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DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

- Dizemos que há um defeito no negócio jurídico quando existe um vício que:

a) Incide sobre a vontade (consentimento) da pessoa – vício do


consentimento. Os vícios do consentimento recebem esse nome porque
incidem sobre o consentimento (vontade) da pessoa. O negócio jurídico
é um ato de vontade; sendo assim, a vontade (consentimento) da
pessoa, ao realizar o negócio, deve ser livre e consciente.

Quando existe uma divergência entre a vontade real da pessoa e a


vontade declarada no negócio jurídico, conclui-se que há um vício de
consentimento no negócio jurídico.

b) Foi realizado com a intenção de prejudicar terceiros – vício social.


Vícios sociais são aqueles que incidem sobre o negócio jurídico, uma
vez que o negócio foi realizado com a intenção de prejudicar terceiros,
ferir a lei ou a boa-fé.

Nos vícios sociais não existe a divergência entre a vontade real da


pessoa e a vontade declarada no negócio, pois a intenção da pessoa
realmente era prejudicar terceiros.

- São vícios do consentimento:

a) Erro (art. 138 ao 144 do CC);

b) Dolo (art. 145 ao 150, CC);

c) Coação (art. 151 ao 155 do CC);

d) Estado de Perigo (art. 156 do CC);

e) Lesão (art. 157 do CC).

- São vícios sociais previstos no Código Civil:

a) Fraude contra credores (art. 158 a 165);

b) Simulação (art. 167 e 168).

Vícios do consentimento
Do erro ou ignorância (CC, art. 138 ao 144)

- Ocorre o erro quando uma pessoa realiza um negócio jurídico sem ter a
noção exata sobre uma coisa, objeto, pessoa ou mesmo sobre a natureza do
próprio negócio jurídico. Essa falsa noção da realidade faz com que a pessoa
realize um negócio jurídico em que há divergência entre a sua vontade real e
vontade declarada do negócio.

Erro = noção inexata sobre algo.

Ignorância = total desconhecimento sobre algo.

> O que ocorre quando o negócio jurídico foi realizado com erro?

a) O negócio pode ser anulado (art. 138, CC)1;

b) O negócio pode ser mantido por ser um erro acidental (art. 142, CC) 2;

c) O negócio pode ser mantido e o erro pode ser corrigido para atender a
vontade real do manifestante (art. 144, CC)3.

- Os negócios jurídicos podem ser anulados quando forem realizados com erro,
mas o erro deve ser substancial. Erro substancial é aquele que faz com que a
pessoa realize o negócio jurídico sem ter a noção exata da realidade; pois, se a
pessoa tivesse conhecimento do erro, não teria realizado o negócio jurídico. Os
erros substanciais estão descritos no art. 139 do Código Civil. Além de
substancial, o erro deve ser escusável, ou seja, é aquele erro que qualquer
pessoa de inteligência normal poderia ter cometido. É importante ressaltar que
o enunciado 12 da Jornada de Direito Civil 4 relativizou o erro escusável. Sendo
assim, basta o erro de uma das partes para que o negócio jurídico possa ser
anulado, tendo em vista o princípio da confiança e da boa-fé objetiva dos
contratos.

1
“São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial
que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”.
2
“O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o
negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa
cogitada”.
3
“O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de
vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”.
4
“Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o
princípio da confiança”.
- Erro substancial: é aquele que incide sobre um aspecto relevante, essencial
do negócio jurídico. O erro substancial influencia diretamente no negócio
jurídico, pois se a pessoa tivesse conhecimento do erro não teria realizado o
negócio jurídico. O art. 139 do Código Civil apresenta 6 (seis) espécies de erro
substancial:

1. Erro quanto à natureza do negócio jurídico – ocorre quando interessa


à natureza do negócio. No caso de erro quanto à natureza do negócio
jurídico, a pessoa engana-se (erra) quanto ao tipo de negócio que
estava celebrando. A pessoa acreditava estar celebrando uma
determinada modalidade de negócio jurídico quando, na verdade, está
celebrando outra modalidade.

Exemplo: João assinou um contrato acreditando estar alugando uma


casa para o seu sobrinho. No entanto, ao analisar o documento, o filho
de João verificou que seu pai havia vendido o imóvel e não alugado.
João errou quanto à natureza do negócio jurídico, pois acreditava estar
alugando o imóvel quando, na verdade, estava vendendo.

2. Erro quanto ao objeto principal – no caso de erro quanto ao objeto


principal do negócio jurídico, a pessoa engana-se quanto ao objeto em
si. A pessoa acreditava estar negociando um objeto quando, na verdade,
está negociando outro objeto.

Exemplo: João comprou um terreno para construir uma casa de praia ao


lado da casa de seu pai. Ocorre que João, por engano, acabou
comprando o lote errado, o qual fica a três quadras distantes da casa de
seu pai. João errou quanto ao objeto principal do negócio jurídico, pois
acreditava que havia comprado um lote (A) quando, na verdade, havia
comprado outro lote (B).

3. Erro quanto a alguma qualidade essencial do objeto – no caso de erro


quanto à qualidade essencial do objeto, a pessoa não se engana (erra)
quanto ao objeto em si, mas se engana quanto a uma qualidade
essencial do objeto. A pessoa acredita que o objeto tem uma qualidade
(característica), mas o objeto tem outra qualidade.
Exemplo: João comprou um smartphone de última geração acreditando
ser verdadeiro, no entanto, quando foi comprar um acessório para o seu
smartphone, o vendedor da loja lhe informou que o aparelho era uma
réplica. João não errou quanto ao objeto em si, mas errou quanto à
qualidade essencial do objeto, pois acreditava que o smartphone era
verdadeiro quando, na verdade, era uma réplica.

4. Erro sobre a identidade da pessoa – no caso de erro quanto à


identidade da pessoa, o erro incide sobre a pessoa a quem se refere a
declaração de vontade. A pessoa acredita estar realizando um negócio
jurídico (ou beneficiando; ou favorecendo) com uma pessoa, mas está
realizando o negócio com outra pessoa.

Exemplo: João sofreu um acidente de carro e foi socorrido pelos


paramédicos. João ficou muito agradecido pelo serviço prestado e fez
uma doação para o médico que acreditava ter lhe atendido na ocorrência
e salvado a sua vida, José da Silva. Ocorre que João fez a doação para
a pessoa errada, pois quem salvou a vida de João foi Pedro da Silva e
não José da Silva. Sendo assim, João pretende anular o negócio
jurídico, pois errou quando à identidade da pessoa.

5. Erro sobre a qualidade essencial da pessoa – no caso de erro quanto


à qualidade essencial da pessoa, o erro não incide sobre a identidade da
pessoa a quem se refere a declaração de vontade, mas sim a uma
qualidade essencial da pessoa. A pessoa não erra quanto à identidade
da outra pessoa, mas sim quanto à qualidade dessa pessoa. É
necessário que essa qualidade da pessoa seja uma qualidade essencial.

Exemplo: a pessoa pode requerer a anulação do casamento porque


descobriu que a pessoa com quem casou é um transexual, todavia não
pode esse indivíduo pedir a anulação do casamento em decorrência de
um problema respiratório do seu cônjuge, posto que problema
respiratório não é qualidade essencial.

Obs.: o erro deve ter influído diretamente na realização do negócio


jurídico; pois, se a pessoa tivesse o real conhecimento do erro quanto à
identidade da pessoa ou quanto à qualidade da pessoa, não teria
realizado o negócio jurídico.

6. Erro de Direito – o indivíduo quer anular o negócio jurídico por


desconhecimento da norma jurídica ou interpretação errada da norma
jurídica ou, ainda, essa pessoa não pretende descumprir a lei, ele
somente pretende anular o negócio jurídico que foi realizado por
desconhecer a norma jurídica.

