguinte questão:
pode o provocador repelir sob o manto da legítima defesa, uma agressão por si provocada?
Antes de passar para o grupo das orientações opostas, aquelas que admitem a legítima
defesa do provocador, curamos de apresentar uma fundamentação teorético-dogmática do
instituto da legítima defesa. Depois de apresentar o segundo grupo de orientações
doutrinárias, terminando adoptando a minha posição final.
Objectivos
Objectivo Geral
Fazer uma análise da legitima defesa como uma das causas de exclusão e de Ilicitude
Objectivo Específicos
Metodologia
Para o desenvolvimento do presente trabalho, a recolha de informação ou de dados
recorreu à seguida da análise da informação para a sua harmonização e posteriormente a sua
compilação. Ou seja a recolha de informações baseou-se na utilização de informação já
existente em documentos anteriormente elaborado com o objectivo de obter dados relevante
para responder as questões de investigação do conteúdo.
Justificativa
Problema de Pesquisa
Objectivos do Estudo
Hipótese
Conceitos e revisão da literatura
Metodologia
Organização do Trabalho
Enunciado Geral
O instituto da legítima defesa encontra-se previsto no artigo 51, n.º1, al.b) do Código
Penal, inserido naquelas que o mesmo artigo chama de causas de justificação do facto e da
exclusão da culpa. A explicitação dos requisitos do instituto da Legítima Defesa só aparece,
porém, no artigo 53º do Código Penal o qual dispõe que “Só pode verificar-se a justificação
do facto nos termos do artigo 51, n.º1, al.b), quando concorrerem os seguintes requisitos:
Agressão ilegal em execução ou iminente que não seja motivada por provocação, ofensa
ou qualquer crime actual praticado pelo que defende;
Impossibilidade de recorrer à força pública;
Necessidade racional do meio empregado para suspender ou prevenir a agressão;
Com efeito, de acordo com o Prof. Eduardo Correia, “por todos lados, na verdade, se
considera que a legítima defesa exclui a ilicitude, até porque constitui o exercício de um
direito: o direito de legitima defesa, o uso de um meio necessário e exigido para a defesa de
uma agressão actual e ilícita de bens jurídicos do agente ou terceiro”. Interpretando a citada
disposição normativa do artigo 53º do Código Penal, alicerçados nas lições do professor
Eduardo Correia, temos que a figura da legítima defesa encontra-se condicionada à
verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
Agressão
Ilícita
Para que represente uma condição idónea de legítima defesa, a agressão tem de ser
antijurídica, o que, no entender da Professora Teresa Beleza “quer dizer, uma agressão que
pode até eventualmente não ser criminosa (por exemplo, uma agressão praticada por um
inimputável, não é criminosa na medida em que ele não é susceptível da culpa) mas em
relação à qual a pessoa agredida não é obrigada a suportá-la”.
Nos termos da al. a) n 1º do artigo 53º do Código Penal, a legítima defesa só pode dar-
se contra uma agressão “em execução ou iminente ”, nisto consiste o requisito da actualidade
da agressão. Nas palavras do penalista Manuel Lopes Maia Gonçalves “só há um direito de
defesa contra agressões actuais, e isto porque destinando-se a defesa a evitar uma lesão, não
se compreenderia que a lei o reconhecesse contra lesões futuras ou passadas. A actualidade
significa que a agressão deve estar em execução ou iminente, isto é, que existem já actos que
segundo a experiência comum, conduzem a consumação”.
Já Eduardo Correia afirma que “muito se tem discutido sobre se pode realizar os
pressupostos da legítima defesa, agressão dolosa ou culposamente provocada pelo agredido”.
Por sua vez o penalista alemão Claus Roxin nota a respeito que “uma posição especial
corresponde à provocação intencional, que é muito discutida mas na pratica quase não se da
ou não se pode demonstrar”. Resultando assim clara a natureza controvertida deste requisito
que se encontra na base do presente trabalho. Por aqui basta esta enunciação sumária dos
requisito porquanto já a seguir passo a apresentar com o devido detalhe e clareza os contornos
do mesmo como ponto de partida na caminhada que se pretende seguir no presente trabalho.
Já foi dito acima que o artigo 53º, n.1, al.a) do Código Penal moçambicano que
enuncia os requisitos da legítima defesa, estabelece que para que a agressão possa
fundamentar esta figura, é necessário que a mesma “não seja motivada por provocação” por
parte de quem defende. Por provocação deve entender-se “tudo quanto suscite cólera.
Traduz o acto de excitar, incitar, insultar, tentar, fazer alguém sair do seu estado normal de
tranquilidade”.
