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Dto. Penal II T.

17 Março ( ASD - A Imputação Objectiva)


Terminámos na aula passada a análise dos tipos de comissão por omissão que é a posição de garante que
serve de base ao tal dever que pessoalmente obriga. Essa posição de garante éo elemento do tipo legal,
tipo incriminador dos crimes de comissão por omissão. desde logo do tipo sistemático. Porquê? Porque não
pode o facto ser típico sem que nele se verifique uma posição de garante, uma posição fundadora do tal
dever especial de agir para evitar o resultado.

Outro elemento fundamental dos crimes de resultado, e é só nesses que é fundamental, é o nexo de
imputação objectiva. Faz parte de todos os tipos de crime de resultado o nexo de imputação objectiva como
elemento objectivo não escrito sob pena de o tipo não estar realizado na sua forma consumada.
Sob pena da sua não realização se o tipo for negligente, por razões que compreenderemos, porque a
negligência não admite a tentativa. Portanto, se o resultado não é objectivamente provocado pela acção
simplesmente não há responsabilidade criminal. Porquê? Porque não há tentativas negligentes. Porque é
que não há tentativas negligentes? Porque o art. 22, que contem as regras sobre tipicidade do facto tentado,
inclui o elemento só há tentativa em caso de dolo. Só há facto tentado doloso e não negligente.

Qual e o ponto nevrálgico que coloca este problema da imputação obj?