Exemplo 1: João comprou duas máquinas de bronzeamento artificial


para o seu salão de beleza, no entanto João desconhecia que a norma
jurídica havia proibido esse tipo de aparelho. Ficou constatado o erro de
direito, pois João desconhecia a norma jurídica que proibia o uso do
equipamento. Tendo em vista que João não quer descumprir a lei, ele
pretende anular a compra das máquinas de bronzeamento.

Exemplo 2: João comprou um imóvel para fazer um loteamento. Ocorre


que João não tinha conhecimento que a lei municipal não permitia o
loteamento naquela zona. Ficou constatado o erro de direito, pois João
desconhecia a norma jurídica que proibia o loteamento naquela zona.
Considerando que João não quer descumprir a norma jurídica, João
pretende anular a compra do imóvel.

- Falso motivo (CC, art. 140) – “O falso motivo só vicia a declaração de vontade
quando expresso como razão determinante”.

Motivo é a razão psicológica (razão interior, subjetiva) que levou a


pessoa a realizar o negócio jurídico.

Falso motivo é o erro quanto ao motivo. A pessoa que realizou o negócio


jurídico estava realizando por um motivo (razão), mas esse motivo
estava errado. Para viciar a declaração e vontade, o falso motivo deverá
estar expresso no negócio jurídico, ou seja, o motivo deve constar
expressamente no negócio. Exemplo: Hugo alugou um imóvel comercial
para montar uma academia, pois acreditava que esse imóvel estava
localizado em uma região com uma vasta clientela. Após alguns meses,
Hugo verificou que não havia clientes suficientes naquela região e
ajuizou uma ação para anular o negócio jurídico.

- Transmissão errônea da vontade por meios interpostos (CC, art. 140) – “A


transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos
casos em que o é a declaração direta”, ou seja, os mesmos casos em que é
possível alegar a transmissão errônea da vontade para anular um negócio
jurídico que foi realizado presencialmente, também é possível alegar a
transmissão errônea da vontade se o negócio foi realizado por meios
interpostos.

a) Transmissão errônea da vontade – quer dizer que, no momento da


transmissão da declaração de vontade, houve uma divergência entre a
vontade real (interna) e a vontade declarada.

b) Meios interpostos – ocorre quando a pessoa manifesta a vontade de


forma não presencial. Manifesta a vontade (realiza algum negócio
jurídico) por outro meio como a internet, o whatsapp, o telefone, o e-mail
etc.

c) Declaração direta – ocorre quando a pessoa manifesta a vontade


(realiza o negócio jurídico) diretamente de forma presencial.

O erro da declaração de vontade por meios interpostos pode-se dar por:

a) Erro ocasionado pelo próprio meio interposto que transmitiu a


vontade, por exemplo: falha da internet, má compreensão do
mensageiro que transmitiu a vontade, interrupção do sinal da internet
etc. Exemplo: João estava realizando um empréstimo no caixa
eletrônico (meio interposto). No momento em que João pressionou a
tecla “confirma”, o caixa eletrônico falhou e mudou, repentinamente,
de tela e João, sem querer, clicou na contratação conjunta de um
seguro de vida que seria descontado de sua conta. João não
pretendia contratar o seguro, mas por uma falha mecânica no caixa
eletrônico (meio interposto), acabou por realizar a contratação.
Considerando que João realizou o negócio jurídico por meios
interposto e houve um erro na transmissão da vontade ocasionado
pelo próprio meio, João poderá requerer a anulação do negócio.
b) Erro da própria pessoa que transmitiu a declaração de vontade por
meios interpostos. Exemplo: João estava participando de um leilão
de tapetes pela televisão. João deu um lance por telefone no valor de
cinco mil dólares por um tapete persa. Quando João recebeu o
tapete, verificou que este era turco e não persa. Ocorreu um erro,
pois João queria ter comprado um tapete persa e não um tapete
turco.

- Erro acidental: é aquele que incide sobre um aspecto secundário ou acessório


da declaração de vontade. Considerando que o erro acidental incide sobre um
aspecto secundário da declaração de vontade, ele não anula o negócio jurídico
uma vez que, se a pessoa tivesse conhecimento do erro, teria realizado o
negócio jurídico mesmo assim.

Os arts. 142 e 143 do Código Civil trazem três tipos de erros acidentais:

a) Erro de indicação da pessoa (CC, art. 142)5 – houve um erro no


momento de indicar a pessoa ou a coisa (objeto) no negócio jurídico,
no entanto esse erro pode ser corrigido, pois pelo contexto pode-se
identificar a pessoa ou a coisa. Esse tipo de erro não vicia (não
anula) o negócio jurídico.
Exemplo: João vendeu um imóvel para José. Na confecção do
contrato, o CPF de José constou com os números errados. Todavia,
pelos demais dados que constavam do contrato (endereço, filiação,
identidade etc.) era perfeitamente possível identificar José.
Considerando que o erro incidiu sobre a indicação da pessoa de
José, sendo possível pelo contexto identificá-lo, o negócio jurídico
deve ser mantido.
b) Erro de indicação da coisa (objeto) (CC, art. 142) – Exemplo: João
vendeu seu notebook para José. Na confecção do contrato José não
observou que o número de série havia saído com um número a mais.

5
“O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o
negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa
cogitada”.
Ocorre que, pelas características descritas no contrato, era
perfeitamente possível identificar qual o computador que havia sido
vendido para José. Considerando que o erro incidiu sobre a
indicação do objeto, sendo possível pelo contexto identificá-lo, o
negócio jurídico deve ser mantido.
c) Erro de cálculo (CC, art. 143)6 – o erro de cálculo não anula o
negócio jurídico. Podem ser considerados erros de cálculo a soma
errada do valor das parcelas de um contrato, a divisão errada do
valor total do contrato em números de parcelas, a divergência entre o
valor unitário dos objetos e o valor total do contrato etc.

- Princípio da conservação do negócio jurídico (CC, art. 144) – “O erro não


prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a
manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na
conformidade da vontade real do manifestante”. Quando uma pessoa alega o
erro para anular o negócio jurídico, mas a outra parte se prontifica a corrigir o
erro e executar o negócio conforme a vontade real da pessoa; o negócio
jurídico deve ser mantido. O art. 144 do Código Civil decorre do princípio da
conservação do negócio jurídico; pois, sempre que houver um vício sanável, o
negócio jurídico deve ser mantido. Exemplo: João comprou um apartamento da
Construtora Delta na planta. João pretende anular o negócio jurídico, alegando
que errou quanto ao apartamento, pois acreditava que ele era de frente para a
rua quando, na verdade, era de fundos. Ocorre que a construtora Delta se
prontificou a entregar o apartamento de frente como João pretendia. Sendo
assim, não há porque anular o negócio jurídico, já que a construtora Delta se
ofereceu para executar o contrato conforme a vontade real de João.

Do dolo (CC, art. 145 ao 150)

- Ocorre o dolo quando uma pessoa de má-fé, de forma ardil, maliciosamente,


engana a outra pessoa para obter vantagem em um negócio jurídico. No dolo,
uma pessoa de má-fé induz a outra pessoa em erro em um negócio jurídico.

6
“O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade”.
- Dolo principal (CC, art. 145)7: o dolo principal vivia o negócio jurídico e faz
que ele possa ser anulado. Dolo principal é aquele que foi a causa
determinante da declaração de vontade, ou seja, o dolo influenciou diretamente
na realização do negócio jurídico. Se não fosse o dolo, a pessoa não teria
realizado o negócio. Exemplo: João comprou de José uma franquia de
perfumes. José apresentou várias planilhas de faturamento para João.
Posteriormente, João descobriu que as planilhas apresentadas por José eram
falsas e o faturamento era muito inferior ao apresentado nas planilhas. Se João
conseguir provar que houve o dolo da parte de José, o negócio jurídico
(compra da loja) poderá ser anulado.

