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DIREITO CIVIL: TEORIA

GERAL DO DIREITO
PRIVADO
Prof. Dr. Caio Morau
DEFEITOS DOS NEGÓ CIOS JURÍDICOS
1) Erro
• Um dos elementos que atribuem existência a um negócio jurídico é a
declaração de vontade. Para que esse negócio seja válido, é preciso
que a vontade seja manifestada de maneira livre
• Contudo, não raras vezes pode suceder que a vontade venha a ser
formada ou declarada de maneira deficiente, em desfavor do próprio
declarante, de terceiro ou então em prejuízo da ordem pública
• Com exceção da fraude contra credores, que é considerada um vício
social, os outros defeitos, quais sejam, erro, dolo, coação, estado de
perigo e lesão, são chamados de vícios do consentimento, na medida
em que implicam em uma manifestação de vontade que não
corresponde com o íntimo e verdadeiro querer do agente
• Erro ou ignorância é um engano fático, uma falsa noção, em relação
a uma pessoa, ao objeto do negócio ou a um direito, que acomete a
vontade de uma das partes do negócio jurídico
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• Orlando Gomes: “tendo sobre um fato ou sobre um preceito uma
noção inexata ou incompleta, o agente emite a sua vontade de modo
diverso do que a manifestaria, se deles tivesse conhecimento exato
ou completo. Crê verdadeiro o que é falso ou falso o que é
verdadeiro”
• Para que o erro seja capaz de anular o negócio jurídico, ele tem de
ser substancial, partindo-se do princípio de que, sem o erro, o
negócio não se realizaria, ou, se o agente conhecesse a verdade, não
manifestaria a vontade de concluir o negócio jurídico
• Em outras palavras, o erro não pode ser acidental, ou seja,
relacionado a características secundárias do objeto ou da pessoa de
modo que, ainda que conhecida a realidade, o negócio seria realizado
• O erro substancial, que é o que nos interessa, já que pode
efetivamente anular um negócio jurídico, pode ser:
a) sobre a natureza do negócio (error in negotio), que se dá
com relação à categoria jurídica (como exemplo, uma pessoa que
empresta algo a outra, que entende que ocorreu uma doação);
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b) sobre o objeto principal da declaração (error in corpore), que se dá
quando a manifestação do agente ocorre com relação a objeto diverso daquele
que havia imaginado (como exemplo, a pessoa que adquire uma obra de arte
de um aprendiz, quando imaginava que procedia de um célebre pintor);
c) sobre as qualidades essenciais do objeto principal (error in
qualitate ou error in substantia), em que o negócio é celebrado justamente
porque se supunha haver uma determinada qualidade (ex: uma pessoa que
compra uma relógio dourado, apenas folheado a ouro, quando considerava se
tratar de ouro maciço);
d) quanto à identidade ou qualidade da pessoa a quem se refere a
declaração de vontade (error in persona), tendo esse aspecto influído de
maneira relevante para a celebração do negócio (ex: doação feita a quem teria
salvado a vida do doador);
e) de direito (error juris), que se dá quando, segundo Caio Mário, o
agente emite a declaração de vontade no pressuposto falso de que procede
segundo o preceito legal (ex: uma pessoa que contrata a importação de
determinada mercadoria ignorando que exista lei que proibia essa importação.
Sendo essa ignorância causa determinante do ato, pode ser alegada para
anular o contrato)
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• Falso motivo (art. 140, CC): só vicia a declaração de vontade quando
expresso como razão determinante
• O fato é que, via de regra, o direito não cuida do aspecto psicológico, ou
seja, dos motivos, razões subjetivas que levaram o sujeito a celebrar o
negócio, por serem considerados irrelevantes para se aferir a validade do
negócio
• Contudo, se esse motivo foi razão determinante para a celebração do
negócio e o agente foi prejudicado por uma falsa noção da realidade
transmitida pelo outro, o motivo passa a ser relevante
• Silvio Rodrigues: “se a aquisição de um estabelecimento comercial teve
por motivo determinante a perspectiva de boa e numerosa freguesia,
garantida e apontada pelo vendedor no próprio contrato, tem-se aí o que
se denomina em direito o pressuposto ou razão determinante do negócio.