E aqui se coloca então a questão fundamental: pode o A repelir essa agressão (com
outra agressão) socorrendo-se no instituto da legítima defesa? Por outras palavras, é ou não
admitida a legítima defesa do provocador contra a agressão por si provocada? Com efeito,
interpretando à letra da al.a) do n.1 do artigo 53º do Código Penal, o problema é resolvido de
modo muito simples: a agressão foi provocada? Então contra ela não há legitima defesa. A
agressão inversamente, não foi provocada pelo defendente? Então contra ela admitir-se-á a
legítima defesa do provocador!
Uma boa parte da doutrina exclui por completo a legitima defesa quando defendente
tenha provocado a agressão. Considera esta parte da doutrina que o exercício da legítima
defesa por parte do provocador configuraria uma situação de abuso de direito pelo que nestes
casos, deve-se afastar por completo a legítima defesa e responsabilizar penalmente o agredido
provocador pelo dano doloso ao agressor. Entretanto, o assunto complica se quando a prática
monstra que as provocações não são todas da mesma intensidade ou gravidade, não podendo
por isso ter as mesmas considerações a luz do Direito Penal. Na verdade, como coloca Maia
Gonçalves “seria dificilmente justificável que uma provocação nos moldes gerais afastasse só
por si, a possibilidade de um direito de defesa”.
Nesta sede, tem se vindo a desenvolver uma corrente doutrinária que aponta para a
necessidade de muita cautela na interpretação deste requisito esse que, aliás, tem desaparecido
em muitos códigos penais da actualidade. Estudaremos em profundidade, mais adiante, os
fundamentos apresentados para o sustento das duas posições divergentes até hoje defendidas
pela doutrina.
Já ficou aqui dito que a maior parte da doutrina exclui totalmente a legítima defesa do
provocador agredido. Ficou igualmente dito que esta é a leitura que se impõe no âmbito de
uma interpretação literal da al.a), n.1 do artigo 53º do Código Penal. Uma primeira orientação
doutrinária é a que parece ser defendida por Cavaleiro de Ferreira o qual, reflectindo sobre a
questão do excesso da Legitima Defesa defende que tal figura “abrange os casos chamados
de excesso na causa, isto é, justamente aquela hipótese em que alguém, tendo provocado
outrem se defende perante uma reacção desproporcionada do provocado; tal defesa não
seria legítima mas beneficiaria, em todo o caso, do tratamento privilegiado do excesso de
legítima defesa”.
Como bem o diz Eduardo Correia, para a corrente segundo a qual toda a provocação
inicial exclui a legitimidade da defesa posterior do provocador “o excesso na causa
aparecerá assim como um “remédio” para a situação, deveras chocante, de se ter de
deixar o autor de uma provocação insignificante inteiramente a merecer do provocado”.
Assim sendo, a agressão defensiva do provocador não veria a sua antijuridicidade excluída
nos termos da legítima defesa em si, mas ver-se-ia beneficiada pelo instituto do excesso, o que
levaria à sua não punibilidade. Outra orientação no sentido de excluir totalmente a legítima
defesa do provocador sustenta-se no entendimento de que o exercício da legítima defesa por
parte do provocador configuraria uma situação de abuso do direito que no nosso Direito é
caracterizado como sendo o exercício de um direito quando o titular excede manifestamente
os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse
direito. Um ponto importante a notar-se nesta orientação é que, na verdade, ela aceita a
existência do direito de legítima defesa por parte do provocador, porquanto só assim se
compreenderá a invocação da figura do abuso de direito já que “o abuso de direito pressupõe
logicamente existência do direito, embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes”.
A ordem jurídica já não deve ser interpretada tendo em conta apenas o interesse do
indivíduo e sim como instrumento de prossecução de fins sociais nomeadamente, a paz e a
segurança. Nesse entendimento, ainda que se reconheça ao provocador um certo direito de
defesa pelo facto de estar a ser vítima do provocado, entende-se que exercício desse direito é
uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante. Assim sendo, porque
no final de contas o provocador agredido acaba sendo punido pelo seu acto defendente, esta
teoria acaba dando no mesmo resultado de exclusão da legítima defesa do provocador. Por
último, outra orientação que dá no mesmo resultado (punição do provocador) é a dos autores
que consideram que subsiste o direito à legítima defesa pelo menos enquanto faltar em
absoluto a possibilidade de esquivar, fazendo porém responder o provocador “pela
provocação culpável da situação de legítima defesa como autor doloso do resultado por si
causado”.
É a construção denominada “actio illicita in causa”. Esta é uma construção que foi
originariamente criada para as situações em que o agente se coloca culposamente em estado
de inimputabilidade, em razão de incapacidade mental acidental (como ocorre, por exemplo
com alguém que se intoxique com uma quantidade excessiva de álcool ou com uma excessiva
dose de outras drogas) para posteriormente, neste estado de incapacidade, cometer delitos
com a intenção de se furtar à responsabilidade, que seria afastada em razão do seu estado (por
exemplo, o agente que esse embriaga e vem a cometer homicídio). Como justificar então a
punição do homicídio se o mesmo foi praticado no estado em que o agente se encontrava
“acidentalmente privado do exercício das suas faculdades intelectuais no momento de cometer
o facto punível?