Se olharem para o art 10, é este "adequado a ...".
Não é qualquer resultado que serve, funciona como resultado típico mas apenas aquele resultado para o
qual a acção constitui causa adequada.
Que significado tem este "adequado a..."?
A partir deste conceito aberto que nos chegamos precisamente aos critérios da imputação objectiva.
O primeiro resultado é dizer que não se chega a um nexo causal. o nexo causal como entidade naturalística
não é suficiente para funcionar como critérios de imputação. O que é adequado implica a introdução,
utilização de juízos de valor, de critérios normativos para explicar o que é o nexo de imputação objectiva.
Juízos de valor, critérios normativos. Não basta, portanto, a constatação de uma mera relação de causa-
efeito.
Ex.: dois indivíduos vão a passear e um empurra outro para dentro de uma piscina. O que cai acaba por ser
devorado por um crocodilo que lá se encontrava.
Nós podemos dizer que há aqui uma relação causa-efeito entre o empurrão e a morte do fulano que cai,
mas dificilmente podemos atribuir aquele resultado ao agente como uma obra sua. Porque? Porque aquele
resultado é fruto de uma circunstancia absolutamente imprevisível. Ninguém iria imaginar ( está
perfeitamente fora dos traços representativos de qualquer pessoa) que ali, naquele sitio, se encontraria um
crocodilo.
O problema da relação causa-efeito é a base do juizo de imputação. Mas o juízo de imputação é muito mais.
Há aqui uma base fáctica e, já iremos ver mais à frente que essa base factica é importante, é uma espécie
de pressuposto. Se não se prova a relação causa-efeito, não se consegue passar à frente. Se naõ se prova
a relação causa-efeito em muito casos, sobretudo naqueles casos em que a relação causa-efeito depende
do juizo pericial, casos de elevado complexidade técnica, essa relação não se pode…Já lá iremos mas um
exemplo bastante ilustrativo disto mesmo é o caso da calidomida, o medicamento que as grávidas tomavam
que causava malformações nos fetos. Enquanto não foi possível provar este efeito, não foi possível
perguntar por conta de quem é que a responsabilidade por aquele resultado corria, por conta de quem é que
ocorrer este resultado corre.
Pois se não se determina o que é que causa, o que é que provoca aquilo, não é possível fazer esta
pergunta que é a pergunta que está por detrás da imputação objectiva ------» "por conta de quem é que este
resultado corre?". Imputar é sempre por na conta de alguém. Este exemplo da calidomida mostra que a
relação causa-efeito está na base, é o pressuposto fáctico do juizo de imputação.
Mas há situações em que as regras gerais da experiencia nos fazem concluir a relação causa-efeito: se um
individuo dá um tiro a um metro e meio de distancia em direcção à cabeça de outro, basta o juiz olhar para a
autopsia para poder estabelecer a relação causa-efeito. Mesmo antes da autopsia já é capaz de o fazer.
Segundo as regras da experiência é facil de explicar em que contexto morre. Mas quando se trata de casos,
como hj é cada vez mais frequente nesta sociedade de risco em que vivemos, uma elevada capacidade
tecnica cuja desvendagem requerem competências especificas, conhecimentos especificos a relação
causal é uma relação importante/necessária para que possa o juiz depois decidir.
Se é certo que a relação causal funciona como pressuposto, é certo que não é suficiente.
Todas as teorias causalistas que quiseram identificar o problema da imputação com o problema causal sao
hj completamente abandonadas. Elas, na verdade, são teorias erradas, quer na sua concepção, quer nos
resultados a que davam lugar.
A mais famosa delas, referida em todos os manuais, é a celebre teoria da conditio sine qua non: teoria
causalista cujo critério é justamente este da “condição sem a qual…”. Como é que esta teoria funcionava?
Funcionava do seguinte modo - uma acção é causa do resultado quando, se eliminarmos a acção, o
resultado desaparece também. Sempre que, eliminando aquela acção, desaparece aquele resultado, então,
podemos concluir que aquele resultado não se dá sem aquela acção. Era esta a formulação da teoria da
conditio sine qua non que hoje está praticamente abandonada. Abandonada em dois planos: primeiro, no
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plano da explicação causal ( já ng aceita a teoria como teoria causal) e depois no plano da sua pretensão
funcional ( no plano funcional, ela pretendia funcionar como teoria da imputação).Quer na sua função como
teoria causal, quer na sua função como teoria da imputação, a teoria sine qua non foi afastada.
Interessa agora abordar as razões pelas quais ela deixa de funcionar, não servindo para funcionar como
teoria da imputação.
Por um lado, estando o mundo todo ele ligado por um encadeamento de fenómenos, todos os fenómenos
do mundo estão relacionados uns com os outros de uma forma ou de outra, a teoria da conditio sine qua
non, no fundo, proporciona uma cadeia causal infinita. Imaginemos este facto singular: o A dá um tiro em B,
provocando-lhe a morte. Se nós eliminarmos o tiro que A dá, também desaparece a morte. Mas se nós
eliminarmos também o acto de fabricar a arma, o A não a tinha naquele momento e não tinha disparado. O
acto de fabricar a arma é causa do resultado. E podemos ir mais atrás. Podemos ir até à noite mágica em
que os pais de A decidiram tê-lo. Portanto, o acto gerador de A é também causa daquele resultado, porque
se o eliminarmos em mente o resultado desaparece. E podíamos continuar até à origem do universo.
Portanto, a conditio sine qua non estabelece uma cadeia de relação causal infinita que a torna
completamente inoperante como teoria da imputação.
Além deste vicio estruturante, a teoria da conditio não dá resposta satisfatória a certas situações concretas.
Veja-se por exemplo os casos de causalidade alternativa. O que são? A coloca no copo de B uma dose de
veneno em si mesmo idónea para provocar a morte. C, não sabendo da acção de A, faz o mesmo.
Segundo a teoria da conditio, a morte de B não e imputável a ninguém uma vez que sem a dose de A B
morreria na mesma. Sem a dose de C, B morreria na mesma.
Portanto a capacidade desta teoria da conditio para dar respostas é limitada, a resposta que dá é
completamente insatisfatória. Isto não convence. Não é possível dizer que aquele resultado não é atribuível
a ninguém. Torna-a assim inoperante para funcionar como teoria da imputação.
Conclui-se daqui que, embora a relação causal seja pressuposto da imputação, ela não se confunde com o
problema da imputação. A interpretação causal é uma questão de facto e a imputação objectiva é uma
questão de direito.
O que a relação causal responde é se há uma ligação necessária entre dois fenómenos, explicada por uma
lei natural. Aquilo a que a relação causal consegue responder é isto: há entre estes dois acontecimentos
uma relação necessária de modo que, sempre que se verifica um, verifica-se o outro? E essa relação é
explicavel através de uma lei natural?