- Dolo acidental (CC, art. 146)8: o dolo acidental não vicia o negócio jurídico,
pois o dolo não foi a razão determinante da realização do negócio jurídico. No
dolo acidental, mesmo que a pessoa soubesse do dolo, ela teria realizado o
negócio jurídico só que em outras condições. A consequência do dolo acidental
não é a anulação do negócio jurídico, mas sim a satisfação das perdas e
danos. A pessoa que sofreu o dolo acidental não vai alegá-lo para anular o
negócio jurídico, somente vai alegá-lo para requerer as perdas e danos.
Exemplo: João queria muito comprar o imóvel ao lado da sua casa que
pertencia a José. João economizou o dinheiro e comprou o imóvel por R$
500.000,00 (quinhentos mil reais). José disse e fez constar no contrato que o
imóvel possuía 400 m² (quatrocentos metros quadrados). Posteriormente, João
descobriu que o imóvel possuía apenas 320 m² (trezentos e vinte metros
quadrados). João não pretende anular o negócio jurídico, pois ele teria
realizado o negócio mesmo que soubesse que o imóvel possuía apenas 320 m²
(trezentos e vinte metros quadrados).

- Dolo omissivo ou negativo (CC, art. 147)9: é aquele em que a pessoa de má-
fé se omite, esconde, silencia, oculta algo a respeito de um fato ou de uma
qualidade que a outra parte deveria saber; pois, se a pessoa soubesse, não
teria realizado o negócio jurídico. Exemplo: João vendeu um terreno para José

7
“São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”.
8
“O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o
negócio seria realizado, embora por outro modo”.
9
“Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou
qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio
não se teria celebrado”.
e, intencionalmente, omitiu o fato de que o imóvel havia sido embargado
administrativamente pelo IBAMA. João deveria ter dito para José que o imóvel
estava embargado; pois, se José soubesse dos embargos, não teria comprado
o terreno. Ao omitir essa informação, João agiu com dolo negativo ou omissivo.

> Requisitos do dolo negativo ou omissivo:

a) Silêncio intencional – o fato tem que ser conhecido daquela


contratante que vai praticar o dolo omissivo; pois, se a pessoa
silenciar sobre o fato que ela própria desconhece, não haverá o dolo.
Além disso, o silencio intencional tem que recair sobre um fato
desconhecido da outra parte.
O silêncio tem que ter o objetivo de induzir a outra pessoa a praticar
o negócio jurídico.
b) Nexo de causalidade entre o silêncio intencional e a declaração de
vontade – a pessoa somente irá realizar o negócio jurídico porque a
outra pessoa omitiu um fato (ou qualidade) que deveria ser de seu
conhecimento.

- Dolo de terceiro (CC, art. 148)10: no dolo de terceiro, uma pessoa que não faz
parte da relação jurídica age de má-fé com a intenção de enganar (ludibriar)
uma pessoa na realização de um negócio jurídico que lhe é prejudicial, mas
que pode aproveitar a outra parte. Exemplo: João estava vendendo uma casa
alagava em períodos de chuva. Quem estava negociando o imóvel para João
era o corretor Pedro. Este, ao vender o imóvel para Maria, garantiu que o
imóvel jamais alagaria. Ao enganar Maria, o corretor Pedro agiu com dolo de
terceiro.

Consequências do dolo de terceiro:

a) Anulação do negócio jurídico; ou


b) Manutenção do negócio, mas o terceiro responderá por perdas e
danos.

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“Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele
tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o
terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou”.
Para que o negócio jurídico seja anulado por dolo de terceiro, é
necessário que:

a) Que a parte tenha obtido benefício com o dolo;


b) Que a parte a quem aproveitou o dolo tivesse ou devesse ter
conhecimento do dolo de terceiro.

Exemplo: João estava vendendo uma casa, que ficava em um bairro


que era atingido pela enchente. O corretor Pedro, ao vender o imóvel
de João para Maria, garantiu que o imóvel não alagava. João estava
presente quando o corretor Pedro enganou (ludibriou) Maria, no
entanto silenciou, permitindo que Maria comprasse o móvel sem
saber que este alagava.

- Dolo de representante (CC, art. 149)11: qual a responsabilidade do


representado em relação ao dolo cometido pelo seu representante? A
responsabilidade depende de duas situações:

1. Se o dolo foi cometido pelo representante legal de uma das partes, só


obriga o representado a responder civilmente até a importância do
proveito que teve. Considerando que não foi o representado que
escolheu o seu representante, ele somente terá responsabilidade na
quantia de seu proveito. Se o representado não obteve proveito, ele não
terá qualquer responsabilidade.

2. Se o dolo foi cometido pelo representante convencional, considerando


que o representado escolheu por vontade própria o seu representante,
ele responde por culpa in elegendo e será solidariamente responsável
pelos atos de seu representante, inclusive respondendo por perdas e
danos.

- Dolo de ambas as partes (CC, art. 150)12: o direito protege a boa-fé. Se


ambas as partes agiram de má-fé, direito não vai proteger aquele que agiu de
má-fé, pois ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Nesse caso, o

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“O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente
até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o
representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos”.
12
“Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou
reclamar indenização”.
direito não vai proteger nenhuma das partes. A má-fé de uma parte vai ser
compensada com a má-fé da outra parte, e nenhuma das partes vai receber a
proteção do direito.

Da coação (art. 151 ao 155 do CC)

- Coação é a ameaça física ou moral exercida sobre uma pessoa ou bens com
o objetivo de constranger alguém a realizar um negócio jurídico. A coação é um
defeito do negócio jurídico, um vício do consentimento, e está disciplinada do
art. 151 ao art. 155 do Código Civil. A pessoa poderá alegar a coação para
anular o negócio ou requerer perdas e danos.

- A coação poderá ser exercida contra:

a) A própria pessoa que realizou o negócio jurídico;

b) Contra alguém da família da pessoa que realizou um negócio jurídico;

c) Contra os bens da pessoa que realizou o negócio jurídico;

d) Contra qualquer pessoa que não pertença à família da pessoa que


realizou o negócio jurídico; no entanto, neste caso, o juiz decidirá se
houve coação.

- Existem duas espécies de coação:

1. Coação absoluta ou física;

2. Coação relativa ou moral.

- Coação absoluta ou física: na coação absoluta ou física, a ameaça exercida


sobre a pessoa é uma ameaça física que impede qualquer manifestação de
vontade. A pessoa realiza um negócio jurídico, no entanto ela não teve
qualquer intenção de realizá-lo ou qualquer opção de escolha. A coação
absoluta, ou física, não caracteriza um vício do consentimento, pois não houve
qualquer consentimento da pessoa coagida. Nesse caso, o negócio jurídico é
absolutamente nulo. Para alguns doutrinadores, ele seria um negócio jurídico
inexistente.

Exemplo: Sr. Líbero estava internado em coma no hospital devido a um


derrame. Alguns de seus filhos, abusando da condição física do seu pai,
tomaram sua mão e puseram nos papeis a sua impressão digital. Tendo
em vista que o negócio jurídico foi realizado sem qualquer manifestação
de vontade por parte do Sr. Líbero, o tribunal reconheceu a nulidade dos
documentos.

- Coação relativa ou moral: a coação relativa ou moral está disciplinada do art.


151 ao 155 do Código Civil e caracteriza um vício do consentimento. Na
coação relativa ou moral, a ameaça exercida sobre a pessoa não é uma
ameaça física, mas sim uma ameaça psicológica. A pessoa que está sofrendo
a coação tem a possibilidade de escolher entre realizar o negócio jurídico ou
não realizar. Ela poderá optar por não realizar o negócio jurídico e sofrer as
consequências da coação. No caso de ficar comprovada a coação relativa ou
moral, o negócio jurídico é anulável.

