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FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA

Ano letivo de 2020/2021


DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame escrito (Época Coincidências) (duração: 90 minutos)
29 de junho de 2021/Professor Doutor José Luís Ramos

Tópicos de Correção

I
Em março de 2015, Armindo encontrava-se a viajar no expresso Lisboa-Faro
quando encontrou uma pedra preciosa dentro da bolsa traseira do Banco. Armindo
guardou-a discretamente, tendo, logo que chegou a Faro, perguntado ao seu amigo, o
Bruno, dono de uma casa de penhor, que tipo de pedra era aquela. Após analisar, Bruno
disse-lhe que era um mineral muito valioso, nomeadamente uma esmeralda rara. Bruno
combinou então com António que este vendesse a pedra preciosa na sua loja, ficando
este último com 10% da venda. De forma a promover a venda, Bruno decide colocar a
esmeralda num anel de ouro. O conjunto acabou por ser vendido em julho de 2015, a
Catarina. Em janeiro de 2021, Catarina é surpreendida por Diana, que reconhece a sua
esmeralda, pedindo-a de volta. Catarina recusa-se a devolvê-la, aduzindo os seguintes
argumentos: (i) que o comprou a um legítimo comerciante; (ii) que já não estava mais em
causa apenas a esmeralda, mas sim um anel com uma gema; (iii) que já detinha a
esmeralda há muito tempo e, por isso, Diana já não tinha direitos sobre a pedra preciosa.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)

- Forma de aquisição da posse de A, que se deu por via do esbulho (não sendo previsto,
expressamente, ainda assim, este modo de aquisição possessória pode ser retirado dos
artigos 1278.º a 1282.º)); a aquisição por via do esbulho deverá ser mantida,
independentemente de se defender que D perdeu a posse, uma vez que A não cumpre
com os requisitos do artigo 1323.º, n.º 1 e 2, excluindo-se, por conseguinte, a aplicação
deste regime; classificação da sua posse, em especial, discutindo se a mesma é pública
ou oculta.
- B é apenas detentor (artigo 1253.º, c)). Embora a sua detenção lhe atribua tutela
possessória (artigo 670.º, a)), a mesma não constitui posse.
- C adquire a posse do anel com a esmeralda por tradição material da coisa (artigo
1263.º, b)); classificação da sua posse; C não adquire, porém, o direito real de
propriedade sobre a esmeralda, pois constitui uma venda de bens alheios (artigo 892.º).
- D é, aparentemente, titular do direito real de propriedade sobre a esmeralda; discutir se
a posse de D se extingue por perda (artigo 1267.º, b)), configurando a situação como
sendo correlativa com a aplicação do regime das coisas perdidas e esquecidas (artigo
1323.º) ou, pelo contrário, aplicando esta causa de extinção num sentido restrito, uma vez
que D poderia, ainda, encontrar a coisa, tendo em conta a factualidade do caso concreto,
e, aplicando-se, assim, o artigo 1267.º, d).

2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados por


Catarina a Diana. (4,5 v)

- Como primeiro argumento apresentado por C, está em causa a aplicação do artigo


1301.º. Esta disposição é aplicável no presente caso (naturalmente, apenas à esmeralda),
dado que C, além de ter celebrado um contrato de compra e venda com um comerciante
que tem uma casa de penhor – B -, estava de boa-fé no momento da aquisição. Com
efeito, nos termos desta disposição, D deverá restituir o preço que C deu pelo bem, tendo
direito de regresso contra A.
- O segundo argumento está relacionado com a eventual acessão industrial mobiliária
(artigos 1338.º e seguintes) levada a cabo por B, in casu, na modalidade de confusão e a
favor de B, já que foi este que reuniu os dois objetos. Porém, a reunião levada a cabo por
B não preenche um pressuposto essencial deste regime, que consiste em não ser
possível reverter as coisas ao estado de separação.
- Como terceiro argumento, C invoca a usucapião (artigos 1287.º e seguintes); referir
requisitos (em especial, a invocação) e efeitos deste tipo de aquisição originário de
direitos reais; in casu, os requisitos estavam preenchidos, pois C estava de boa-fé,
aplicando-se o prazo de três anos (artigo 1299.º).