A solução foi entender que o delito cometido posteriormente pelo agente (no nosso
caso, homicídio) foi querido pelo mesmo no momento em que ele se pôs nas condições de o
poder cometer, designadamente ao colocar-se em estado de distensão da sua capacidade de
intelecto. Ou seja, a acção (do homicídio) olhada no momento em que se pratica, realmente
poderá não ser ilícita já que a mesma é cometida por um agente acidentalmente incapaz,
porém, tendo em conta que para a praticar o agente colocou-se culposa ou dolosamente num
certo estado, deve-se entender então que a acção é ilícita pela sua causa: a colocação dolosa
ou culposa em estado de inimputabilidade acidental ou relativa.
As orientações apresentadas acima e que tem como intuito afastar por completo a
legitima defesa do provocador não convencem de todo. Com efeito, a construção de “excesso
da causa” desenvolvida pelo Prof. Cavaleiro de Ferreira mereceu uma forte crítica do Prof.
Eduardo Correia que entende que o conceito de excesso não pode de modo algum abranger
reacções contra agressões em “que não convirjam os requisitos enunciados no n 1 do artigo
46” do Código Penal, sendo certo também que na defesa, e para que o seja, também, tem
sempre de estar presente o “animus defendendi”. No mesmo diapasão alinha Maia
Gonçalves, para o qual “embora a questão não esteja encerrada, é hoje doutrina dominante e
jurisprudência uniforme que há excesso de legítima defesa somente quando, verificando-se
todos os pressupostos da Legitima defesa, o agente usa meios excessivos. O excesso da
legítima defesa é assim um excesso nos meios empregados”.
Para estes autores a figura do “excesso” deve apenas ser chamada naquelas situações
em que os requisitos da legítima defesa se verificam em pleno, ocorrendo apenas que o
defendente que se encontra em situação de legitimamente se defender usa de meios
desnecessários ou desapropriados. Não pode assim esta construção caracterizar ou resolver o
problema da possibilidade da legitima defesa do provocador já que, aliás, hoje em dia deve
considerar-se por opinião dominante a ideia de que “a agressão pré-ordenada, isto e,
intencionalmente dirigida a criar condições de legítima defesa para, sob o manto formal do
direito que dela emerge, obter a exclusão da ilicitude de facto que preenche um tipo legal de
crime, impede pura e simplesmente o funcionamento do direito da legítima defesa”. Já quanto
à teoria segundo a qual a legítima defesa do provocador deve ser completamente excluída por
configurar a situação de abuso de direito, Claus Roxin entende que a mesma não pode ser
inteiramente aceite pelo menos enquanto a provocação não tiver a característica da
antijuridicidade. Com efeito, segundo Roxin, “quem actua conforme o Direito, por exemplo,
o polícia ou agente judicial em exercício de seu cargo, conserva plenamente seu direito a
legítima defesa ainda que espere provocar o afectado com a sua intervenção, cumprindo o
seu dever e poder golpeá-lo por intermédio da legítima defesa, pois o único que se exige é
que as pessoas se comportem conforme ao Direito”.
Quanto à solução da “actio illicita in causa” que pretende que o provocador deve
esquivar-se fazendo-o entretanto responder pela provocação culpável de uma situação de
legítima defesa como autor doloso do resultado por ele causado, Claus Roxin contrapõe que
“esta solução não pode convencer em sua construção, pois por exemplo se o provocador,
mata por um disparo o provocado, conforme seu plano para repelir a agressão, tal
construção obrigaria a admitir que uma mesma acção (o disparo) é tanto jurídica como
antijurídica: jurídica e conforme ao Direito enquanto legítima defesa e antijurídica enquanto
consumação de um de um delito de homicídio doloso posto em marcha pela ilícita causa. Isto
é contraditório e, no aspecto construtivo, é um rodeio gerador de confusão: pois se castiga
com razão, ao provocador por um delito doloso, a aprovação da legítima defesa não é mais
do que aparente”. Com isto ficam profundamente abalados a fundamentos das principais
teorias que pretendem excluir de todo o direito de legítima defesa do provocador agredido.
Com efeito, na sua quase totalidade todas teorias recorrem a construções algo
artificiais cuja coerência não tem a forca suficiente e requerida no campo de Direito Penal
onde, mais do que simples formulações sistemáticas, exige-se a apresentação de uma
justificação sólida, justa e consistente sempre que em causa está a possibilidade de
responsabilizar alguém, imputando-lhe a pratica de um certo delito. Mas esta conclusão, se
assim se pode chamar, menos do que resolver a nossa questão fundamental, adensa ainda mais
as nossas interrogações, colocando mais a nu a questão central do presente trabalho: deve ou
não ser admitida a legítima defesa do provocador? Perante a situação em que alguém de forma
consciente e com recurso aos mais variados meios incita à cólera de outrem, colocando-se
objectivamente em situação de perigo (dada a possibilidade seria de esse outrem vir a agredi-
lo) nessa situação, e em caso de o provocado vir realmente a avançar para uma agressão,
pode, o provocador amparar-se na legítima defesa para se defender?