Exemplo: Maria era proprietária de um veículo da Fiat. João, atual


namorado de Maria, queria que Maria assinasse um procuração
autorizando a transferência da Fiat para o seu nome. João era uma
pessoa extremamente violenta. Maria recusou-se a assinar a
procuração. João ficou enfurecido com a recusa de Maria e apontou uma
arma para a filha de Maria. Maria não quis colocar em risco a vida de
sua filha e assinou a procuração favorecendo João, que transferiu o
veículo para o seu nome. Posteriormente, Maria ajuizou uma ação de
anulação de negócio jurídico alegando que sofreu coação para assinar o
documento. Se ficar comprovado o vício do consentimento, o negócio
jurídico (procuração e transferência do veículo) poderá ser anulado.

- Requisitos da coação (CC, art. 151, caput)13:

1. Fundado temor – o temor (medo) tem de ser justificado, de maneira


que faça a pessoa temer por sua vida ou honra. Temer pela vida ou
honra de alguém de sua família ou pela integridade de suas bens.

2. Dano iminente – o temor de dano tem que ser iminente, ou seja, tem
que estar prestes a acontecer e também ser inevitável. O coacto acredita
que, se ele não realizar o negócio jurídico, sofrerá os prejuízos da

13
“A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de
dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens”.
ameaça. A pessoa acredita que não adianta se socorrer a uma
autoridade, pois, ou não dará tempo de evitar o prejuízo ou será ineficaz;
já que, para ele, o dano é inevitável.

Não se considera dano iminente a ameaça futura, a ameaça impossível,


a ameaça que possa ser evitada, a ameaça singela (sem gravidade) etc.

3. Dano considerável – o dano tem que ser considerável, tem que ser
grave, importante.

4. Dano à própria pessoa; a sua família; aos seus bens ou a qualquer


outra pessoa que não pertença à família daquela que realizou o negócio
jurídico. Neste caso, o juiz decidirá se houve coação.

5. A coação deve ser determinante para a realização do negócio jurídico


– a coação deve ser sido determinante para a realização do negócio
jurídico, ou seja, a pessoa somente realizou o negócio jurídico porque
estava sob coação. Deverá estar presente o nexo de causalidade entre a
coação e a realização do negócio jurídico.

- Quando a coação não é grave, a pessoa (coacto ou paciente) deve repelir a


ameaça realizada pelo coator e não realizar o negócio jurídico. O juiz irá avaliar
se a coação foi grave o suficiente para viciar a declaração de vontade (CC, art.
152)14. Ao analisar a coação, o juiz vai adotar um critério subjetivo, pois vai
verificar as condições do coacto (paciente) e o modo como foi realizada a
ameaça. Se a ameaça foi suficiente para causar fundado temor no coacto,
houve vício na declaração da vontade; caso contrário, não houve.

> Não se considera coação e, portanto, não vicia a declaração de vontade (CC,
art. 153)15:

1. Ameaça do exercício normal de um direito – a ameaça, para viciar a


declaração de vontade e configurar coação, deve ser uma ameaça
injusta. Se a pessoa realizou uma ameaça, mas era uma ameaça de

14
“No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do
paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”.
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“Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor
reverencial”.
exercer um direito seu, então a ameaça foi justa e lícita, não sendo
suficiente para viciar a declaração da vontade.

Exemplo: Ronaldo comprou uma motocicleta e não pagou as últimas


parcelas. Disse que foi coagido pelo credor a assinar o termo de entrega
amigável da moto, pois o credor disse que já havia ajuizado uma ação
de busca e apreensão. Posteriormente, Ronaldo ajuizou uma ação para
reaverá motocicleta e anular o termo de entrega amigável, alegando
coação. O TJ/SC decidiu que não houve coação, tendo em vista que o
credor apenas estava exercendo o seu direito, já que era um direito seu
ajuizar a referida ação de busca e apreensão.

2. Simples temor reverencial – é o medo ou receio de causar desgosto a


alguém por quem se tem sentimento de obediência ou respeito como,
por exemplo, o pai, a mãe, o marido, o padre, o professor, o patrão etc.
O temor reverencial não retira o livre arbítrio. A pessoa tem a obrigação
de resistir ao temor reverencial e se negar a realizar o negócio jurídico,
caso não seja a sua vontade realizá-lo. Deve-se ficar atendo ao fato de
que o temor reverencial deve ser simples. Se o temor reverencial vier
acompanhado de violência (arma, privação de liberdade etc.), deixará de
ser simples para ser um temor reverencial qualificado e poderá viciar a
declaração da vontade.

- Coação de terceiro: na coação de terceiro, uma pessoa que não faz parte da
relação jurídica age para provocar, no paciente, um fundado temor de dano
iminente e considerável a sua pessoa, com o objetivo de constranger a pessoa
a realizar um negócio jurídico em desacordo com a sua vontade.

> Quais as consequências jurídicas da coação de terceiro? As


consequências vão depender se a parte beneficiada tivesse ou não
conhecimento da coação. Se a parte beneficiada com o negócio jurídico
tivesse ou devesse conhecimento da coação de terceiro (CC, art. 154)16:

1. O negócio jurídico fica viciado, podendo ser anulado;

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“Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a
parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos”.
2. Perdas e danos – a parte a quem aproveitou a coação
responde solidariamente com o terceiro coator por perdas e
danos.

Exemplo: Maria, uma senhora idosa, morava com a sua sobrinha


Ana e o seu marido João. João – com o consentimento de Ana –
ameaçou Maria, dizendo que, se ela não transferisse o imóvel
para Ana, ele iria matá-la. Maria, com medo das ameaças de
João, transferiu o imóvel para Ana.

Se a parte beneficiada com o negócio jurídico não tivesse conhecimento


da coação de terceiro (CC, art. 155)17:

1. O negócio jurídico subsistirá e não será anulado;

2. Perdas e danos – somente o coator (terceiro) responderá por


perdas e danos.

Exemplo: João é proprietário de uma loja de móveis. João pediu


para seu funcionário José fazer uma cobrança de uma dívida de
Pedro. José, sem o conhecimento de João, ameaçou Pedro com
uma faca. Pedro se sentiu coagido e assinou o cheque.
Posteriormente, Pedro ajuizou uma ação para anular o cheque,
alegando que assinou sob coação.

Do estado de perigo (art. 156 do CC)

- (CC, art. 156, caput) – “Configura-se o estado de perigo quando alguém,


premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave
dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”.
A pessoa precisa salvar-se, ou salvar alguém de sua família de graves danos
como o risco de morte, a lesão à saúde, risco quanto à integridade financeira
etc.

- (CC, art. 156, parágrafo único) – “Tratando-se de pessoa não pertencente à


família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”.

17
“Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela
tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos
que houver causado ao coacto”.
- A pessoa que se encontra em estado de perigo assume uma obrigação
excessivamente onerosa, ou seja, assume uma obrigação desproporcional à
contraprestação. O que se pretende reprimir é que uma pessoa abuse da
situação ao tirar proveito da pessoa que está em estado de perigo e que, em
virtude da fragilidade da pessoa, faça com que ela assuma uma obrigação
muito onerosa.

> Observe que o dano deve ser grave e o perigo deve ter sido a razão
determinante do negócio jurídico. A pessoa somente realizou o negócio jurídico
porque precisava salvar-se ou salvar alguém de sua família. O estado de
perigo retira da pessoa a condição de declarar livremente a sua vontade.

- É necessário que a outra parte do negócio jurídico tenha conhecimento do


perigo que a pessoa estava sofrendo e, em virtude desse perigo, abuse da
situação e tire proveito da fragilidade da pessoa, enriquecendo sem causa ao
fazer com que a pessoa assuma uma obrigação excessivamente onerosa.