3) Imagine que Armindo também intervém na contenda, argumentando ainda que a


forma como tinha encontrado a pedra preciosa era como se houvesse encontrado uma
concha na praia ou um tesouro muito valioso. O que responderia? (2,5 v.)

- A parece invocar, em abstrato, a aplicação do regime jurídico dos tesouros, presente no


artigo 1324.º.
- Porém, a fattispecie da norma não se encontra preenchida no presente caso, pois a
coisa não estava escondida ou enterrada;
- Finalmente, ainda que o regime jurídico fosse aplicável em abstrato, A não beneficiaria
do mesmo, pois, nos termos do artigo 1324.º, n.º 2, o achador deve anunciar o achado
nos termos do n.º 1 do artigo 1323.º (exceto se fosse evidente que a coisa estava
escondida ou enterrada há mais de 20 anos) (artigo 1324.º, n.º 2), perdendo, em benefício
do Estado, os direitos conferidos (artigo 1324.º, n.º 3).

II
Em janeiro de 2010, Francisco herda um monte alentejano que decide entregar a
Guilherme no mês seguinte, para que este proceda à respetiva manutenção e
rentabilização da forma que entender adequada. Guilherme reserva uma parte do monte
para fazer plantações agrícolas, comercializando os respetivos frutos e em fevereiro de
2010, cede outra parte a Hugo, para que este aí construa e explore um alojamento
destinado a turismo rural, o que não comunica a Francisco por considerar desnecessário.
Em março de 2021, Guilherme morre e Francisco vende o monte a Inês. Em maio do
mesmo ano, Inês muda-se para o monte e depara-se com a presença de Hugo, exigindo
que este abandone a propriedade, exibindo-lhe a escritura e o comprovativo do registo.
Hugo recusa-se, atendendo ao tempo decorrido entretanto, bem como ao montante por si
despendido na construção do alojamento.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Identifique e caracterize os negócios jurídicos celebrados entre Francisco e


Guilherme e entre Guilherme e Hugo. (3 v)
- Regime do direito de propriedade a propósito do direito de F, bem como distinção entre
propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º).
- Regime do usufruto (artigos 1439.º e ss.) / superfície (artigos 1524.º e ss.) e discussão
sobre o princípio da tipicidade (artigo 1306.º), a propósito do direito de G. e do negócio
jurídico por este celebrado com F.
- Regime da superfície (artigos 1524.º e ss., em especial artigo 1534.º) a propósito do
direito de H e análise da validade do negócio jurídico, em função da caraterização do
direito de G.
2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados por
Hugo e por Inês. (3 v)
- Aquisição, conservação e caraterização da posse de H e I (artigos 1251.º, 1257.º, 1258.º
a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º).
- Regime da propriedade a propósito do direito de I, bem como distinção entre
propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º, 408.º, n.º 1).
- Possibilidade de aquisição da propriedade plena a favor de I através do registo,
mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das teses doutrinárias (artigos 5.º,
1.º, 2.º, n.º 1 a), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º CRP) e (im)possibilidade de
aquisição da superfície a favor de H através da usucapião (artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º,
1292.º, 303.º e 1296.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, obrigatoriedade, prioridade,
legitimação e trato sucessivo), bem como aos princípios e caraterísticas dos direitos reais
(tipicidade, elasticidade, publicidade, boa-fé, inerência e prevalência).
- Análise da aplicação do regime das benfeitorias úteis (artigos 216.º, 1273.º/1275.º) ou da
acessão industrial imobiliária (artigos 1340.º/1341.º), mediante verificação dos requisitos
legais e aplicação das teses doutrinárias, em função da caraterização do direito de H.

III (4 v.)

Comente, de forma fundamentada, a seguinte frase:

“O regime do tesouro oscila entre uma necessidade de autonomia e o seu declínio”.

