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REGIME DAS INVALIDADES


(nulidades e anulabilidades)

Há duas formas de invalidade: nulidade e anulabilidade.


Pressupostos de validade concernem:
a) ao sujeito ou aos sujeitos dos atos jurídicos
b) ao objeto do ato jurídico

c) à forma do ato jurídico


Recordar o já visto no que toca ao art. 104 CC:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

NULIDADE (arts. 166 a 170 CC)


A nulidade é a forma mais grave de invalidade. As hipóteses
de nulidade afrontam não apenas os interesses das partes, ou
de parte envolvida no negócio, mas vão além, ferindo
interesses sociais, públicos. Enfim, há afronta a valores do
sistema. (Paulo Lôbo)
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A nulidade também serve para proteger contratantes


vulneráveis. Ver o exemplo das cláusulas abusivas do art. 51
do Código de Defesa do Consumidor.
Hipóteses de nulidade:
1)ilicitude do objeto do negócio jurídico. Ex: negócio sobre
herança de pessoa viva
2)impossibilidade de alcançar o objeto ao tempo da
celebração do negócio. Exs: captação de água em subsolo
seco, imóvel inalienável em virtude de programa de reforma
agrária
3) indeterminação do objeto – há que se indicar no mínimo o
gênero e quantidade. Por exemplo, dois computadores, sem
indicar marca.
4)incapacidade civil absoluta – é nulo o negócio jurídico
celebrado diretamente por absolutamente incapaz.
Excepcionados os atos existenciais (menor adquirindo
produtos).
5) forma – é nulo o negócio jurídico que não observar a forma
prescrita em lei. Mas lembrar que o art. 107 CC prevê o
princípio geral da liberdade de formas.
6) fraude à lei – ato ardiloso, enganoso, com o intuito de
conferir aparência de legalidade à intenção de descumprir a
lei (ver exemplos do art. 497 do CC).
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ANULABILIDADE (arts. 171 a 184)


A anulabilidade é o campo da invalidade de menor gravidade.
As situações que suscitam a invalidade não lesam
diretamente interesses públicos ou sociais.
Hipóteses de anulabilidade:
1) incapacidade civil relativa de qualquer das partes do
negócio
2) defeito do negócio jurídico (erro substancial, dolo, coação,
lesão, estado de perigo, fraude contra credores)
3) em casos que a lei expressamente determinar (art. 119
CC)
4)atos que a lei exija autorização de outrem, quando essa
faltar (assentimento do curador, assentimento do cônjuge
para alienação de bem imóvel comum, conforme a previsão
do art. 1647, I, CC).

A nulidade ou a anulabilidade atingem o negócio jurídico no


todo ou em parte. Vigora o princípio da não-contaminação
(ou da conservação) no direito brasileiro (art. 184 CC),
segundo o qual uma parte do objeto do negócio jurídico pode
ser ilícita sem contaminar o todo: "Art. 184. Respeitada a intenção das
partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta
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for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas
a destas não induz a da obrigação principal."

Semelhanças e diferenças entre nulidade e anulabilidade

Nulidade Anulabilidade
Interesse Social Particular
protegido
Legitimidade para Qualquer pessoa Apenas o
requerer a interessada, MP interessado direto
invalidade (art. 168 CC) (prejudicado)
Decretação de Permitida Vedada
ofício
Desconstituição Absoluta (não Relativa
dos efeitos produz efeitos*) (circunstâncias
podem não
recomendar que
seja retroativa)
(art. 182)
Convalidação ou Impossível (art. Possível (art. 172)
confirmação 169)

*Existem vários casos de eficácia do ato nulo: casamento


putativo, p. ex. entre irmãos (efeitos da paternidade).
Sentença que declarar nulo o casamento pode ser ex nunc.
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DEFEITOS NOS ATOS JURÍDICOS


É disciplina relacionada, basicamente, à manifestação de
vontade deficiente de um dos contratantes.
Sobre a manifestação de vontade existem duas teorias:
1) Teoria da vontade – dá preponderância à real vontade do
agente
2) Teoria da declaração – dá preponderância ao que foi
declarado pelo agente
Art. 112 do Código Civil:
“Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção
nelas consubstanciada do que ao sentido literal da
linguagem”.
Prevalece a vontade interna, mas moderadamente.

Casos de ANULABILIDADE, conforme art. 171 CC:


Erro (arts. 138 a 144)
No erro há uma compreensão equivocada da realidade. É
relacionado aos fatos. No caso do erro, o agente engana-se
sozinho. Há a possibilidade do inciso III do art. 139 CC que é a
exceção, por se tratar de erro de direito. Ex.: aquisição de um
determinado terreno para implantar empreendimento, mas
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há vedação por parte de normas ambientais. Importo


mercadoria que é proibida, desconhecendo.