Exemplo: Clécio assinou um contrato de prestação de serviços hospitalares


com o Hospital Nossa Senhora de Lourdes para internação de seu pai que
estava sob risco de morte. O Hospital se negou a remover o paciente para um
hospital público devido ao grave estado de saúde. Em virtude do contrato,
Clécio estava devendo para o hospital a quantia de R$ 377.975,00, no entanto
Clécio alegou que somente assinou o contrato hospitalar devido a necessidade
de salvar seu pai. O tribunal entendeu que o hospital tentou “levar vantagem”
em face do estado de perigo do pai de Clécio e anulou o contrato de prestação
de serviços hospitalares com fundamento no estado de perigo.

> Consequências jurídicas do estado de perigo:

1. Anulação do negócio jurídico;

2. Revisão do contrato para adequação do valor. (Enunciado 148 da III


jornada de direito civil)18.

Da lesão (art. 157, CC)

18
“Art. 156: Ao “estado de perigo” (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto no § 2º do art. 157”.
- O direito romano já diferenciava a lesão enorme da lesão enormíssima, o que
bem demonstra a raiz antiga do presente instituto. Vale observar que a lesão
enorme seria aquela superior à metade do preço justo e a enormíssima
superior a 2/3 (dois terços) do preço justo.

- A lesão, vício invalidante do negócio jurídico, consiste na desproporção


existente entre as prestações do negócio, em virtude da necessidade ou
inexperiência de uma das partes, que experimenta o prejuízo. A previsão deste
defeito, consagrada no novo Código Civil e ausente no Código Civil de 1916,
atende ao princípio da função social. Coube a uma lei criminal (art. 4°, lei
1.521/51 – lei de economia popular) e, posteriormente, ao CDC (art. 6°, V, art.
39, V e art. 51, IV) reconhecer a lesão antes do Código Civil de 2002.

Obs.: caso o negócio jurídico viciado pela lesão haja sido celebrado sob a
égide do Código Civil de 1916, não é correto defender-se a aplicação retroativa
do Código Civil de 2002. Mais razoável é sustentar-se a sua nulidade por
afronta ao princípio constitucional da função social, valendo acrescentar que
julgado do STJ também chegou à conclusão de nulidade por “ilicitude do
objeto” (REsp 434.687/RJ)19.

- Após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, à luz do art. 157, a lesão,
para os negócios civis em geral, foi tratada como causa de anulabilidade do
negócio jurídico, diferentemente do CDC, que, para os negócios de consumo,
considera a lesão causa de nulidade absoluta.

- Tradicionalmente, a doutrina costuma reconhecer dois requisitos na lesão: um


requisito material ou objetivo e um requisito imaterial ou subjetivo. A saber:

1. Requisito imaterial ou subjetivo – premente necessidade ou


inexperiência;

19
“EMENTA: CIVIL. COMPRA E VENDA. LESÃO. DESPROPORÇÃO ENTRE O PREÇO E O VALOR DO BEM.
ILICITUDE DO OBJETO. 1. A legislação esporádica e extravagante, diversamente do Código Civil de 1916,
deu abrigo ao instituto da lesão, de modo a permitir não só a recuperação do pagamento a maior, mas
também o rompimento do contrato por via de nulidade pela ilicitude do objeto. Decidindo o Tribunal de
origem dentro desta perspectiva, com a declaração de nulidade do negócio jurídico por ilicitude de seu
objeto, em face do contexto probatório extraído do laudo pericial, a adoção de posicionamento diverso
pelo Superior Tribunal de Justiça encontra obstáculo na súmula 7, bastando, portanto, a afirmativa
daquela instância no sentido da desproporção entre o preço avençado e o vero valor do imóvel. 2.
Recurso especial não conhecido”.
> Premente necessidade – a premente necessidade está
relacionada com a necessidade econômica que a pessoa tem em
realizar o negócio jurídico. Não importa a condição social da
pessoa, mas sim se ela estava em estado de necessidade no
momento em que realizou o negócio jurídico. Caio Mário da Silva
Pereira observa que mesmo um indivíduo milionário pode ser
vítima de lesão.

Exemplo: a pessoa vende um imóvel muito abaixo do valor


de mercado, pois precisa de dinheiro urgente para pagar
uma dívida de pensão alimentícia sob pena de ser presa.

> Inexperiência – a inexperiência não está relacionada ao grau de


instrução (acadêmico) de um pessoa com, por exemplo, uma
pessoa que somente tenha o ensino fundamental pode ter muita
experiência em contratos comerciais. A inexperiência está
relacionada à falta de conhecimento técnico quanto ao negócio
jurídico. Por exemplo, um médico pode ser inexperiente em
relação a um contrato imobiliário, enquanto que um corretor de
imóveis pode ser inexperiente em relação a um contrato de
serviços médicos. Também pode ser considerada inexperiência a
falta de experiência de vida com, por exemplo, uma pessoa muito
jovem sem experiência ou uma pessoa idosa que nunca
trabalhou.

Exemplo: Maria, 70 (setenta) anos, ficou viúva. Seu marido


sempre cuidou dos negócios da família. Maria, por
inexperiência, vendeu um imóvel, que valia R$ 80.000,00
(oitenta mil reais), para o seu vizinho pelo valor de R$
10.000,00 (dez mil reais).

2. Requisito material ou objetivo – prestação manifestadamente


desproporcional ao valor da prestação oposta.

> Em um contrato comutativo (contrato de prestações certas e


determinadas), deve haver um equilíbrio entre as prestações das
partes. A desproporção entre as prestações ocorre quando uma
das partes do negócio tem excessivo prejuízo, enquanto a outra
parte obtém excessiva vantagem.

Não se pode admitir que uma parte obtenha exagerado proveito à


custa do prejuízo da outra parte. Quando isso ocorre, fica
caracterizada a lesão. A lesão baseia-se no princípio da equidade,
pois em um contrato comutativo deve haver equivalência entre as
prestações.

Para que fique caracterizada a lesão, a desproporção entre as


prestações deve ser considerável, acentuada, excessiva. No
Código Civil, não se estipulou uma percentagem para que se
configure a lesão, sendo que a análise da desproporção entre as
prestações deverá ficar ao critério do juiz.

Exemplo: João estava devendo pensão alimentícia e foi


citado para pagar o valor sob pena de prisão. Desesperado
e com medo de ser preso, João vendeu seu carro, que
valia R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), pelo valor de R$
20.000,00 (vinte mil reais) para poder quitar a dívida da
pensão alimentícia. Ficou caracterizada a desproporção
entre as prestações, sendo que João teve um excessivo
prejuízo ao realizar o negócio jurídico e o comprador teve
uma excessiva vantagem.

Obs.: Sílvio Rodrigues observa que a lesão só é passível de


ocorrer em negócios comutativos, e não nos aleatórios; porquanto
nestes últimos o risco é previamente assumido. Vale acrescentar
a diferença entre o contrato de compra e venda aleatório emptio
spei (em que o contratante assume o risco de não ganhar coisa
alguma) e o emptio rei speratae (em que o alienante se obriga a
entregar alguma quantidade do objeto do negócio).

(CC, art. 157, § 1°) – “Aprecia-se a desproporção das prestações


segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o
negócio jurídico”. É necessário que haja manifestada
desproporção momento da celebração do negócio.
- Consequências da lesão: a pessoa que sofreu um excessivo prejuízo, em
razão da desproporção entre as prestações, poderá alegar a lesão para anular
o negócio jurídico. Todavia a parte excessivamente beneficiada com o negócio
jurídico pode se oferecer para complementar (suplementar) o valor ou reduzir o
seu proveito para equilibrar as prestações do negócio jurídico (CC, art. 157, §
2°)20.

