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PESSOAS, RELAÇÕES FAMILIARES

E SUCESSÓRIAS

Prof.ª Gabrielli Amaral de Souza


E-mail: gabrielli.souza@animaeducacao.com.br
1. Relembrando - EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DO
NEGÓCIO JURÍDICO
Análise do negócio jurídico sob a ótica de três planos:
(i) Plano da Existência – relativo ao ser, isto é, à sua estruturação, de acordo com a presença de
elementos básicos, fundamentais, para que possa ser admitido;
(ii) Plano da Validade – diz respeito à aptidão do negócio frente ao ordenamento jurídico para
produzir efeitos concretos;
(iii) Plano da Eficácia – tendo pertinência com a sua capacidade de produzir, desde logo, efeitos
jurídicos ou ficar submetido à determinados elementos acidentais, que podem conter ou liberar
tal eficácia.

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DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico tem como requisito de existência a declaração de vontade e, para


que ele seja válido, a vontade precisa ser manifestada de forma livre e espontânea.

Quando a vontade se manifesta com algum vício, o negócio se torna anulável. O nosso
Código Civil disciplina esses vícios no art. 171,II, quais sejam: erro, dolo, coação, estado de
perigo, lesão e fraude contra terceiros.

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DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Tais “defeitos”, exceto a fraude contra terceiros e a simulação, são chamados de vícios
de consentimento, criam uma divergência entre a vontade manifestada e a real intenção de
quem a exteriorizou.
Já a fraude contra credores é exteriorizada com a intenção de prejudicar terceiros, por
isso é considerada vício social.
Os defeitos ou vícios no negócio jurídico são as imperfeições que podem surgir,
decorrentes de anomalias na formação da vontade humana ou na sua declaração.

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4. Defeitos do negócio jurídico:

4.1) Se classificam em:

Vícios de consentimento: aqueles em que a vontade não é expressada de maneira absolutamente


livre.

Vícios sociais: em que a vontade manifestada não tem, na realidade, a intenção pura e de boa-fé
de que enuncia.

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4. Defeitos do negócio jurídico:

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DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Os negócios jurídicos que possuem algum dos defeitos elencados no art.


171, CC são ANULÁVEIS. Para tanto necessitam de provocação judicial.

Tanto na hipótese da nulidade, como na de anulabilidade, a


invalidação depende necessariamente de processo judicial

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DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

A ação anulatória é utilizada para anular o negócio jurídico que contenha defeitos,
possuindo o prazo decadencial de quatro anos (CC. art. 178, I e II), contado: (i) no caso de
coação, do dia em que ela cessar;"' e (ii) nas hipóteses de erro, dolo, fraude contra credores,
estado de perigo e lesão, da data em que o ato negocial foi celebrado.

Nas demais hipóteses em que a lei dispuser sobre a anulabilidade de determinado ato,
sem estabelecer prazo específico para pleitear-se a anulação, este será de dois anos,
consoante a determinação do art. 179, CC. É a chamada regra subsidiária do prazo de
anulabilidade de atos jurídicos.

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NULIDADE ANULABILIDADE

Invalidade absoluta Invalidade relativa


Não produz efeitos jurídicos, devendo ser Produz efeitos até a declaração judicial de sua
desconstituídos os efeitos produzidos antes da nulidade (art. 177,CC)
declaração judicial da nulidade.
Não é convalidado pela passagem do tempo (art. O direito de ação do prejudicado se extingue
169, CC) com a passagem do tempo (art. 178 e 17 CC).
Não admite ratificação (art. 169, CC) Pode ser confirmado (ratificado) pelas partes
(art. 172, CC)
Qualquer interessado pode alegá-lo (Art. 168, Só os interessados podem alegar (art. 177,CC)
CC)
Não pode o juiz suprir essa nulidade (Art. 168, § O juiz e as partes podem suprir a nulidade
único, CC)
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TIPOS DE DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

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CONCEITO DE ERRO

O erro consiste em uma falsa percepção noção, ou mesmo da falta


(ausência) de percepção sobre a pessoa, o objeto ou o próprio negócio que se
pratica da realidade, o agente engana-se sozinho. E nessa característica que
acaba diferindo do dolo, pois neste último o agente é induzido em erro por
terceiro.
Enfim, é o equívoco espontâneo do contratante sobre as circunstâncias
elementares do negócio jurídico.

