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Introdução

No acto de qualificar o ilícito, tem-se os conceitos de tipicidade, antijuridicidade e


culpabilidade. Por conseguinte, regularizado isso, viu-se a necessidade de criar excepções,
sendo elas, as excludentes de ilicitude ou culpabilidade, a fim de salvaguardar algumas
medidas tomadas por pessoas que actuam em defesa própria ou ainda, principalmente.

O presente trabalho de curso tem como objecto de estudo o Instituto Jurídico da


excludente de ilicitude, mais especificamente o Instituto da legítima defesa, suas diversas
faces e a novel tese da legítima defesa provocada, que vem ganhando espaço nos estudos
doutrinários e na prática forense.

A excludente de ilicitude, como bem prenuncia a peculiaridade de sua designação, tem


o condão de alijar o elemento ilicitude da conduta típica, não permitindo a formação da
estrutura analítica do crime e, por conseguinte, afastando as consequências que devam pesar
sobre o agente. Dentre as excludentes de ilicitude existentes, a mais antiga e mais conhecida é
a Legítima Defesa, cuja definição é preceituada pela própria lei que estabelece se encontrar
em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, actual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

A legítima defesa é hoje tida pela quase generalidade da doutrina como uma causa de
exclusão da ilicitude, constituindo o exercício de um direito, direito esse de defesa. Com
efeito e conforme é também entendimento unânime, a protecção dos indivíduos dentro de um
Estado de Direito Democrático deve, em linha de princípio, ser garantida pela autoridade
pública. O Estado detém o monopólio da força pública, sendo apenas a ele que, em princípio,
é lícito usar essa força para garantir a protecção dos seus cidadãos e garantir, igualmente, o
império do Direito sobre a ilicitude. Sucede, entretanto, que dada a constante dinâmica das
relações sociais, sempre caracterizada por situações imprevisíveis, o Estado (por meio de seus
agentes) não se encontra em todo o lado para proteger os seus cidadãos.

Não raras vezes ocorre que os cidadãos são vítimas de agressões ilícitas em situação
em que não é possível, em tempo útil, recorrer à força pública para prevenir ou suspender a
agressão. Porque esse não pode ser um motivo para que a ilicitude triunfe sobre o Direito, a
ordem jurídica admite que em certas ocasiões, verificados certos requisitos, os cidadãos
possam usar dos meios ao seu dispor para prevenir, repelir ou suspender a agressão de que
sejam vítimas; nesses casos, a sua actuação será lícita, porque os mesmos estarão agindo no
exercício de um direito: o direito de legítima defesa. A protecção individual e o
prevalecimento aparecem então como as duas ideias fundamentais que sustentam a figura da
legítima defesa. Porém, ocorre, não raras vezes, que a agressão é provocada pela própria
vítima por meio de uma acto culposo ou mesmo doloso. Donde se coloca a seguinte questão:
pode o provocador repelir sob o manto da legítima defesa, uma agressão por si provocada?

É a esta questão que o presente trabalho pretende responder. Diferentemente do que é


hábito, não começarei por enunciar logo de início o problema da minha investigação. A minha
abordagem vai antes curar de apresentar uma enumeração sumária dos requisitos da figura da
legítima defesa, ao que se seguirá, aí sim, a enunciação do problema fundamental em
discussão. Seguidamente, irei apresentar as correntes doutrinárias que afastam de modo
absoluto a legítima defesa do provocador e as críticas desenvolvidas contra as mesmas.

O fim específico deste trabalho está assentado na pesquisa do cabimento ou não do


deslocamento da temporalidade da resposta defensiva da agressão a um momento pretérito ao
da agressão injusta, tendo em vista que, dadas as circunstâncias, aguardar o acto injusto para
só então o repelir seria impraticável, quer pela desproporcionalidade da violência, quer pela
ausência de qualquer outro meio eficaz.

Antes de passar para o grupo das orientações opostas, aquelas que admitem a legítima
defesa do provocador, curamos de apresentar uma fundamentação teorético-dogmática do
instituto da legítima defesa. Depois de apresentar o segundo grupo de orientações
doutrinárias, terminando adoptando a minha posição final.

Objectivos

Objectivo Geral

Fazer uma análise da legitima defesa como uma das causas de exclusão e de Ilicitude

Objectivo Específicos

Descrever as causas de exclusão de Ilicitude da legitima defesa

Demonstrar a provocação da legitima defesa

Metodologia
Para o desenvolvimento do presente trabalho, a recolha de informação ou de dados
recorreu à seguida da análise da informação para a sua harmonização e posteriormente a sua
compilação. Ou seja a recolha de informações baseou-se na utilização de informação já
existente em documentos anteriormente elaborado com o objectivo de obter dados relevante
para responder as questões de investigação do conteúdo.

 Justificativa
 Problema de Pesquisa
 Objectivos do Estudo
 Hipótese
 Conceitos e revisão da literatura
 Metodologia
 Organização do Trabalho

LEGÍTIMA DEFESA: ENUMERAÇÃO SUMÁRIA DOS REQUISITOS

Enunciado Geral

O instituto da legítima defesa encontra-se previsto no artigo 51, n.º1, al.b) do Código
Penal, inserido naquelas que o mesmo artigo chama de causas de justificação do facto e da
exclusão da culpa. A explicitação dos requisitos do instituto da Legítima Defesa só aparece,
porém, no artigo 53º do Código Penal o qual dispõe que “Só pode verificar-se a justificação
do facto nos termos do artigo 51, n.º1, al.b), quando concorrerem os seguintes requisitos:

 Agressão ilegal em execução ou iminente que não seja motivada por provocação, ofensa
ou qualquer crime actual praticado pelo que defende;
 Impossibilidade de recorrer à força pública;
 Necessidade racional do meio empregado para suspender ou prevenir a agressão;

Não é punível o excesso da legítima defesa devido a perturbação ou medo desculpável do


agente

Assim e parafraseando Teresa Beleza, a ideia básica da legítima defesa consiste no


entendimento de que se uma pessoa é agredida, não podendo usar os meios normais de
repressão dessa agressão, como chamar a polícia ou fazer queixa ao tribunal em tempo útil,
pode, em princípio, agir por suas próprias mãos para garantir a sua defesa. A legítima defesa
aparece, portanto, como uma situação de exercício de um direito, o direito de defesa. É por
este motivo que a legitima defesa deve situar-se no campo da exclusão da ilicitude e não no
campo da exclusão da culpa como no passado chegou a ser defendido.

Com efeito, de acordo com o Prof. Eduardo Correia, “por todos lados, na verdade, se
considera que a legítima defesa exclui a ilicitude, até porque constitui o exercício de um
direito: o direito de legitima defesa, o uso de um meio necessário e exigido para a defesa de
uma agressão actual e ilícita de bens jurídicos do agente ou terceiro”. Interpretando a citada
disposição normativa do artigo 53º do Código Penal, alicerçados nas lições do professor
Eduardo Correia, temos que a figura da legítima defesa encontra-se condicionada à
verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

Agressão

Normalmente a agressão susceptível de dar origem à legítima defesa consiste num


“facere”, num acto positivo capaz de suscitar no agredido a necessidade de se defender.
Entretanto, assente que está o entendimento de que a omissão é também um modo idóneo de
cometer delitos, deve-se também aceitar perfeitamente que a agressão que pressupõe a
legítima defesa possa igualmente traduzir-se numa omissão. A agressão que dá lugar à
legítima defesa deverá ter como agente a pessoa humana (agindo por si directamente ou,
como ocorre várias vezes, agindo por intermédio de outros seres que utilize como seus
instrumentos, nomeadamente animais). Não se entenderá por afastada a legítima defesa de
agressão mesmo quando a mesma seja cometida por crianças, inimputáveis, ou agentes que
actuem sem culpa em virtude do erro ou boa fé.

Ilícita

Para que represente uma condição idónea de legítima defesa, a agressão tem de ser
antijurídica, o que, no entender da Professora Teresa Beleza “quer dizer, uma agressão que
pode até eventualmente não ser criminosa (por exemplo, uma agressão praticada por um
inimputável, não é criminosa na medida em que ele não é susceptível da culpa) mas em
relação à qual a pessoa agredida não é obrigada a suportá-la”.

Já para o Professor Eduardo Correia, a ilicitude ou antijuridicidade da agressão quer


dizer que a mesma “há-de consistir na ameaça da lesão de interesses ou valores (sejam de
natureza pessoal ou patrimonial juridicamente protegidos” sendo igualmente que “uma tal
ilicitude há de resultar de a agressão ir contra as normas objectivas de valoração onde quer
que elas se encontrem e sejam elas de direito administrativo, civil, constitucional, etc.”.
Actual

Nos termos da al. a) n 1º do artigo 53º do Código Penal, a legítima defesa só pode dar-
se contra uma agressão “em execução ou iminente ”, nisto consiste o requisito da actualidade
da agressão. Nas palavras do penalista Manuel Lopes Maia Gonçalves “só há um direito de
defesa contra agressões actuais, e isto porque destinando-se a defesa a evitar uma lesão, não
se compreenderia que a lei o reconhecesse contra lesões futuras ou passadas. A actualidade
significa que a agressão deve estar em execução ou iminente, isto é, que existem já actos que
segundo a experiência comum, conduzem a consumação”.