Parece-nos mais aceitável esta última posição que faz concorrer como ideias
fundamentadoras da legítima defesa a protecção individual do agredido e o prevalecimento do
Direito sobre a ilicitude. Com efeito, a legitimação da actuação do defendente contra o
agressor aparece prima facie justificada pela ideia de que não se pode deixar o agressor agir
livre e impunentemente pelo simples facto de naquele momento não ser possível, para o
agredido, o recurso à força pública. Não pode o agressor (que nesse momento representa a
face visível da ilicitude e do injusto) singrar tranquilamente na sua actuação anti-jurídica, ou
seja, “o Direito não tem que recuar ou ceder nunca perante a ilicitude”. A legítima defesa
aparece assim justificada pelo sentimento enraizado na consciência da sociedade de que é
sempre o bem que deve vencer o mal, o justo prevalecer sobre o injusto e, em última análise, é
o Direito que deve prevalecer sobre a ilicitude. Por outro lado, porém, não se pode pôr de lado
o facto, como diz Claus Roxin, de que “a legítima defesa é para o particular um direito
enraizado na consciência jurídica do povo, o que desde logo dá como consequência que os
bens jurídicos que se pretende com ela salvaguardar são bens jurídicos particulares e não
bens jurídicos públicos”.
Por outro lado, porque a agressão do provocado continua sempre sendo anti-jurídica,
parece claro que seria absolutamente contra o princípio do prevalecimento do Direito a ideia
de que o provocado é livre de agredir tranquilamente o provocador, cimentando o
entendimento de que a agressão do provocado não seria juridicamente censurável.
Entendemos que no provocador agredido, mesmo dado o facto da provocação, continua
vincando a necessidade de protecção individual e de prevalecimento do Direito por meio do
justo afastamento da agressão. Dito por outras palavras, partilhamos o pensamento daqueles
que autores que defendem que mesmo considerando o facto de que a agressão não se teria
dado caso não tivesse havido provocação do agredido, este último continua sempre podendo
afastar a referida agressão, amparando-se no instituto da legítima defesa. Entretanto não há
completa uniformidade nas teorias que aceitam a legítima defesa do provocador, havendo
aquelas que entendem que será necessário considerar os diversos graus da provocação para
que se possa ajuizar sobre a admissão ou não da legítima defesa do provocador e aquelas que
entendem que independentemente do grau da provocação, a agressão do provocado é sempre
uma agressão ilícita, susceptível de ser repelida pelo provocador com recurso à figura da
legítima defesa. Não queremos aqui antecipar conceitos ou posições. Vamos, a seguir, estudar
detalhadamente os contornos das mencionadas orientações, num caminho que nos levará à
posição final adoptada a respeito deste tema.
Já ficou dito acima que no grupo das orientações doutrinárias que admitem a legítima
defesa do provocador, algumas delas chamam atenção à necessidade de graduar a provocação,
como pré-requisito para se ajuizar da admissibilidade ou não da legítima defesa do
provocador. Quando essa provocação não é imediata, não serve para destruir nem para
menoscabar o direito de defesa. Provocação suficiente, relevante, adequada têm sido os
termos comummente utilizados por aqueles autores que entendem que a legítima defesa do
provocador pode ser admitida mas apenas em determinados casos. No geral, o entendimento
defendido por esses autores é de que quando o acto provocador for de menor intensidade, por
exemplo, uma injúria de pouca gravidade, o provocador sempre manterá intacto o seu direito
de se defender contra a eventual agressão resultante da provocação mas, inversamente, se o
acto do provocador configurar um acto de provocação intensa, relevante, suficiente, então não
haverá porque garantir um direito de defesa do provocador. Mas como é que se pode aferir a
“suficiência” de uma provocação em termos de se entender que a mesma é suficientemente
relevante para excluir a legítima defesa do provocador? Existirá um critério objectivo que nos
permita ajuizar com a certeza que se exige no Direito Penal da intenção agressiva (mas
disfarçadamente ofensiva) do provocador?
Teresa Beleza começa por nos lembrar que o requisito da ausência de provocação é
um requisito legalmente exigindo referindo que “al. a) do n. 1 do artigo 53 do Código Penal
diz que esta agressão, pressuposto da legítima defesa não deve ser motivada por provocação,
ofensa ou qualquer crime actual praticado pelo que defende. Isto é, uma pessoa que
provoque uma agressão de outra não pode, em princípio, responder-lhe em legítima defesa” .