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CONCEITO DE ERRO

Nosso Código equiparou os efeitos do erro à ignorância, sendo erro a ideia


de falsa realidade e a ignorância o completo desconhecimento da realidade. Em
ambos o agente é levado a praticar o ato ou a realizar o negócio que não
realizaria por certo ou que praticaria de forma diversa se estivesse esclarecido.

Por não ser fácil penetrar no íntimo do agente para saber o que lhe passou
pela cabeça no momento da possível ocorrência do erro, poucas ações
anulatórias são manejadas com base no erro. Torna-se mais fácil de se provar o
dolo, pois pode-se provar a indução do terceiro.
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ESPÉCIES DE ERRO

O erro possui diversas modalidades, porém algumas são relevantes para o


direito:
1. Erro
1.1- Erro substancial ou essencial (art. 138 e 139, CC): recai sobre
circunstancias e aspectos relevantes do negócio. Precisa ser a causa
determinante, pois se conhecida não teria sido celebrado o negócio.

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ESPÉCIES DE ERRO
Segundo o art. 139, CC, o erro substancial pode assumir diferentes feições:
i) Erro quanto à natureza do negócio (errar in negatia), podendo ser mencionada a
hipótese de alguém que imagina estar realizando compra e venda, quando, na verdade,
encontra-se praticando doação;
ii) Erro quanto ao objeto principal da declaração (errar in corpare), é o que incide sobre
a identidade do objeto, como no caso do comprador que adquire imóvel em uma rua
imaginando se tratar de outra rua homônima, ou do antiquário que adquire um relógio de
bolso na convicção de que pertenceu a D. Pedro II, quando jamais pertenceu ao Imperador;
iii) Erro quanto alguma das qualidades essenciais do objeto principal, diz respeito a
suposição de que o objeto possui determinada qualidade que, posteriormente, se verifica
inexistir, podendo ser lembrado o exemplo da pessoa que compra relógio dourado crendo ser
de ouro, ou candelabros prateados, mas que são de material inferior;
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ESPÉCIES DE ERRO
iv) Erro quanto à identidade ou à qualidade da pessoa a quem se refere a declaração de
vontade (error in persona), pode auferir tanto a identidade quanto as qualidades da pessoa.
Ademais, para que tenha o condão de invalidar deve influenciar de modo relevante na
declaração de vontade. Tem-se como exemplo o testamentário que deixa bem a filho que
julga ser seu, mas que se descobre ser de outro. Porém tal erro pode vir a ser sanado quando
se puder identificar a coisa ou a pessoa (art. 142, CC).
v) Erro de direito é o falso conhecimento, ignorância ou interpretação errônea da norma
jurídica aplicável a situação. Não serve para alegar desconhecimento da lei, serve para
justificar possível conduta não praticável. Ex. pessoa que contrata a importação de uma
mercadoria ignorando lei que proíbe sua importação. A ignorância foi a causa para o ato e
pode ser alegada para anular o contrato, sem com isso se pretender descumprir a lei.

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ESPÉCIES DE ERRO
1.2 - Erro acidental: se refere as circunstancias de menor importância e que não acarretam
efetivo prejuízo, se conhecida a realidade, mesmo assim o negócio teria acontecido. Refere-
se a qualidades secundárias do objeto ou da pessoa.

Erro de cálculo (art. 143, CC): autoriza a retificação da declaração de vontade, não há
nesse caso um vício na manifestação da vontade, mas uma distorção na sua transmissão que
pode ser sanada.

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ESPÉCIES DE ERRO
1.3 - Erro escusável: é o erro justificável, desculpável, que pode ser escusável
dentro do padrão abstrato do “homem médio”, de modo a comparar a conduta
do agente com a da média das pessoas. O STJ decidiu que o erro precisa ser tal
monta que qualquer pessoa de inteligência mediana o cometeria (Resp 744.31
MT, julgado em 19/08/2010.

