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Dto Penal II T, 21 Abril 2009

ASD – 1.2.6 b) Dolo vs intenções especificas (cont.);1.2.6.c) Erro sobre elementos objectivos do tipo (i. erro sobre o
objecto)

Continuação da ultima aula...

O caso do atirador que pretende disparar sobre o cavaleiro mas que tamb ém admite acertar no
cavalo. No entanto, admite apenas acertar num e não nos dois. O cavaleiro esta a treinar saltos a
cavalo e por isso o atirador percebe que pode acertar não nos dois, apenas num, ignorando qual dos
dois vai ser. Esta questão e resolvida de modo diferente consoante o agente acerte no cavaleiro ou
no cavalo ou ainda em nenhum deles.
Se ele acerta no cavaleiro e o mata, temos uma situação de homicídio consumado. Homicídio doloso
consumado.
Se ele ou acerta no cavalo ou não acerta nem no cavaleiro nem no cavalo, a situação deve ser
tratada como tentativa de homicídio. Com dolo de homicídio sem todavia o homicídio doloso se ter
verificado.

Podia colocar-se a questão, se se acertasse no cavalo: porque não um caso de dano?


ASD considera que não é uma solução imposta nem é uma solução político-criminalmente razoável.
Ele seria tratado de modo mais favorável no caso em que acerta no cavalo do que caso em que não
acerta em nenhum. Porque neste ultimo caso não é difícil de perceber a solução da tentativa de
homicídio. Então, não faria sentido que aquele que acertou no cavalo passasse a ser punido por
crime patrimonial consumado.

Esta solução não viola o principio da culpa. Não nos podemos esquecer que ele tem dolo alternativo.
Quando o agente dispara admite e aceita acertar no cavaleiro. Se assim é a solução da tentativa de
homicídio não viola o principio da culpa. Apesar de o agente não saber em qual dos dois vai acertar,
ele não hesita. Ele admite acertar no cavaleiro. E quando dispara, aceita o risco de o cavaleiro vir a
ser morto. Se acerta no cavalo ou não acerta em nenhum, isso é irrelevante em termos de tentativa.

Com esta explicação acerca do dolo alternativo, e para terminar a analise do tipo subjectivo
doloso,há que referir as chamadas intenções especificas.

O que se passa nestes casos? Existem certos tipos incriminadores em que quanto ao elemento
subjectivo é exigido algo mais que o dolo. Exemplo do furto: aqui encontramos prevista a ilegitima
intenção de apropriação. No caso da burla, o facto tem que se praticado com ilegitima intenção de
enriquecimento.

Isto são as intenções especificas. Como se chega à conclusão que isto não se confunde com o dolo?
Uma doutrina antiga chamava a isto dolo especifico. Mas esta designação é errada porque nos leva
a pensar que são situações de dolo e não são.

Então como concluir que não são? Desde logo, por uma questão formal. Se fosse dolo, estaria lá
expresso, uma vez que o art. 13 já nos diz que os factos são dolosos e se fosse para nos dizer algo
sobre o dolo o legislador escusava de ter previsto, escusava de ter escrito lá estas intenções.

Assim, já sabemos que estamos perante algo diferente do dolo, algo que acresce ao dolo. Não é
possível estipular/exigir uma intenção especifica num crime não doloso. Algo que acresce ao dolo
mas que é diferente do dolo, que não se confunde com este.

Este critério formal, é certo que funciona na maior parte dos casos, pode no entanto esbarrar numa
dificuldade: imaginemos que o legislador queria limitar o desvalor da acção e o tipo subjectivo a
uma determinada forma de dolo. O dolo directo de primeiro grau, por exemplo. Isto é perfeitamente
possível.

O legislador, por razoes que se prendem com a subsidariedade do Dto Penal, estabelecer que a
única forma de dolo em que o tipo pode ser realizado é de dolo directo. Isto acontece por exemplo
no caso da infidelidade (art.224).Justamente porque o legislador não quer punir a gestão de
negócios arriscada, o legislador limitou um tipo subjectivo a uma forma de dolo: o dolo directo. S ó
quando o agente quer causar prejuízo (e essa a vontade finalisticamente manifestada) o tipo de
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infidelidade ( tipo de crime patrimonial) é realizado. Aqui o legislador referiu-se expressamente a


uma forma de dolo, porquê? Porque quer excluir as outras formas.

E nestes caso, como podemos verificar se estamos perante dolo e não perante uma intenção
especifica? Aqui temos de procurar um critério um pouco mais substancial. O dolo refere-se
sempre ao elemento objectivo e portanto o dolo representa uma linha interior. Quando se trata de
dolo há sempre congruência entre o tipo objectivo e o tipo subjectivo. Assim, o tipo incriminador
tem esta configuração.