Não se concretizando aquela perspectiva, o contrato é anulável por erro.”
• Ressalte-se que os motivos devem ter sido apontados expressamente. Ou
seja, no exemplo citado, o dono do estabelecimento comercial indicou
expressamente a perspectiva da boa freguesia e o comprador foi
motivado justamente por essa causa.
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2) Dolo
• Dolo é “o artifício ou expediente astucioso empregado para induzir
alguém à prática de um ato que o prejudica, aproveitando ao autor ou
a terceiro, como é a intenção de causar dano ilegalmente”
• Quando alguém, por malícia, me induz a formar uma falsa
representação da realidade, estou diante de dolo. Ao contrário, se eu
próprio é que formo uma falsa imagem, eu é que me engano e,
portanto, estou diante de erro
• Há basicamente dois tipos de dolo, o principal e o acidental.
• O primeiro figura como causa determinante da declaração de
vontade, ou seja, o negócio só é realizado porque foi empregado
artifício ou expediente astucioso.
• Já o segundo, nos termos do art. 146, que é lateral ou secundário, não
chegaria a impedir a celebração do negócio, que seria realizado,
ainda que por outro modo. A consequência dessa distinção é que o
dolo acidental não vicia o negócio jurídico, apenas obrigando a
satisfação das perdas e danos
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• Exemplo bastante prático para elucidar a diferença entre dolo principal
e acidental: se uma pessoa adquire por cem mil reais um imóvel que,
na verdade, vale cinquenta mil, temos uma hipótese de dolo acidental,
que não permite postular a invalidação do contrato, mas somente exigir
a reparação do prejuízo, que equivale à diferença entre o preço cobrado
e o real
• Há também uma divisão entre dolus bonus e dolus malus.
• O primeiro é um dolo tolerável, destituído de gravidade suficiente para
viciar a manifestação de vontade. Ocorre, por exemplo, quando os
vendedores supervalorizam as qualidades dos produtos que
comercializam. Nas palavras de Silvio Rodrigues, “esse exagero no
gabar as virtudes de uma coisa oferecida à venda não é, dada sua
menor intensidade, considerado dolo pelo ordenamento jurídico, pois
falta, para que se configure o vício, o requisito da gravidade.”
• Washington de Barros Monteiro faz interessante ressalva, ainda com
relação ao dolus bonus, afirmando que este pode ter fim licito,
elogiável e nobre, por exemplo, quando se induz alguém a tomar
remédio, que recusa a ingerir, e que, no entanto, lhe é necessário
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• Por fim, temos a figura do dolo bilateral, em que ambas as partes procedem com
dolo, de modo que nenhuma delas poderá alegá-lo para o fim de anular o negócio
jurídico ou requerer indenização
3) Estado de perigo
• Nos termos do art. 156 do Código Civil, “configura-se o estado de perigo quando
alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave
dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”
• Ex: um comandante de embarcação que, prestes a naufragar, propõe pagar
qualquer quantia a quem venha socorrê-lo; o enfermo que, em grave situação de
saúde, se coloca de acordo com os honorários pagos pelo cirurgião.
• Elementos que estruturam o estado de perigo: a) situação de necessidade: o
declarante deve se encontrar em situação de necessidade de salvar a si próprio ou a
membro de sua família; b) o dano deve ser atual (iminente, capaz de fatalmente
provocar as consequências indesejadas) e grave (levando em conta as
circunstâncias); c) a declaração de vontade deve ter como causa determinante o
perigo de grave dano; d) a ameaça do dano deve recair sobre o declarante ou sobre
sua família; e) a outra parte deve ter conhecimento do perigo, de modo que se este
for desconhecido, presumindo-se que se a parte não sabia do perigo, terá agido de
boa-fé, impossibilitando a anulabilidade do negócio; f) a assunção da obrigação
deve ser excessivamente onerosa
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4) Lesão
• Afirma o art. 157 do Código Civil que “ocorre a lesão quando uma
pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a
prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação
oposta”
• Na lesão, portanto, a parte decide por si, sem pressão externa, mas
movida por circunstâncias de necessidade ou por inexperiência
• A necessidade não se relaciona à miséria ou insuficiência habitual dos
meios para prover a sua subsistência ou a de sua família. A necessidade
em questão é chamada de contratual, que se relaciona à impossibilidade
de evitar o contrato.