1.4 – Erro real: é o erro causador de efetivo prejuízo ao interessado, como por
exemplo a compra de um carro 2005, quando na verdade o carro é 2009. tendo
o adquirente sofrido com prejuízo real a partir da compra.
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ESPÉCIES DE ERRO
2 – Falso motivo (art. 140,CC): “o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando
expresso como razão determinante”. Os motivos não possuem relevância para a validade do
negócio jurídico, salvo quando o motivo passe a ser condição essencial. Ex. uma doação feita
a pessoa que salvou sua vida, porém descobre que tal fato não é verdadeiro. A doação só será
passível de anulação se o motivo tiver sido expressamente declarado no instrumento como
razão determinante para o fim.
3 – Transmissão errônea da vontade (art.141,CC): caso o declarante se utilize de interposta
pessoa ou de meio de comunicação para transmissão de vontade e acabe por ocorrer
divergência entre o querido e o que foi transmitido, ocorre o erro passível de anulação.

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ESPÉCIES DE ERRO
4 – Convalescimento do erro (art. 144,CC): se a pessoa a quem a manifestação de vontade se
dirige se propõe a executá-la em conformidade com a vontade real do manifestante o erro
acaba não prejudicando o negócio jurídico.

Tal diploma legal da as partes a oportunidade de executar e efetivar o negócio jurídico.

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CONCEITO DE DOLO

O Dolo pode ser compreendido como o artifício ou expediente astucioso,


usado para induzir alguém a prática de um ato que o prejudica e que aproveita
ao autor do dolo ou a terceiro.

O dolo difere do erro quanto a espontaneidade, no erro a pessoa se engana


sozinha e no dolo ela é levada a se enganar pela outra parte ou por terceiro.

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DIFERENÇA ENTRE DOLO CIVIL E DOLO CRIMINAL
O dolo criminal é a intenção de praticar um ato que se tem conhecimento
de ser contrário a lei. O agente quer ou assume o risco do resultado, agindo
dolosamente (art. 18, I CP). Já o dolo civil é o artifício utilizado para enganar
alguém.
Também se difere do dolo processual dos arts. 79 à 81, CPC, que decorre
da conduta processual reprovável, contrária a boa-fé e que sujeita as partes
praticantes a sanções previstas em lei, tais como: pagamento de perdas e danos,
custas e condenação em honorários advocatícios.

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ESPÉCIES DE DOLO

a) Dolo principal e dolo acidental: é a classificação mais importante


trazida no art. 145, CC. Somente o dolo principal, como causa determinante da
declaração de vontade, vicia o negócio jurídico. Configura-se quando o
negócio é realizado somente porque houve o induzimento malicioso de uma das
partes.
Já o dolo acidental diz respeito as condições do negócio, que se realizaria,
independente da malícia, porém em outras condições (art. 146,CC), o que não
permite postular a invalidade do negócio, mas sim a reparação em perdas e
danos.
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ESPÉCIES DE DOLO

b) Dolus bonus e dolu malus: o primeiro é o dolo tolerável, que não contém
a gravidade suficiente para viciar a manifestação de vontade. Acaba por não
anular o negócio jurídico porque se espera do agente a diligencia do homem
médio. Ex. vendedor que elogia e superestima mercadoria.
Não obstante o Código de Defesa do Consumidor proíbe a propaganda
enganosa, tolerando o “exagero” até o limite de não induzir em erro o
consumidor.

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ESPÉCIES DE DOLO
b) Dolus bonus e dolu malus: o segundo é revestido de gravidade,
acarretando a anulabilidade do negócio ou a obrigação de fazer cumulada com
perdas e danos, conforme o caso e a intensidade da gravidade que será analisada
pelo juiz no caso concreto.
c) Dolo positivo ou comissivo e dolo negativo ou omissivo: o
procedimento doloso pode revelar-se em ações maliciosas e em
comportamentos omissivos. Ex. art. 180, CC
O art. 147, CC traz a exigência de que a omissão dolosa seja de tamanha
importância que, sem ela, o ato não se teria realizado.

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ESPÉCIES DE DOLO
d) Dolo de terceiro (art.148,CC): ensejará a anulação do negócio se a parte a quem
aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento. Ainda, se o beneficiado pelo dolo de
terceiro não adverte a outra parte, está tacitamente aderindo ao ato astucioso, tornando-se
cúmplice.
Ex. se o comprador é convencido por um terceiro que está adquirindo uma obra de
coleção e o vendedor, escuta a indução, e não alerta o comprador, o negócio torna-se
anulável. Agora se o vendedor não souber do dolo de terceiro, o negócio não se anula, mas o
lesado pode requerer perdas e danos do autor do dolo (art. 148, CC). E se nenhuma das
partes sabia do dolo de terceiro, o negócio não se anula.
Desse modo, incube ao lesado provar que a parte beneficiada pelo dolo de terceiro, dele
teve ou deveria ter conhecimento.