- As especificidades do regime jurídico do tesouro mereceu, segundo alguns, a defesa


da sua autonomia, perante o achamento.
- Por outro lado, em face do regime aquisitivo prescrito no artigo 1324º CC, existe grande
desajustamento perante a realidade actual. Tendo em conta, sobretudo, o regime dos
bens arqueológicos e dos bens culturais.
- Por isso, certa doutrina aludiu ao decaimento e esvaziamento tesouro e, em
consequência, à urgente necessidade de revisão daquele preceito do Código.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2020/2021
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame escrito (Época especial) (duração: 90 minutos)
7 de setembro de 2021/Professor Doutor José Luís Ramos

Tópicos de correção

I (10 valores)
Em fevereiro de 2010, Alberto e Bruno adquiriram por compra e venda um terreno
a Carlos, na região de Santarém. O facto jurídico aquisitivo foi devidamente registado.
Em janeiro de 2011 Bruno falece, fazendo com que Alberto assuma o controlo dos
negócios da quinta. Nos anos seguintes, Alberto procede à construção de dois casões
para armazenar máquinas agrícolas, bem como de uma piscina. Em janeiro de 2021,
Alberto é surpreendido por Daniel filho de Bruno, que reclama ser, igualmente,
possuidor e comproprietário do terreno, referindo que todos os atos práticos por Alberto
eram inválidos, pois não tiveram a sua anuência. Alberto contrapõe dizendo ter sido o
único a preocupar-se com o terreno desde a morte de Bruno, sendo que ao fim destes
anos será ele o único proprietário.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)

- Forma de aquisição do direito real (artigos 1316.º e 1317.º, a)), em regime de


compropriedade (artigos 1403.º e seguintes). A e B tornam-se, igualmente,
compossuidores (pluralidade de posses nos termos de um direito com a mesma natureza)
da coisa nos termos da compropriedade, aparentemente, por via do constituto
possessório (artigos 1263.º, c) e 1264.º); classificação da posse; a composse está
relacionada também às situações de comunhão de direitos reais (artigo 1404.º); nos
termos do artigo 1406.º, n.º 2, o uso da coisa comum por um dos comproprietários não
constitui posse exclusiva. C perde a posse (artigo 1267.º, n.º 1, c))
- Princípios e efeitos do registo do facto aquisitivo.
- Eventual sucessão da posse de C (artigo 1255.º); explicar em que consiste,
nomeadamente a questão de constituir uma sucessão jurídica e estarmos perante um
fenómeno de desmaterialização do corpus. Porém, a resposta depende da questão de
saber se A inverteu o título da posse.

2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados por


Daniel e Alberto. (4 v)

- A parecer invocar uma posse exclusiva e, consequentemente, a aquisição por usucapião


(referir requisitos: artigos 1287.º e seguintes). Conforme já vimos, nos termos do artigo
1406.º, n.º 2, o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse
exclusiva. Porém, a última parte desta norma estabelece uma exceção a esta regra,
nomeadamente se tiver existido inversão do título da posse (artigos 1263.º, d) e 1265.º);
porém, tal parece não ter sucedido, dado que o artigo 1406.º, n.º 2 não terá lugar pelo
mero uso excessivo por parte de um dos compossuidores; A teria, de qualquer forma,
invertido o título da posse quando, em janeiro de 2021, comunicou a D que era
proprietário exclusivo.
- D seria, assim, comproprietário (artigos 1316.º e 1317.º b)) e compossuidor (artigo
1255.º).
- Quanto ao argumento apresentado por D, respeitante à invalidade das ações tomadas
por A devido à falta de consentimento, é relevante referir que o artigo 1406.º, n.º 1, estatui
que cada consorte pode, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, usar a mesma,
desde que para tal não empregue para fim diversos daquele que a coisa se destina, nem
prive os outros consortes do uso a que têm direito (restrição funcional).
- Porém, in casu, os atos praticados por A correspondem a atos de administração. Neste
âmbito, não existindo convenção expressa, como era o caso, o n.º 1, artigo 1407.º remete
para o artigo 985.º (regras do contrato de sociedade), referindo que os comproprietários
dispõem de igual poder para administrar a coisa (regime da administração disjunta); de
acordo com este regime, D pode opor-se aos atos de administração de A (artigo 985.º, n.º
2 ex vi artigo 1407.º, n.º 1); tendo os atos já sido praticados, a oposição que seja
procedente tornará os atos ineficazes em relação ao outro comproprietário, aplicando-se,
por analogia, o artigo 1407.º,n.º 3; contudo, tratando-se atos materiais e não jurídicos, a
sanção correspondente terá de consistir na restituição da coisa ao seu estado anterior e
não na invalidade dos atos; poderá, ainda, haver lugar a indemnização por danos (artigo
1407.º, n.º 3, última parte).