> Qual é a diferença entre lesão e teoria da imprevisão? A lesão é vício


invalidante que nasce com o próprio negócio, ou seja, o desequilíbrio entre as
prestações é originário; diferentemente, na teoria da imprevisão, o negócio é
originariamente válido e o desequilíbrio superveniente. Além disso, a teoria da
imprevisão não invalida o negócio, mas sim resolve ou revisa o contrato.

Vícios sociais

Da fraude contra credores (art. 158 a 165, CC)

- Fraude contra credores é a manobra maliciosa do devedor, o qual aliena


(diminui) o seu patrimônio com o objetivo de não pagar os credores. Se o
devedor alienar o seu patrimônio, o credor não conseguirá cobrar o seu crédito,
pois o que garante o pagamento da dívida é o patrimônio do devedor. Assim,
ao diminuir o seu patrimônio, o devedor se torna insolvente, pois não tem
patrimônio suficiente para garantir o pagamento de suas dívidas. Para evitar
que isso ocorra, o credor vai ajuizar uma ação chamada de ação pauliana ou
revocatória, com o objetivo de anular os atos fraudulentos cometidos pelo
devedor. Ao anular os atos fraudulentos, os bens do devedor retornam para o
seu patrimônio para pagamento de suas dívidas.

Exemplo: João prestou um serviço para José, o qual pagou com um cheque de
R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para 30 (trinta) dias. Após emitir o cheque,
José com o objetivo de não pagar a dívida que possuía com João (evitar a
penhora do seu patrimônio), doou seu único bem imóvel, um terreno baldio,
para o seu filho de 3 (três) nos de idade. Decorridos os trinta dias, João
depositou o cheque, todavia este foi devolvido sem fundos. João deverá ajuizar
uma ação pauliana ou revocatório com o objetivo de anular a doação que José

20
“Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito”.
efetuou para o filho, com a finalidade de que o imóvel retorne para o patrimônio
de José e satisfaça o crédito do credor.

- Ação pauliana ou revocatória: é a ação que tem por pretensão anular os atos
fraudulentos realizados pelos devedor. É uma ação que tem por objetivo anular
os atos de fraude contra credores realizados pelo devedor e fazer com que o
patrimônio do devedor seja recomposto para pagamento de suas dívidas. É
importante ressaltar que apenas o credor quirografário 21 ou o credor cuja
garantia se tornou insuficiente poderão ajuizar a ação pauliana ou revocatória.
Exemplo: o Banco Extrato firmou um contrato de empréstimo com o João no
vaor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). João deu em garantia (alienação
fiduciária) vária máquinas no valor do financiamento. Ocorre que João não
pagou as parcelas do empréstimo e as máquinas oferecidas em garantia hoje
valem apenas R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Sendo assim, a garantia
oferecida por João se tornou insuficiente para garantir o pagamento da dívida.
O Banco Extrato poderá ajuizar ação pauliana no caso de João ter cometido
atos de fraude contra credores.

> Réus da ação pauliana (CC, art. 161) – “A ação, nos casos dos arts. 158 e
159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente22, a pessoa que com ele
celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que
hajam procedido de má-fé”. A ação deverá ser proposta contra todos aqueles
que sofrerão as consequências da anulação do ato fraudulento (AgRg no REsp
111.377-6/SP, STJ)23.

21
Credor quirografário é o credor que não possui uma garantia real ou preferencial. O credor
quirografário não possui um título de preferência, apenas possui como garantia um título que se
originou de uma relação obrigacional, tais como uma nota promissória, uma duplicata, um cheque, um
contrato etc. O credor que possui uma garantia real (uma hipoteca sobre um apartamento) deve
executar a própria garantia para receber seu crédito. Já o credor quirografário, como não possui
garantia real, terá que executar os bens que integram o patrimônio do devedor para receber o seu
crédito.
22
Devedor insolvente é aquele que possui mais dívidas do que renda ou patrimônio. Possui mais
passivos do que ativos.
23
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREENCHIMENTO DA GRU. ERRO
DEDIGITAÇÃO. IRRELEVÂNCIA, NO CASO. PETIÇÃO RECURSAL. PREENCHIMENTODOS REQUISITOS
LEGAIS. AÇÃO PAULIANA. TERCEIROS PREJUDICADOS.LITISCONSORTES PASSIVOS NECESSÁRIOS.
AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. NULIDADEDO PROCESSO. 1. - A existência de erro na digitação do último
número de referência do processo na GRU, não tem o condão de inviabilizar o conhecimento do
recurso, porquanto, no presente caso, mostrou-se possível a vinculação do processo à respectiva guia de
recolhimento, mormente pela indicação correta do nome do contribuinte. 2. - Ademais, na própria
> Efeitos da ação pauliana (CC, art. 165, caput)24 – após o juiz anular os atos
fraudulentos, os bens tornarão a integrar o patrimônio do devedor. Sendo
assim, o patrimônio do devedor será recomposto para pagamento das dívidas.
Se houver vários credores, o patrimônio do devedor deverá ser partilhado
proporcionalmente entre os credores, na proporção do crédito de cada um.
Todavia, se a fraude contra credores cometida pelo devedor consistiu na
atribuição de alguma garantia preferencial em favor de outra pessoa, o juiz
apenas irá anular essa garantia se ficar comprovada a fraude (CC, art. 165,
parágrafo único)25. Exemplo: João possui uma dívida de cartão de crédito no
valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais). Para não correr o risco de ter seu
terreno penhorado, João constituiu uma hipoteca do terreno em favor de seu
irmão. O juiz, ao verificar que houve fraude contra credores, apenas anulará a
garantia, ou seja, apenas anulará a hipoteca que João constituiu em favor de
seu irmão.

- Requisitos da fraude contra credores e da procedência da ação pauliana:

1. Anterioridade do crédito – o crédito do credor tem que ser anterior à


realização dos atos fraudulentos cometidos pelo devedor. Primeiro tem
que haver o crédito para depois haver o ato de fraude contra os
credores. Se o devedor alienou seus bens (diminuiu seu patrimônio)
antes de contrair a dívida, não há que se falar em fraude contra
credores, pois sequer havia um crédito (CC, art. 158, § 2°) 26.

certidão de julgamento do Acórdão recorrido, bem como na certidão de abertura de volume, lançada
pela Secretaria Judiciária do Tribunal de origem, constou como número do processo o mesmo que foi
lançado na guia de recolhimento, fato que, por si só, explica a indução dos recorrentes, ora agravados,
ao erro. 3. - Embora concisa, a petição recursal expôs de maneira satisfatória os fatos discutidos na
causa, demonstrando, com clareza, as razões que levaram os recorrentes, ora agravados, a ter por
malferida a norma processual, de modo a possibilitar a exata compreensão da controvérsia, não
havendo que se falar, portanto, que o Recurso Especial não deveria ter sido conhecido, por ausência de
atendimento dos requisitos formais. 4. - É obrigatória a citação dos terceiros adquirentes, na qualidade
de litisconsortes necessários, na ação pauliana que visa a desconstituir a doação de imóvel realizada
entre pais e filhos com fraude a credores, cuja sentença poderá afetar diretamente o negócio de compra
e venda anteriormente celebrado. 5. - Agravo Regimental improvido”.
24
“Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre
que se tenha de efetuar o concurso de credores”.
25
“Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor
ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada”.
26
“Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles”.
Exemplo 1: João doou um apartamento, um terreno e um carro para seu
irmão no ano de 2015. No mês de janeiro de 2016, João contraiu várias
dívidas com a Empresa Delta. A Empresa Delta não poderá alegar
fraude contra credores pelos atos cometidos por João em 2015, pois não
ficou caracterizada a anterioridade do crédito, tendo em vista que João
primeiro alienou seu bens e, posteriormente, contraiu a dívida.