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ESPÉCIES DE DOLO

e) Dolo do representante: o representante de uma das partes não é


considerado terceiro, pois atua em nome de outrem.
O art. 149, CC aduz que o dolo do representante legal só obriga o
representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; já o
dolo do representante convencional acarreta a responsabilidade solidária do
representado. Caso responda civilmente, o representado tem direito a ação
regressiva em face do representante.

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ESPÉCIES DE DOLO
f) Dolo bilateral (art. 150, CC): é o dolo em que ambas as partes tem culpa,
cada uma tentando obter vantagem em prejuízo de outrem, não podendo
nenhuma delas invocar o dolo para anular o negócio ou reclamar indenização.
Há uma espécie de compensação entre as partes.
e) Dolo de aproveitamento (art. 157,CC): ocorre quando alguém se
aproveita da situação de necessidade ou da inexperiência do outro contratante
para obter lucro exagerado, manifestamente desproporcional a natureza do
negócio. Pode-se entender que essa espécie de dolo constitui elemento
subjetivo para outro defeito do negócio jurídico que é a lesão.

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CONCEITO DE COAÇÃO
A Coação é toda a ameaça ou pressão psicológica injusta exercida sobre
um indivíduo para forçá-lo, contra sua vontade, a praticar ou realizar um
negócio jurídico.
Tem como característica o emprego da violência psicológica para viciar a
vontade. O temor que a coação inspira torna defeituosa a manifestação do
querer do agente, sendo este o vício de consentimento e não os atos externos
utilizados para desencadear o medo. Nosso direito, ao se referir a esse
defeito, ora o chama de coação (art. 171,II,CC) ora de violência (art.
1.814,III,CC)
A coação é o defeito mais grave que pode afetar o negócio jurídico.
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ESPÉCIES DE COAÇÃO
a) Coação absoluta ou física e coação relativa ou moral: na primeira não
ocorre consentimento ou manifestação de vontade, a vantagem
pretendida pelo coator é obtida por meio de força física. Ex. analfabeto
que é pego a força para colocar sua impressão digital num contrato.

A coação trazida no art. 171, II, CC é a relativa ou moral, quando se


deixa uma opção ou escolha a vítima, trata-se de uma coação psicológica.
Ou a vítima pratica o ato exigido pelo coator ou sofre as consequencias.
Ex. assaltante ameaçando a vítima.

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ESPÉCIES DE COAÇÃO

b) Coação principal e coação acidental: apenas a doutrina faz a distinção,


sendo que a coação principal seria a causa determinante do negócio,
constituindo causa de anulação do negócio jurídico, enquanto a coação
acidental influenciaria apenas as condições da avença, sendo que sem ela
o negócio se realizaria, porém em condições menos favoráveis, sendo
que somente obriga o agente ao ressarcimento do prejuízo

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REQUISITOS DA COAÇÃO

Nem toda ameaça configura coação, para que ela esteja consubstanciada
devem estar presentes os requisitos do art. 151, CC, quais sejam:
a) Deve ser causa determinante do ato: é necessária uma relação entre a
coação e o ato extorquido, sendo que o negócio foi realizado apenas por haver
grave ameaça ou violência. Incumbe a parte que pretende a anulação do
negócio jurídico o ônus de provar o nexo de causa e efeito entre a violência e
a anuência.

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REQUISITOS DA COAÇÃO

b) Deve ser grave: a coação deve incutir na vítima um fundado temor de


dano (moral ou patrimonial) a bem que considera relevante. A aferição da
gravidade ou não da coação leva em conta o critério concreto, caso a caso,
analisando as condições pessoais da pessoa, conforme art. 152, CC.
Ainda, o art. 153, CC aduz que o simples temor reverencial não pode ser
considerado coação, como o que ocorre, por exemplo, quando se tem o receio
de desgostar, desobedecer ou desrespeitar pais, amigos ou superiores
hierárquicos, desde que não seja empregada ameaça ou violência.

