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Vícios da Vontade e da Declaração:

Vícios da Vontade:
Dentro dos vícios da vontade, que correspondem às dificuldades na formação da
vontade, podemos distinguir duas categorias: a falta de vontade e a vontade mal
formada.
Na falta/ausência de verdade o declarante não queria emitir qualquer tipo de declaração,
ou seja, não o queria celebrar, tendo este sido celebrado contra a sua vontade não
existente.
Na vontade mal formada o declarante quis celebrar o negócio, ou poderia querer
celebrar o negócio, mas não nos termos em que foi celebrado.
Falta de vontade:
 Falta de consciência (art.º 246, 1º parte) – A falta de consciência trata-se de
quando o declarante emite uma declaração negocial sem ter a noção de que o
está a fazer ou que será entendida pela outra parte ou terceiros como uma
verdadeira declaração negocial. Assim sendo, é tutelado o interesse do
declarante não produzindo a declaração qualquer efeito, exceto se o declarante
tiver agido com culpa, ficando assim adstrito a indemnizar o declaratário (neste
caso os interesses tutelados são os do declaratário)
 Incapacidade acidental (art.º 257) – Na incapacidade acidental a declaração
negocial é emitida num momento em que o declarante não estava capacitado
para entender o sentido da mesma devido a uma fragilidade momentânea.
Todavia, esta fragilidade tem como requisito ser notória ou conhecida,
utilizando-se aqui a bitola de um homem médio (art.º 487 nº2) não sendo o
comportamento do homem médio censurável porque não lhe seria exigido que
tivesse agido de outra maneira. A consequência é a anulabilidade nos termos do
art.º 287.
 Coação Física (art.º 246 2º parte) – A coação é caracterizada pela falta ou
deformação da vontade devido a uma falta de liberdade do declarante. A coação
física distingue-se da coação moral porque na coação moral pode existir
vontade, ou seja, se o declaratário quiser que não pode fazê-lo, sob pena de lesar
um bem maior. Todavia, o mesmo não acontece com a coação física. A
declaração que ocorre de uma coação física não produz qualquer tipo de efeito,
não existindo sequer uma indemnização.
 Declaração não séria (245º) – A declaração diz-se não séria quando o declarante
a emita sem vontade de fazer um negócio real, tendo esta, um caracter jocoso,
devendo esta ser percebida pelo suposto declaratário. Porém, se a falta de
seriedade não for cognoscível caímos no regime da reserva mental (244). Em
caso de dúvida de se a falta de seriedade seria facilmente entendida, remetemos
para o regime da interpretação do negócio jurídico que está previsto a partir do
art.º 236.
Uma declaração patentemente não séria é nula, não produzindo efeitos.

