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INTENSIVO I

Flávio Tartuce
Direito Civil
Aula 8

ROTEIRO DE AULA

Parte Geral - Defeitos do negócio jurídico

4.3. Vícios ou defeitos do negócio jurídico


a) Erro/ignorância (CC, arts. 138 a 144) – “Error” – “Enganei-me”
O erro é a falsa noção e a ignorância é o desconhecimento total quanto a elemento do negócio.
Erro e ignorância são equiparados pela lei.
✓ Nos dois casos há um “engano solitário”, ou seja, a pessoa se equivoca sozinha.
O erro que gera a anulação deve ser substancial ou essencial.
✓ Erro substancial ou essencial: a pessoa somente celebrou o negócio jurídico por conta do erro.
O negócio jurídico acometido de erro ou ignorância é anulável (nulidade relativa ou anulabilidade).
O erro que gera a anulação é aquele que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal (art. 138,CC1).

Questão: O erro deve ser ainda escusável (justificável)? Não, pois o art. 138 do Código Civil de 2002 adotou o princípio da
confiança (boa-fé/eticidade) – Nesse sentido, há o Enunciado n. 12 – I Jornada de Direito Civil2.
Não há consenso doutrinário, mas para Tartuce, lhe parece que majoritariamente se adotou a teoria de que o erro não deve ser escusável. Citou o
professor Miguel Reale dizendo que o CC adotou a eticidade, boa-fé e teoria da confiança, assim, não importa o grau de "idiotice" da pessoa.
A questão da cognoscibilidade no erro – José Fernando Simão.
✓ Cognoscibilidade é o conhecimento pela outra parte.
Acórdão que considera essencial a escusabilidade, mas a coloca ao lado da cognoscibilidade, para que o erro seja
admitido.

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CC, art. 138: “São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que
poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.”
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Enunciado n. 12, I JDC: “Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota
o princípio da confiança”.

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“O erro, vício do negócio jurídico, é causa de anulabilidade da avença, requerendo, para sua configuração, o
preenchimento de três requisitos, a saber: a) substancialidade ou essencialidade; b) cognoscibilidade para o destinatário
da declaração; e c) escusabilidade para o emitente da declaração. (STJ, Ag. Int. no REsp 1309505/GO, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019).

Advirta-se, contudo, que o julgado não enfrentou diretamente a questão, por conta da Súmula 7 da Corte, que veda a
apreciação de matéria probatória de fato na superior instância.

O erro substancial, nos termos do art. 139, CC3, pode se dar em três hipóteses (“error”):
• Relacionado à natureza do negócio, ao objeto da declaração ou a alguma de suas qualidades essenciais (“error in
corpore” e “error in substantia”). Exemplo: “comprar gato por lebre”.
Alguém adquire um carro modelo intermediário pensando tratar-se de um modelo luxuoso (STJ, REsp
1.021.261/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.04.201, Informativo n. 431).
Obs.: Neste caso, a pessoa se enganou sozinha. A situação é diferente de uma publicidade enganosa, que
configura dolo.
• Relacionado à identidade ou qualidade essencial da pessoa (“error in persona”). Exemplo: erro no casamento.
Casou-se com uma pessoa viciada em jogos, o que tornou insuportável a vida em comum.
• Relacionado a um direito que, não implicando recusa à lei, for motivo único ou principal do negócio (“error in
iuris”). Exemplo: locatário que celebra contrato mais oneroso pensando que perdeu o prazo da ação renovatória.
Observação: o inc. III, art. 139, Código Civil, é uma exceção ao art. 3º da LINDB4 (princípio da obrigatoriedade).
Trata-se de erro quanto ao direito.
O falso motivo não gera a anulação do negócio jurídico por erro, em regra (CC, art. 140).

Distinção entre causa e motivo:


• Causa: razão de ser do negócio jurídico. Ela é objetiva e imutável.
• Motivo: aspecto pessoal ou subjetivo da causa. Ele é mutável/variável.
Causa da compra e venda: transmissão da propriedade mediante o pagamento de um preço (sempre a mesma).
Motivos: necessidade de mudança, desejo de um imóvel maior, nascimento de um filho, mudança de emprego,
etc.

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CC, art. 139: “O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha
influído nesta de modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico”.
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LINDB, art. 3º: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”

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Exemplo: um pai compra um veículo para presentear o filho, pensando ser o seu aniversário. Quando ele chega em casa,
descobre que o aniversário é da filha.
Questão: cabe a anulação da compra do carro por erro? Não, pois houve falso motivo.
CC, art. 140: “O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”.

Existem hipóteses que são de erro acidental (não essencial) e, portanto, não geram a anulação do negócio jurídico.
Exemplos:
• Erro de cálculo: cabe apenas a retificação da declaração de vontade (CC, art. 1435).
• Erro sanável: presente quando a parte se oferece para corrigir o negócio ou concorda com a correção (CC, art.
1446).
Em ambos os exemplos, há a aplicação do princípio da conservação do negócio jurídico.
Também cabe anulação por erro quando o negócio jurídico é celebrado por meios interpostos, sem contato direto (CC,
art. 1417). Exemplo: erro cometido pela internet.
Exemplo: pessoa que compra imóvel errado por leilão virtual.