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REQUISITOS DA COAÇÃO
c) Deve ser injusta: a expressão deve ser entendida como contrária ao
direito, ilícita ou abusiva. A parte inicial do art. 153, CC traz: “não se
considera coação a ameaça do exercício normal de um direito”. Como a
ameaça da mulher ao homem para propor ação de investigação de
paternidade, ou do credor de executar crédito vencido do devedor. Tratam-se
de exemplos de atuação do agente de acordo com o seu direito.
Então tem-se que o requisito da injustiça deve ser baseada na conduta de
quem se vale de meios para obter vantagem indevida. Como o agente que
surpreende alguém na prática de um crime e o ameaça a denunciá-lo se não
obter vantagem pecuniária.
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REQUISITOS DA COAÇÃO

d) Deve dizer respeito a dano atual ou iminente: entendido como dano


atual e inevitável. Quando a vítima não puder furtar-se ao dano por meios
próprios, de outrem ou da autoridade pública. Tal iminência não caracteriza
que a ameaça deva realizar-se imediatamente, basta que provoque na vítima,
desde logo, um temor de intensidade suficiente para conduzir sua vontade.

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REQUISITOS DA COAÇÃO
e) Deve constituir ameaça de prejuízo à pessoas ou a bens da vítima ou a
pessoas de sua família: a ameaça pode ocorrer de diversas formas, como
sofrimentos físicos, cárcere privado, tortura, danos patrimoniais (incêndio,
depredação, greve).
A “família” trazida no art. 151, CC deve ser entendida como toda a
extensão de laços familiares: noivos, amigos, empregados... Sendo que o
parágrafo único do mesmo diploma legal, inclusive, amplia a abrangência
para pessoas não ligados pelos laços de amizade, cabendo ao juiz a análise do
caso concreto.

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COAÇÃO EXERCIDA POR TERCEIRO
A coação exercida por terceiros vai viciar o negócio jurídico , caso a parte
que se aproveite tivesse ou devesse ter conhecimento, sendo que a
responsabilidade entre os agentes (terceiro e parte que se aproveitou) será
solidária, art. 154, CC. Assim, a coação só vai viciar o negócio permitindo a
sua anulação se houver uma cumplicidade entre a parte que se beneficiou e o
terceiro.
Em tempo, o art.155, CC faz referencia ao princípio da boa-fé validando o
negócio jurídico quando a coação partiu de terceiro e a parte que se
aproveitou não tinha conhecimento.

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CONCEITO DE LESÃO

A Lesão pode ser compreendida como o prejuízo resultante da enorme


desproporção existente entre as prestações de um contrato no momento de sua
celebração, determinada pela premente necessidade ou inexperiência de uma
das partes.

FÓRMULA: LESÃO = Premente necessidade ou inexperiência (elemento


subjetivo) + onerosidade excessiva (elemento objetivo).

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A LESÃO NO CÓDIGO CIVIL
O Código Civil de 2002 prevê a lesão como modalidade de defeito do negócio jurídico
caracterizado pelo vício do consentimento:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta.
§ 1º Aprecia‐se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em
que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou
se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
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A LESÃO NO CÓDIGO CIVIL
O art. 157 do Código Civil objetiva reprimir a exploração
usurária de um contratante por outro, em qualquer contrato bilateral,
a fim de proteger o lesado.

IMPORTANTE: A desproporção deve ser manifesta! Contudo, a


atitude maliciosa do contratante não é imprescindível para que se
configure a lesão.

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DIFERENCIANDO A LESÃO DOS DEMAIS VÍCIOS
Lesão x Erro: no erro, o agente manifesta a sua vontade ignorando a realidade
ou tendo dela uma falsa ideia. Se a conhecesse ou dela tivesse ideia verdadeira, não
faria o negócio. Na lesão, tal não ocorre, visto que a parte tem noção da desproporção
de valores. Realiza o negócio, mesmo assim, premido pela necessidade patrimonial.

Lesão x Dolo: quando a outra parte induz em erro o agente, mediante o emprego
de artifício astucioso, configura‐se o dolo. Nos negócios comprometi ‐dos pela lesão,
simplesmente aproveita‐se uma situação especial, como de ne‐cessidade ou
inexperiência, não havendo necessidade de que a contraparte indu ‐za a vítima à
prática do ato.