Não provocada pelo defendente

A agressão que pressupõe a legitima defesa para além das características já


mencionadas, tem ainda segundo o nosso Código Penal Moçambicano, de não ser
“motivada por provocação, ofensa ou qualquer crime actual praticado pelo que defende ”,
(al. a) n 1º do artigo 53º). Diferentemente do que sucede com os caracteres supra mencionadas
em que a quase totalidade de doutrina alcançou consenso na interpretação, o requisito de
“ausência de provocação” tem levantado as maiores dificuldades de interpretação, gerando os
mais acessos e interessantes debates doutrinários. Por exemplo, Maia Gonçalves nos informa
que a exigência deste requisito tem dado origem a dificuldades de interpretação, “pois seria
dificilmente justificável que uma provocação nos moldes gerais afastar-se, só por si, a
possibilidade de um direito de defesa”.

Já Eduardo Correia afirma que “muito se tem discutido sobre se pode realizar os
pressupostos da legítima defesa, agressão dolosa ou culposamente provocada pelo agredido”.
Por sua vez o penalista alemão Claus Roxin nota a respeito que “uma posição especial
corresponde à provocação intencional, que é muito discutida mas na pratica quase não se da
ou não se pode demonstrar”. Resultando assim clara a natureza controvertida deste requisito
que se encontra na base do presente trabalho. Por aqui basta esta enunciação sumária dos
requisito porquanto já a seguir passo a apresentar com o devido detalhe e clareza os contornos
do mesmo como ponto de partida na caminhada que se pretende seguir no presente trabalho.

A PROVOCAÇÃO NA LEGÍTIMA DEFESA

Enunciação do problema: A provocação na legítima defesa

Já foi dito acima que o artigo 53º, n.1, al.a) do Código Penal moçambicano que
enuncia os requisitos da legítima defesa, estabelece que para que a agressão possa
fundamentar esta figura, é necessário que a mesma “não seja motivada por provocação” por
parte de quem defende. Por provocação deve entender-se “tudo quanto suscite cólera.
Traduz o acto de excitar, incitar, insultar, tentar, fazer alguém sair do seu estado normal de
tranquilidade”.

Considere-se a situação em que um indivíduo A, põe-se a provocar outro, B, com


recurso a injúrias ou outros factos tendentes a provocar a cólera de B. B, por sua vez, em
consequência da provocação de A, agride este, não havendo a possibilidade de este último, em
tempo, recorrer à força pública para prevenir ou mesmo parar a agressão já iniciada. Está aqui
evidente que a agressão sofrida por A foi motivada pela provocação por si praticada, donde
parece então esta questão não dever colocar-se a olhar para a aparente clareza cristalina da
disposição normativa que tenho vindo a citar neste tópico. Entretanto a clareza cristalina desta
posição normativa não é mais do que aparente. Na verdade e como atrás ficou dito, a
exigência do requisito da ausência de provocação por parte do defendente tem dado origem a
inúmeras dificuldades de interpretação e alimentando interessantes debates entre os
doutrinários.

E aqui se coloca então a questão fundamental: pode o A repelir essa agressão (com
outra agressão) socorrendo-se no instituto da legítima defesa? Por outras palavras, é ou não
admitida a legítima defesa do provocador contra a agressão por si provocada? Com efeito,
interpretando à letra da al.a) do n.1 do artigo 53º do Código Penal, o problema é resolvido de
modo muito simples: a agressão foi provocada? Então contra ela não há legitima defesa. A
agressão inversamente, não foi provocada pelo defendente? Então contra ela admitir-se-á a
legítima defesa do provocador!

Uma boa parte da doutrina exclui por completo a legitima defesa quando defendente
tenha provocado a agressão. Considera esta parte da doutrina que o exercício da legítima
defesa por parte do provocador configuraria uma situação de abuso de direito pelo que nestes
casos, deve-se afastar por completo a legítima defesa e responsabilizar penalmente o agredido
provocador pelo dano doloso ao agressor. Entretanto, o assunto complica se quando a prática
monstra que as provocações não são todas da mesma intensidade ou gravidade, não podendo
por isso ter as mesmas considerações a luz do Direito Penal. Na verdade, como coloca Maia
Gonçalves “seria dificilmente justificável que uma provocação nos moldes gerais afastasse só
por si, a possibilidade de um direito de defesa”.
Nesta sede, tem se vindo a desenvolver uma corrente doutrinária que aponta para a
necessidade de muita cautela na interpretação deste requisito esse que, aliás, tem desaparecido
em muitos códigos penais da actualidade. Estudaremos em profundidade, mais adiante, os
fundamentos apresentados para o sustento das duas posições divergentes até hoje defendidas
pela doutrina.

Teorias que afastam a legítima defesa do provocador

Já ficou aqui dito que a maior parte da doutrina exclui totalmente a legítima defesa do
provocador agredido. Ficou igualmente dito que esta é a leitura que se impõe no âmbito de
uma interpretação literal da al.a), n.1 do artigo 53º do Código Penal. Uma primeira orientação
doutrinária é a que parece ser defendida por Cavaleiro de Ferreira o qual, reflectindo sobre a
questão do excesso da Legitima Defesa defende que tal figura “abrange os casos chamados
de excesso na causa, isto é, justamente aquela hipótese em que alguém, tendo provocado
outrem se defende perante uma reacção desproporcionada do provocado; tal defesa não
seria legítima mas beneficiaria, em todo o caso, do tratamento privilegiado do excesso de
legítima defesa”.

No seguimento desta orientação, entende-se que ao provocador não assiste o direito de


legítima defesa contra a agressão que ele mesmo tenha provocado. Ou seja, o provocador
agredido, caso reaja agredindo seu provocado estará cometendo um acto típico e antijurídico,
o que determina, por consequência, a sua responsabilidade criminal. Entretanto como que para
mitigar a situação dificilmente aceitável de o provocador agredido ter de se deixar
completamente desprotegido face à agressão que sofreu, esta corrente defende que a reacção
do provocador agredido deve ser entendida como configurando a situação de excesso de
legítima defesa, mais concretamente, na figura de “excesso na causa”.

Como bem o diz Eduardo Correia, para a corrente segundo a qual toda a provocação
inicial exclui a legitimidade da defesa posterior do provocador “o excesso na causa
aparecerá assim como um “remédio” para a situação, deveras chocante, de se ter de
deixar o autor de uma provocação insignificante inteiramente a merecer do provocado”.
Assim sendo, a agressão defensiva do provocador não veria a sua antijuridicidade excluída
nos termos da legítima defesa em si, mas ver-se-ia beneficiada pelo instituto do excesso, o que
levaria à sua não punibilidade. Outra orientação no sentido de excluir totalmente a legítima
defesa do provocador sustenta-se no entendimento de que o exercício da legítima defesa por
parte do provocador configuraria uma situação de abuso do direito que no nosso Direito é
caracterizado como sendo o exercício de um direito quando o titular excede manifestamente
os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse
direito. Um ponto importante a notar-se nesta orientação é que, na verdade, ela aceita a
existência do direito de legítima defesa por parte do provocador, porquanto só assim se
compreenderá a invocação da figura do abuso de direito já que “o abuso de direito pressupõe
logicamente existência do direito, embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes”.

O certo é, porém, que entendendo o acto ofensivo do provocador como abuso de


direito, temos como resultado que àquele acto deve-se atribuir todas as consequências de todo
o acto ilegítimo. Sendo então o acto ilegítimo e ofensivo de bens jurídicos tuteladas pela lei
penal, ao acto deverão ser imputadas as consequências do ilícito penal, com a consequente
responsabilização do provocador agredido. O recurso a figura de abuso do direito para
justificar a punição do provocador há-de ser entendido, antes de tudo, no âmbito do próprio
conceito do abuso de direito, o qual surge na senda da socialização do direito, visão que veio
substituir no direito a visão jusnaturalista e individualista vigente à época do código civil de
Seabra.

A ordem jurídica já não deve ser interpretada tendo em conta apenas o interesse do
indivíduo e sim como instrumento de prossecução de fins sociais nomeadamente, a paz e a
segurança. Nesse entendimento, ainda que se reconheça ao provocador um certo direito de
defesa pelo facto de estar a ser vítima do provocado, entende-se que exercício desse direito é
uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante. Assim sendo, porque
no final de contas o provocador agredido acaba sendo punido pelo seu acto defendente, esta
teoria acaba dando no mesmo resultado de exclusão da legítima defesa do provocador. Por
último, outra orientação que dá no mesmo resultado (punição do provocador) é a dos autores
que consideram que subsiste o direito à legítima defesa pelo menos enquanto faltar em
absoluto a possibilidade de esquivar, fazendo porém responder o provocador “pela
provocação culpável da situação de legítima defesa como autor doloso do resultado por si
causado”.

É a construção denominada “actio illicita in causa”. Esta é uma construção que foi
originariamente criada para as situações em que o agente se coloca culposamente em estado
de inimputabilidade, em razão de incapacidade mental acidental (como ocorre, por exemplo
com alguém que se intoxique com uma quantidade excessiva de álcool ou com uma excessiva
dose de outras drogas) para posteriormente, neste estado de incapacidade, cometer delitos
com a intenção de se furtar à responsabilidade, que seria afastada em razão do seu estado (por
exemplo, o agente que esse embriaga e vem a cometer homicídio). Como justificar então a
punição do homicídio se o mesmo foi praticado no estado em que o agente se encontrava
“acidentalmente privado do exercício das suas faculdades intelectuais no momento de cometer
o facto punível?