Exemplo 2: em janeiro de 2016, João contraiu várias dívidas com a


Empresa Magna. Em dezembro de 2016, João doou um apartamento,
um terreno e um carro para seu cunhado. Como se pode verificar, o
crédito é anterior aos atos fraudulentos, uma vez que o crédito é de
janeiro de 2016 e os atos fraudulentos são de dezembro de 2016. Sendo
assim, a Empresa Magna poderá alegar fraude contra credores.

2. eventus damni – o eventus damni fica caracterizado quando o ato


fraudulento, que se pretende anular, causou a insolvência do devedor e
trouxe dano (prejuízo) ao recebimento do crédito do credor. O importante
é comprovar que os atos de alienação dos bens, realizados pelo
devedor, causaram a insolvência do devedor e que, por esse motivo,
houve a frustação do credor em receber o seu crédito.

Exemplo 1: João contraiu uma dívida com o Banco Extrato no mês de


janeiro de 2016. No mês de dezembro de 2016, para não correr o risco
de sofrer uma penhora, João transferiu seu único imóvel para o seu filho
de 3 (três) anos de idade. Devido à transferência, João se tornou
insolvente, pois não possui renda ou patrimônio para pagar a dívida
contraída com o Banco. Sendo assim, ficou caracterizado o dano
causado ao credor em razão da transferência do imóvel.

3. consilium fraudis – é a consciência, ou a previsibilidade, de que se


está fraudando um credor. O devedor age de má-fé transferindo seus
bens e o adquirente desses bens também age de má-fé, pois tem
ciência (ou deveria ter) da insolvência do devedor. As partes agem em
conluio fraudulento, objetivando fraudar o credor. Deveria ter ciência
porque a pessoa é muito próxima do devedor como, por exemplo, um
sócio, o cônjuge, um filho, o pai, a mão etc. Em algumas situações, a
má-fé se presume como, por exemplo, no caso de doação. Em outros
casos a má-fé tem que ser comprovada como, por exemplo, no caso de
venda de bens para terceiros. Exemplo: João anunciou a venda de seu
imóvel nos classificados do jornal. José comprou o imóvel pelo preço de
mercado, sem conhecer João. José não agiu de má-fé, pois não tinha
conhecimento da insolvência de João.

> Negócios ordinários – os negócios ordinários realizados pelo devedor


insolvente para manutenção de seu negócio ou de sua família não são
considerados fraude contra credores, pois não se vislumbra o consilium fraudis
(CC, art. 164)27. Exemplo: a Empresa Delta vendou um terreno para pagar o
salário dos funcionários.

- Atos de fraude contra credores:

1. Transmissão gratuita de bens – A transmissão gratuita de bens ocorre


quando o devedor insolvente (ou que foi reduzido a insolvência por esse
ato) transfere gratuitamente seus bens para outra pessoa com o objetivo
de não pagar os credores. Nas transmissões gratuitas, a má-fé e a
intenção de fraudar (consilium fraudis) são presumidas (CC, art. 158,
caput).

Exemplo: Vitor devia R$ 100.00,00 (com mil reais) para Maria Moura.
Para não correr o risco de perder seu único imóvel, um terreno baldio,
Vitor doou seu terreno para seu filho de 10 (dez) anos de idade. Ao
transmitir o seu único bem para não pagar a dívida, João cometeu um
ato de fraude contra credores. Por esse motivo, Maria poderá requerer a
anulação da doação que João fez em favor de seu filho.

2. Remissão de dívida – remissão de dívida significa perdão de dívida. O


devedor insolvente, para não pagar os credores, perdoa um crédito que
tem a receber, ou seja, perdoa uma dívida de um terceiro. Quem é
insolvente não pode perdoar créditos a receber, pois isso diminui o seu

27
“Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de
estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família”.
patrimônio e prejudica os credores. O devedor deve receber os créditos
e pagar os seus credores (CC, art. 158, caput)28.

Exemplo: Patrick devia R$ 100.000,00 (cem mil reais) para Alexandre,


mas Patrick tinha um crédito de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais)
para receber de Leila. Para não pagar Alexandre, Patrick perdoou a
dívida de Leia. Patrick não poderia perdoar a dívida de Leila, pois isso
diminuiu o seu patrimônio e prejudicou Alexandre, que era seu credor.
Sendo assim, o perdão de dívida que Patrick realizou poderá ser
anulado e o crédito passará a integrar o patrimônio de Patrick para
pagamento de suas dívidas.

3. Transmissão onerosa fraudulenta de bens – a transmissão onerosa


fraudulenta de bens ocorre quando o devedor insolvente transfere
onerosamente seus bens para outra pessoa com o objetivo de não pagar
os credores. Nas transmissões onerosas, a má-fé e a intenção de
fraudar (consilium fraudis) somente serão presumidas se:

a. O adquirente tivesse, ou devesse ter, conhecimento da


insolvência do devedor. Ex.: pai, filho, valor muito abaixo do
mercado etc.

b. A insolvência for notória. Ex.: protestos, ações de cobrança,


execuções etc.

Nas transmissões onerosas, o negócio jurídico somente será anulado se


ficar comprovada a má-fé do adquirente dos bens, pois os direitos do
adquirente de boa-fé deverão ser preservados. Quem tem a obrigação
de provar a má-fé do adquirente é o credor (CC, art. 159)29.

Exemplo: João devia R$ 100.000,00 (cem mil reais) para Maria. Com
objetivo de não pagar Maria, João vendeu seu único imóvel, que valia
R$ 100.000,00 (cem mil reais), para o seu irmão José pela metade do
valor de mercado. Se ficar comprovada a má-fé de José, o negócio

28
“Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já
insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos
credores quirografários, como lesivos dos seus direitos”.
29
“Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for
notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante”.
jurídico deverá ser anulado, pois José deveria saber da insolvência de
João, tanto pelo fato de ser seu irmão quanto pelo fato de o imóvel ter
sido vendido abaixo do valor de mercado.

4. Pagamento de dívida não vencida – quando o devedor insolvente


realiza o pagamento de uma dívida não vencida, ele está favorecendo
um credor e prejudicando os demais credores. Por este motivo, o ato é
considerado fraude contra credores. O credor que recebeu o pagamento
antecipado deverá devolver, em juízo, os valores recebidos para que
seja partilhado entre os demais credores (CC, art. 162)30.

Exemplo: João possuía vária dívidas vencidas. No entanto, João


também possuía uma dívida que venceria em 60 (sessenta) dias. João
pagou antecipadamente a dívida que ainda não estava vencida e não
pagou aos demais credores. Sendo assim, João praticou um ato de
fraude contra credores, pois, ao pagar uma dívida não vencida,
favoreceu um credor e prejudicou os demais credores.

5. Atribuição de garantias de dívidas – Na atribuição de garantias de


dívidas, o devedor insolvente não transfere os seus bens para outra
pessoa. Os bens do devedor continuam em seu nome, no entanto ele
oferece garantias preferenciais (direitos preferenciais) sobre esses bens
para terceiros, em detrimento dos credores, pois ele sabe que os
credores quirografários não terá preferência sobre os credores
preferenciais. Um credor hipotecário, por exemplo, terá preferência
sobre um credor quirografário no recebimento do crédito. Por esse
motivo é que o devedor atribui uma garantia preferencial a uma outra
pessoa para frustrar o pagamento do credor quirografário.

Exemplo João devia R$ 100.000,00 (cem mil reais) para Maria. Para não
correr o risco de perder seu único imóvel, uma apartamento, João
gravou o imóvel com uma hipoteca em favor de seu irmão, José. João
cometeu um ato de fraude contra credores, pois favoreceu seu irmão em

30
“O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida,
ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores,
aquilo que recebeu.
detrimento do seu credor, por este motivo, a garantia preferencial –
hipoteca – deverá ser anulada.