Mas aquilo a que a imputação objectiva tenta responder é diferente. Tenta antes responder a: pois, mas é
possível atribuir o resultado causalmente produzido? É possível atribuir a um agente como obra sua? É
possível colocar esse resultado na sua conta? Ele pode ser considerado responsável por esse resultado? È
a esta questão que a teoria da imputação procura responder.
Porque no caso da … até nem há grandes duvidas, a relação causal é facilmente estabelecida. O que esta
em causa é saber se aquele sujeito deve ser considerado responsável por aquele resultado.
Também o “adequado a…” do art 10 procura rejeitar todas as teorias naturalistas da impugnação.
Mas há quem diga que consagra uma teoria da causalidade adequada. “causalidade adequada” até soa
bem. No entanto, considera o prof ASD que não é nenhuma teoria da causalidade adequada que ali está.
Em primeiro lugar porque o legislador não consagra teoria, não faz dogmática. Apenas utiliza conceitos,
elementos. Uns mais fechados, outros mais abertos. Quem faz teorias é a doutrina. E a teoria da
causalidade adequada como construção da doutrina aparece historicamente para limitar os efeitos da
conditio.
A tca encontra-se, por exemplo, em Eduardo Correia. Eduardo Correia é um neoclássico, um discípulo de
Mezdev. No fundo, o que os neoclássicos vieram nesta matéria dizer é que a relação causal não é uma
relação satisfatória para resolver problemas de uma ciência da cultura como é a ciência do direito. Porque
as ciências culturais, segundo o movimento neokantiano, são ciências laborativas, portanto elas não
trabalham sobre critérios naturalisticos. O naturalismo vem introduzir esta cisão entre natureza e cultura.
Veio reintroduzir. No final do séc XIX, havia apenas um modelo de ciência, que era o modelo que reconduzia
toda a ciência ao facto. E os neokantianos vieram reagir a isto dizendo: há ciências da natureza e há
ciências da cultura e estas servem-se de critérios valorativos, não funcionam segundo critérios
naturalisticos.
Portanto, a teoria da causalidade adequada surge historicamente para criticar, limitar os efeitos a que se
chegava pela teoria da conditio.
Baseia a causalidade num juízo de prognose póstuma : uma acção é causa do resultado se uma pessoa
média colocada na posição de agente previsse e representasse aquele resultado como normal da acção.
É prognose póstuma porquê? O juizo tem que ser feito pelo juiz depois dos factos ocorrerem ( póstuma)
mas é prognose porque se reporta ao momento da acção. Ela é feita depois dos factos mas reporta-se ao
momento da acção. A questão é colocada no momento da acção. Uma pessoa média na situação do agente
podia prever ou representar aquele resultado como consequência normal e previsível daquela acção? Se
sim, é causa adequada; se não, não é.
Já estamos aqui a ver que esta teoria entra em linha de conta com critérios valorativos: “o que é normal”, “o
que é previsível”.
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Todavia, esta teoria não é aceitável, portanto, não podemos dizer que é o que está no art.10, como dizem
alguns autores da escola de Coimbra.
Não é aceitável porquê?
Em primeiro lugar, ela é insegura e relativamente manipulável. Consoante o grau de descrição da acção,
consoante o pormenor com que os factos são descritos, assim podemos dar uma resposta negativa ou
positiva à questão, ao juízo de prognose póstuma. Por exemplo: A da um tiro na perna de B, este cai, é
obrigado a arrastar-se numa zona de pocilgas, contrai o tétano e morre. Se eu perguntar: um tiro dado numa
perna é previsível que cause morte? A resposta é não. Não é normal e previsível que um tiro dado numa
perna cause a morte de outrem. Mas se eu perguntar: é normal e previsível que uma pessoa morra de um
tiro dado numa perna e a obrigue a arrastar-se numa zona de pocilgas, contraindo tétano? Aí digo “sim,
claro!”.
O grau de detalhe com que eu poder descrever a factualidade, assim eu chegarei à conclusão ou não que
aquela acção seja adequada à produção daquele resultado.
Por outro lado, a tca não dá respostas concretas a questões da teoria da imputação objectiva. Ex: A atira
uma pedra à cabeça de B e C atira B ao chão para que este não leve com a pedra na cabeça. B ao cair no
chão, faz escoriações.
Utilizando o juízo de prognose póstuma, nos estabelecemos aqui uma relação de causa-resultado, mas não
houve aqui uma causalidade adequada entre a primeira acção e o resultado, mas é previsível e normal que
um empurrão dado naquelas circunstancias possa ocorrer um resultado daquele género. Haveria aqui uma
relação de causalidade adequada entre o segundo comportamento e o resultado. E, todavia, aquela acção é
uma acção de salvamento. Se é uma acção de salvamento é uma acção socialmente adequada, uma acção
valiosa. Nem sequer, em relação a este tipo de acção, se coloca o problema da imputação objectiva. Se é
uma acção socialmente adequada, se é uma acção que não é desvaliosa para o Direito, se é uma acção
que se enquadra dentro dos limites do risco permitido, então essa acção é permitida. Não se pode colocar
em relação a ela nenhum problema de imputação objectiva, a acção nem sequer é típica.
Assim, a teoria da causalidade adequada não responde de forma satisfatória às questões hoje em dia
colocadas pelo problema da imputação objectiva.
Os critérios de imputação objectiva são critérios tópicos, são critérios construídos através de grupos de
casos, que foram sendo construídos pela doutrina, que foram sendo apresentados pela jurisprudência e não
em qualquer lado, é um conceito aberto. É esse o sentido do “adequado a…”, é uma imputação objectiva
que tem de ser feita segundo critérios valorativos. E, ao mesmo tempo, por ser um critério aberto, é um
critério que admite novos elementos, novos subcritérios, construídos da mesma forma tópica que os
anteriores o foram. O problema da imputação objectiva é de ordem valorativa. É constituído como ? É
constituído pelos critérios que vão sendo construídos de forma tópica ( tópica vem de “topoi” que são pontos
de vista induzidos, retirados de grupos de casos, é um método antigo, de Aristóteles. Ao longo dos tempos
sempre se trabalhou a tópica. Há até um trabalho que o Prof ASD recomenda: "Tópica e jurisprudência",
Theodor Viehweg).
Pressupostos para a imputação objectiva:
1) Que a acção seja típica ( pode não ser típica se se incluir dentro da margem de risco permitido ou por ser
considerada uma conduta socialmente adequada) para perguntar depois se o resultado é imputável a quem
praticou aquela acção;
2) Que exista uma relação causal, explicável através de uma lei natural. Este pressuposto é um pressuposto
fáctico. Se a acção for típica e não estiver estabelecida essa relação, não faz sentido perguntar - como
vimos através do caso da calidomida - quem é responsável pelo resultado. É uma pergunta que fica no ar.
Se não se sabe o que é que provoca aquilo, não se pode perguntar quem é o responsável.