A solução foi entender que o delito cometido posteriormente pelo agente (no nosso
caso, homicídio) foi querido pelo mesmo no momento em que ele se pôs nas condições de o
poder cometer, designadamente ao colocar-se em estado de distensão da sua capacidade de
intelecto. Ou seja, a acção (do homicídio) olhada no momento em que se pratica, realmente
poderá não ser ilícita já que a mesma é cometida por um agente acidentalmente incapaz,
porém, tendo em conta que para a praticar o agente colocou-se culposa ou dolosamente num
certo estado, deve-se entender então que a acção é ilícita pela sua causa: a colocação dolosa
ou culposa em estado de inimputabilidade acidental ou relativa.

Transporto este entendimento para o campo da legitima defesa do provocador o


mesmo veio a ter a significação de que a acção final do provocador, aquela que o mesmo
pratica no intuito de repelir a agressão por si provocada, é uma acção querida por si e, assim
sendo, mesmo que a mesma pudesse entender-se por justificada pelo facto de o provocador
estar a ser agredido, essa justificação deve ser afastada e punir-se o provocador por crime
doloso contra o provocado. É dizer que a acção que poderia justificar-se em sede de legítima
defesa, deverá ser punida porque a mesma tem uma causa ilícita, a saber, a provocação
intencional do agredido. E hoje uma construção que tende a ser abandonada em todos campos
e aqui no específico campo de legítima defesa do provocador mereceu críticas fortes de Claus
Roxin que, em sede própria, teremos a ocasião de analisar. Fica assim então expostas as
diversas orientações seguidas pelos autores que entendem que a provocação exclui por
completo a legítima defesa do provocador.

As orientações apresentadas acima e que tem como intuito afastar por completo a
legitima defesa do provocador não convencem de todo. Com efeito, a construção de “excesso
da causa” desenvolvida pelo Prof. Cavaleiro de Ferreira mereceu uma forte crítica do Prof.
Eduardo Correia que entende que o conceito de excesso não pode de modo algum abranger
reacções contra agressões em “que não convirjam os requisitos enunciados no n 1 do artigo
46” do Código Penal, sendo certo também que na defesa, e para que o seja, também, tem
sempre de estar presente o “animus defendendi”. No mesmo diapasão alinha Maia
Gonçalves, para o qual “embora a questão não esteja encerrada, é hoje doutrina dominante e
jurisprudência uniforme que há excesso de legítima defesa somente quando, verificando-se
todos os pressupostos da Legitima defesa, o agente usa meios excessivos. O excesso da
legítima defesa é assim um excesso nos meios empregados”.

Para estes autores a figura do “excesso” deve apenas ser chamada naquelas situações
em que os requisitos da legítima defesa se verificam em pleno, ocorrendo apenas que o
defendente que se encontra em situação de legitimamente se defender usa de meios
desnecessários ou desapropriados. Não pode assim esta construção caracterizar ou resolver o
problema da possibilidade da legitima defesa do provocador já que, aliás, hoje em dia deve
considerar-se por opinião dominante a ideia de que “a agressão pré-ordenada, isto e,
intencionalmente dirigida a criar condições de legítima defesa para, sob o manto formal do
direito que dela emerge, obter a exclusão da ilicitude de facto que preenche um tipo legal de
crime, impede pura e simplesmente o funcionamento do direito da legítima defesa”. Já quanto
à teoria segundo a qual a legítima defesa do provocador deve ser completamente excluída por
configurar a situação de abuso de direito, Claus Roxin entende que a mesma não pode ser
inteiramente aceite pelo menos enquanto a provocação não tiver a característica da
antijuridicidade. Com efeito, segundo Roxin, “quem actua conforme o Direito, por exemplo,
o polícia ou agente judicial em exercício de seu cargo, conserva plenamente seu direito a
legítima defesa ainda que espere provocar o afectado com a sua intervenção, cumprindo o
seu dever e poder golpeá-lo por intermédio da legítima defesa, pois o único que se exige é
que as pessoas se comportem conforme ao Direito”.

Já a construção segundo a qual o exercício da legítima defesa por parte do provocador


configuraria uma situação de abuso de direito merece alguma aceitação. Porem tal aceitação
deverá ser muito cautelosa porque realmente será difícil de compreender que o abuso do
direito se verifique naquela situação em que o agredido tenha provocado a agressão com um
facto insignificante. Voltaremos a reflectir sobre a graduação da provocação em sede própria
quando tomarmos a posição final acerca do nosso tema.

Quanto à solução da “actio illicita in causa” que pretende que o provocador deve
esquivar-se fazendo-o entretanto responder pela provocação culpável de uma situação de
legítima defesa como autor doloso do resultado por ele causado, Claus Roxin contrapõe que
“esta solução não pode convencer em sua construção, pois por exemplo se o provocador,
mata por um disparo o provocado, conforme seu plano para repelir a agressão, tal
construção obrigaria a admitir que uma mesma acção (o disparo) é tanto jurídica como
antijurídica: jurídica e conforme ao Direito enquanto legítima defesa e antijurídica enquanto
consumação de um de um delito de homicídio doloso posto em marcha pela ilícita causa. Isto
é contraditório e, no aspecto construtivo, é um rodeio gerador de confusão: pois se castiga
com razão, ao provocador por um delito doloso, a aprovação da legítima defesa não é mais
do que aparente”. Com isto ficam profundamente abalados a fundamentos das principais
teorias que pretendem excluir de todo o direito de legítima defesa do provocador agredido.

Com efeito, na sua quase totalidade todas teorias recorrem a construções algo
artificiais cuja coerência não tem a forca suficiente e requerida no campo de Direito Penal
onde, mais do que simples formulações sistemáticas, exige-se a apresentação de uma
justificação sólida, justa e consistente sempre que em causa está a possibilidade de
responsabilizar alguém, imputando-lhe a pratica de um certo delito. Mas esta conclusão, se
assim se pode chamar, menos do que resolver a nossa questão fundamental, adensa ainda mais
as nossas interrogações, colocando mais a nu a questão central do presente trabalho: deve ou
não ser admitida a legítima defesa do provocador? Perante a situação em que alguém de forma
consciente e com recurso aos mais variados meios incita à cólera de outrem, colocando-se
objectivamente em situação de perigo (dada a possibilidade seria de esse outrem vir a agredi-
lo) nessa situação, e em caso de o provocado vir realmente a avançar para uma agressão,
pode, o provocador amparar-se na legítima defesa para se defender?

A refutação das diversas construções teóricas que almejam fundamentar a exclusão da


legítima defesa do provocador devem entender-se como aceitação da legítima defesa do
provocador “tout court ”? Como afinal deveram ser interpretado o requisito de que a agressão
“não seja movida por provocação” que consta na al.a) do n.1 do artigo 53º do Código Penal
moçambicano? Julgamos que uma resposta consistente e aceitável a esta questão só poderá ser
encontrada num “momento anterior” de reflexão, designadamente com a reflexão sobre os
fundamentos teorético-dogmáticos do instituto da legítima defesa. A resposta deverá buscar-
se numa reflexão que almeje enunciar com clareza os fins que o Direito pretende alcançar
com a instituição da figura da legítima defesa. Mais do que pelo simples conhecimento dos
requisitos necessários, se torna conhecer o fundamento dogmático da legítima defesa para que
se possa finalmente determinar se a mesma faz sentido na situação de provocador agredido ou
não. É o exercício que me proponho a empreender logo a seguir.

Fundamentação teorético-dogmática da legítima defesa


O entendimento de que quem age em legítima defesa não deve ser punido parece algo
que constitui um ponto de vista unanimemente aceite pela generalidade da doutrina e dos
ordenamentos jurídicos. Quem é agredido ilicitamente por outrem e não pode recorrer aos
meios normais de recursos à autoridade para obviar tal situação pode fazer-se valer os seus
próprios meios para repelir a agressão. Em princípio, no âmbito de contrato social
teoricamente existente entre os cidadãos e Estado, é este último que detém o monopólio do
uso da forca para fazer valer a ordem e o Direito. Aos cidadãos não é permitido o uso da forca
para defesa de bens jurídicos pessoais ou patrimoniais, próprios ou alheio, o que corresponde
a dizer-se que quando a força for utilizada nestas circunstâncias, a mesma será anti-jurídica,
contraria ao Direito. Ocorre, entretanto, que nem sempre que se verifica violação de bens
jurídicos, o Estado (por meios de seus agentes) está lá para manter a ordem e proteger
aqueles.

Assim, para afastar a inaceitável situação nessas condições, os cidadãos se verem


deixados à sua sorte, permite-se que os mesmos usem dos meios ao seu dispor para repelir a
agressão de que são vítimas. Tratar-se-á, assim, de exercer um direito que normalmente é
garantido pelo Estado, o direito de defesa que nestas situações se torna um direito de legítima
defesa. Já foi apontado supra que as teorias que pretendem incluir a legitima defesa no plano
de exclusão da culpa encontram-se hoje abandonadas quase que por completo. A legitima
defesa, por se traduzir no exercício de um direito, exclui a antijuridicidade do acto em que ela
consiste traduzindo-se assim uma causa de exclusão da ilicitude. Quais são então a nível
dogmático as ideias básicas que fundamentam ou que sustentam este instituto jurídico?