3) Tendo em conta os investimentos realizados no terreno, poderia Alberto reclamar a


titularidade singular do direito de propriedade? Em que termos? (3 v.)

- A junção de duas coisas corpóreas, cuja titularidade não pertence ao mesmo titular,
pode suscitar a questão da aquisição por acessão (forma de aquisição originária: artigos
1316.º e 1317.º, d)); in casu, a acessão industrial imobiliária (artigos 1339.º e seguintes);
referência aos requisitos.
- Não existindo autorização, a situação reportar-se, de qualquer forma, ao artigo 1341.º.
Em determinadas situações, a transformação, por um dos comproprietários, do terreno
comum, que diz respeito ao seu interesse exclusivo, sem autorização, pode implicar a
aplicação das regras da acessão; porém, como vimos, parece não ter existido inversão do
título da posse, pelo que as regras de acessão não se aplicariam, tendo em conta que a
titularidade pertence a ambos os sujeitos.

II (6 valores)
Alda, titular de uma unidade de alojamento, num empreendimento de turismo rural, no
Douro Vinhateiro, escreveu uma carta ao administrador daquela entidade, nos seguintes
termos:
a) Deixará de pagar a prestação periódica, no fim do mês de Dezembro de 2021, se até lá
não for reparada a canalização da cozinha do apartamento que utiliza durante o mês de
Setembro.
b) Como também é titular da unidade de alojamento contígua, declara ir abrir, de imediato,
uma porta de comunicação, entre os dois apartamentos, que funcionará durante cada
mês de Setembro.
c) Mais declara que, em 2022, irá viajar durante os meses de Agosto e de Setembro. Por
isso, pretende utilizar as unidades de alojamento em Outubro, por troca com o respectivo
usuário
d) Porque pondera a hipótese de alienar as duas unidades de alojamento em 2023, data
previsível do fim da construção da moradia que mandou edificar, a alguns quilómetros de
distância, vem, desde já, dar preferência, nos termos contratuais, declarando que as irá
transmitir a Bento, pelo preço global de X.
Quid Juris?

- Em primeiro lugar, haverá que discutir se estaremos perante um direito real. Em caso
positivo, qual?
- Na verdade, não basta a existência de uma unidade de alojamento, integrada num
empreendimento turístico para estarmos defronte de um direito real de habitação
periódica (Decreto-Lei nº 275/93 de 5 de Agosto, republicado pelo nº 37/2011 de 10 de
Março).
- Em segundo, será necessário ter em conta a especialidade do objecto, como decorre
dos artigos 4º e 5º.
-Se essas condições não estiverem reunidas, suscita-se a questão de uma posse relativa
ao DRHP, mas não da titularidade de um verdadeiro DRHP.
- Ou ainda da eventual existência de um direito real de condomínio, caso a unidade
estivesse em regime de propriedade horizontal.
- O pagamento da prestação é a principal obrigação do utente, constituindo uma
obrigação real ou um ónus real.
-A falta de pagamento das prestações também integra a alínea d) do artigo 46 do CPC,
nos termos do nº 2, do artigo 23º.
- Além de que a falta de pagamento da prestação periódica, permite uma oposição ao seu
exercício por parte do proprietário, nos termos do nº 3 do artigo 23º.
- Por conseguinte, não parece que a cessação de pagamento, por parte de A, seja
admissível.
-Se a ligação entre fracções é admissível no regime do direito de condomínio, não parece
admissível no DRHP, atento o teor do artigo 28º.
- Quanto à troca do período de utilização, cumpre saber se o período de tempo foi
determinado ou é determinável, em cada ano, de acordo com os números 2 e 3 do artigo
3º. Além da eventual existência de um acordo com o outro utente.
-Ao invés do direito de superfície o proprietário do empreendimento não goza do direito de
preferência na venda ou dação em cumprimento dos direitos parcelares de habitação
periódica. Aliás, como recorda Mónica Jardim, se esta matéria é omissa no diploma
actual, a anterior Decreto-Lei nº 130/89 regulava esta matéria no artigo 13º.