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DIFERENCIANDO A LESÃO DOS DEMAIS VÍCIOS
Lesão x Coação: na coação, a vítima não age livremente. A vontade é
imposta por alguém mediante grave ameaça de dano atual ou iminente. Na
lesão, ela decide por si, pressionada apenas por circunstâncias especiais,
provenientes da necessidade ou da inexperiência.

Lesão x Estado de Perigo: a lesão também distingue‐se do estado de


perigo, em que a vítima ou alguém de sua família corre risco de vida - e não de
dano patrimonial – sendo, no estado de perigo, essencial o conhecimento do
perigo pela contraparte, enquanto na lesão não é necessário que a contraparte
saiba da necessidade ou da inexperiência.
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DIFERENCIANDO A LESÃO DOS DEFEITOS DO NJ
A lesão destaca‐se dos demais defeitos do negócio jurídico por acarretar
uma ruptura do equilíbrio contratual na fase de formação do negócio, ou seja,
desde o seu nascimento.

Também se diferencia da onerosidade excessiva ou cláusula rebus sic


stantibus por caracterizar‐se esta pelo surgimento de fatos supervenientes à
celebração do negócio, possibilitando a invocação da teoria da imprevisão para
embasar a revisão do negócio jurídico.

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ELEMENTOS DA LESÃO

• Elemento objetivo: consiste na manifesta desproporção entre as


prestações recíprocas, geradoras de lucro exagerado no momento da
celebração do negócio;
• Elemento subjetivo, caracteriza-se pela “inexperiência” ou
“premente necessidade” do lesado, circunstâncias que devem estar
relacionadas exclusivamente à contratação do negócio jurídico.

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ELEMENTOS DA LESÃO

ATENÇÃO: A necessidade do contratante de que fala a lei deve estar


relacionada à impossibilidade de evitar o contrato.

Não obstante, importa salientar que uma pessoa pode ser considerada em
estado de inferioridade para certos negócios, em razão de suas próprias
condições pessoais ou de circunstâncias do momento da celebração, e não ser
considerada como tal para outro.

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ELEMENTOS DA LESÃO
A inexperiência deve ser relacionada ao contrato, consistindo na falta de
conhecimentos técnicos ou habilidades relativos à natureza da transação.
Portanto, inexperiência não significa falta de cultura, pois até pessoa
erudita e inteligente, às vezes, celebra contrato sem perceber bem o seu alcance,
por não ser sua atividade comum.
A lei refere-se à inexperiência contratual ou técnica, que se aferirá tanto em
relação à natureza da transação quanto à pessoa da outra parte.

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EFEITOS DA LESÃO
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o
negócio jurídico:

[...]

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou


fraude contra credores.

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EFEITOS DA LESÃO

Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a


anulação do negócio jurídico, contado:

[...]

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do


dia em que se realizou o negócio jurídico;

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EFEITOS DA LESÃO

O Código Civil considera a lesão um vício do consentimento, que torna


anulável o contrato.

O Código Civil faz, porém, uma ressalva (art. 157, §2º): não se decretará a
anulação do negócio “se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito”.

Privilegia, assim, como já mencionado, o princípio da conservação dos


contratos.
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EFEITOS DA LESÃO
O Enunciado nº 291, aprovado na IV Jornada de Direito Civil organizada pelo Conselho
da Justiça Federal, assinala que:

“Pode o lesionado optar por não pleitear a anulação do negócio, deduzindo, desde
logo, pretensão com vistas à revisão judicial do negócio por meio da redução do
proveito do lesionador ou do complemento do preço”.

Assim, o lesionado poderá, desse modo, optar pela anulação ou pela revisão do
contrato, formulando pedido alternativo: a anulação do negócio ou a
redução/complementação do preço.

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EFEITOS DA LESÃO
IMPORTANTE: Mesmo que o autor da ação postule somente a anulação do
contrato, será facultado ao outro contratante ilidir a pretensão de ruptura do
negócio, mediante o referido suplemento, suficiente para afastar a manifesta
desproporção entre as prestações e recompor o patrimônio daquele, salvando a
avença.

Competirá ao juiz decidir se o suplemento foi ou não suficiente para evitar


a perpetuação do locupletamento.