Erro obstativo – erro obstáculo ou erro impróprio


Carlos Roberto Gonçalves - “erro obstativo ou impróprio é o de relevância exacerbada, que apresenta uma profunda
divergência entre as partes, impedindo que o negócio venha a se formar. É, portanto, o que obsta a sua formação e,
destarte, inviabiliza a sua existência”.
Exemplos: alguém quer locar e escreve “vender” ou alguém supõe adquirir um imóvel na região central, mas o adquire
na periferia.
✓ Porém, aponta o autor, com base em Caio Mário da Silva Pereira, que, no Brasil, não se distingue o erro obstativo
do erro vício do consentimento.

b) Dolo (CC, arts. 145 a 150) - “Dolus” – “Enganaram-me”


Dolo é o artifício malicioso utilizado pelo negociante ou por terceiro em face do outro negociante. É a “arma do
estelionatário”.
O dolo gera a nulidade relativa (anulabilidade) do negócio jurídico se for a sua causa (dolo essencial ou “dolus causam”).
✓ No dolus causam, o negócio jurídico só foi celebrado pela existência do dolo.
O dolo essencial não se confunde com o dolo acidental.

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CC, art. 143: “O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade”.
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CC, art. 144: “O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade
se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”.
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CC, art. 141: “A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a
declaração direta”.

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CC, art. 146: “O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio
seria realizado, embora por outro modo”.
Dolo essencial Dolo acidental (não essencial)
Causa do negócio jurídico. Não é causa do negócio jurídico.
Nulidade relativa. Gera apenas perdas e danos(CC, art. 1468).
Gera a responsabilidade civil.
O negócio jurídico só foi celebrado por conta do dolo. O negócio jurídico seria celebrado, mas de outro modo.
Exemplo: na venda de imóveis na planta (“stand”), há um
imóvel decorado sem a informação de que os móveis são
feitos sob medida.
Classificações:
Quanto ao seu conteúdo:
• “Dolus bonus” (dolo bom): não prejudica e até beneficia (Exemplo: espelho que emagrece). Nas relações civis,
não anula nem gera perdas e danos; nas relações de consumo, não se admite sequer o dolo bom (Bruno Miragem).
• “Dolus malus” (dolo mau): traz prejuízos. Gera anulação (se for essencial) ou perdas e danos (se for acidental).
Quanto à conduta das partes:
• Dolo positivo: decorre de ação ou comissão. Exemplo: publicidade enganosa por ação - Art. 37, CDC9.
• Dolo negativo: decorre de omissão (silêncio intencional ou omissão dolosa – art. 147, CC10). Exemplo: publicidade
enganosa por omissão.

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CC, art. 146: “O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio
seria realizado, embora por outro modo”.
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CDC, art. 37: “É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou
comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão,
capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades,
origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade
discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência
de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se
comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é
enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. § 4° (Vetado).”
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CC, art. 147: “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade
que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”.

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• Dolo bilateral, recíproco ou enantiomórfico: é o dolo de ambas as partes. Nesse caso, nenhuma das partes poderá
alegá-lo (CC, art. 15011). Há uma espécie de “compensação dos dolos” (boa-fé) – Ninguém pode se beneficiar da
própria torpeza.

O dolo de terceiro também pode anular o negócio jurídico (CC, art. 148).
CC, art. 148: “Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse
ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas
as perdas e danos da parte a quem ludibriou”.
Exemplo:

• Sabia ou deveria saber do dolo de terceiro: o negócio


jurídico é anulável.
N1 N2
• Não sabia ou não deveria saber do dolo de terceiro: o
negócio jurídico subsiste e o terceiro responde por
perdas e danos.
• Negociantes: “N1” e “N2”.
• Houve, por parte de um terceiro, dolo quanto a “N1”.
• “Subsiste” = permanece/continua – Princípio da conservação do negócio jurídico.

c) Coação (CC, arts. 151 a 155) – “Vis” – “Pressionaram-me”


Trata-se da pressão física ou psicológica exercida pelo negociante ou por terceiro em face do outro negociante.
Partes envolvidas:
• Coator: aquele que exerce a coação.
• Coato, coagido ou paciente: aquele que sofre a coação.

Modalidades de coação (2):


• Coação física (“vis absoluta”): retira totalmente a vontade do coato. Ela não está tratada no Código Civil (“vontade
zero”). Exemplo: contrato celebrado por pessoa sedada ou hipnotizada.
Correntes:
✓ Negócio é inexistente (Renan Lotufo, casal Nery).
✓ Negócio é nulo (Maria Helena Diniz).

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CC, art. 150: “Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar
indenização”.