Segundo Eduardo Correia “o reconhecimento de um direito de legitima defesa, cujo


exercício logo formalmente afasta a antijuridicidade do facto, tem na sua base a prevalência
que à ordem jurídica cumpre dar ao justo sobre o injusto, a defesa do direito contra a sua
agressão, ao princípio de que o direito não tem que recuar ou ceder nunca perante a
ilicitude”. A legítima defesa aparece-nos assim como justificada ou mais bem dito,
fundamentada na ideia de que qualquer agressão contra um sujeito ataca o Direito, fazendo
vincar a ilicitude. Perante tal situação e não havendo a possibilidade de em tempo útil
recorrer-se aos meios públicos para repelir a agressão, não pode o Direito ver-se
impavidamente vencido pela ilicitude. A actuação do defendente aparece assim como o meio
pelo qual o Direito volta a vincar, sobrepondo-se à ilicitude, a justiça afasta a injustiça. A
legítima defesa, no entender de Eduardo Correia, funda-se assim na ideia do prevalecimento
do Direito sobre a ilicitude.
É esta ideia que acompanha o Prof. de Coimbra em toda a lição que apresenta sobre o
instituto da legítima defesa, sendo igualmente a mesma que serve como vector para a resposta
à questão fundamental que se coloca no presente trabalho: a (in)admissibilidade da legítima
defesa do provocador.

Orientação semelhante quanto ao fundamento da legítima defesa encontramos em


Claus Roxin, o qual afirma que “o direito à legítima defesa actualmente vigente baseia-se em
dois princípios: a protecção individual e o prevalecimento do Direito”. Explicitando esta
ideia, Roxin esclarece que desde logo, a legítima defesa deverá pressupor sempre que seja
necessária para impedir ou repelir uma agressão típica e antijurídica a um bem jurídico
individual. Porém, por outro lado, entende Roxin, ao permitir a defesa necessária para a
protecção do particular, o legislador também tem em vista o fim da prevenção geral
considerando “desejável que a ordem legal se afirme face as agressões a bens jurídicos
individuais ainda que não estejam presente os órgãos estatais que estariam em condições de
realizar a defesa”.

Será assim o Direito a legitima defesa um meio de prevenção de delitos na medida em


que se mostra que não é a ausência da força pública que dá campo a agressões impunes no
meio social, porquanto, mesmo na inexistência daquela, ou na impossibilidade de a ela se
recorrer em tempo útil para impedir ou repelir as agressões, o Direito continua a poder
prevalecer, conferindo-se ao particular a força de o exercer. Isto, na certa, desanima os
potenciais agressores. É, segundo Roxin, a essa intenção preventivo geral “ao que se alude
quando se fala em prevalecimento do Direito como ideia reitora do direito de legítima
defesa”. É uma ideia por se reter já que Roxin irá posteriormente basear-se na mesma para
responder à questão fundamental do presente trabalho, porquanto, segundo aquele penalista
alemão, “em toda a justificação pela legítima defesa devem operar conjuntamente os
princípios da protecção individual e do prevalecimento do Direito”. Acrescenta ainda aquele
autor que “a concepção que se acaba de esboçar, que proporciona critérios claros para
resolver inúmeros problemas interpretativos da legítima defesa”, neles incluindo, conforme
se verá, o problema da (in)admissibilidade da legítima defesa do provocador, “coincide
também, em substância, com a doutrina dominante”. Os princípios da protecção individual e
do prevalecimento do Direito são as ideias fundamentais apontadas pela generalidade da
doutrina para construir dogmaticamente a figura da legítima defesa sendo que alguns autores
entendem por suficiente apenas um (por exemplo, como nos parece, Eduardo Correia destaca
a ideia do prevalecimento do Direito), enquanto outros entendem que estes dois princípios são
indissociáveis quando se trate de fundamentar este instituto.

Parece-nos mais aceitável esta última posição que faz concorrer como ideias
fundamentadoras da legítima defesa a protecção individual do agredido e o prevalecimento do
Direito sobre a ilicitude. Com efeito, a legitimação da actuação do defendente contra o
agressor aparece prima facie justificada pela ideia de que não se pode deixar o agressor agir
livre e impunentemente pelo simples facto de naquele momento não ser possível, para o
agredido, o recurso à força pública. Não pode o agressor (que nesse momento representa a
face visível da ilicitude e do injusto) singrar tranquilamente na sua actuação anti-jurídica, ou
seja, “o Direito não tem que recuar ou ceder nunca perante a ilicitude”. A legítima defesa
aparece assim justificada pelo sentimento enraizado na consciência da sociedade de que é
sempre o bem que deve vencer o mal, o justo prevalecer sobre o injusto e, em última análise, é
o Direito que deve prevalecer sobre a ilicitude. Por outro lado, porém, não se pode pôr de lado
o facto, como diz Claus Roxin, de que “a legítima defesa é para o particular um direito
enraizado na consciência jurídica do povo, o que desde logo dá como consequência que os
bens jurídicos que se pretende com ela salvaguardar são bens jurídicos particulares e não
bens jurídicos públicos”.

Do exposto retira-se a conclusão de que ao lado da ideia de prevalecimento do Direito


sobre a ilicitude, há que ter em conta a ideia da necessidade de protecção individual do
agredido (na sua pessoa e no seu património). O indivíduo, aliás, assume aqui um lugar de
especial relevo na medida em que é nele (como vítima da agressão) que se entende por
agredida a ordem jurídica (cuja prevalência cumpre preservar e garantir), sendo também por
ele (através da sua actuação defendente) que essa ordem se repõe, ressegurando-se assim o
prevalecimento do Direito sobre a ilicitude. Perfilhamos assim a ideia de que a legítima
defesa, por ser o exercício de um direito, o direito de defesa situa-se no campo da exclusão da
antijuridicidade ou ilicitude do acto. A legítima defesa fundamenta-se em duas grandes ideias
vectores ou dois princípios fundamentais, designadamente, o princípio da protecção
individual e o princípio da prevalência do Direito sobre a ilicitude. Apresentada que está a
fundamentação teorético-dogmática da figura da legítima defesa, encontramo-nos em
condição de atacar profundamente a questão fundamental do presente trabalho: deve admitir-
se a legítima defesa em caso de agressão provocada pelo agredido? Será defensável a
exclusão total da legítima defesa do provocador?
Pelo que ficou exposto no tópico anterior, resulta claro que no nosso entender, a
legítima defesa é uma figura que tem na sua base duas ideias fundamentais, a saber, a
protecção do indivíduo e o prevalecimento do Direito. Deste prisma, a fundamentação de uma
total exclusão desta figura quando esteja em causa uma agressão provocada pelo agredido
representa-se como uma empresa difícil e não recomendável. Efectivamente, a tentativa de
excluir por completo a legítima defesa do provocador só pode fundamentar-se no
entendimento de que na situação em que o provocador é agredido pelo provocado, o primeiro
não pode fazer-se valer dos institutos próprios da ordem jurídica para assegurar a sua
protecção e também no entendimento de que naquela situação, a agressão do provocado sobre
o provocador á algo querido pelo Direito, no claro sustento de que é com a continuação
daquela agressão que o Direito vinga e prevalece sobre a ilicitude.

Parece-nos uma opinião de se afastar por completo, tendo em conta as ideias


apresentadas quando curávamos de fundamentar dogmaticamente a figura da legítima defesa.
Com efeito, para o Direito, enquanto não estivermos ainda diante de uma provocação
verdadeiramente anti-jurídica, o provocador e o provocado encontram-se no mesmo plano de
dignidade, requerendo assim a protecção da ordem jurídica contra qualquer tipo de agressão
de que eventualmente sejam alvos. Razões ligadas ao respeito pela dignidade humana ditam a
necessidade da protecção do indivíduo, mesmo quando este se encontre em perigo resultante
de actuação sua, pelo menos enquanto essa actuação não revestir certos elementos que mais
adiante afloraremos.

Por outro lado, porque a agressão do provocado continua sempre sendo anti-jurídica,
parece claro que seria absolutamente contra o princípio do prevalecimento do Direito a ideia
de que o provocado é livre de agredir tranquilamente o provocador, cimentando o
entendimento de que a agressão do provocado não seria juridicamente censurável.
Entendemos que no provocador agredido, mesmo dado o facto da provocação, continua
vincando a necessidade de protecção individual e de prevalecimento do Direito por meio do
justo afastamento da agressão. Dito por outras palavras, partilhamos o pensamento daqueles
que autores que defendem que mesmo considerando o facto de que a agressão não se teria
dado caso não tivesse havido provocação do agredido, este último continua sempre podendo
afastar a referida agressão, amparando-se no instituto da legítima defesa. Entretanto não há
completa uniformidade nas teorias que aceitam a legítima defesa do provocador, havendo
aquelas que entendem que será necessário considerar os diversos graus da provocação para
que se possa ajuizar sobre a admissão ou não da legítima defesa do provocador e aquelas que
entendem que independentemente do grau da provocação, a agressão do provocado é sempre
uma agressão ilícita, susceptível de ser repelida pelo provocador com recurso à figura da
legítima defesa. Não queremos aqui antecipar conceitos ou posições. Vamos, a seguir, estudar
detalhadamente os contornos das mencionadas orientações, num caminho que nos levará à
posição final adoptada a respeito deste tema.