Verificados estes dois pressupostos, que critérios são esses?

Critérios (não são critérios fechados)


a) Que a acção crie um risco juridicamente desaprovado de verificação de resultados daquela espécie. A
acção tem que ser típica e, ao ser típica, ela facilmente cria um risco juridicamente desaprovado de
verificação de resultados daquela espécie. O que é socialmente desaprovado ou está apenas dentro dos
limites do risco permitido não cabe aqui.
b) Esse risco tem que estar dentro do âmbito da responsabilidade do agente ( tem que estar dentro das
competências de controlo do agente). Competência pelo risco significa que ele domina, que ele controla
aquele risco do principio ao fim. Ele controla o desenvolvimento do risco. Se ele perde o controlo do risco,
deixa de ser competente por ele. Se deixa de ser competente pelo risco, deixa de ser imputável e algo
passa a ser responsável por ele. A natureza, a sociedade, outra pessoa. E o risco passa para a esfera da
pessoa, da sociedade, da natureza. Mas para ele ser imputável, tal não pode acontecer.
c) Esse mesmo risco pelo qual ele é competente tem que se materializar no resultado tal e qual ele se
verificou (o resultado como se verificou tem que ser a materialização daquele risco juridicamente
desaprovado pelo qual o agente é competente, que ele criou). Se o que se tiver materializado pelo resultado
for diferente daquele que resultaria da acção do agente, então ele não é imputável.
Dto. Penal II T. 17 Março ( ASD - A Imputação Objectiva)
d) Que o resultado caiba dentro da esfera de protecção da norma, seja um dos resultados que aquela
norma quis evitar que acontecesse quando proibiu aquela acção. As normas dirigem-se à acção humana,
proibem condutas para evitar resultados/danos. Que o resultado seja um dos resultados que aquela norma
quis evitar que acontecesse quando proibiu aquela acção.

melhor manual para a matéria da imputação obj: Roxin

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