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EFEITOS DA LESÃO
A lesão pode estar presente em todo contrato bilateral e oneroso, que
suscita prestações correlatas, sendo a relação entre vantagem e sacrifício
decorrente da própria estrutura do negócio jurídico.

Por isso, a doutrina majoritária entende que a lesão só ocorre em


contratos comutativos, e não nos aleatórios, pois nestes as prestações
envolvem risco e, por sua própria natureza, não precisam ser equilibradas.

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EFEITOS DA LESÃO

Entretanto, admite-se invocar a lesão nos contratos aleatórios,


excepcionalmente, quando a vantagem que obtém uma das partes é excessiva,
desproporcional em relação à álea normal do contrato no momento da
celebração deste.
Por exemplo: O seguro é um contrato aleatório. O segurador, percebendo a
inexperiência ou necessidade do candidato a segurado, poderia propor seguro
cobrando muito acima do preço que usualmente arbitraria em virtude do risco
que o segurado desejava se precaver. Nesse caso, a lesão poderia ser invocada.

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DIFERENCIANDO A LESÃO DOS DEFEITOS DO NJ

A lesão destaca‐se dos demais defeitos do negócio jurídico por acarretar


uma ruptura do equilíbrio contratual na fase de formação do negócio, ou seja,
desde o seu nascimento.

Também se diferencia da onerosidade excessiva ou cláusula rebus sic


stantibus por caracterizar‐se esta pelo surgimento de fatos supervenientes à
celebração do negócio, possibilitando a invocação da teoria da imprevisão para
embasar a revisão do negócio jurídico.

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LESÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor combate a lesão nas relações de


consumo ao determinar que são nulas de pleno direito as cláusulas que
“estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa‐fé
ou a equidade” (art. 51, IV, e § 1º, III).

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LESÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O art. 39, V, do CDC, por sua vez, considera prática abusiva “exigir do
consumidor vantagem manifestamente excessiva”.

IMPORTANTE: A legislação consumerista, para a caracterização da lesão,


impõe como requisito a desvantagem obrigacional exagerada em detrimento do
consumidor (elemento objetivo), prescindindo do elemento subjetivo ou dolo de
aproveitamento por parte do fornecedor do produto ou serviço, que se pode
dizer presumido.

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CONCEITO DE ESTADO DE PERIGO
O estado de perigo pode ser compreendido como a situação de extrema
necessidade que conduz uma pessoa a celebrar negócio jurídico em que assume
obrigação desproporcional e excessiva.
Contudo, para que tal vício esteja presente, é necessário que a outra parte
tenha conhecimento da situação de risco que atinge o primeiro.

FORMULA: ESTADO DE PERIGO = Situação de perigo conhecido da


outra parte (elemento subjetivo) + onerosidade excessiva (elemento objetivo).
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O ESTADO DE PERIGO NO CÓDIGO CIVIL
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da
necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido
pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do


declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

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EXEMPLOS DE ESTADO DE PERIGO
• Alguém que tem pessoa de sua família sequestrada, tendo sido fixado o valor do
resgate em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Um terceiro conhecedor do sequestro
oferece para a pessoa justamente os dez mil por uma joia, cujo valor gira em torno
de cinquenta mil reais. A venda é celebrada, movida pelo desespero da pessoa que
quer salvar seu familiar.

• Um pai que chega com o filho acidentado gravemente em um hospital e o médico


diz que somente fará a cirurgia mediante o pagamento de R$ 100.000,00. O preço
é pago e a cirurgia é feita, mediante a celebração de um contrato de prestação de
serviços, movido pelo desespero do pai que quer salvar seu filho.
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ELEMENTOS DO ESTADO DE PERIGO
• Uma situação de necessidade: trata-se do fato de o agente estar premido da “necessidade”
de salvar a si mesmo ou pessoa de sua família. É a situação de necessidade que acaba
sendo desfrutada pelo outro contratante e que justifica ou constitui a pretensão anulatória
do negócio jurídico celebrado.

• Iminência de dano atual e grave: o perigo de dano deve ser atual, iminente, capaz de
transmitir o receio de que, se não for interceptado e afastado, as consequências temidas
fatalmente advirão. Se não tiver essa característica, inexistirá estado de perigo, pois haverá
tempo para o declarante evitar a sua consumação.