Teorias a favor da legítima defesa do provocador

Necessidade de uma provocação suficiente

Já ficou dito acima que no grupo das orientações doutrinárias que admitem a legítima
defesa do provocador, algumas delas chamam atenção à necessidade de graduar a provocação,
como pré-requisito para se ajuizar da admissibilidade ou não da legítima defesa do
provocador. Quando essa provocação não é imediata, não serve para destruir nem para
menoscabar o direito de defesa. Provocação suficiente, relevante, adequada têm sido os
termos comummente utilizados por aqueles autores que entendem que a legítima defesa do
provocador pode ser admitida mas apenas em determinados casos. No geral, o entendimento
defendido por esses autores é de que quando o acto provocador for de menor intensidade, por
exemplo, uma injúria de pouca gravidade, o provocador sempre manterá intacto o seu direito
de se defender contra a eventual agressão resultante da provocação mas, inversamente, se o
acto do provocador configurar um acto de provocação intensa, relevante, suficiente, então não
haverá porque garantir um direito de defesa do provocador. Mas como é que se pode aferir a
“suficiência” de uma provocação em termos de se entender que a mesma é suficientemente
relevante para excluir a legítima defesa do provocador? Existirá um critério objectivo que nos
permita ajuizar com a certeza que se exige no Direito Penal da intenção agressiva (mas
disfarçadamente ofensiva) do provocador?

O jurista brasileiro Marcelo Linhares, entende que haverá indícios de provocação


suficiente ou mesmo preordenada sempre que nela haja ameaças, injúria grave, um estímulo
real, uma excitação a entregar-se às vias de facto, viciando-se assim o direito de defesa do
provocador. Fica assim exposto o primeiro grupo de orientações doutrinárias que aceitam a
legítima defesa do provocador agredido. Conforme ficou claramente exposto, este grupo
corresponde àquelas correntes segundo as quais o provocador agredido apenas verá mantido o
seu direito à legítima defesa naquelas situações em que a provocação do agredido não for
suficientemente intensa para deflagrar a reacção venha eventualmente a ser realizada pelo
agressor provocado. Para estas orientações, enquanto a provocação não tiver os condimentos
de “suficiência” e da “relevância”, não poderá afastar o direito da legítima defesa do
provocador agredido.

Enquanto não se verificarem estes elementos, o provocador agredido continua


necessitando e merecendo a protecção jurídica à sua esfera individual (pessoal e patrimonial),
sendo igualmente que nessa situação, na defesa do agredido, irá o Direito prevalecer sobre a
ilicitude representada na agressão do provocado. Entende-se assim que a agressão do
provocado, enquanto não for consequência de uma provocação com os caracteres acima
mencionados, será sempre uma agressão completamente ilícita, antijurídica, injustificada face
ao Direito, susceptível de ser repelida com recurso ao instituo da legítima defesa. Corresponde
assim este grupo àquelas correntes que à pergunta sobre se um provocador agredido mantém
ou não o seu direito à legítima defesa não se pode responder com um imediato sim ou não.

Necessário se torna efectuar uma prévia caracterização da provocação em causa e


graduá-la em termos de determinar se a mesma é ou não suficiente para gerar a agressão
subsequente. Caso o seja, o provocador não terá direito à legítima defesa, mas, no caso
contrário, no caso das chamadas agressões leves, insuficientes, o provocador terá direito a
repelir a agressão nos termos da legítima defesa. Assim sendo, podemos concluir que a
(in)admissibilidade da legítima defesa do provocador não é susceptível de uma apreciação
abstracta e “a priori” por parte do julgador. É um assunto a ser analisado segundo as
circunstâncias do caso concreto.

Necessidade de uma provocação preordenada

Teresa Beleza começa por nos lembrar que o requisito da ausência de provocação é
um requisito legalmente exigindo referindo que “al. a) do n. 1 do artigo 53 do Código Penal
diz que esta agressão, pressuposto da legítima defesa não deve ser motivada por provocação,
ofensa ou qualquer crime actual praticado pelo que defende. Isto é, uma pessoa que
provoque uma agressão de outra não pode, em princípio, responder-lhe em legítima defesa” .
Entretanto, logo a seguir, a professora adverte que esta disposição legal é de se entender com
um certo cuidado, porquanto “qualquer provocação insignificante, como, por exemplo, uma
injúria de pequena, em relação a ela não faz sentido dizer que a reacção do injuriado é, por
hipótese, tentar matar a pessoa que o injuriou, não faz sentido aqui dizer que a pessoa que
injuriou não tem o direito de se defender” e conclui Teresa Beleza indicando que “parece que
é correcto, esse é o entendimento geral, que a provocação, para excluir a possibilidade da
legítima defesa, deve ser uma provocação preordenada”. Teresa Beleza introduz assim um
termo novo para a discussão, a saber, o conceito de provocação preordenada. É um conceito
desenvolvido por outro grupo de orientações, aquelas que entendem a provocação, suficiente
ou não, não pode excluir a legítima defesa.

Para que possa efectivamente excluir a legítima defesa do provocador, a provocação


tem de ser preordenada. Veremos adiante o significado dado pelos doutrinários a este
conceito. Com efeito, como veremos, a provocação preordenada não se identifica com a
chamada provocação “suficiente”. E o tratamento das duas diferirá completamente. Com
efeito, Teresa Beleza entende por provocação preordenada aquela que “é preordenada a criar
uma situação em que a pessoa reagisse de tal maneira que a primeira pessoa, isto é, o
provocante, pudesse então fazer o que queria desde o início que era cometer um crime de
agressão; um crime de ofensa ou um crime de homicídio”.

Já Claus Roxin, depois de indicar que a chamada provocação intencional (que


corresponde à provocação preordenada) é algo ao qual corresponde uma posição especial,
sendo entretanto, algo que na prática quase nunca se dá ou, pelo menos, não se pode
demonstrar, define esta como aquela situação em que “alguém provoca a outro para que
realize uma agressão para poder agredi-lo sob a protecção da legítima defesa”. Ao lado
dessa provocação intencional, o penalista alemão dá-nos conta das provocações ligeiras,
aquelas “que não pretendem suscitar uma agressão do provocado para feri-lo sob o manto da
legítima defesa, mas que, entretanto, desencadeiam uma agressão antijurídica”. Roxin
entende que diferentemente do que ocorre com a provocação intencional, tratando-se de uma
provocação não preordenada, o provocador não pode perder por completo o direito à legítima
defesa “pois como o fim da sua injúria não era provocar a agressão, necessita de protecção
face ao ataque anti-jurídico”.

Roxin caracteriza a provocação intencional ou preordenada, se preferirmos, como


sendo aquela situação em que “alguém provoca a outro para que realize uma agressão com o
intuito de poder atingi-lo sob a protecção da legítima defesa”. Depois de apontar que em tais
situações, a doutrina dominante exclui por completo a legítima defesa por a considerar um
abuso de direito, o autor alemão adverte que “tal posição é de se compartilhar, mas com a
reserva de que há de se tratar de uma provocação antijurídica” porquanto aquele que
eventualmente provoca outrem mas dentro dos parâmetros da legalidade, por exemplo o
agente policial no cumprimento de um dever, deverá sempre conservar intacto o seu direito de
legítima defesa “pois o único que se exige é que as pessoas se comportem de modo conforme
ao Direito”.

Entretanto, avança Roxin, “quem com uma conduta antijurídica provoque o outro a
cometer uma agressão com a intenção de lesioná-lo, não pode amparar-se na legítima
defesa: com efeito, por uma parte não necessita de protecção diante da situação de perigo
em que se colocou a si próprio com a sua conduta antijurídica; e, por outro lado, não faz
prevalecer o Direito quando como provocador antijurídico está pondo em cena uma
agressão com fins danosos”. Do até aqui exposto quanto ao pensamento de Claus Roxin, já
se pode retirar algumas linhas orientadoras do pensamento deste autor no que refere ao tema
do presente trabalho. Uma primeira conclusão será no sentido de que a provocação, para
poder excluir o direito de defesa do provocador, face à agressão do provocado, deve ser anti-
jurídica, ou seja, consubstanciar uma afronta às normas do Direito.

Significa isto dizer que a provocação que exclui a legítima defesa não deve apenas ser
“suficiente” como entendem outros autores. Com efeito, a provocação pode ser suficiente para
excitar o provocador e criar nele condições adequadas para a prática de uma agressão, mas
mesmo assim, não ser idónea, no entender de Roxin, para excluir por completo a legítima
defesa do provocador pelo facto de a mesma não ser anti-jurídica, ou seja, ser justificada face
ao Direito. Na realidade, “quem actua conforme o Direito, por exemplo, como polícia ou
agente judicial no exercício do seu cargo, conserva plenamente o seu direito à legítima
defesa inclusive quando espera provocar o afectado com a sua intervenção cumprindo o seu
dever e poder tirá-lo por intermédio da legítima defesa”. Assim, a antijuridicidade aparece
como requisito fundamental para que a chamada provocação intencional possa excluir a
legítima defesa do provocador.

