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Direito Civil Esquematizado

Professor Stanley Costa

Aula 06 – Defeitos do Negócio Jurídico –


Parte 01
Sumário: 1. Notas Introdutórias – 2. Erro – 3. Dolo – 4. Coação.

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
Os defeitos do negócio jurídico, previstos a partir do artigo 138, são vícios que, ao
inquinarem determinado negócio jurídico, podem causar a sua anulação (exceto a
simulação, que é causa de nulidade absoluta). Esses defeitos são classificados em dois
grupos, vícios de consentimento e vícios sociais.

Os VÍCIOS DE CONSENTIMENTO configuram-se quando a vontade declarada pelo


agende não corresponde àquilo que ele realmente intentava, ou seja, a vontade
exteriorizada diverge da vontade real (aspecto interno do negócio jurídico). De acordo
com Carlos Roberto Gonçalves1, tais defeitos “provocam uma manifestação de vontade
não correspondente com o íntimo e verdadeiro querer do agente”, e segue dizendo que
“criam uma divergência, um conflito entre a vontade manifestada e a real intenção de
quem a exteriorizou”. Nesse contexto, consideramos vícios de consentimento: (i) erro;
(ii) dolo; (iii) coação; (iv) estado de perigo; (v) lesão.

Noutro giro, os VÍCIOS SOCIAIS configuram-se quando a vontade declarada está


de conformidade com o interesse do agente, mas é manifestada com o intuito de
prejudicar terceiros. Nesse caso, não há um “descompasso entre o íntimo querer do
agente e a sua declaração”, a vontade é “exteriorizada com a intenção de prejudicar
terceiros”. São chamados de vícios sociais: (i) fraude contra credores; (ii) simulação.

Nunca é demais repetir que a simulação é o único defeito do negócio jurídico (vício
social) que implica em nulidade absoluta. Dispõe o artigo 167 do Código Civil: “É nulo o
negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância
e na forma”. Ademais, considerando o que estudamos na aula anterior, vale ressaltar

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Op. Cit. p. 411
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que é de quatro anos o prazo decadencial de anulação do negócio jurídico no caso dos
demais defeitos.

Quanto à contagem do prazo, um detalhe que merece nossa atenção diz respeito
ao fato de que, em se tratando de coação, o prazo começa a contar do dia em que ela
cessar, enquanto que no caso de erro, dolo, estado de perigo ou lesão o prazo é contado
da data em que se realizou o negócio jurídico.

2. ERRO
CC, Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de
vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por
pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

O erro consiste em uma falsa ideia sobre a natureza, objeto ou a pessoa com
quem se negocia. Trata-se, pois, de uma falsa percepção da realidade. Não há
provocação de terceiro ou da outra parte, o agente incorre em erro sozinho. Desde já
é possível constatar que não é tão simples intentar uma ação anulatória fundada em
erro, pois é muito difícil provar o que se passava na mente do agente quando da
celebração do negócio jurídico.

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Segundo Flávio Tartuce: “O erro é um engano fático, uma falsa noção, em relação
a uma pessoa, ao objeto do negócio ou a um direito, que acomete a vontade de uma das
partes que celebrou o negócio jurídico”2.

Conforme as lições de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: “O erro expressa uma


equivocada representação da realidade, uma opinião não verdadeira a respeito do
negócio jurídico, do seu objeto ou da pessoa com quem se trava a relação jurídica. Este
defeito do negócio, portanto, vicia a própria vontade do agente, atuando no campo
psíquico (subjetivo)”.

O erro para causar a anulabilidade deve ser substancial (essencial), ou seja,


determinante para levar o agente a celebrar o negócio jurídico, de modo que se
soubesse da verdadeira situação, certamente não praticaria o ato. Em sentido oposto,
afirma-se que o erro acidental (secundário, acessório), por exemplo, a qualificação da
parte como casada quando na verdade era solteira, não é capaz de anular o negócio
jurídico. Inclusive, enuncia o artigo 143 que o erro de cálculo apenas autoriza a
retificação da declaração de vontade.

CC, Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio,


ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele
essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a
quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de
modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da
lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
CC, Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a
declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e
pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.
CC, Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de
vontade.

Ademais, muito se discute sobre a necessidade de o erro ser escusável


(desculpável, razoável) ou não. Parece-nos que a doutrina majoritária tem se
posicionado contra a necessidade de se demonstrar a escusabilidade do erro, assim
defendem Flávio Tartuce, José Fernando Simão, Sílvio de Salvo Venosa, Inácio de
Carvalho Neto e Gustavo Tepedino. Da mesma forma entendeu o Conselho de Justiça

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Op. Cit. p. 224.
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Federal na primeira Jornada de Direito Civil, interpretando a parte final do artigo 138 do
Código Civil, que diz “erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência
normal”.