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• Coação moral ou psicológica (“vis compulsiva”): gera no paciente fundado temor de mal considerável e iminente
à sua pessoa, à pessoa de sua família, à pessoa próxima ou aos seus bens. A coação moral está tratada no Código
Civil de 2002 e gera a anulação do negócio jurídico.

CC, art. 151: “A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano
iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias,
decidirá se houve coação.”
CC, art. 152: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente
e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”.

Análise “in concreto” da coação: ao apreciar a coação, o juiz deve levar em conta as características gerais do coato (sexo,
idade, condição, saúde e temperamento, entre outras).

Exemplo (TJ/RS – 2011): doações feitas à igreja evangélica de pessoa sob pressão por vários fatores. A decisão foi
confirmada pelo STJ.
“RESPONSABILIDADE CIVIL. DOAÇÃO. COAÇÃO MORAL EXERCIDA POR DISCURSO RELIGIOSO. AMEAÇA DE MAL INJUSTO.
PROMESSA DE GRAÇAS DIVINAS. CONDIÇAO PSIQUIÁTRICA PRÉ-EXISTENTE. COOPTAÇAO DA VONTADE. DANO MORAL
CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO ARBITRADA. 1. ANÁLISE DO ARTIGO 152 DO CÓDIGO CIVIL. CRITÉRIOS PARA AVALIAR A
COAÇÃO. A prova dos autos revelou que a autora estava passando por grandes dificuldades em sua vida afetiva (separação
litigiosa), profissional (divisão da empresa que construiu junto com seu ex-marido), e psicológica (foi internada por surto
maníaco, e diagnosticada com transtorno afetivo bipolar). Por conta disso, foi buscar orientação religiosa e espiritual
junto à Igreja Universal do Reino de Deus. Apegou-se à vivência religiosa com fervor, comparecia diariamente aos cultos
e participava de forma ativa da vida da Igreja. Ou seja, à vista dos critérios valorativos da coação, nos termos do art.
152 do Código Civil, ficou claramente demonstrada sua vulnerabilidade psicológica e emocional, criando um contexto
de fragilidade que favoreceu a cooptação da vontade pelo discurso religioso. 2. ANÁLISE DOS ARTIGOS 151 E 153 DO
CÓDIGO CIVIL. PROVA DA COAÇÃO MORAL. Segundo consta da prova testemunhal e digital, a autora sofreu coação moral
da Igreja que, mediante atuação de seus prepostos, desafiava os fiéis a fazerem doações, fazia promessa de graças divinas,
e ameaçava-lhes de sofrer mal injusto caso não o fizessem. No caso dos autos, o ato ilícito praticado pela Igreja
materializou-se no abuso de direito de obter doações, mediante coação moral. Assim agindo, violou os direitos da
dignidade da autora e lhe casou danos morais. Compensação arbitrada em R$20.000,00” (vinte mil reais), à vista das
circunstâncias do caso concreto” (Apelação Cível Nº 70039957287, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 26/01/2011)”.

“RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. DOAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.


OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. NULIDADE. COAÇÃO MORAL. ATO INVÁLIDO. LEGITIMIDADE

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ATIVA. AFERIÇÃO. TEORIA DA ASSERÇÃO. INTERESSE. PREJUÍZO. AUSÊNCIA. PROVA TESTEMUNHAL. LIMITES. NULIDADE
DE SENTENÇA. NÃO CONFIGURADA. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. VALOR DE REPARAÇÃO. RAZOABILIDADE. 1. Ação
ajuizada em 03/08/2007. (...). "Formulado pedido certo e determinado, somente o autor tem interesse recursal em
arguir o vício da sentença ilíquida" (Súmula 318/STJ). 9. Segundo a jurisprudência desta Corte, pode-se definir danos
morais como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade. Na
hipótese dos autos, tanto a configuração dos danos morais quanto a valoração de sua reparação estão amplamente
fundamentadas, sem a necessidade de qualquer reparo. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte,
não provido.” (REsp 1.455.521/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27/02/2018, DJe
12/03/2018).

Não constituem coação (CC, art. 15312):


• Exercício regular de um direito. Exemplo: se a pessoa deve, é possível informá-la (não é coação) que irá inscrever
o seu nome em cadastro negativo (CDC, art. 4313).
Vale lembrar: “Súmula 359 STJ: Cabe ao órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito a notificação do
devedor antes de proceder à inscrição” – Aplicação da boa-fé objetiva: dever de informação.
• Mero temor reverencial. Exemplo: receio de desapontar pessoa querida.

A coação de terceiro também pode anular o negócio jurídico nos mesmos moldes do dolo de terceiro (CC, arts. 15414 e
15515).

Exemplo: 3º

• Sabia ou deveria saber da coação de terceiro: o negócio


jurídico é anulável e haverá responsabilidade solidária
(terceiro e N2).
N1 N2
• Não sabia nem deveria saber da coação de terceiro: o
negócio jurídico subsiste e o terceiro responde por
perdas e danos.
• Negociantes: “N1” e “N2”.