Uma outra conclusão que desde já se pode retirar do pensamento exposto de Claus
Roxin e que deriva da primeira, é que o fundamento principal da exclusão da legítima defesa
do provocador antijurídico é o facto de na sua suposta legítima defesa não se acharem
materializadas ideias essenciais que fundamentam este instituto, designadamente, a protecção
do indivíduo e o prevalecimento do Direito. Com efeito, no entender de Roxin, nem se pode
defender o entendimento de que se for impossível esquivar, inclusive o provocador há-de
poder actuar em legítima defesa, porque o Direito não o pode colocar na situação sem saída
de, ou entregar a sua vida e integridade ao agressor ou ter de incorrer em responsabilidade
penal.
É que “o provocador não perceberá como algo sem saída, senão como resultado
desejado de seu plano manipulador. Entender a falta de possibilidade de fuga é inadequado
teleologicamente: pois, porque vai ter de conservar o provocador o direito de legítima defesa
só porque não pode fazer o que não quis fazer em absoluto?”, questiona o jurista alemão.
Fica assim claro que no entender de Roxin, o provocador agredido não necessita de protecção
do Direito quando actue nos termos de uma provocação preordenada. Por outro lado, tendo
em conta o facto de que a agressão do provocador é tida simplesmente como resultado
adequado e inicialmente querido pelo provocador, não será pela suposta legítima defesa deste
último que o Direito prevalecerá.

Antes pelo contrário, reconhecer-lhe o direito à legítima defesa seria premiar a


ilicitude, considerando justificado o seu plano manipulador antijurídico e bem sucedido do
provocador. Caem assim por terra as duas ideias chave que fundamentam o instituto da
legítima defesa, designadamente a protecção do indivíduo e o prevalecimento do Direito,
afigurando-se assim inadequada a aceitação da legítima defesa do provocador, pelo menos
quando se trata da chamada provocação intencional, anti-jurídica, preordenada.

Mas que caracteres há-de comportar, afinal a tal provocação jurídica aqui erigida por
Roxin como elemento excludente da legítima defesa? E que dizer de uma conduta
provocadora que não seja antijurídica mas que seja éticosocialmente reprovável? Sim, porque
ocorrem, não raras vezes, situações de pequenas alusões, faltas de trato, etc. que não chegam a
constituir aquilo que juridicamente se pode qualificar de injúria ou de lesão geral do direito de
personalidade. Porém, são condutas reprováveis ético-socialmente. Daí a questão: será que
estas condutas também excluem por completo a legítima defesa do provocador? A questão
parece poder responder-se recuando no próprio pensamento de Roxin, para onde o jurista
alemão aponta que só pode excluir a legítima defesa do provocador a provocação intencional
e antijurídica, entendendo-se assim que a conduta, mesmo que seja ético-socialmente
reprovável, senão for antijurídica, não será idónea para excluir a legítima defesa do
provocador. Entretanto, Roxin não conclui levemente desse modo, preferindo precisar um
pouco mais os caracteres da provocação excludente da legítima defesa.

Desde logo, Roxin avança que “o correcto será exigir, para que uma conduta prévia
restrinja a legítima defesa que prejudique de modo antijurídico do lesado”, já que “o que
debaixo de lintel da antijuridicidade seja ético-socialmente reprovável é algo que não se
pode abarcar em categorias jurídicas e, portanto, continua sendo algo demasiado vago”. Ao
lado do elemento de antijuridicidade, haverá que exigir também que a conduta prévia
antijurídica tenha uma estreita conexão temporal e uma adequada proporção com a agressão
que provoca. Quem injuriou outrem não terá restringidas as suas faculdades de legítima
defesa se o injuriado o atacar um ano depois; e quem é culpado por danos leves e é objecto de
uma agressão agressiva totalmente desproporcional (como uma tentativa de assassinato por
parte do provocado) não tem que sofrer redução alguma de suas faculdades defensivas.

Antijuridicidade da provocação, conexão temporal razoável entre a provocação e a


agressão do provocado e proporcionalidade entre a intensidade da provocação e a gravidade
da agressão resultante são os elementos essenciais para que, segundo Claus Roxin, a
provocação intencional (preordenada) possa retirar por completo o direito de legítima defesa
do provocador agredido. Assim, sempre que esses elementos não se verificarem, o provocador
agredido manterá por completo o direito à legítima defesa contra a agressão do provocado.
Passemos agora a analisar outra orientação neste campo, o campo das orientações doutrinárias
que admitem a legítima defesa do provocador agredido.

Já dissemos que a par das orientações já acima analisadas, que admitem a legítima
defesa, submetendo-a, porém, a alguns condicionalismos (condicionalismos que têm que ver
com os caracteres de suficiência da própria provocação considerada no caso concreto), autores
há que entendem que independentemente da suficiência da provocação, o provocador sempre
manterá intacta a sua legítima defesa. Este entendimento foi abraçado no Direito Português
pelo eminente penalista Eduardo Correia. Com efeito, defende aquele autor, que o
entendimento de que aqueles casos em que a agressão de que se defende ter tido como base
uma provocação culposa (que pode ser por negligência ou com dolo não preordenado) é uma
opinião a ser subscrita “quer no caso da provocação simples, quer no caso da chamada
provocação suficiente” e isto porque “nunca uma provocação é adequada a excluir a ilicitude
de um acto e, portanto, a afastar a possibilidade de contra ela ter lugar uma legítima defesa”.

Do exposto, resulta desde logo que para Eduardo Correia, o provocador sempre pode
repelir a agressão do provocado, sob o manto da legítima defesa. E isto por uma razão
simples: a agressão do provocado, mesmo quando resulta de uma agressão “suficiente”,
“adequada” e actual, continua sempre sendo uma agressão ilícita, uma agressão antijurídica.
Disto decorre que o provocador agredido terá todo o direito de prevenir ou repelir a
mencionada agressão, o que sempre será feito no exercício de um direito: o direito da legítima
defesa.
Enquanto o acto do agredido continuar constituindo mera provocação, seja ela
“suficiente”, “relevante”, ou “leve, insuficiente” e “insignificante”, não há porque retirar ao
agredido o direito de legitimamente se defender da mesma. Com efeito, explica Eduardo
Correia, “a opinião contrária relativamente à provocação simples conduziria a que qualquer
acto de provocação uma injúria pouco grave, iria colocar o provocador inteiramente à
mercê do contra-ataque do provocado. No que toca à provocação suficiente, deve afirmar-se
que a irritação ou estado de cólera do provocado não retira à agressão o carácter
antijurídico”. Parece aqui estar implícita a resposta a uma questão muito importante que as
correntes anteriores negligenciam por completo: prende-se a mesma com o tratamento que o
Direito deve dispensar à agressão do provocado.

Sim, porque a resposta sobre a (in)admissibilidade da legítima defesa do provocador


não pode ser definitivamente encontrada negligenciando a pergunta sobre o carácter da
agressão do provocado. Será essa agressão lícita e justificada pelo facto da provocação? É que
nesse caso, realmente a legítima defesa do provocador deverá ser liminarmente excluída dado
o facto de que à agressão do provocado faltaria um elemento essencial: ilegalidade da
agressão. Parece ser este o entendimento tanto daqueles que por vários motivos, como vimos,
excluem por completo a legítima defesa do provocador, bem como aqueles que entendem que
a legítima defesa do provocador deve ser excluída nos casos da chamada provocação
suficiente.

Mas será que a tal provocação suficiente é uma verdadeira causa de exclusão da
ilicitude? Ou sempre continua nos limites de uma circunstância atenuante nos termos da 1ª
parte do n. 4 do artigo 45º do Código Penal moçambicano? Para Eduardo Correia, a agressão
do provocado é sempre uma agressão ilícita, daí a admissão da legítima defesa do provocador,
tanto na chamada provocação insuficiente, como na suficiente. No entender daquele penalista,
outra posição só pode ser defensável “quando o acto do provocador constituir em si uma
agressão ilícita, pois nesta hipótese, contra o ataque que procura evitá-la não pode falar-se
em legítima defesa”, já que aí estar-se-á “em face de uma nítida aplicação do princípio de que
contra a legítima defesa não pode exercer-se uma legítima defesa”. Analisaremos mais
profundamente esta questão quando apresentarmos a nossa posição definitiva tomada a
respeito deste assunto. Por ora, fica dito que para esta segunda orientação nas correntes
doutrinárias que admitem a legítima defesa do provocador, uma provocação nunca é
suficiente para conferir licitude à agressão perpetrada pelo provocado. Assim sendo, a
agressão do provocado sempre manterá o carácter de antijuridicidade, podendo eventualmente
o crime em que a sua agressão consistir, vir a ser atenuado pela circunstância de provocação.
Ora, diante de uma agressão ilícita, desde que a mesma seja actual, não haverá motivos para
cercear o direito de o provocador prevenir ou repelir a mesma, amparado no instituto da
legítima defesa.

POSIÇÃO ADOPTADA

Não é tarefa fácil tomar uma posição entre tantas que parecem, todas elas ter
fundamentos sólidos e representar saídas consideráveis para o problema que está em
discussão neste texto. Como ponto de partida nesta difícil empresa, deve-se lembrar que a
discussão em causa gira à volta da interpretação da al.a) do n.1 do artigo 53º do Código Penal
moçambicano que estabelece que “só pode verificar-se a justificação do facto nos termos da
alínea b), número 1 do artigo 51º quando concorrerem os seguintes requisitos”:

Agressão ilegal, em execução ou iminente, que não seja motivada por provocação,
ofensa ou qualquer crime actual praticado pelo que defende. Interpretada literalmente, a
citada disposição legal não oferece qualquer margem de dúvidas. Com efeito, basta apenas
entender que só haverá legítima defesa quando a agressão em causa não tenha sido provocada
pelo que defende. É a situação em que A provoca B (de qualquer forma) e B, irritado, agride
A. A interpretação literal ditaria que nessa situação, porque A teria provocado a agressão de
B, não pode prevenir ou repelir a agressão com base na figura de legítima defesa. Entretanto,
como facilmente se constata, este entendimento, levado ao extremo, poderia gerar verdadeiros
absurdos. Com efeito, como bem coloca Maia Gonçalves “seria dificilmente justificável que
uma provocação nos moldes gerais afastasse, só por si, a possibilidade de um direito de
defesa”.