III (4 v.)

Comente, de forma fundamentada, a seguinte frase:

“O uso normal do prédio não pode sofrer restrições de terceiros”.

a) As relações de vizinhança impõem, naturalmente, restrições ao uso normal do prédio


por um seu titular (possuidor, proprietário, etc)
b) As relações de vizinhança não constituem relações de natureza contratual, mas antes
assumem uma natureza de imperativa obrigatoriedade legal.
c) A relação de vizinhança não se limita à titularidade de dois prédios contíguos.
d) Logo, o uso normal do prédio pode sofrer restrições, em virtude da fruição de prédio
vizinho.
e) No tocante ao prejuízo substancial para o uso do imóvel, interessa apreciar a natureza
e a finalidade do prédio que sofre as emissões.
f) Por exemplo, a importância do ruído ou do fumo será avaliada de modo diferenciado,
conforme o prédio vizinho for uma clínica, um monumento ou um jardim.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2020/2021
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame escrito (duração: 90 minutos)
23 de junho de 2021/Professor Doutor José Luís Ramos

Tópicos de correção

I
Em janeiro de 2005, Ana e Bruno receberam de doação um pequeno iate
que se encontrava na marina de Portimão. Como Bruno se encontrava fora, Ana
utilizou sempre o iate a seu belo prazer, realizando, inclusive obras de restauro sem
qualquer autorização de Bruno. Em maio de 2021, Bruno envia uma carta a Ana,
sugerindo-lhe vender a “parte dele do iate”. Ana responde dizendo que, ao fim
destes anos, Bruno já não tem quaisquer direitos sobre o bem, sendo ela
proprietária exclusiva. Bruno, chateado com a situação, decide transmitir a sua
quota a Carlos, em troca de um BMW usado, não informando disso Ana.

Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3,5 v)


- Classificar a forma de aquisição do direito real de A, B e, mais tarde, de C.
- A e B são proprietários sobre a mesma coisa, dispondo, cada um, de uma quota
ideal (compropriedade); o direito do comproprietário recai sobre coisa indivisa.
- Regime da compropriedade (artigos 1403.º e ss.), em especial artigos 1403.º,
1405.º, 1406.º, 1407.º e 1411.º.
- Forma de aquisição da posse: atenta a factualidade descrita, a mesma parece ser
adquirida através de constituto possessório, excluindo-se a traditio (artigo 1263.º,
b)), pois nada nos é dito se houve entrega. Ademais, B encontrava-se “fora”. De
qualquer modo, valorariza-se a sub-hipótese de um dos co-possuidores adquirir por
traditio, havendo entrega, em seu nome e de B; classificação a posse de A e B (são
compossuidores), excluindo-se a posse de C (a não ser que se admita que adquiriu
através de constituto possessório (artigo 1263.º, c) e artigo 1264.º).
- Aplicabilidade do nº 2 do artigo 1406º CC. Os comproprietários têm posse da coisa.
Porém, a posse não pode exceder a correspondência à sua quota. No entanto,
defende-se a suscetibilidade de adquirir posse exclusiva de uma parte da coisa,
mediante inversão do título. Por conseguinte, A teria invertido o título da posse
quando, em Maio de 2021, comunicou a B que era proprietária exclusiva