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CC, art. 153: “Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial”.
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CDC, art. 43: “O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros,
fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes”.
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CC, art. 154: “Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a
parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos”.
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CC, art. 155: “Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela
tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado
ao coacto”.

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• Houve, por parte de um terceiro, coação quanto a “N1”.

d) Estado de perigo (CC, art. 15616) - Frase símbolo: “Meu reino por um cavalo” (Ver texto de José Fernando Simão).

“O ano é 1485, o campo de batalha é em Bosworth, Inglaterra, onde o rei Ricardo III (da Casa de Lancaster – Rosa
Vermelha) está no poder e é chamado de ‘usurpador’. A batalha de Leicester se inicia. As forças do rei Ricardo III são
paulatinamente dizimadas, mesmo o rei tendo praticado muitos atos de bravura (...) sentindo que a batalha estava
irremediavelmente perdida (...) decide avançar, pessoalmente, contra Henrique Tudor e matá-lo. Montado em seu cavalo,
o rei consegue derrubar as forças inimigas e se aproxima do traidor, quando seu cavalo é atingido por uma flecha e Ricardo
vai ao chão. Ricardo, diante dessa situação grita: ‘A horse, a horse, my kingdom for a horse!’ (do original de Shakespeare),
ou seja, ‘um cavalo, um cavalo, meu reino por um cavalo!’” (José Fernando Simão).

No estado de perigo, há:


• Situação de perigo (elemento subjetivo) que atinge o próprio negociante, pessoa de sua família ou pessoa
próxima. Essa situação é conhecida pela outra parte; e
• Onerosidade excessiva (desproporção negocial) – Elemento objetivo.

O negócio é anulável (nulidade relativa ou anulabilidade) (CC, art. 17117) – Regra geral.
Tem-se entendido pela possibilidade de revisão do negócio jurídico, aplicando-se, por analogia, o art. 157, §2º, CC18. Nesse
sentido, há o Enunciado 148, III Jornada de Direito Civil19 (princípio da conservação do negócio jurídico).

• Ex. 1 (Maria Helena Diniz): alguém tem pessoa da família sequestrada e o valor do resgate é R$ 20.000,00. Um
vizinho sabe do sequestro e oferece R$ 20.000,00 por uma joia da família que vale R$ 100.000,00. A joia é vendida,
podendo o negócio jurídico ser anulado por estado de perigo.
• Ex.2 (Toscano): alguém tem um filho atropelado e vai até uma clínica particular. O médico de plantão resolve
cobrar R$ 100.000,00 pela cirurgia de emergência (que custaria R$ 20.000,00). A cirurgia é realizada. Nesse caso,
o melhor caminho é a revisão do negócio jurídico.

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CC, art. 156: “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de
sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único.
Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”.
17
CC, art. 171: “Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: (...) II - por vício resultante
de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.
18
CC, art. 157, §2º: “§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito.”
19
Enunciado 148, III JDC: “Ao "estado de perigo" (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto no § 2º do art. 157.”

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• Ex.3 (Carlos Roberto Gonçalves, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona): exigência de cheque-caução em hospitais para
internações em casos de emergência. Cabe anulação do cheque.

e) Lesão (CC, art. 15720) – “laesio” - Frase símbolo: “negócio da China”.


Na lesão há:
• Premente necessidade ou inexperiência (elemento subjetivo); e
• Onerosidade excessiva (desproporção negocial) – Elemento objetivo.
O que há de comum com o estado de perigo? Elemento objetivo.
O que há de diferente em relação ao estado de perigo? Elemento subjetivo.

Deve-se levar em conta o momento da celebração para a análise da onerosidade excessiva (art. 157, § 1º,CC).
O problema é no sinalagma genético (formação), não se confundindo com a aplicação da teoria da imprevisão (arts. 317
e 478 do CC), em que o problema é no sinalagma funcional (fato superveniente).

Observações importantes:
• Lesão = Plano da validade (em regra).
• Teoria da imprevisão = Plano da eficácia.
Conforme o art. 171, CC, o negócio jurídico é anulável, mas o art. 157, § 2º,CC, prevê a possibilidade de revisão por
oferecimento do lesionador.

Enunciados doutrinários:
• A regra é a revisão e não a anulação (princípio da conservação do negócio jurídico – Enunciado 22, I Jornada de
Direito Civil21) (Enunciado n. 149 – III Jornada de Direito Civil22).

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CC, art. 157: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a
prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1º: Aprecia-se a desproporção das prestações
segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2º: Não se decretará a anulação do
negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.
21
Enunciado 22, I JDC: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que
reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.”
22
Enunciado 149, III JDC: “Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir,
sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os
contratantes a seguir as regras do art. 157, § 2º, do Código Civil de 2002”.

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• O lesionado pode ingressar diretamente com a ação de revisão contra o lesionador (Enunciado n. 291 – IV Jornada
de Direito Civil23).
• Não se pode presumir a premente necessidade ou inexperiência (Enunciado n. 290 – IV Jornada de Direito Civil24).
Em quais negócios jurídicos? Sobretudo nos contratos civis e empresariais paritários (presunção relativa de
paridade - art. 421-A do CC25).

“RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ENTRE PARTICULARES. RESCISÃO
DO CONTRATO. VALORES PAGOS. PERDA INTEGRAL. PREVISÃO EM CLÁUSULA PENAL. VALIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO.
AUSÊNCIA DE VÍCIOS. PROPOSIÇÃO DO PROMITENTE COMPRADOR. ALEGAÇÃO DE INVALIDADE. IMPOSSIBILIDADE.
PROIBIÇÃO DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. (...). 3. Para a caracterização do vício de lesão, exige-se a presença
simultânea de elemento objetivo - a desproporção das prestações - e subjetivo - a inexperiência ou a premente
necessidade, que devem ser aferidos no caso concreto. 4. Tratando-se de negócio jurídico bilateral celebrado de forma
voluntária entre particulares, é imprescindível a comprovação dos elementos subjetivos, sendo inadmissível a
presunção nesse sentido. 5. O mero interesse econômico em resguardar o patrimônio investido em determinado
negócio jurídico não configura premente necessidade para o fim do art. 157 do Código Civil. 6. Na hipótese em apreço,
a cláusula penal questionada foi proposta pelos próprios recorrentes, que não comprovaram a inexperiência ou premente
necessidade, motivo pelo qual a pretensão de anulação configura comportamento contraditório, vedado pelo princípio
da boa-fé objetiva. (...). (REsp 1.723.690/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. Terceira Turma. Julgado em
06/08/2019. DJe 12/08/2019).

• “A lesão prevista no art. 157 do Código Civil não exige dolo de aproveitamento” (Enunciado n. 150 – III Jornada
de Direito Civil).

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Enunciado 291, IV JDC: “Nas hipóteses de lesão previstas no art. 157 do Código Civil, pode o lesionado optar por não
pleitear a anulação do negócio jurídico, deduzindo, desde logo, pretensão com vista à revisão judicial do negócio por meio
da redução do proveito do lesionador ou do complemento do preço”.
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Enunciado 290, IV JDC: “A lesão acarretará a anulação do negócio jurídico quando verificada, na formação deste, a
desproporção manifesta entre as prestações assumidas pelas partes, não se presumindo a premente necessidade ou a
inexperiência do lesado.”
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CC, art. 421-A: “Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos
concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais,
garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus
pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)”

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O Enunciado 150 da III Jornada de Direito Civil serve para diferenciar o dolo do art. 157 do Código Civil da lesão usurária.
Lesão usurária (Decreto-Lei n. 22.626/1933): presente quando há cobrança de juros abusivos, acima do dobro da taxa
legal (1% ao mês). Observações:
✓ Gera nulidade absoluta.
✓ Exige o dolo de aproveitamento.
Decreto-Lei n. 22.626/1933, art. 11: “O contrato celebrado com infração desta lei é nulo de pleno direito, ficando
assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a mais”.

Questão: A lesão usurária pode propiciar a revisão do contrato, aplicando, por analogia, o art. 157, §2º do CC?
Sim. Segundo o professor, esse tema é polêmico, mas ele acredita que não se trata de analogia, mas sim de interpretação
extensiva.

Exemplo 1: contratos de aquisição de imóveis na planta com abusividade. Envolvem direito à moradia (CF, art. 6º26)
(premente necessidade).
Exemplo 2: SATI (taxa relativa ao serviço de assessoria técnico-imobiliária).

“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.
VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA
OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADE. TEORIA DA ASSERÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA
INCORPORADORA. VALIDADE DA CLÁUSULA. SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). COBRANÇA.
DESCABIMENTO. ABUSIVIDADE. 1. TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: (...). 2.3. "Abusividade da cobrança
pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à
celebração de promessa de compra e venda de imóvel" (tese firmada no julgamento do REsp 1.599.511/SP). 2.4.
Improcedência do pedido de restituição da comissão de corretagem e procedência do pedido de restituição da SATI. 3.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO, EM PARTE.” (REsp 1.551.951/SP. Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO. SEGUNDA
SEÇÃO. Julgado em 24/08/2016. DJe 06/09/2016).

f) Simulação (CC, art. 167)


Frase símbolo: “parece, mas não é”.

É um vício social do negócio jurídico (Maria Helena Diniz, Venosa, Rodolfo Pamplona, Pablo Stolze). Trata-se de posição
majoritária.

26
CF, art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.”

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✓ Ocorre quando há uma discrepância entre a vontade interna e a vontade manifestada: a aparência discrepa da
essência.

Atenção: a simulação é o único defeito tratado no Código Civil gerador de nulidade absoluta do negócio jurídico (CC, art.
167). Envolve ordem pública.

Enunciado 152 da III jornada de Direito Civil: “Toda a simulação, inclusive a inocente, é invalidante”.
CC, art. 167, “caput”: “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância
e na forma”.