Exemplo de erro sobre a natureza do negócio: pessoa


empresta uma coisa e a outra entende que houve doação.
Art. 138 CC
Erro deve ser escusável para parte da doutrina. Doutrina
majoritária, entende, todavia, que se aplica o critério da
cognoscibilidade, ou seja, o negócio só será anulável se o
vício era conhecido ou poderia ser reconhecido pelo
contratante beneficiado (o contratante beneficiado é aquele
que não comete o erro).
Falso motivo do art. 140 CC. Ex.: Vendo meu animal de
estimação predileto só porque tenho que pagar cirurgia,
depois médico diz que cirurgia é desnecessária.
Motivos são as razões subjetivas, interiores da pessoa.
Art. 142: Erro acidental – testador erra o nome do filho.
Meros enganos facilmente corrigíveis.
Art. 144: novamente o princípio da conservação.
Sobre erro, ver ainda o disposto no Código Civil sobre a
anulação de casamento em virtude de erro essencial sobre à
pessoa do outro cônjuge:
Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos
nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:


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I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu
conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a
vida conjugal;

III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e


transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua
descendência;

IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne
insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

Atentar ao seguinte caso, julgado pelo Tribunal de Justiça


do Estado do Rio Grande do Sul:

Ementa: APELAÇÃO. ANULATÓRIA DE CASAMENTO. ERRO ESSENCIAL.


OCORRÊNCIA. AÇÃO DE SEPARAÇÃO CUMULADA COM ALIMENTOS. EXTINÇÃO.
RECURSO ADESIVO. NÃO CONHECIMENTO. Caso em que restou bem demonstrado que a
apelada, ao aceitar casar com o apelante, tinha apenas a intenção de obter metade do
patrimônio dele, e que sequer admitiu a ocorrência de relação sexual, nos menos de 03 meses
de convivência conjugal. Hipótese na qual resta bem caracterizado o erro essencial, que deve
levar à decretação de anulação do casamento. Julgada procedente ação de anulação de
casamento ajuizada pelo apelante, a ação de separação cumulada com alimentos que foi
ajuizada pela apelada deve ser extinta sem apreciação de mérito, pela perda do objeto.
Quando ações deduzidas em processos distintos são resolvidas por uma única sentença, e o
apelo ataca a decisão de apenas uma das ações, não cabe recurso adesivo contra a parte da
sentença não atacada pelo recurso principal. Precedentes jurisprudenciais. DERAM
PROVIMENTO AO APELO, EXTINGUIRAM SEM APRECIAÇÃO DE MÉRITO A AÇÃO DE
SEPARAÇÃO CUMULADA COM ALIMENTOS E JULGARAM PREJUDICADO O
RECURSO ADESIVO. (Apelação Cível Nº 70046384459, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 29/03/2012)

Prova da OAB 2010-3

José iniciou relacionamento afetivo com Tânia em agosto de 2009, casando-se


cinco meses depois. No primeiro mês de casados, desconfiado do
comportamento de sua esposa, José busca informações sobre seu passado.
Toma conhecimento de que Tânia havia cumprido pena privativa de liberdade
pela prática de crime de estelionato. José, por ser funcionário de instituição
bancária há quinze anos e por ter conduta ilibada, teme que seu cônjuge
aplique golpes financeiros valendo-se de sua condição profissional. José,
sentindo-se enganado, decide romper a sociedade conjugal, mas Tânia, para
provocar José, inicia a alienação do patrimônio do casal.
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Considerando que você é o advogado de José, responda aos itens a seguir,


empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal
pertinente ao caso.

a) Na hipótese, existe alguma medida para reverter o estado de casado?


(Valor: 0,5)

b) Temendo que Tânia aliene a parte do patrimônio que lhe cabe, aponte o(s)
remédio(s) processual(is) aplicável(is) in casu. (Valor: 0,5)

Dolo (arts. 145 a 150)


É o “enganar consciente”, a intenção de induzir o outro a
realizar negócio jurídico em seu próprio prejuízo.
Difere do dolo do direito penal, onde há intenção criminosa
de fazer o mal.
Ver art. 147 e acórdao TJRS, pois o dolo também se manifesta
por silêncio intencional. Ex. Vendo algo omitindo fato que se
viesse ao conhecimento do comprador o negócio não sairia.
Dever de informar como pilar do direito do consumidor.
Código de Defesa do Consumidor: arts. 3˚, 4˚,6˚, III, 8˚, 9˚, 10,
12, 14, 30, 31, 52, 54 §§ ˚.
Dolo acidental: art. 146 – gera perdas e danos:
“O sujeito declara pretender adquirir um carro; escolhendo
um automóvel com cor metálica, e, quando do recebimento
da mercadoria, enganado pelo vendedor, verifica que a
coloração é, em verdade, básica. Neste caso, não
pretendendo desistir do negócio poderá exigir compensação
por perdas e danos”.
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Dolo de terceiro do art. 148.