CJF, Enunciado 12: Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não


escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança.

Não obstante, esclarecemos que a questão está longe de ser pacífica, vez que
ainda há uma boa parte da doutrina que defende a escusabilidade como requisito
indispensável, por exemplo, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, Maria Helena Diniz, Silvio
Rodrigues e Carlos Roberto Gonçalves.

Fugindo do mencionado debate, precisamos ainda fazer menção ao artigo 144 do


Código Civil, que, valorizando a aplicação do princípio da conservação dos negócios
jurídicos, prevê que não haverá anulação quando a outra parte se oferecer a executar o
contrato conforme a vontade real do agente.

CC, Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a
pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para
executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.

Por fim, buscando facilitar um pouco mais a compreensão do instituto,


compartilhamos diversos exemplos citados pela doutrina como hipóteses que ensejam
anulação do negócio jurídico por erro:

Exemplo 01: Pessoa que compra um relógio folheado acreditando tratar-se de ouro.
Esse erro acomete a vontade do comprador. O vendedor não participa, pois o agente
erra sozinho.

Exemplo 02: Um contratante pensa estar adquirindo um terreno de excelente


localização, mas está comprando outro em péssimo local, sem qualquer dolo do
vendedor.

Exemplo 03: Quando alguém faz doação patrimonial a outrem, supondo que este,
em tempos idos, lhe havia doado medula óssea, o que não ocorreu.

Exemplo 04: João adquiriu um pequeno sítio em área próxima ao Município de Lucas
do Rio Verde, onde pretendia realizar cultivo agrícola para o sustendo de sua família.
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Entretanto, após a conclusão do negócio jurídico, veio a descobrir que o imóvel se
encontra em área de reserva permanente, de modo que não poderá utilizar o imóvel
da maneira desejada.

3. DOLO
CC, Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a
sua causa.

O dolo se configura quando o agente é levado a se equivocar em razão de atuação


maliciosa realizada pela outra parte ou por terceiro, por isso é também chamado de
“erro provocado”. No erro o agente se engana, no dolo o agente é enganado. Carlos
Roberto Gonçalves define o dolo como o “artifício ou expediente astucioso, empregado
para induzir alguém à prática de um ato que o prejudica, e aproveita ao autor do dolo
ou a terceiro”3. No âmbito penal, a conduta do agente pode configurar crime de
estelionato.

Semelhantemente, leciona Flávio Tartuce: “O dolo pode ser conceituado como o


artifício ardiloso empregado para enganar alguém, com intuito de benefício próprio. O
dolo é a arma do estelionatário, como diziam os antigos civilistas”.

Nos termos do artigo 147 do Código Civil, o dolo pode ser positivo (comisso) ou
negativo (omissivo), ou seja, a omissão dolosa também pode ensejar a anulação do
negócio jurídico. Assim enuncia o texto legal:

CC, Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma
das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado,
constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria
celebrado.

Para anular o negócio jurídico o dolo tem de ser substancial (essencial). Uma das
partes se utiliza de artifícios maliciosos para levar a outra a celebrar negócio jurídico que
em outras circunstâncias não celebraria. Por isso, comumente utiliza-se a expressão

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Op. Cit. p. 427
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“induzimento ardil ou ardiloso” em provas de concurso para indicar situações de
anulação por dolo.

Assim como acontece no caso do erro, o dolo acidental não é suficiente para
fundamentar a anulação do negócio jurídico. Todavia, aqui o vício decorre da atuação
maliciosa de alguém, de modo que, mesmo não havendo anulação, é possível que tal
pessoa seja responsabilizada pelas perdas e danos.

CC, Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é
acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por
outro modo.

Apesar de normalmente o dolo ser praticado por uma das partes do negócio
jurídico, que se beneficiaria diretamente da sua celebração, o legislador reconhece a
possibilidade de anulação por dolo de terceiro, ou seja, de alguém de fora da relação
jurídica negocial. Entretanto, é necessário que tenhamos MUITO CUIDADO, pois a
invalidade só será possível caso o beneficiado tivesse ou devesse ter conhecimento do
vício. Caso contrário, o negócio subsistirá, podendo a vítima do dolo apenas postular a
justa indenização por perdas e danos em face do terceiro que o praticou.