Modalidades de simulação:
I - Simulação absoluta:
• Na aparência, há um determinado negócio jurídico; na essência, não há negócio jurídico algum. O negócio é nulo.
Exemplo: um pai transmite sua empresa ao filho, mas continua exercendo plenamente a administração.
• Há quem entenda que o caso é de negócio inexistente (casal Nery).
Críticas à teoria da inexistência – Tal teoria é inútil, inconveniente e inapropriada, pois o legislador resolveu tais
problemas no plano da validade.

II - Simulação relativa (art. 167, CC):


• Na aparência, há um determinado negócio jurídico (simulado); na essência, há um outro negócio jurídico
(dissimulado).

• De acordo com a lei (art. 167, CC):


✓ Negócio jurídico simulado: nulo.
✓ Negócio jurídico dissimulado: será válido se apresentar os requisitos mínimos de validade (art. 104, CC27).

• Exemplo: contrato de comodato de imóvel celebrado para encobrir locação:


✓ Negócio jurídico simulado: comodato (nulo).
✓ Negócio jurídico dissimulado: locação (válida).

27
CC, art. 140: “A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

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A simulação relativa é assim subclassificada (CC, art. 167, § 1º28):
o Simulação relativa objetiva: o problema está no conteúdo ou objeto do negócio. Exemplos: cláusula ou declaração
não verdadeira; instrumentos particulares antedatados ou pós-datados; e fazer escritura de imóvel pelo valor
menor que o valor real de mercado.
o Simulação relativa subjetiva: a pessoa com quem se negocia não é a verdadeira. Exemplos: contratos celebrados
com “laranja”, “testa de ferro”, “homem de palha”, contrato celebrado com interposta pessoa (a pessoa
verdadeira está escondida).

Observações Finais sobre a simulação.

Observação n. 1: art. 167, §2º, CC29 - Inoponibilidade do ato simulado frente a terceiros de boa-fé.
A boa-fé vence a simulação.
✓ A boa-fé também é preceito de ordem pública, do contrário, não venceria a simulação.

Exemplo:
Nula por
Simulação
A

Vendeu o mesmo imóvel


Boa-fé de C:
B C
Válida funciona como
“escudo” protetivo.

Observação n. 2: A simulação inocente, aquela que não prejudica, também é causa de nulidade (Enunciado 152, III Jornada
de Direito Civil30).
O Código Civil de 2002 não reproduziu o art. 103 do Código Civil de 1916.

“Autor que é tio dos réus e solicitou a eles que administrassem dois imóveis seus, locando-os a terceiros e repassando a
integralidade dos valores das locações, em caráter vitalício. Autor que, em contraprestação ao serviço prestado pelos
sobrinhos, transmitiria a propriedade dos bens a eles. Transmissão dos imóveis que, todavia, se deu por contrato de
compra e venda formalizado em escritura pública. Partes que, diante disso, reconhecem que as compra e vendas são

28
CC, art. 167, § 1º: “Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a
pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição
ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados”.
29
CC, art. 167, §2º: “Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico
simulado.”
30
Enunciado 152 da III JDC: ““Toda a simulação, inclusive a inocente, é invalidante”

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simuladas. Código Civil atual que assegura tratamento diverso ao Estatuto de 1916 na temática da simulação. Instituto
que é tratado como vício social passível de nulidade absoluta, o que permite seja arguido por quaisquer dos contratantes
(não havendo que se falar em benefício da própria torpeza), não se exigindo prejuízo a terceiros para ser configurado
(mesmo a simulação inocente acarreta nulidade do negócio jurídico). Doutrina e jurisprudência que orientam sejam os
atos simulados extirpados do universo jurídico. Art. 167 do Código Civil (...)” (TJSP; AC 1002335-63.2017.8.26.0653; Ac.
14303646; Vargem Grande do Sul; Quinta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Rodolfo Pellizari; Julg. 27/01/2021; DJESP
02/02/2021; Pág. 2084).

Observação n. 3:
Enunciado 294, IV Jornada de Direito Civil31: uma parte pode alegar simulação contra a outra.
O art. 104 do Código Civil de 1916 vedava essa alegação. Entretanto, esse dispositivo não foi reproduzido no CC/2002.

A MP 881, no seu art. 3º, inc. VIII, vedava a alegação de simulação contra a outro.
“Art. 3º. (...). VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais serão objeto de livre estipulação das partes
pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, hipótese
em que nenhuma norma de ordem pública dessa matéria será usada para beneficiar a parte que pactuou contra ela,
exceto se para resguardar direitos tutelados pela administração pública ou de terceiros alheios ao contrato;
Texto atual na Lei da Liberdade Econômica: “VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários
(grandes contratos) serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito
empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública (que devem ser respeitadas)”.

➢ O Resp 1.501.640/SP adota o Enunciado 294 da IV Jornada de Direito Civil.


RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO
DE MÚTUO COM NECESSIDADE DE INVESTIMENTO DA QUANTIA ASSIM OBTIDA EM DEBÊNTURE DE SOCIEDADE
COLIGADA AO BANCO SANTOS. AÇÃO DESCONSTITUTIVA PRECEDIDA DE MEDIDA CAUTELAR E JULGADA
SIMULTANEAMENTE COM EMBARGOS DO DEVEDOR. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. 1. PREVENÇÃO POR
CONEXÃO. SÚMULA Nº 235 DO STJ. 2. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO INEXISTENTES.
REFORMA DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. 3. CERCEAMENTO DE DEFESA. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. 4. OFENSA A COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. 5. ERRO E DOLO NÃO
CARACTERIZADOS. 6. SIMULAÇÃO. NEGÓCIO JURÍDICO NULO. A SIMULAÇÃO PODE SER ALEGADA POR UMA DAS PARTES
CONTRA A OUTRA. 7. SIMULAÇÃO RELATIVA. 8. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS A ENDOSSATÁRIOS DE BOA-
FÉ. NÃO-APLICAÇÃO. 9. MASSA FALIDA NÃO PODE SER CONSIDERADA TERCEIRA QUANTO AOS NEGÓCIOS CELEBRADOS
PELA SOCIEDADE FALIDA. 10. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A prevenção por conexão tem por finalidade evitar o
proferimento de decisões conflitantes, donde resulta que a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles

31
Enunciado, 294, IV JDC: “Sendo a simulação uma causa de nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das
partes contra a outra.”

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já foi julgado (Súmula nº 235, do STJ). 2. Não há violação ao art. 535 do CPC/73 se foram analisadas as questões
controvertidas objeto do recurso pelo Tribunal de origem, ainda que em sentido contrário a pretensão da recorrente. 3.
O julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa quando o juízo embasa sua convicção em prova
suficiente para fundamentar as deduções expostas na sua decisão. Rever a conclusão do Tribunal de origem exigiria
inevitável revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que não se admite em recurso especial, à luz da Súmula
nº 7 do STJ. 4. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que para a configuração da coisa julgada deve
haver tríplice identidade entre as ações, ou seja, partes, causa de pedir e pedido devem ser os mesmos. Precedentes. Na
hipótese, a cédula de crédito bancário declarada inexigível por decisão com trânsito em julgado não foi objeto da execução
que originou o presente recurso especial. 5. O Tribunal de origem, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos,
concluiu que o negócio jurídico celebrado pelas partes, consistente na celebração de contrato de mútuo com necessidade
de investimento da quantia obtida em debênture de sociedade coligada, não padecia de vício de consentimento (erro ou
dolo). Os negócios assim realizados não pretenderam estimular em momento algum o desenvolvimento das atividades
empresárias das recorrentes, e sim camuflar a prática de negócio diverso, dissimulado por parte da instituição financeira.
6. Com o advento do CC/02 ficou superada a regra que constava do art. 104 do CC/1916, pela qual, na simulação, os
simuladores não poderiam alegar o vício um contra o outro, pois ninguém poderia se beneficiar da própria torpeza. O
art. 167 do CC/02 alçou a simulação como causa de nulidade do negócio jurídico. Sendo a simulação uma causa de
nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra a outra (Enunciado nº 294/CJF da IV Jornada
de Direito Civil). Precedentes e Doutrina. 7. O negócio jurídico simulado é nulo e consequentemente ineficaz, ressalvado
o que nele se dissimulou (art. 167, 2ª parte, do CC/02). 8. O endosso do título transmitiu o vício que o inquinava,
inclusive a possibilidade de declarar nulo o negócio simulado. No caso, não se cogita da vedação de opor exceções
pessoais relativas ao emitente do título e ao endossante, mas, ao contrário, de vício na emissão do título, que o
acompanha desde o nascedouro e não se convola com endossos sucessivos. 9. A inoponibilidade das exceções pessoais
também não se aplica a massa falida, composta em seu aspecto objetivo pelo acervo patrimonial outrora pertencente a
sociedade falida, uma vez que ela apenas sucede essa última nas relações jurídicas por ela mantidas, não sendo possível
considerá-la terceira em relação a negócios celebrados pela sociedade cuja quebra foi decretada. 10. Recurso especial
provido. (Resp 1.501.640/SP. Rel. Ministro MOURA RIBEIRO. Terceira turma. Julgado em 27/11/2018. REPDJe
07/12/2018).

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Observação n. 4: Enunciado 578, VII Jornada de Direito Civil32: a simulação prescinde de alegação em ação própria. Assim,
cabe alegação incidental. Cabe, inclusive, conhecimento de ofício (art. 168, CC33) – Ressalva: vedação trazida no art. 10
do CPC34.

Observação n. 5:
Reserva mental ou reticência – “blefe essencial” (art. 110, CC)
CC, art. 110: “A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que
manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.”