Entretanto, logo a seguir, a professora adverte que esta disposição legal é de se entender com
um certo cuidado, porquanto “qualquer provocação insignificante, como, por exemplo, uma
injúria de pequena, em relação a ela não faz sentido dizer que a reacção do injuriado é, por
hipótese, tentar matar a pessoa que o injuriou, não faz sentido aqui dizer que a pessoa que
injuriou não tem o direito de se defender” e conclui Teresa Beleza indicando que “parece que
é correcto, esse é o entendimento geral, que a provocação, para excluir a possibilidade da
legítima defesa, deve ser uma provocação preordenada”. Teresa Beleza introduz assim um
termo novo para a discussão, a saber, o conceito de provocação preordenada. É um conceito
desenvolvido por outro grupo de orientações, aquelas que entendem a provocação, suficiente
ou não, não pode excluir a legítima defesa.
Entretanto, avança Roxin, “quem com uma conduta antijurídica provoque o outro a
cometer uma agressão com a intenção de lesioná-lo, não pode amparar-se na legítima
defesa: com efeito, por uma parte não necessita de protecção diante da situação de perigo
em que se colocou a si próprio com a sua conduta antijurídica; e, por outro lado, não faz
prevalecer o Direito quando como provocador antijurídico está pondo em cena uma
agressão com fins danosos”. Do até aqui exposto quanto ao pensamento de Claus Roxin, já
se pode retirar algumas linhas orientadoras do pensamento deste autor no que refere ao tema
do presente trabalho. Uma primeira conclusão será no sentido de que a provocação, para
poder excluir o direito de defesa do provocador, face à agressão do provocado, deve ser anti-
jurídica, ou seja, consubstanciar uma afronta às normas do Direito.
Significa isto dizer que a provocação que exclui a legítima defesa não deve apenas ser
“suficiente” como entendem outros autores. Com efeito, a provocação pode ser suficiente para
excitar o provocador e criar nele condições adequadas para a prática de uma agressão, mas
mesmo assim, não ser idónea, no entender de Roxin, para excluir por completo a legítima
defesa do provocador pelo facto de a mesma não ser anti-jurídica, ou seja, ser justificada face
ao Direito. Na realidade, “quem actua conforme o Direito, por exemplo, como polícia ou
agente judicial no exercício do seu cargo, conserva plenamente o seu direito à legítima
defesa inclusive quando espera provocar o afectado com a sua intervenção cumprindo o seu
dever e poder tirá-lo por intermédio da legítima defesa”. Assim, a antijuridicidade aparece
como requisito fundamental para que a chamada provocação intencional possa excluir a
legítima defesa do provocador.
Uma outra conclusão que desde já se pode retirar do pensamento exposto de Claus
Roxin e que deriva da primeira, é que o fundamento principal da exclusão da legítima defesa
do provocador antijurídico é o facto de na sua suposta legítima defesa não se acharem
materializadas ideias essenciais que fundamentam este instituto, designadamente, a protecção
do indivíduo e o prevalecimento do Direito. Com efeito, no entender de Roxin, nem se pode
defender o entendimento de que se for impossível esquivar, inclusive o provocador há-de
poder actuar em legítima defesa, porque o Direito não o pode colocar na situação sem saída
de, ou entregar a sua vida e integridade ao agressor ou ter de incorrer em responsabilidade
penal.
É que “o provocador não perceberá como algo sem saída, senão como resultado
desejado de seu plano manipulador. Entender a falta de possibilidade de fuga é inadequado
teleologicamente: pois, porque vai ter de conservar o provocador o direito de legítima defesa
só porque não pode fazer o que não quis fazer em absoluto?”, questiona o jurista alemão.
Fica assim claro que no entender de Roxin, o provocador agredido não necessita de protecção
do Direito quando actue nos termos de uma provocação preordenada. Por outro lado, tendo
em conta o facto de que a agressão do provocador é tida simplesmente como resultado
adequado e inicialmente querido pelo provocador, não será pela suposta legítima defesa deste
último que o Direito prevalecerá.
Mas que caracteres há-de comportar, afinal a tal provocação jurídica aqui erigida por
Roxin como elemento excludente da legítima defesa? E que dizer de uma conduta
provocadora que não seja antijurídica mas que seja éticosocialmente reprovável? Sim, porque
ocorrem, não raras vezes, situações de pequenas alusões, faltas de trato, etc. que não chegam a
constituir aquilo que juridicamente se pode qualificar de injúria ou de lesão geral do direito de
personalidade. Porém, são condutas reprováveis ético-socialmente. Daí a questão: será que
estas condutas também excluem por completo a legítima defesa do provocador? A questão
parece poder responder-se recuando no próprio pensamento de Roxin, para onde o jurista
alemão aponta que só pode excluir a legítima defesa do provocador a provocação intencional
e antijurídica, entendendo-se assim que a conduta, mesmo que seja ético-socialmente
reprovável, senão for antijurídica, não será idónea para excluir a legítima defesa do
provocador. Entretanto, Roxin não conclui levemente desse modo, preferindo precisar um
pouco mais os caracteres da provocação excludente da legítima defesa.