Dolo de ambas as partes a nenhuma delas aproveita (art.
150).

Coação (Arts. 151 a 156)


Para viciar a declaração de vontade, a coação deve incutir no
paciente fundado temor de dano e considerável à sua pessoa,
à sua família ou aos seus bens. Ou seja, há que existir certa
gravidade.
“Não basta qualquer constrangimento para que se haja o ato
jurídico por viciado. Para que ocorra a coação, mister se faz
que se atinja o limite da anormalidade”.
Na coação há a presença de medo e temor. Na coação
absoluta há violência física, não havendo vontade do
paciente, mas sim do coator. Na coação relativa ou moral há
certa escolha por parte do coacto.
Conforme o art. 152 levar-se-á em conta o sexo, a idade, a
condição, a saúde e o temperamenteo do paciente da alegada
coação.
Ameaça de exercício de direito e temor reverencial não
implicam em coação (art. 153)
Temor reverencial = receio de desagradar pessoas unidas por
vínculo afetivo ou relação de hierarquia.
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Estado de perigo (Art. 156 CC)


Exemplo clássico: aquele que está se afogando promete, no
desespero, todo o seu patrimônio por sua vida.
Pressupõe:
- situação de necessidade
- iminência de dano atual e grave
- nexo de causalidade
- conhecimento do perigo pela outra parte
Lesão (Art. 157 CC)
- inexperiência ou premente necessidade
- desconhecimento desse fato da outra parte
Na lesão, diferentemente dos vícios de consentimento, não há defeito na
formação da vontade da parte, pois, via de regra, o contratante lesado expressa
a sua vontade livremente, uma vez que compreende e quer o contrato bem
como os seus efeitos, diferentemente do que ocorre nas hipótese de erro, dolo
ou coação.

Fraude contra credores (Arts. 158 a 165 CC)


Discussão em sala de aula sobre fraude contra credores.

“Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o


devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser
anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.”
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Simulação (é hipótese de NULIDADE, conforme art. 167 CC):


- Significa o ato de fingir o que não é.
- Declaração não conforme com a intenção.
- Não é vício da vontade. É denominada de vício social.
- Visa prejudicar terceiros, como o Fisco.
- Sempre envolve duas ou mais partes.
Conceitos:
Simulação inocente – intuito de enganar terceiros sem os
prejudicar (animus decipiendi).
Simulação fraudulenta – com intuito de prejudicar terceiros
ilicitamente ou de contornar qualquer norma da lei (animus
nocendi).
Simulação absoluta – partes fingem celebrar um negócio e na
realidade não querem nenhum negócio jurídico, há apenas o
negócio simulado.
Simulação relativa – as partes fingem celebrar determinado
negócio e na realidade querem outro.
Exemplos:
- emissão de títulos de crédito em favor de amigos para
retirar bens da partilha;
- empréstimo ao invés de doação para fugir de imposto sobre
doações (simulação que oculta o negócio real);
TJRS 70038684460
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“I. A simulação relativa, ocorrente no caso dos autos, se dá quando se realiza aparentemente um
negócio jurídico, querendo e levando-se a efeito outro diferente. Em outras palavras, caracteriza-se
quando os contratantes concluem um negócio que é verdadeiro - doação -, mas o ocultam sob uma
forma jurídica diversa - compra e venda. No caso concreto, o falecido, sua esposa e filhos comuns
preteriram o autor - filho concebido fora do casamento - realizando diversas doações sob a aparência
de compra e venda, com o objetivo de subtrair o direito do autor à herança de seu falecido pai. As
doações ocultas prejudicaram o herdeiro preterido, porque não levadas à colação no processo de
inventário, acarretando o desequilíbrio dos quinhões das heranças, razão pela qual foram declaradas
ineficazes, em relação ao autor, as doações e cessões gratuitas realizadas pelo de cujus em favor dos
réus. Apelos dos réus desprovidos.“

CC: Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas


subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na
forma.

§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas


diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou
transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula


não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou


pós-datados.

§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face


dos contraentes do negócio jurídico simulado.

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