Quando se trata de uma intenção especifica, o tipo incriminador tem esta configuração. O aro do
tipo subjectivo vai para além do aro objectivo. Porquê? O crime de intenção especifica refere-se
sempre a algo que não é elemento objectivo do crime.

A apropriação não é elemento objectivo do furto. O furto consuma-se através da subtracção. A


apropriação é o referente do elemento subjectivo especifico, da intenção especifica. Mas a
consumação do furto dá-se no momento da subtracção. Não é necessário que o agente se encontre
já em condições de poder desfrutar pacificamente da coisa, como se fosse proprietário.
Por isso, se diz que o furto é um crime de resultado truncado, de consumação antecipada. A
apropriação é um resultado não compreendido no tipo de crime que apenas faz parte do tipo de
crime não como resultado mas como manifestação da intenção especifica.

O mesmo se passa com a burla. A burla consuma-se com o prejuízo, não se consuma com o
enriquecimento do autor. Todavia, quando o agente pratica um facto, tem que ter a intenção do
enriquecimento. Este é um elemento que não faz parte do tipo de crime incriminador. O
enriquecimento é algo que objectivamente acontecer do lado do autor, não do lado da vitima. Como
o crime de burla é um crime contra alguém, ele consuma-se quando esse alguém é prejudicado. O
enriquecimento apenas entra no tipo de crime como elemento referente de intenção especifica.

ERRO SOBRE OS ELEMENTOS OBJECTIVOS DO TIPO

Posto isto, estamos quase a encerrar o capitulo do elemento subjectivo. Quase porque ainda temos
de tratar de dois pontos: o primeiro é o problema do erro.
Em primeiro lugar, uma curta apresenta sobre a sistematização do problema do erro, no Cp. O erro (
e não é uma particularidade do Cp português) pode ser de dois tipos quanto ás consequências do
erro: o erro que afasta o dolo ( art. 16 CP) e o erro que afasta a culpa, se n ão for censurável -erro
sobre a ilicitude ( art 17 CP).

Para já, iremos falar de uma parte dos erros do art. 16 CP: erro art 16/1 Cp.
Todos os erros do art. 16 excluem o dolo, mas os erros do art 16/1 Cp são erros que fazem parte
daquilo a que a nossa doutrina chama de o tipo de erro. Na aula em que se falou dos significados de
“tipo” este não foi referido. O “tipo de erro” é uma acepção da palavra “tipo” tendo em conta uma
sua produção dogmática que é esta: a designação do conjunto dos elementos sem os quais o dolo
não se encontra formado. Cá esta novamente “tipo” a ser utilizado como conjunto de elementos que
são indispensáveis para a formação do dolo. O que significa “a contrariu” que se falta algum destes
elementos, o dolo não esta formado. E porquê? Porque falta o seu elemento cognitivo, pois este não
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está plenamente realizado.

O erro afecto o elemento cognitivo do dolo. Situação de erro é aquela em que alguns destes
elementos não estão abrangidos pelo dolo, não estão abrangidos pelo elemento cognitivo do dolo.

Pode perguntar-se: então, mas o agente não pode querer? Não! Só se pode querer aquilo que se
conhece. Se ele não sabe se se verifica uma dada circunstância ou um dado elemento como é que
ele pode querer? Só se pode querer aquilo que se conhece e se não se conhece não se pode querer!
É justamente este tipo de erro que está previsto no art. 16/1 Cp. A descrição do conjunto das
circunstâncias ou dos elementos cuja verificação é indispensável para que o dolo se encontre
plenamente formado.

Quanto à estrutura do erro, a doutrina distingue duas especies de erro: erro- suposi ção e erro-
ignorância. Esta distinção pode ser útil no caso concreto para nos ajudar a distinguir as situações,
mas é uma distinção que não tem consequências práticas porque o erro pode assumir qualquer uma
destas faces. O erro pode basear-se no desconhecimento da circunstância correspondente ao
elemento tipico ou na falsa representação desse elemento. Ou não sabe o que significa, não sabe de
todo, ou pensa que aquilo que se verifica é outra coisa.

Portanto, quer seja uma falsa representação(aquilo a que chamaríamos de erro em sentido
estrito)quer seja ignorância/desconhecimento, em ambos os casos estamos perante uma situação de
erro porque o erro tipo, o erro sobre o qual trabalhamos é um erro em sentido amplo. No fundo, o
que retrata são as situações em que há desvio entre a representação e a realidade. Portanto, não
abrange apenas os casos de falha de conhecimento.

Ex.:uma pessoa grávida que está a tomar um abortivo pensando que esta a tomar uma aspirina.
Representa defeituosamente o objecto. Se assim é ela não sabe que aquilo que etstá a tomar é um
meio idóneo para provocar um aborto. E se não sabe isto, não pode querer realizar um aborto.
Aqui é um erro sobre facto típico, porque incide sobre um elemento que é um meio ingerido que
acaba por provocar o resultado. Há aqui uma falsa representação acerca da idoneidade do meio para
provocar o resultado. Há uma representação errada acerca da qualidade do meio, da aptidão do
meio para produzir aquele resultado.
Este erro é um erro do art. 16/1.