Desde logo, Roxin avança que “o correcto será exigir, para que uma conduta prévia
restrinja a legítima defesa que prejudique de modo antijurídico do lesado”, já que “o que
debaixo de lintel da antijuridicidade seja ético-socialmente reprovável é algo que não se
pode abarcar em categorias jurídicas e, portanto, continua sendo algo demasiado vago”. Ao
lado do elemento de antijuridicidade, haverá que exigir também que a conduta prévia
antijurídica tenha uma estreita conexão temporal e uma adequada proporção com a agressão
que provoca. Quem injuriou outrem não terá restringidas as suas faculdades de legítima
defesa se o injuriado o atacar um ano depois; e quem é culpado por danos leves e é objecto de
uma agressão agressiva totalmente desproporcional (como uma tentativa de assassinato por
parte do provocado) não tem que sofrer redução alguma de suas faculdades defensivas.
Já dissemos que a par das orientações já acima analisadas, que admitem a legítima
defesa, submetendo-a, porém, a alguns condicionalismos (condicionalismos que têm que ver
com os caracteres de suficiência da própria provocação considerada no caso concreto), autores
há que entendem que independentemente da suficiência da provocação, o provocador sempre
manterá intacta a sua legítima defesa. Este entendimento foi abraçado no Direito Português
pelo eminente penalista Eduardo Correia. Com efeito, defende aquele autor, que o
entendimento de que aqueles casos em que a agressão de que se defende ter tido como base
uma provocação culposa (que pode ser por negligência ou com dolo não preordenado) é uma
opinião a ser subscrita “quer no caso da provocação simples, quer no caso da chamada
provocação suficiente” e isto porque “nunca uma provocação é adequada a excluir a ilicitude
de um acto e, portanto, a afastar a possibilidade de contra ela ter lugar uma legítima defesa”.
Do exposto, resulta desde logo que para Eduardo Correia, o provocador sempre pode
repelir a agressão do provocado, sob o manto da legítima defesa. E isto por uma razão
simples: a agressão do provocado, mesmo quando resulta de uma agressão “suficiente”,
“adequada” e actual, continua sempre sendo uma agressão ilícita, uma agressão antijurídica.
Disto decorre que o provocador agredido terá todo o direito de prevenir ou repelir a
mencionada agressão, o que sempre será feito no exercício de um direito: o direito da legítima
defesa.
Enquanto o acto do agredido continuar constituindo mera provocação, seja ela
“suficiente”, “relevante”, ou “leve, insuficiente” e “insignificante”, não há porque retirar ao
agredido o direito de legitimamente se defender da mesma. Com efeito, explica Eduardo
Correia, “a opinião contrária relativamente à provocação simples conduziria a que qualquer
acto de provocação uma injúria pouco grave, iria colocar o provocador inteiramente à
mercê do contra-ataque do provocado. No que toca à provocação suficiente, deve afirmar-se
que a irritação ou estado de cólera do provocado não retira à agressão o carácter
antijurídico”. Parece aqui estar implícita a resposta a uma questão muito importante que as
correntes anteriores negligenciam por completo: prende-se a mesma com o tratamento que o
Direito deve dispensar à agressão do provocado.
Mas será que a tal provocação suficiente é uma verdadeira causa de exclusão da
ilicitude? Ou sempre continua nos limites de uma circunstância atenuante nos termos da 1ª
parte do n. 4 do artigo 45º do Código Penal moçambicano? Para Eduardo Correia, a agressão
do provocado é sempre uma agressão ilícita, daí a admissão da legítima defesa do provocador,
tanto na chamada provocação insuficiente, como na suficiente. No entender daquele penalista,
outra posição só pode ser defensável “quando o acto do provocador constituir em si uma
agressão ilícita, pois nesta hipótese, contra o ataque que procura evitá-la não pode falar-se
em legítima defesa”, já que aí estar-se-á “em face de uma nítida aplicação do princípio de que
contra a legítima defesa não pode exercer-se uma legítima defesa”. Analisaremos mais
profundamente esta questão quando apresentarmos a nossa posição definitiva tomada a
respeito deste assunto. Por ora, fica dito que para esta segunda orientação nas correntes
doutrinárias que admitem a legítima defesa do provocador, uma provocação nunca é
suficiente para conferir licitude à agressão perpetrada pelo provocado. Assim sendo, a
agressão do provocado sempre manterá o carácter de antijuridicidade, podendo eventualmente
o crime em que a sua agressão consistir, vir a ser atenuado pela circunstância de provocação.