➢ O art. 110 do Código Civil prevê duas situações:


• Se a outra parte do negócio jurídico não tiver conhecimento da reserva mental, o negócio jurídico subsiste.
• Se a outra parte do negócio jurídico tiver conhecimento da reserva mental:
✓ O negócio jurídico é inexistente (casal Nery).
✓ O negócio jurídico é nulo por simulação (Maria Helena Diniz, Venosa, Villaça) - Posição que prevalece.
Exemplos (casal Nery):
• Exemplo 1: declaração de um autor de que o produto da venda dos livros será destinado à instituição de caridade
(o que não é verdade).
• Exemplo 2: estrangeiro em situação irregular no Brasil casa-se com brasileira, jurando amor (o que não é verdade).
• Exemplo 3: promessa de mútuo feita a um moribundo insolvente por motivo de consolo. O instituto é de difícil
aplicação.

“A realização do laudo de avaliação dos imóveis e a continuidade e finalização da negociação pelo preço do contrato na
espécie, com a cognoscibilidade explícita da recorrente e recorridos, tanto do valor do laudo quanto do valor do contrato,
não implicam quebra da boa-fé e da confiança apta a configurar o erro essencial quanto ao preço. 12. Os recorridos não
demonstraram a manifestação equivocada da sua vontade ou qualquer outra espécie de vício de consentimento aptos a
invalidar o contrato firmado entre as partes. 13. Em geral, os negócios jurídicos celebrados com reserva mental,
(desconformidade entre o desejo intrínseco dos agentes e a manifestação declarada) produzem seus regulares efeitos.

32
Enunciado 578, VII Jornada de Direito Civil: “Sendo a simulação causa de nulidade do negócio jurídico, sua alegação
prescinde de ação própria.”
33
CC, art. 168: “As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério
Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos
e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.”
34
CPC, art. 10: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se
tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”

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14. Os elementos fundamentais para a caracterização da reserva mental juridicamente relevante são: I) a divergência
intencional entre a vontade interna e a declaração externada, II) a intenção de enganar (ilicitude), III) o objetivo de não
cumprir o negócio entabulado; IV) o conhecimento e a concordância pelo declaratório da conduta do declarante. 15. O
CC não confere à reserva mental alegada o efeito jurídico pretendido pelos recorridos. 16. Diante deste panorama e à luz
da segurança jurídica, forçoso concluir que o intento dos recorridos em receber a diferença do valor entre o contratado e
o laudo de avaliação, após a quitação do preço acordado entre as partes, alegando como fundamento a reserva mental e
o erro quanto ao preço, viola, especificamente, a linha do princípio da boa-fé objetiva relativa à proibição do
comportamento contraditório, repelida por nosso ordenamento jurídico. 17. Recurso Especial parcialmente conhecido, e
nessa extensão, parcialmente provido”. (STJ; REsp 1.622.408; Proc. 2016/0226350-3; PA; Terceira Turma; Relª Min. Nancy
Andrighi; Julg. 15/12/2020; DJE 18/12/2020)
✓ Neste caso, o “venire contra factum proprim non potest” prevaleceu sobre a alegação de erro e sobre a alegação
de reserva mental.

g) Fraude contra credores (CC, arts. 158 a 165)


Frase símbolo: “Golpe de Mestre contra os meus credores”.
A fraude contra credores é um vício social do negócio jurídico, presente quando o devedor insolvente, ou que está à beira
da insolvência, realiza atos de disposição onerosa (exemplo: venda) ou gratuita (exemplo: doação) com intuito de
prejudicar credores.
Exemplo: a pessoa tem várias obrigações assumidas em contratos diversos e vende o seu patrimônio.
Os atos alienação/disposição em fraude contra credores são anuláveis (nulidade relativa).
A ação anulatória tem uma denominação especial: ação pauliana ou ação revocatória.

Exemplo: “D” (patrimônio de 3 milhões) é devedor e deve para três credores: “C1” (1 milhão), “C2” (2 milhões) e “C3” (3
milhões). De uma vez só, “D” vende tudo o que possui para três pessoas: “F”, “G” e “H”. Os três credores (“C1”, “C2” e
“C3”) poderão ingressar com uma ação anulatória contra o vendedor e os compradores (“F”, “G” e “H”), com o objetivo
de anular as respectivas vendas. No exemplo, “C1” entrou com ação anulatória contra “D” e contra “F”, “G” e “H”
(litisconsórcio necessário). Conforme o art. 165 do CC35, com a anulação, os bens voltam ao patrimônio do devedor ou
vão para o acervo em concurso de credores. Em outra hipótese, “C2” está com uma execução já pronta, acompanhando
a ação anulatória promovida por “C1”. No dia seguinte, antes que “C1” peça a penhora, “C2” pede a penhora e o bem é
penhorado em favor de “C2” antes do “C1”. Neste caso, quem possuirá a preferência de satisfação será de “C2”. A ação
anulatória (pauliana) deverá ser proposta contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou o negócio
jurídico fraudulento e contra terceiros adquirentes de má-fé (CC, art. 16136). CONTINUA NA PRÓXIMA...

35
CC, art. 165, “caput”: “Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre
que se tenha de efetuar o concurso de credores”.
36
CC, art. 161: “A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou
a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé”.

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