Milene Costa Gonçalves Félix Luz


Uma declaração patentemente não séria, mas com condicionalismos, ou seja, se
o declaratário pensasse seriamente que a declaração era verdade tem direito a ser
indemnizado, segundo o que resulta do art.º 245/2.
Quando é secretamente não séria estamos no regime da reserva mental onde se
tutela a confiança do declaratário e a declaração impera na falta de vontade do
declarante.
Vontade mal formada:
 Coação Moral (art.º 255) – Uma declaração negocial é feita sobre coação moral
quando é determinada pelo receio de que se lese um mal maior devido a uma
ameaça, sendo a declaração emitida num estado psicológico em que o
declaratário se encontra com medo. Para aferirmos se estamos presentes um caso
de coação moral temos de verificar os seguintes requisitos cumulativamente:
a) A ameaça tem de ser ilícita, afastando assim possíveis receios que
possam surgir pelo exercício normal do direito de outrem.
b) Tem de existir medo “(…) determinada pelo receio de um mal” e a
emissão da declaração tem de ser motivada por esse medo que tem de ser
real, ou seja, se for provocado por um temor reverencial de posição
hierárquica superior não estamos presentes uma coação (255/3). Este
medo tem de ser grave e justificado, porque o medo, per si, é algo
subjetivo.
c) Por força do 255/2 tem de estar me perigo a lesão de um bem maior.
d) Tem de existir um nexo de causalidade entre o medo e a declaração, ou
seja, a declaração, como já foi dito anteriormente, tem de ser
determinada pelo receio de um mal.
Verificados os requisitos cumulativamente, a consequência jurídica que pode
surgir será a anulabilidade e não a nulidade, porque ao contrário da coação
física, na coação moral há espaço para acreditar que houve alguma liberdade,
podendo sempre a parte que agiu sob coação se ter recusado a emitir a
declaração negocial.
 Erro na Vontade (erro vício art.º 251 e 252).
251: A declaração expressa corresponde à vontade interior do declarante, porém a
vontade é formada erroneamente sobre uma falsa representação da realidade,
havendo assim um erro vício.
No que diz respeito ao erro ao erro sobre a pessoa, o erro pode reportar-se sobre a
sua identidade ou as suas qualidades. Contudo, só será relevante quando o elemento
seja essencial e devesse ser conhecida pelo declaratário, aplicando-se
remissivamente o art.º 247.
O erro relativo ao objeto não questiona apenas a identidade do objeto, mas sim as
suas particularidades/qualidades e o seu valor. O erro sobre o futuro do objeto segue
o regime do art.º 252.
252: Erro sobre os motivos – 252/1 – o erro sobre os motivos, mediante a
verificação de dois requisitos cumulativamente é anulável.

Milene Costa Gonçalves Félix Luz


1) A essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual houve uma falsa
representação da realidade;
2) O acordo sobre essa essencialidade.
A essencialidade afere-se de modo a que o declarante não emitiria a declaração
negocial se tivesse um conhecimento correto do elemento sobre o qual recaiu a falsa
representação. Não há nenhuma exigência formal para este acordo, prevalecendo a
liberdade formal que resulta do art.º 219, podendo até mesmo ser tácita.
252/1 – o objeto não está errado, mas sim os motivos.
252/2 – erro sobre as circunstâncias que levaram ambas as partes a contratar. Há
uma falsa representação do ambiente circunstancial envolvente. O vício é originário.
O regime a aplicar é o da anulabilidade.
Dolo
Art. 253o: sugestão ou artifício empregue por uma pessoa sobre outra com o objetivo de
a
induzir em erro.
Implica: 1. Declarante em erro; 2. Erro causado pelo declaratário ou terceiro; 3.
Declaratário causou erro devido ao embuste
• Dolus Malus – envolve elemento objetivo (sugestão ou artificío), subjetivo (intenção
ou consciência) e finalista (de induzir ou manter em erro).
• Dolus Bonus – art.º 253/2: artifícios normais do comércio jurídico (embora a fronteira
seja ténue entre os deveres de informar e as omissões aceitáveis, bem como o dever de
diligência mínima)
Dolo só releva por dupla causalidade: dolo determinante do erro e o erro determinante
do negócio

➢ Anulável com base no 251o ou 252o dependendo do motivo

Vícios na declaração:
Nos vícios na declaração o que ocorre é uma divergência entre a vontade real e a
declaração, ou seja, a vontade expressamente declarada. A vontade negocial forma-se
bem, porém é mal comunicada, podendo os vícios na declaração ser intencionais ou não
intencionais.
Nos intencionais, tal como o próprio nome indica, a vontade é intencionalmente má
comunicada. Tanto a reserva mental como a simulação apresentam uma divergência
entre a vontade e a declaração, sendo esta divergência intencional tendo o intuito de
enganar ou prejudicar.
 Reserva Mental (244) – A declaração é contrária à vontade real com o objetivo
de enganar o outro propositadamente. A reserva mental distingue-se da
declaração não séria, porque na declaração não séria a vontade real não
corresponde à declarada, mas há a expetativa de que a outra parte se aperceba