Vamos agora tratar de situações de erro sobre o facto típico que são mais complexas.

Erro sobre o objecto da acção e erro sobre a identidade da vitima

Ex.: A vai à caça e vê um movimento numa moita que lhe parece um movimento de um coelho.
Aponta a espingarda, dispara 3 tiros e acerta em B, que lá tinha estado a dormir uma sesta.
A pensa que está a atirar sobre um animal e afinal está a atirar sobre uma pessoa. Ele aqui
representa defeituosamente um objecto. É um caso de falsa representação. Ele toma a pessoa por
um animal.
Outro ex.: imaginem que A quer matar o B e monta-lhe uma cilada. Avista um vulto mais ou menos
das dimensões de B. Dispara sobre a pessoa e afinal era o C. também aqui temos um defeito de
representação, não já sobre o objecto propriamente dito mas sobre a identidade do objecto porque
tanto o A quanto o B são pessoas. O B quer matar uma pessoa e sabe que está ali uma pessoa. Mas
não quer matar qualquer pessoa, ele quer matar o B. E acaba por defeito de representação por
atingir o C.

Como se resolvem estas situações de defeituosa representação – que são as de erro sobre o
objecto? Devem ser resolvidas da seguinte forma: se os objectos forem tipicamente diferentes, i. É,
se a agressão a estes objectos não for valorada do mesmo modo pelo Direito, então, o dolo é
excluído relativamente ao objecto atingido. O caso do caçador. O caçador quer atingir o coelho, não
quer atingir a pessoa. Por falta de cuidado é que acaba por atingir, mas isso já é outro problema. Há
aqui uma situação de erro sobre o facto típico que exclui o dolo relativamente ao objecto atingido.
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ASD – 1.2.6 b) Dolo vs intenções especificas (cont.);1.2.6.c) Erro sobre elementos objectivos do tipo (i. erro sobre o
objecto)

Não exclui o dolo relativamente ao objecto visado, mas querer caçar um coelho não é crime algum.
Nem há aqui nenhum crime patrimonial posto que o coelho é uma res nullius . O dano pressupõe que
a coisa seja de alguém.
Bem, se por exemplo for uma agressão a património histórico, há aqui conotações publicas
colectivas ao direito de propriedade que esta classificado como monumento histórico. Há formas de
dano que estão previstas no art 212.Só há dano em coisa própria ( nos casos previstos) e em coisa
alheia (em termos gerais). Não há dano em coisa de ninguém.
No código penal, há o crime de dano contra a natureza mas ai as espécies a tutelar têm que ser
espécies classificadas.
Aqui a única solução será a de se aplicar o regime do tipo de homicídio negligente ( art.16/3).

Quanto ao erro sobre a identidade, é irrelevante. Para o Direito, é irrelevante que o agente queira
matar A, B ou C. Desde que ele queira matar uma pessoa, é irrelevante a identidade da pessoa que
ele queira matar. Porquê? Porque o tipo de homicídio diz claramente “matar outra pessoa”. “Outra
pessoa” é qualquer pessoa. Desde que ele queira matar uma pessoa, seja ela qual for, o dolo de
homicídio está verificado. A identidade da pessoa não faz parte do tipo de crime, por isso, o erro
sobre identidade não tem relevãncia.

Já não é assim se se tratar do pai, porque ai a qualidade de pai não é valorada da mesma maneira a
morte do pai ou de outra pessoa qualquer. A prova disso esta precisamente na possibilidade de a
morte do pai constituir homicídio qualificado ( art. 132 CP). Neste caso, o que se passa é que o erro
sobre a identidade tem relevância. De que modo? Se o indivíduo pensa que está a matar outra
pessoa e afinal está lá o pai, aqui só tem dolo de homicídio. A qualidade de pai do agente não está
incluída no seu dolo, ele não sabe que está lá o pai. Não há dolo de homicídio qualificado porque o
autor não sabe que quem esta ali é o seu pai. A qualidade de ascendente do agente não foi
considerada.

Se ele quer matar o pai e está lá outra pessoa qualquer, estamos perante um caso de tentativa de
homicídio qualificado. Porquê tentativa? Haveria aqui um concurso aparente entre tentativa de
homicídio qualificado e homicídio doloso consumado. Mas se fizermos as contas, é a tentativa que
absorve o desvalor do comportamento porque é à tentativa de homicídio qualificado que cabe uma
moldura penal mais ampla ( cerca de mais de um ano). É por essa razão que a punição deve ser
determinada pela tentativa de homicídio.

Outra situação é a da aberratio ictus: erro na execução. Esta ficará para a próxima aula.

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