Como deverá então ser interpretada esta disposição? Já acima ficou dito que algumas
correntes doutrinárias perfilham o entendimento de que a legítima defesa do provocador é
algo que deve ser completamente excluído e que, aliás, essa é a posição que se impõe à luz de
uma interpretação literal da disposição da alínea a) do n.1 do artigo 53º do Código Penal
moçambicano. Entender a reacção do provocador face à agressão no âmbito do excesso na
causa como faz Cavaleiro de Ferreira; entender aquela reacção como abuso de direito ou
ainda entendê-la como enquadrada no âmbito da actio illicita in causa são algumas das várias
orientações no sentido de fundamentar dogmaticamente (e não com a simples interpretação
literal do texto legal) a total exclusão da legítima defesa do provocador. Conforme
demonstrado, qualquer destas orientações enfrenta sérias dificuldades para resolver
cabalmente o problema da (in)admissibilidade da legítima defesa do provocador.

Do lado inverso colocam-se aquelas orientações doutrinárias, no entender das quais,


nem toda e qualquer provocação deve-se entender por idónea para excluir de todo a legítima
defesa do provocador. Em certos caso, verificadas algumas condições prévias, haverá que
admitir que o provocador previna ou repela a agressão do provocado sob o manto da legítima
defesa. As condições referidas têm que ver com os caracteres da própria provocação. Nessa
sede, apenas a provocação relevante, suficiente é que teria a condição de determinar a total
exclusão da legítima defesa do provocador. Há quem, por último, entenda, como Eduardo
Correia e Claus Roxin, que a provocação, seja relevante ou irrelevante, suficiente ou não,
continua sempre sendo uma provocação e não pode de modo algum justificar a agressão por
parte do provocado, entendimento que dá na conclusão de que a legítima defesa do
provocador deverá sempre ser admitida. Sempre, pelo menos quando a provocação não
constituir, já em si, uma agressão ilícita contra o provocado, caso em que o provocado estaria
apenas a defender-se da agressão do provocador, não se podendo, em resposta, admitir-se a
legítima defesa do provocador. A posição final a adoptar-se na presente discussão deve
buscar-se prima facie naquilo que são os fundamentos teorético-dogmáticos do instituto da
legítima defesa.

Já se apontou que no seguimento do pensamento de Eduardo Correia e de Claus


Roxin, entendemos que a legítima defesa funda-se em duas ideias essenciais, a saber: a
necessidade de protecção individual do agredido defendente e a ideia de prevalecimento
do Direito sobre a ilicitude. Com efeito, por um lado, se a legítima defesa tem como um de
seus pressupostos a impossibilidade de o agredido recorrer, em tempo, aos meios normais de
autoridade pública para prevenir ou repelir a agressão, resulta claro que o agredido encontra-
se em situação de completo desamparo. Assim, para garantir essa protecção individual, a
ordem jurídica permite que o agredido possa fazer-se valer dos meios que estejam ao seu
alcance para se defender. Essa sua actuação, por consistir na prática ou no exercício de um
direito, o direito de legítima defesa é justificada face ao Direito, tornando-se, assim, lícita.

Por outro lado, a consumação da agressão sobre o agredido desprotegido (em face da
impossibilidade do recurso à força pública) configuraria um verdadeiro triunfo da ilicitude
sobre o Direito, algo que de nenhum modo se pode aceitar, já que o Direito não pode de
maneira alguma recuar face à antijuridicidade. É por isso que a ordem jurídica erige a auto-
defesa do agredido num direito subjectivo, garantindo assim que pela actuação defensiva do
agredido, o Direito possa prevalecer sobre a ilicitude. Assim, como primeira ideia chave,
podemos avançar que toda e qualquer defesa (depois de cumpridos os requisitos normais e
incontroversos) só será justificada em termos de legítima defesa quando nela puderem ser
descortinadas estas duas ideias fundamentais, designadamente, a protecção individual e o
prevalecimento do Direito sobre a ilicitude. Por decorrência desta ideia, deve-se, sem
reservas, defender a opinião de que se a agressão tiver por base uma provocação culposa, isto
é, “actuada com negligência ou com dolo não preordenado”, não podem ser excluídos os
pressupostos da legítima defesa. É igualmente o entendimento de Claus Roxin, o qual defende
que naquelas agressões que não pretendem suscitar uma agressão do provocado para feri-lo
sob o manto da legítima defesa mas que entretanto vêm a desencadear uma agressão anti-
jurídica, há acordo no sentido de que o provocador não perde completamente o direito à
legítima defesa.

Portanto, a chamada provocação “insuficiente” não pode excluir os pressupostos da


legítima defesa do provocador, porquanto, quem tendo actuado com mera culpa,
desencadeando entretanto uma reacção violenta por parte do provocado, continua
necessitando e merecendo a protecção do Direito e o seu acto defendente no sentido de
prevenir ou repelir a eventual agressão, contribui para o prevalecimento do Direito sobre a
ilicitude. E quanto à chamada provocação “suficiente”? que dizer dela? A tal provocação que,
atendida a ordem geral com que sucedem as coisas, produz, excita ou influi adequadamente
na agressão? Conforme acima visto, boa parte da doutrina entende que verificando-se uma
provocação suficiente e intencional, a legítima defesa do provocador deve ser afastada. Mas
esta opinião é passível de questionamentos de fundo que a fragilizam e a tornam inidónea para
responder à questão fundamental do presente trabalho. Com efeito, poderá perguntar-se, de
que lado é que deve ser aferida a tal “suficiência” e a tal da provocação? Do lado de quem
provoca? Ou do lado do provocado? É tendo em conta, no caso concreto, à personalidade do
provocador que devemos aferir se a sua conduta carrega consigo a intenção de provocar uma
agressão por parte do provocado afim de que este reaja em termos agressivos?

É que enquanto a provocação não consistir numa verdadeira agressão ilícita, a


“intenção de provocar a agressão do provocado” é algo que só pode caber na mente do
provocador, algo não facilmente verificável por outras pessoas. Já por outro lado, se para
aferirmos da dita ou “suficiência” de uma provocação tivermos de ter em conta o provocado,
também aqui, seria necessário, caso a caso, considerar a personalidade do provocado no
sentido de determinar se aquele sujeito em particular devia ter agido daquele modo ou, pelo
contrário, existe um parâmetro objectivo e abstracto que nos facilite ajuizar sobre a
generalidade dos casos da suficiência de uma provocação e da sua adequação para
desencadear a possível agressão do provocado? Esta última hipótese parece de se excluir de
todo pelo menos no estado actual do nosso Direito Penal que de modo algum se pronuncia a
respeito.

Por outro lado, se tomássemos como defensável a primeira hipótese, entendendo que a
análise devia ser subjectiva e casuística (tanto relevando o lado do provocador como
relevando o lado do provocado) teríamos como consequência uma insegurança e incerteza que
são completamente contrárias à natureza do Direito Penal. Outro ataque possível à orientação
que exige a “suficiência” e a da agressão requisito para caracterizar a provocação excludente
da legítima defesa é que essa provocação, mesmo sendo suficiente para desencadear a reacção
agressiva que posteriormente surge do provocado, ela continua sempre sendo uma
provocação, e nada mais! E aqui se coloca uma questão de fundo: olhando para a globalidade
da nossa ordem jurídico-penal podemos com alguma segurança afirmar que há agressões
justificadas pela circunstância da provocação? Ou seja, e em termos mais directos e simples,
uma agressão, que em princípio seria antijurídica pode vir a tornar-se lícita quando se prove
que a mesma foi motivada por provocação do agredido? É dizer, a provocação (relevante,
suficiente) é uma causa de exclusão da ilicitude à luz do Direito Penal moçambicano?

A nosso ver, esta não o é! Agride a nossa “consciência jurídica” a opinião de que os
cidadãos, uma vez provocados (suficientemente), tenham a liberdade de se pôr a agredir o
provocador, sendo essa sua atitude justificada face ao Direito. Deve-se assim retirar-se mais
uma ideia chave na posição que se adopta: a provocação, seja ela simples ou “suficiente” não
é idónea para retirar a antijuridicidade da agressão do provocado. Enquanto a provocação não
constituir em si uma agressão ilícita, não há causa alguma que justifique o facto da agressão
perpetrada pelo provocado face ao Direito, retirando-lhe assim a antijuridicidade. Assim
sendo, nesta sede, concordamos com Eduardo Correia, entendendo que tanto na provocação
simples como na chamada provocação suficiente, o agente provocador mantém intacto o seu
direito à legítima defesa, porquanto diante da agressão antijurídica do provocado, o
provocador necessita da protecção da ordem jurídica. Igualmente, não sendo a agressão do
provocado conforme ao Direito, este só pode voltar a prevalecer por meio de uma prevenção
ou afastamento da agressão pelo provocador agredido sob legítima defesa.
O simples estado de cólera e irritação em que alguém se pode encontrar não é
suficiente para excluir de todo a antijuridicidade de qualquer agressão que o mesmo venha a
desferir sobre a pessoa que o tenha colocado naquele estado. Aliás, já dissemos antes que a
opinião contrária esbarraria com o questionamento do critério a ser utilizado para a
consideração “insuficiência” da provocação. Com efeito, a susceptibilidade de entrar em
estado de cólera perigoso por decorrência de uma provocação não é a mesma em todas as
pessoas. Indivíduos há que pela sua natureza, já têm uma disposição para se encolerizar mais
rapidamente do que outras. Indivíduos que percebem as provocações sempre com uma dose
de intensidade um pouco maior do que a generalidade das pessoas. Resulta assim impossível
traçar um critério seguro (como se exige no campo do Direito Penal) para a consideração da
suficiência de provocação como elemento essencial para (in)inadmissibilidade da legítima
defesa do provocador. Na ausência desse critério claro e seguro, somos de opinião que a
suficiência da provocação não pode ser exigida como requisito idóneo para a exclusão da
legítima defesa do provocador.