CC, Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de
terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter
conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o
terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.
CC, Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o
representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve;
se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado
responderá solidariamente com ele por perdas e danos.
CC, Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode
alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.

4. COAÇÃO
CC, Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que
incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua
pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do
paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

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Enquanto defeito do negócio jurídico, configura-se a coação quando o agente
pratica o ato em razão de fundado temor de dano iminente e considerável à sua
pessoa, à sua família ou aos seus bens. Trata-se de pressão moral sofrida para a prática
de um negócio jurídico. No âmbito penal, a conduta do agente pode configurar crime
de extorsão.

Majoritariamente, entende-se que a coação absoluta (ou física), chamada de “vis


absoluta”, não é causa de anulação do negócio jurídico, pois neste caso não haveria
propriamente manifestação de vontade da parte, de tal modo que seria hipótese de
inexistência. Assim, fala-se em anulação do negócio jurídico apenas em caso de coação
relativa (ou moral), chamada de “vis compulsiva”.

Nesses termos, Carlos Roberto Gonçalves apresenta o seguinte conceito: “Coação


é toda ameaça injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade,
a praticar um ato ou realizar um negócio. O que a caracteriza é o emprego da violência
psicológica para viciar a vontade”4.

Do conteúdo do artigo 151 podemos extrair algumas características essenciais à


configuração da coação, enquanto defeito do negócio jurídico. Primeiro, para viciar a
manifestação de vontade, a coação deve ser GRAVE, ou seja, de tal intensidade que
efetivamente amedronte a vítima, gerando um fundado temor de dano.

É certo que tal gravidade varia de acordo com o caso concreto, sendo algumas
pessoas mais suscetíveis a serem amedrontadas do que outras. Por isso, o legislador
determina que no momento de se apreciar a existência do vício, o magistrado deverá
levar em conta o sexo, idade, condição, saúde, temperamento da vítima e outras
circunstâncias (CC, art. 152).

Ademais, de acordo com o artigo 153 do Código Civil, o mero temor reverencial
não é considerado coação. Dessa maneira, não podemos considerar grave o temor de
um filho decepcionar seu pai, caso não pratique determinado ato, ou de um empregado
em relação ao seu patrão, bem como de um soldado em relação ao coronel. Mas
atenção, quando o legislador enuncia que o “simples” temor reverencial não é

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Op. Cit. p. 436
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considerado coação, isso de maneira alguma significa que em relações como as citadas
não possa existir efetivamente tal defeito. Uma real ameaça feita por um superior
hierárquico ao seu subordinado pode sim ser considerada coação para fins de anulação.

A coação deve ainda ser INJUSTA, ou seja, ilícita, contrária à lei ou abusiva, de
modo que não podemos considerar coação a ameaça exercida no exercício regular de
um direito. Por exemplo, não há de se falar na anulação de um reconhecimento
voluntário de paternidade porque a mulher ameaçou ajuizar uma ação judicial contra o
suposto pai do seu filho. Da mesma forma, NÃO será invalidado o pagamento realizado
após o credor ter intimidado o devedor afirmando que realizaria o protesto ou a
execução do título executivo, ou, ainda, que executaria a hipoteca que foi prestada
como garantia da dívida. Em todos os casos o agente age de conformidade com a lei.

Outrossim, a coação deve dizer respeito a um DANO ATUAL OU IMINENTE. A


ameaça de um mal remoto, abstrato ou evitável não é capaz de invalidar um negócio
jurídico, como no caso de um funcionário que ameaçar demitir outro, quando e se algum
dia se tornar chefe, caso não celebre com ele um determinado contrato.

Por fim, a coação deve consistir em ameaça à pessoa da vítima, à sua família ou
aos seus bens. Não obstante o conteúdo do caput do artigo 151, o seu parágrafo único
enuncia que, se a coação disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente,
o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve ou não o defeito.

CC, Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a


condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais
circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
CC, Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um
direito, nem o simples temor reverencial.

Da mesma maneira que ocorre no contexto do vício de dolo, o legislador previu a


possibilidade de anulação do negócio jurídico por coação exercida por um terceiro.
Todavia, para a invalidação do negócio é imperioso que tivesse ou devesse ter
conhecimento da coação a parte a que aproveita, hipótese em que responderá, ainda,
solidariamente com o terceiro pelas perdas e danos.

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Caso o beneficiado não tivesse ou devesse ter conhecimento da coação, o negócio
jurídico subsistirá, mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que
houver causado ao coacto.

CC, Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela
tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta
responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.
CC, Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro,
sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento;
mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver
causado ao coacto.

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