Ora, diante de uma agressão ilícita, desde que a mesma seja actual, não haverá motivos para
cercear o direito de o provocador prevenir ou repelir a mesma, amparado no instituto da
legítima defesa.
POSIÇÃO ADOPTADA
Não é tarefa fácil tomar uma posição entre tantas que parecem, todas elas ter
fundamentos sólidos e representar saídas consideráveis para o problema que está em
discussão neste texto. Como ponto de partida nesta difícil empresa, deve-se lembrar que a
discussão em causa gira à volta da interpretação da al.a) do n.1 do artigo 53º do Código Penal
moçambicano que estabelece que “só pode verificar-se a justificação do facto nos termos da
alínea b), número 1 do artigo 51º quando concorrerem os seguintes requisitos”:
Agressão ilegal, em execução ou iminente, que não seja motivada por provocação,
ofensa ou qualquer crime actual praticado pelo que defende. Interpretada literalmente, a
citada disposição legal não oferece qualquer margem de dúvidas. Com efeito, basta apenas
entender que só haverá legítima defesa quando a agressão em causa não tenha sido provocada
pelo que defende. É a situação em que A provoca B (de qualquer forma) e B, irritado, agride
A. A interpretação literal ditaria que nessa situação, porque A teria provocado a agressão de
B, não pode prevenir ou repelir a agressão com base na figura de legítima defesa. Entretanto,
como facilmente se constata, este entendimento, levado ao extremo, poderia gerar verdadeiros
absurdos. Com efeito, como bem coloca Maia Gonçalves “seria dificilmente justificável que
uma provocação nos moldes gerais afastasse, só por si, a possibilidade de um direito de
defesa”.
Como deverá então ser interpretada esta disposição? Já acima ficou dito que algumas
correntes doutrinárias perfilham o entendimento de que a legítima defesa do provocador é
algo que deve ser completamente excluído e que, aliás, essa é a posição que se impõe à luz de
uma interpretação literal da disposição da alínea a) do n.1 do artigo 53º do Código Penal
moçambicano. Entender a reacção do provocador face à agressão no âmbito do excesso na
causa como faz Cavaleiro de Ferreira; entender aquela reacção como abuso de direito ou
ainda entendê-la como enquadrada no âmbito da actio illicita in causa são algumas das várias
orientações no sentido de fundamentar dogmaticamente (e não com a simples interpretação
literal do texto legal) a total exclusão da legítima defesa do provocador. Conforme
demonstrado, qualquer destas orientações enfrenta sérias dificuldades para resolver
cabalmente o problema da (in)admissibilidade da legítima defesa do provocador.
Por outro lado, a consumação da agressão sobre o agredido desprotegido (em face da
impossibilidade do recurso à força pública) configuraria um verdadeiro triunfo da ilicitude
sobre o Direito, algo que de nenhum modo se pode aceitar, já que o Direito não pode de
maneira alguma recuar face à antijuridicidade. É por isso que a ordem jurídica erige a auto-
defesa do agredido num direito subjectivo, garantindo assim que pela actuação defensiva do
agredido, o Direito possa prevalecer sobre a ilicitude. Assim, como primeira ideia chave,
podemos avançar que toda e qualquer defesa (depois de cumpridos os requisitos normais e
incontroversos) só será justificada em termos de legítima defesa quando nela puderem ser
descortinadas estas duas ideias fundamentais, designadamente, a protecção individual e o
prevalecimento do Direito sobre a ilicitude. Por decorrência desta ideia, deve-se, sem
reservas, defender a opinião de que se a agressão tiver por base uma provocação culposa, isto
é, “actuada com negligência ou com dolo não preordenado”, não podem ser excluídos os
pressupostos da legítima defesa. É igualmente o entendimento de Claus Roxin, o qual defende
que naquelas agressões que não pretendem suscitar uma agressão do provocado para feri-lo
sob o manto da legítima defesa mas que entretanto vêm a desencadear uma agressão anti-
jurídica, há acordo no sentido de que o provocador não perde completamente o direito à
legítima defesa.
Por outro lado, se tomássemos como defensável a primeira hipótese, entendendo que a
análise devia ser subjectiva e casuística (tanto relevando o lado do provocador como
relevando o lado do provocado) teríamos como consequência uma insegurança e incerteza que
são completamente contrárias à natureza do Direito Penal. Outro ataque possível à orientação
que exige a “suficiência” e a da agressão requisito para caracterizar a provocação excludente
da legítima defesa é que essa provocação, mesmo sendo suficiente para desencadear a reacção
agressiva que posteriormente surge do provocado, ela continua sempre sendo uma
provocação, e nada mais! E aqui se coloca uma questão de fundo: olhando para a globalidade
da nossa ordem jurídico-penal podemos com alguma segurança afirmar que há agressões
justificadas pela circunstância da provocação? Ou seja, e em termos mais directos e simples,
uma agressão, que em princípio seria antijurídica pode vir a tornar-se lícita quando se prove
que a mesma foi motivada por provocação do agredido? É dizer, a provocação (relevante,
suficiente) é uma causa de exclusão da ilicitude à luz do Direito Penal moçambicano?