Tratamento diverso merece a chamada provocação “preordenada”, aquela provocação


que já prejudica de modo antijurídico um bem jurídico do provocado. Trata-se daquela
situação em que o acto provocador constitui, já em si, uma agressão antijurídica. É a situação
em que o provocador pretende claramente violentar o provocado sob o manto da legítima
defesa e, para o efeito, põe-se a provocá-lo com actos que constituem, já em si, agressões
ilícitas. O provocado poderá consequentemente reagir no sentido de tentar prevenir ou repelir
essas agressões provocadoras, acto esse que é imediatamente aproveitado pelo provocador
para agredir de facto o provocado conforme um plano já querido desde o início. Não temos
como não concordar aqui com Claus Roxin e com Eduardo Correia na opinião de que nessa
circunstância, os pressupostos da legítima defesa afastam-se por completo, quanto ao
provocado.

Com efeito, se a agressão do provocado sobre o provocador é reacção defensiva à


agressão provocante (do provocador), aquela já se encontra justificada pela circunstância da
legítima defesa, porquanto o provocado agride para afastar a agressão do provocador. Ora não
sendo antijurídica, ilegal a agressão do provocado, a mesma não pode ser repelida sob o
manto da legítima defesa. Por outro lado, como bem dito por certos autores, “estar-se-á aqui
em face de uma nítida aplicação do princípio de que contra a legítima defesa não pode
exercer-se uma legítima defesa”. Outro ponto a ter em conta é que em face de uma
provocação preordenada, o provocador tem, desde o início, um plano claro que sabe dever
começar pela sua provocação agressiva e antijurídica, passando pela reacção também
agressiva do provocado e terminando na sua reacção novamente agressiva sobre o provocado,
tentando amparar-se na legítima defesa. Significa dizer, então, que a agressão do provocado é
até algo que é querido pelo provocador já que só assim é que o seu plano se pode completar
com sucesso. Se assim é, na sua reacção final, o provocador não age movido pelo “animus
defendendi”.

A consciência e vontade de se defender não é um requisito expressamente formulado


na lei, mas parece ser algo que deve ser exigido em face dos textos legais; oiçamos a este
respeito Maia Gonçalves: “efectivamente, já no n. 1 do artigo 46º do Código Penal se contém
a palavra defende. Mais elucidativo parece ainda o n.3 exigindo a racionalidade do meio
empregado para prevenir ou suspender a agressão. De ambos estes textos parece concluir-se
que o animus defendendi é um requisito da legítima defesa. Quem procede para agredir não
se defende; não é defendente. Conceitualmente, a legítima defesa pressupõe o animus
defendendi”. O animus defendendi têm então de estar presente na actuação do agredido para
que se possa falar em legítima defesa.

Ora, conforme vínhamos dizendo, na sua reacção final, em se tratando de provocação


preordenada, o provocador age com o intuito de agredir (e não de defender) posto que a
agressão é algo que está no seu plano desde o início. Faltando o requisito do animus
defendendi, afastam-se os pressupostos da legítima defesa por parte do provocador que actue
nos moldes da chamada provocação. Por fim, resta-nos apenas determinar se à luz daquele
critério fundamental que abraçamos (verificação dos princípios de protecção individual e
prevalência do Direito sobre a ilicitude) poder-se-á ainda assim, sustentar a exclusão da
legítima defesa do agredido que tenha actuado nos termos de uma provocação preordenada.

Desde logo, entendemos que ao provocar antijuridicamente e de modo intencional e


consciente uma reacção agressiva do provocado, com o claro intento de poder golpeá-lo de
seguida, o provocador coloca-se voluntária e conscientemente numa situação de perigo. É
algo que deve e pode perfeitamente evitar, levando uma vida lisa e conforme com os ditames
da ordem jurídica e das normas da convivência social. Ao agir de modo diverso, o provocador
rebela-se contra essa ordem jurídico social, preferindo voluntariamente colocar-se num
terreno em que se verifica uma altíssima probabilidade de vir a sofrer agressões por si
provocadas e até, diga-se, por si queridas. Colocada a situação nestes termos, não haverá neste
caso qualquer necessidade de que o Direito garanta a protecção individual deste sujeito,
conferindo-lhe o direito à legítima defesa.

Nem vale aqui dizer-se que em algumas das vezes, o provocador poderá ver-se sem
saída e que sempre que ele não tiver a possibilidade de fugir ou de se esquivar, o Direito lhe
deve garantir o direito de defesa, pois, como bem diz Claus Roxin em frase já citada,
“porque vai ter que conservar o provocador o direito de legítima defesa, só porque não pode
fazer o que em absoluto não quer fazer?”. Nessa situação, se o provocador realmente se vir
“sem saída”, é óbvio que poderá auto defender-se. O que se está a dizer que essa sua defesa
não tem a protecção ou justificação face a este, sendo que o provocador deverá ser condenado
como autor doloso de qualquer ofensa que esta sua suposta defesa vier a criar no provocado.
Por outro lado, admitir a legítima defesa ao provocador que actue nos termos nos termos de
uma provocação preordenada seria contribuir na prossecução do seu plano manipulador,
premiando assim a ilicitude em detrimento do Direito, o que de nenhum modo se pode aceitar.

A necessidade de prevalecimento do Direito sobre a ilicitude dita que o provocador


seja sancionado a título de dolo pelo seu acto de agressão, retirando-se-lhe por completo o
direito à legítima defesa. As posições que adoptámos respondem com clareza há questão
sobre que consideração deve ter a agressão do provocado. Com efeito, se, como acima ficou
dito, a provocação preordenada é aquela que constitui já em si uma agressão ilícita, a reacção
do provocado é justificada pela justa necessidade de prevenir ou suspender essa agressão.
Tratar-se-á assim de uma agressão justificada face ao Direito.
À guisa de Conclusão

Por tudo o que se expôs até aqui, deve desde logo, apontar-se que a disposição
constante na alínea a) número 1 do artigo 53º do Código Penal moçambicano não é de
fácil interpretação. Com efeito, indefensável a ideia de que toda e qualquer provocação exclui
por completo a legítima defesa do agredido. Mas se assim é, e porque conforme princípio
interpretativo o nosso entendimento deve procurar alguma correspondência com o texto legal,
que características deve ter então a provocação para que, conforme preceituado, possa excluir
a legitima defesa do provocador? Respondemos esta questão partindo do pressuposto de que a
legítima defesa é uma figura que tem como escopo fundamental a realização dos princípios de
protecção do indivíduo e prevalecimento do Direito sobre a ilicitude. Sempre que estes
princípios não puderem se revelar numa determinada situação, aí deverá ser excluída a
legítima defesa.

Esse pressuposto básico permitiu-nos abraçar o entendimento de que a provocação,


seja ela insuficiente ou suficiente, não é idónea para excluir por completo a legítima defesa do
provocador, porquanto a agressão que dela possa advir, continua caracterizada pela anti-
juridicidade, verificando-se assim a necessidade de protecção do indivíduo e a prevalência do
Direito, no afastamento dessa agressão. Seguidamente, o pressuposto básico abraçado desde o
início permitiu-nos determinar que a provocação de que se fala no dispositivo normativo que
temos vindo a citar só pode ser a provocação preordenada, isto é, aquela provocação que, já
constituindo em si uma agressão antijurídica, representa-se dentro de um plano do provocador
no sentido de levar o provocado a reagir de um modo que permita uma agressão final do
provocador. Nessa situação porque o provocador coloca-se voluntariamente em situação de
perigo, não existe necessidade de assegurar a sua protecção individual. Por outro lado, porque
a agressão que vem a sofrer da parte do provocado enquadra-se no seu plano manipulador,
não será com a sua reacção que o Direito prevalecerá sobre a ilicitude. Deste modo, sempre
que esteja em causa uma provocação intencional, preordenada, os pressupostos da legítima
defesa devem se entender por afastados completamente.

BIBLIOGRAFIA

Doutrina

BELEZA, Teresa Pizarro, Direito Penal, 2º vol, AAFDL, Lisboa, S. A.

BRAZ TEIXEIRA, António, Filosofia do Direito, AAFDL, Lisboa, 1988

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MAIA GONÇALVES, Manuel Lopes, Código Penal Português, na doutrina e na


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ROXIN, Claus, Derecho Penal, Parte general, Tomo I, tradução do alemão para espanhol de
Diego-Manuel Luzon Pena e outros, Editorial Civitas, S. A., Madrid 1997

Legislação

Código Penal Moçambicano

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