Da simulação (art. 167 e 168, CC)

- Até o Código Civil de 1916, a simulação foi tratada como causa de


anulabilidade do negócio jurídico; a partir do Código Civil de 2002 (art. 167), a
simulação passou a ser tratada como causa de nulidade absoluta do negócio
jurídico.

- Na simulação, celebra-se um negócio jurídico aparentemente normal, mas


que, em verdade, não pretende atingir o efeito que juridicamente deveria
produzir. A simulação é bilateral. Existem dois tipos de simulação na doutrina:

a. Simulação absoluta – na simulação absoluta, as partes criam um


negócio jurídico destinado a não gerar efeito jurídico algum.

Exemplo: Pablo, casado com Maria, pretende divorciar-se desta.


Todavia teme pela perda dos seus bens na separação. Pablo procura
seu amigo Bernardo e lhe sugere a celebração de um contrato, por força
do qual Pablo paga a Bernardo periodicamente, transferindo-lhe valores
e bens enquanto não se divorcia. Bernardo, então, fica comprometido a
guardar os bens de Pablo e a lhe devolver tudo após o encerramento do
processo de divórcio. O contrato celebrado entre Pablo e Bernardo não
gerou efeito jurídico nenhum.

b. Simulação relativa ou dissimulação – na simulação relativa, também


chamada de dissimulação, as partes celebram um negócio destinado a
encobrir um outro negócio que produzirá efeitos proibidos pelo
ordenamento jurídico. Todavia é importante ressaltar que; na simulação
relativa, nos termos da parte final do art. 167 do Código Civil e do
enunciado 153 da III jornada de direito civil 31, é possível, à luz do
princípio da conservação, aproveitar-se o negócio dissimulado se não
houver ofensa à lei ou a terceiros.

31
“Art. 167: Na simulação relativa, o negócio simulado (aparente) é nulo, mas o dissimulado será válido
se não ofender a lei nem causar prejuízos a terceiros”.
Exemplo: Pablo, casado com Maria há 15 (quinze) anos, possui um
relacionamento extraconjugal com Júlia há 8 (oito) anos e encontra-se
com ela periodicamente. Júlia, insatisfeita com o casamento de Pablo e
pretendendo tornar-se sua real esposa, reclama que Pablo está
usufruindo de sua juventude sem dar nada em troca, chegando, até
mesmo, a passar dificuldades financeiras. Pablo, comovido com o apelo
de Júlia, decide doar-lhe um imóvel. Todavia, sabendo que o direito não
permite que um homem casado doe um bem a sua concubina, decide
simular uma compra e venda de imóvel com Júlia para encobrir a
doação. Por se tratar de uma simulação, esse negócio é nulo. Todavia,
se Pablo, hipoteticamente, descobrisse que o seu casamento com Maria
fosse inválido em decorrência de bigamia, o negócio dissimulado com
Júlia poderia ser mantido à luz do princípio da conservação, tornando-
se, pois, válida a doação do imóvel.

Obs.: o novo Código Civil acabou com a figura da “simulação inocente”,


prevista do art. 103 do Código Civil de 1916, aquele tipo de simulação
desprovida da intenção de prejudicar terceiros ou violar a lei. Na mesma
linha, nos termos do enunciado 294 da IV jornada de direito civil 32,
perdeu espaço a regra do art. 104 do Código Civil de 1916, que proibia
uma parte alegar a simulação contra a outra. Ora, por ser causa de
nulidade absoluta, qualquer pessoa pode impugnar ou, até mesmo, o
juiz reconhecer o defeito ex officio.

> O que se entende por reserva mental (reticência)? O direito romano, segundo
Mário Talamanca, considerava a reserva mental irrelevante. O Código Civil de
1916 nada dispunha sobre o tema. Referência, todavia, é encontrada no § 116
do BGB (código civil alemão), o qual serviu de inspiração para o art. 110 do
Código Civil de 2002. Na reserva mental, o agente emite a declaração de
vontade; resguardando, no seu íntimo, o recôndito propósito de não cumprir o
que manifestou ou atingir um fim diverso do ostensivamente declarado.
Exemplo: Fred, professor de direito civil, decide vender seus livros aos seus
alunos no fim de uma de suas aulas, afirmando que a receita obtida com

32
“Arts. 167 e 168. Sendo a simulação uma causa de nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por
uma das partes contra a outra”.
aquela venda será revertida a um orfanato. No entanto Fred, ao anunciar a
proposta negocial, mantém intimamente a ideia de utilizar a receita das vendas
em proveito próprio. Momentos depois do fim das vendas, Fred vai até o
banheiro e manifesta audivelmente consigo mesmo a sua intenção de nada
doar ao orfanato. Marcelo, um dos alunos de Fred, estava no banheiro em uma
das cabines e escuta as intenções de Fred. Por ter adquirido a obra do seu
professor com a finalidade de ajudar o orfanato, Marcelo se indigna e se sente
enganado.

Tendo em vista o caso hipotético, o código civil brasileiro, em seu art. 110, na
linha de pensamento do ministro Moreira Alves, dispõe ser o negócio
inexistente, se a outra parte toma conhecimento da reserva; todavia, corrente
há na doutrina que sustenta, não a inexistência, mas a invalidade do negócio
quando da reserva toma conhecimento a outra parte (Carlos Roberto
Gonçalves), sendo esta vítima de dolo quando se sente enganada e
prejudicada. Entretanto, se outra parte toma conhecimento da reserva e se
dispõe a mantê-la com o objetivo de prejudicar terceiros, ficará caracterizada a
simulação.

> O que é contrato de vaca-papel? O contrato de vaca-papel é uma patologia


jurídica no campo da simulação. Segundo o professor Marco Pissurno, em sua
pesquisa intitulada “A parceria pecuária, a patologia da vaca-papel e o novo
Código Civil”, trata-se de um negócio simulado pelo qual, a pretexto de se
celebrar um contrato de parceria pecuária, encobre-se um contrato de
empréstimo de dinheiro a juros extorsivos (REsp 595.766/MS, STF)33.

33
“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. ACÓRDÃO ESTADUAL.
NULIDADE NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS QUE SUSCITAM MATÉRIA PRECLUSA.
MULTA APLICADA EM 2º GRAU. ACERTO. CONTRATO DE PARCERIA PECUÁRIA. SIMULAÇÃO. "VACA-
PAPEL". POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO PELA PARTE CONTRATANTE. MATÉRIA DE FATO E CONTRATO.
REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO DEFICIENTE. JUROS MORATÓRIOS. NOVO CÓDIGO
CIVIL. MULTA. REDUÇÃO. SÚMULAS N. 282 E 356-STF E 5 E 7-STJ. INCIDÊNCIA. I. Prazo para o aviamento
do recurso especial interrompido pela oposição de embargos declaratórios, ainda que não conhecidos
estes por debaterem matéria considerada preclusa. II. Não padece de nulidade o acórdão estadual que
enfrenta suficientemente as questões essenciais ao deslinde da controvérsia, apenas que trazendo
conclusões adversas ao interesse da parte insatisfeita. III. Correta a imposição de multa baseada no art.
538, parágrafo único, do CPC, quando se verifica a apresentação de embargos declaratórios
inoportunos. IV. Possível a um dos contratantes buscar a anulação de contrato de parceria pecuária que,
na verdade, representa, na dicção do Tribunal a quo, um mútuo com cláusulas usurárias, comumente
denominado "vaca-papel", interpretação que não tem como ser revista em sede especial, ante os óbices
das Súmulas n. 5 e 7 do STJ. V. A insuficiência do prequestionamento impede a admissibilidade do
recurso especial em toda a sua extensão. VI. Os juros moratórios, à falta de pactuação válida, são
devidos no percentual de 0,5% ao mês até a vigência do atual Código Civil e, a partir de então, na forma
do seu art. 406. VII. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.

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