60
ELEMENTOS DO ESTADO DE PERIGO
• Nexo de causalidade entre a declaração e o perigo de grave dano: a
vontade deve se apresentar distorcida em consequência do perigo de dano,
que não precisa ser concreto. Ou seja, basta que o agente suponha a sua
existência do dano.

IMPORTANTE: Se o dano não é concreto, mas suposto, tal suposição deve


ser do conhecimento da outra parte, uma vez que a certeza de estar em perigo
é, pois, elemento essencial na caracterização desse tipo de defeito.

61
ELEMENTOS DO ESTADO DE PERIGO

• Incidência da ameaça do dano sobre a pessoa do próprio declarante ou de sua


família: o objeto do perigo e da ameaça devem ser os personagens mencionados na lei. O
vocábulo “família” deve este ser interpretado de forma ampla, dado que o juiz irá aferir o
grau de afeição existente, capaz de desvirtuar a vontade e forçar o declarante a praticar o
negócio em condições extremamente excessivas. Aliás, mesmo em se tratando de pessoa
não pertencente à família, pode ocorrer o desvirtuamento da vontade do declarante, desde
que o objeto do possível dano seja pessoa a quem este muito preza. Pode ser, assim, amigo
íntimo, namorado, noivo, colega de trabalho etc...

62
ELEMENTOS DO ESTADO DE PERIGO

• Conhecimento do perigo pela outra parte: no estado de perigo, há, em


regra, um aproveitamento da situação para obtenção de vantagem. O estado
psicológico da vítima, decorrente do temor de grave dano, pode ser a causa do
aproveitamento da outra parte.
Se, no entanto, o que prestou o serviço não sabia do perigo, deve-se presumir
que agiu de boa-fé, não se anulando o negócio e fazendo-se a redução do
excesso contido na proposta onerosa.

63
ELEMENTOS DO ESTADO DE PERIGO
• Assunção de obrigação excessivamente onerosa: é imprescindível que as
condições sejam significativamente desproporcionais, capazes de provocar
profundo desequilíbrio contratual entre as partes.

IMPORTANTE: Somente se configura o estado de perigo quando a obrigação


assumida é excessivamente onerosa. Se razoável, o negócio é considerado
normal e válido. O requisito objetivo dessa onerosidade excessiva há de ser
examinado pelo juiz em cada caso, à vista da situação financeira da vítima, à
época da vinculação.

64
EFEITOS DO ESTADO DE PERIGO
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o
negócio jurídico:

[...]

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou


fraude contra credores.

65
EFEITOS DO ESTADO DE PERIGO
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação
do negócio jurídico, contado:

[...]

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do


dia em que se realizou o negócio jurídico;

66
EFEITOS DO ESTADO DE PERIGO

Mas o que acontece se o negócio jurídico é anulado?

Se o negócio é anulado, o prestador do serviço nada receberia pelo serviço


prestado.

Ocorre que tal situação conduziria ao enriquecimento sem causa da outra


parte, a que se encontrava em estado de perigo.

67
EFEITOS DO ESTADO DE PERIGO

O Enunciado 148 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho


da Justiça Federal, dispõe:

“Ao estado de perigo (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto no § 2º


do art. 157”.

A ideia é a conservação contratual, independente do fato de o prestador de


serviços ter agido com boa ou de má -fé.
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ESTADO DE PERIGO E AS PRÁTICAS ABUSIVAS DO CDC
Para Flávio Tartuce, a comum prática do cheque-caução, exigido muitas vezes quando
da internação de consumidores em hospitais, não configuraria hipótese típica de estado de
perigo, como entende a maior parte da doutrina.

Para o autor, a utilização da teoria do diálogo das fontes e, através dela, a aplicação do
Código de Defesa do Consumidor aos casos propicia solução mais satisfatória aos
consumidores.

Isso porque interpretar as exigências exageradas por hospitais como práticas e cláusulas
abusivas do CDC afastaria o debate acerca da necessária verificação de sacrifício patrimonial
extremo do contratante.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GONÇALVES, Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro: 1 parte geral. 17ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2019.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. Cristiano Chaves de
Farias, Nelson Rosenvald. 16ª ed. ver., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral – v. 1. 15ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2019.

LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – v.1. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

CHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. 2ª edição. São Paulo: Saraiva,
2019.
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