• A inexperiência, por sua vez, se relaciona à falta de conhecimentos
relacionados à natureza do negócio jurídico celebrado. Como exemplo,
um jovem de 18 anos que celebra pela primeira vez um contrato de
locação em uma cidade grande e que desconhece a média dos preços
cobrados na região em que se situa o imóvel, consentindo assinar o
contrato com valores muito altos e incompatíveis com os imóveis
semelhantes situados no mesmo bairro
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• Diferenças: a) a lesão pode decorrer da inexperiência do declarante, que não é
requisito do estado de perigo; b) na lesão, não é necessário que a outra parte
tenha conhecimento da necessidade ou da inexperiência, ao passo que no estado
de perigo, exige-se que a parte que se aproveitou da situação saiba do perigo
enfrentado pela outra; c) na lesão, é admitida a suplementação da
contraprestação, o que não se afigura possível no estado de perigo
5) Fraude contra credores
• Prática, pelo devedor, de ato ou atos jurídicos, absolutamente legais em si
mesmos, mas prejudiciais aos interesses dos credores, frustrando,
conscientemente, a regra jurídica que institui a garantia patrimonial dos credores
sobre os bens do devedor
• O art. 158 do Código Civil estabelece que “os negócios de transmissão gratuita
de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles
reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos
credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.”
• Segundo Renan Lotufo, a maioria da doutrina aponta dois elementos que
caracterizam a fraude contra credores: a) o eventus damni, que corresponde ao
ato do devedor prejudicial ao credor por ter sido realizado em estado de
insolvência ou tendo se tornado insolvente; c) o consilium fraudis, ou seja, o
conluio fraudulento
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• Respeitável parte da doutrina entende que o consilium fraudis não é
elemento essencial da fraude contra credores, de modo que o estado de
insolvência e o prejuízo ao credor bastariam para caracterizá-la
• Embora não haja unanimidade, caso se trate de atos gratuitos de alienação
praticados em fraude contra credores, o requisito subjetivo representado pelo
consilium fraudis é presumido. Já no caso de alienação onerosa, faz-se
necessária a comprovação do consilium fraudis
6) Simulação
• Ao contrário dos demais defeitos dos negócios jurídicos, que geram a sua
anulabilidade (também chamada de nulidade relativa, já que o negócio pode
ser convalidado), a simulação figura como causa de nulidade, ou seja, trata-
se de um defeito insanável
• Nas palavras de Clóvis Bevilácqua, simulação é uma declaração enganosa da
vontade, que tem por objetivo produzir efeito diverso daquele
ostensivamente indicado.
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• Trata-se de um defeito que não vicia a vontade do declarante, já que,
segundo Pablo Stolze, esse último se mancomuna de livre vontade com o
declaratário para atingir fins espúrios, em detrimento da lei ou da própria
sociedade
• A simulação pode ser dividida em:
• a) absoluta, caso em que o negócio se forma a partir de uma declaração
de vontade ou confissão de dívida emitida para não gerar efeito jurídico
algum. Cita como exemplo o cônjuge que, para se livrar bens da partilha
imposta pelo regime de bens, simula negócio com amigo, contraindo
falsamente uma dívida, com o objetivo de transferir bens em pagamento.
Nesse caso, não se pretende transferir a propriedade dos bens para
pagamento de dívida, mas sim permitir que o amigo salvaguarde o
patrimônio até que sejam finalizados o divórcio e a partilha;
• b) relativa, também chamada de dissumulação, em que, ainda na lição de
Stolze, emite-se uma declaração de vontade ou confissão falsa, com o
objetivo de encobrir ato de natureza diversa, cujos efeitos, desejados pelo
agente, são proibidos por lei (nesse caso, recebe o nome de simulação
relativa objetiva).

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