Milene Costa Gonçalves Félix Luz


disso por ter um caracter jocoso, não havendo assim um intuito negocial. Já na
reserva mental existe o objetivo de enganar o declaratário intencionalmente. Em
suma, sempre que a falta de seriedade não seja conhecida ou cognoscível,
aplicamos o regime da reserva mental.
A reserva mental não prejudica a validade da declaração, ou seja, a declaração
prevalece sobre a vontade do declarante, tutelando-se aqui o declaratário. A
reserva mental partilha com a simulação as mesmas classificações:
Reserva Mental Absoluta – não se quer celebrar o negócio
Reserva Mental Relativa – quer-se celebrar outro negócio que não aquele
Unilateral: uma parte quer enganar a outra
Bilateral: as partes querem enganar-se uma à outra

A declaração negocial é válida porque o Direito não tutela o vício do declarante


que quer enganar outro.

 Simulação (240 e seguintes) – Para termos presente o regime da


simulação, temos de verificar cumulativamente três pressupostos que resultam
do art.º 240/1:
1) Um acordo entre o declarante e o declaratário ao qual se dá o nome
de pacto simulatório
2) Uma divergência intencional entre a declaração e a vontade das
partes
3) Intuito de enganar terceiros
Podemos atribuir diferentes categorizações à simulação, podendo esta ser:
Inocente: tem o intuito de enganar, mas não tem o intuito de prejudicar
Fraudulenta: tem o intuito de enganar e prejudicar
Absoluta: as partes acordam enganar alguém, mas não querem celebrar o negócio (só há
um negócio simulado que é nulo por força do 240/2)
Relativa: as partes acordam celebrar o negócio simulado, mas na verdade querem
celebrar um negócio com características diferentes, sendo este o dissimulado. Ou seja,
há o negócio simulado, que tem uma mera aparência e o real que será, como disse
anteriormente, o dissimulado.
Objetiva: diz-se que a simulação é objetiva quando tem a ver com o conteúdo ou
objeto do negócio
Subjetiva: diz-se que a simulação é subjetiva quando o pacto simulatório tem a ver com
as partes do negócio, é uma interposição fictícia de pessoa.
O simulador alienante é o que dá o bem. O simulador adquirente é o que simuladamente
o adquire.
Na simulação relativa, do que resulta do art.º 241/1, o negócio dissimulado pode ser
válido se estiver tudo nos conformes do regime que lhe seria aplicável sem a nulidade
do negócio simulado.

Milene Costa Gonçalves Félix Luz


Todavia, o nº2 do 241 faz com que surjam dúvidas no que diz respeito aos negócios
formais. Neste sentido temos algumas divergências doutrinárias:
Mota Pinto, Galvão Telles e Horster defendem que se só o simulado respeitar a forma
legal e o dissimulado não, o simulado é nulo por simulação, como nos indica o art.º
240/2 e o dissimulado é nulo por vício de forma. Se existir algum documento com as
contra declarações que provem que o negócio dissimulado não é nulo por vício de
forma, é necessário atender a 3 requisitos, sendo estes: a existência de um documento;
tem de ser proveniente do simulador e o documento escrito tem de ser verosímil.
Antunes Varela, Pires de Lima e Pais Vasconcelos defendem que se o simulado
respeitar a forma legal exigida para o dissimulado, o dissimulado é formalmente válido.
Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes e Oliveira Ascensão defendem que o interprete
deve sempre averiguar a validade do negócio dissimulado, tendo em conta que será um
negócio jurídico completo e autónomo.
OUTRO PROBLEMA DA SIMULAÇÃO: se a forma do negócio dissimulado for mais
exigente do que a forma do negócio simulado, é difícil conservar o primeiro. Todavia,
se o negócio dissimulado com a forma mais exigente for secretamente celebrado,
cumprindo todos os requisitos legais e formais, poderemos conservar esse negócio
porque nele estão contidas as contra declarações, a verdadeira vontade das partes.
PROBLEMA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA (art.º 1091):
Pires de Lima, Antunes Varela e Menezes Leitão – O preferente tem direito a exercer a
preferência pelo valor do negócio simulado.
Doutrina maioritária onde se encontra Menezes Cordeiro – O preferente deve preferir
pelo verdadeiro preço, porque, acorrendo ao espírito da lei, a mesma não quereria dar
um beneficio excessivo ao preferente, a boa fé do mesmo não a justifica.
CONFLITOS ENTRE TERCEIROS:
 ENTRE DOIS SUBADQUIRENTES – Se A e B fizerem um negócio simulado (que será nulo
por força de 240/2) e o simulador adquirente B for vender a C, por sua vez o A, simulador
alienante, vai vender o bem a outro terceiro, o D. Vai haver um conflito entre C e D.
 CONFLITO ENTRE DOIS CREDORES – Quando os simuladores têm ambos credores.
 CONFLITO ENTRE CREDOR E SUBADQUIRENTE