A nosso ver, esta não o é! Agride a nossa “consciência jurídica” a opinião de que os
cidadãos, uma vez provocados (suficientemente), tenham a liberdade de se pôr a agredir o
provocador, sendo essa sua atitude justificada face ao Direito. Deve-se assim retirar-se mais
uma ideia chave na posição que se adopta: a provocação, seja ela simples ou “suficiente” não
é idónea para retirar a antijuridicidade da agressão do provocado. Enquanto a provocação não
constituir em si uma agressão ilícita, não há causa alguma que justifique o facto da agressão
perpetrada pelo provocado face ao Direito, retirando-lhe assim a antijuridicidade. Assim
sendo, nesta sede, concordamos com Eduardo Correia, entendendo que tanto na provocação
simples como na chamada provocação suficiente, o agente provocador mantém intacto o seu
direito à legítima defesa, porquanto diante da agressão antijurídica do provocado, o
provocador necessita da protecção da ordem jurídica. Igualmente, não sendo a agressão do
provocado conforme ao Direito, este só pode voltar a prevalecer por meio de uma prevenção
ou afastamento da agressão pelo provocador agredido sob legítima defesa.
O simples estado de cólera e irritação em que alguém se pode encontrar não é
suficiente para excluir de todo a antijuridicidade de qualquer agressão que o mesmo venha a
desferir sobre a pessoa que o tenha colocado naquele estado. Aliás, já dissemos antes que a
opinião contrária esbarraria com o questionamento do critério a ser utilizado para a
consideração “insuficiência” da provocação. Com efeito, a susceptibilidade de entrar em
estado de cólera perigoso por decorrência de uma provocação não é a mesma em todas as
pessoas. Indivíduos há que pela sua natureza, já têm uma disposição para se encolerizar mais
rapidamente do que outras. Indivíduos que percebem as provocações sempre com uma dose
de intensidade um pouco maior do que a generalidade das pessoas. Resulta assim impossível
traçar um critério seguro (como se exige no campo do Direito Penal) para a consideração da
suficiência de provocação como elemento essencial para (in)inadmissibilidade da legítima
defesa do provocador. Na ausência desse critério claro e seguro, somos de opinião que a
suficiência da provocação não pode ser exigida como requisito idóneo para a exclusão da
legítima defesa do provocador.
Nem vale aqui dizer-se que em algumas das vezes, o provocador poderá ver-se sem
saída e que sempre que ele não tiver a possibilidade de fugir ou de se esquivar, o Direito lhe
deve garantir o direito de defesa, pois, como bem diz Claus Roxin em frase já citada,
“porque vai ter que conservar o provocador o direito de legítima defesa, só porque não pode
fazer o que em absoluto não quer fazer?”. Nessa situação, se o provocador realmente se vir
“sem saída”, é óbvio que poderá auto defender-se. O que se está a dizer que essa sua defesa
não tem a protecção ou justificação face a este, sendo que o provocador deverá ser condenado
como autor doloso de qualquer ofensa que esta sua suposta defesa vier a criar no provocado.
Por outro lado, admitir a legítima defesa ao provocador que actue nos termos nos termos de
uma provocação preordenada seria contribuir na prossecução do seu plano manipulador,
premiando assim a ilicitude em detrimento do Direito, o que de nenhum modo se pode aceitar.
Por tudo o que se expôs até aqui, deve desde logo, apontar-se que a disposição
constante na alínea a) número 1 do artigo 53º do Código Penal moçambicano não é de
fácil interpretação. Com efeito, indefensável a ideia de que toda e qualquer provocação exclui
por completo a legítima defesa do agredido. Mas se assim é, e porque conforme princípio
interpretativo o nosso entendimento deve procurar alguma correspondência com o texto legal,
que características deve ter então a provocação para que, conforme preceituado, possa excluir
a legitima defesa do provocador? Respondemos esta questão partindo do pressuposto de que a
legítima defesa é uma figura que tem como escopo fundamental a realização dos princípios de
protecção do indivíduo e prevalecimento do Direito sobre a ilicitude. Sempre que estes
princípios não puderem se revelar numa determinada situação, aí deverá ser excluída a
legítima defesa.
BIBLIOGRAFIA
Doutrina
BUSATO, Paulo César, “Valoração crítica da actio libera in causa a partir de um conceito
significativo de acção” in http://www.mundojuridico.adv.br acesso em 10 de Setembro de
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Legislação