Galvão Telles considera que o interesse dos terceiros de boa fé que confiaram na
simulação deve sempre prevalecer sobre os interesses dos demais.
Castro Mendes e Oliveira Ascensão dizem que a invalidade pode ser invocada por
todos os interessados, exceto os simuladores, que, por lei, estão proibidos de invocar
a nulidade contra terceiros de boa fé (243/1).
INOPONILIDADE A TERCEIROS DE BOA FÉ:
Menezes Cordeiro, onde se inclui a doutrina dominante, sobre o art.º 243/1, afere que o
que a norma quer dizer é que uma pessoa de má fé também não pode invocar o vício,
fazendo assim uma interpretação extensiva.

Milene Costa Gonçalves Félix Luz


Os simuladores, entre si, podem arguir a nulidade da simulação (242/1) e contra
terceiros de má fé, por exclusão de partes do art.º 243/1.
Diz-se de má fé aquele conhece ou deveria conhecer a simulação. Diz-se de boa fé o
terceiro que não conhecia nem deveria conhecer a simulação entre as partes, sendo esta
uma conceção de boa fé subjetiva ética, de acordo com o professor Menezes Cordeiro.

Nas não intencionais não há uma atitude inequivocamente dolosa, mas sim um lapso.
 Erro comum/erro obstáculo/ (247) - há uma formação correta da vontade,
porém, quando a mesma é exteriorizada há um engano na comunicação. Ou seja,
há uma falha grave de tal modo que a declaração não consegue retratar a vontade
do declarante e inadvertidamente consta na declaração algo que não queria
declarar.
A declaração é anulável mediante a verificação dos pressupostos, sendo estes:
1) Essencialidade – ou seja, o elemento sobre o qual o declarante estava em
erro deve ser essencial para a conclusão do negócio e sem este elemento o
declarante não teria emitido uma declaração negocial.
2) Cognoscibilidade – a cognoscibilidade assume um caráter essencial do
elemento do negócio que tem de ser conhecido ou não deve ser ignorado, ou
seja, é necessário que ambas tenham conhecimento que aquele elemento é
essencial.
Há aqui uma tutela do declaratário, a parte em erro tem o ónus de demonstrar a
essencialidade e a cognoscibilidade do elemento.
Se se proceder à anulação, há dever de indemnizar.
O art.º 248 estabelece a validação do negócio, ou seja, há possibilidade de se
sanar o vício, aproveitando-se assim o negócio jurídico. O que quero dizer com
isto é que o negócio se pode convalidar se o declaratário aceitar o negócio como
o declarante originalmente o queria, prevalecendo sempre a vontade real deste
último.
 Erro de cálculo ou de escrita (249) – É objetivamente comprovável através da
própria declaração, sempre que se o poder demonstrar não faz sentido anular-se,
devendo esta ser retificada.
 Erro na transmissão da declaração (250) – O erro na transmissão da declaração
toma lugar quando a declaração é mal transmitida por um terceiro, ou seja, não
há uma direta comunicação do declaratário ao declarante. É anulável remetendo
para o 247. Todavia, se este erro na transmissão da declaração for devido a uma
conduta dolosa do intermediário, a declaração é sempre anulável, havendo aqui
uma tutela do declarante.

Milene Costa Gonçalves Félix Luz

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