2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados


por Ana contra Bruno? (3,5 v)
- A invoca a usucapião (artigos 1287.º e ss.).
- Referir requisitos (em especial, a invocação) e efeitos deste tipo de aquisição
originário de direitos reais.
- Caso se entenda que A inverteu o título da posse há, pelo menos dez anos, haverá
prazo para adquirir através da usucapião, tornando-se A proprietária singular (in
casu, 10 anos, de acordo com o artigo 1298.º).
3) Poderia Bruno ter transmitido a sua quota a Carlos? (2 v.)
- Apesar da permissão presente no artigo 1408.º, n.º 1, primeira parte, nos termos do
artigo 1409.º, n.º 1, o comproprietário, aparentemente, goza do direito de preferência
real (direito real de aquisição) e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no
caso de venda ou dação em cumprimento a estranhos da quota.
- Aplicação dos artigos 416.º a 418.º e artigos 1028.º e ss., do CPC (em especial,
comunicação do projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato) (artigo
1409.º, n.º 2).
- Com efeito, A pode intentar ação de preferência (artigo 1410.º).
- Porém, discutir se o contrato de permuta pode enquadrar o conceito de “venda”, do
artigo 1409.º, n.º 1.
- Não obstante, B poderia ter transmitido a sua quota a C, caso o direito de
preferência não fosse exercido.

II
Em março de 2005, Diana adquiriu um apartamento, que decidiu usar como espaço
de trabalho; porém, em fevereiro de 2010, é surpreendida com uma deliberação
aprovada no mês de janeiro transato em assembleia de condóminos, nos termos da
qual as frações apenas podem ser usadas para fins exclusivamente habitacionais.
Em junho de 2011, acaba por vender o apartamento a Emília, que de imediato se
instala com o seu marido Francisco, embora não proceda ao registo. Em janeiro de
2015, Francisco e Emília divorciam-se, ficando Francisco com o direito a
permanecer no apartamento. Em junho de 2021, Diana, tomando conhecimento que
o apartamento ainda se encontra inscrito no registo a seu favor, vende-o a
Guilherme, que de imediato o regista. Emília opõe-se a Guilherme dizendo ser a
proprietária do apartamento atento o decurso do tempo e a atitude pouco cordata de
Diana; enquanto Francisco afirma que, independentemente de quem seja o
proprietário, tem direito a viver no apartamento.

Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Poderia Diana reagir contra a deliberação da assembleia de condóminos? Em


caso afirmativo, em que termos e condições? (3,5 v)
- Regime da propriedade horizontal (artigos 1414.º e ss.).
- Objeto e conteúdo do direito de propriedade (artigos 1302.º e 1305.º).
- Uso ou fim da fração autónoma, estipulação no título constitutivo, autorização da
assembleia de condóminos, propriedade exclusiva da fração e limitações ao
exercício dos direitos, em especial aplicação dos artigos 1418.º, 1420.º e 1422.º.
- Convocação e funcionamento da assembleia de condóminos, deliberações da
assembleia de condóminos e respetiva impugnação, em especial aplicação dos
artigos 1430.º, 1431.º, 1432.º e 1433.º.
- Intervenção e competência da assembleia de condóminos em matérias de
interesse geral do condomínio, para além das partes comuns, designadamente
possibilidade de deliberações deste órgão sobre matérias respeitantes às frações
autónomas, considerando as limitações ao direito de propriedade incidentes sobre
as frações autónomas de um edifício submetido a propriedade horizontal.
2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados
por Emília e Francisco? (3,5 v)
- Aquisição, conservação e caraterização da posse de E e F (artigos 1251.º, 1257.º,
1258.º a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º).
- Regime da propriedade a propósito do direito de E, bem como distinção entre
propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º, 408.º, n.º 1).
- Regime do direito de habitação (artigos 1484.º e ss.) / usufruto (artigos 1439.º e
ss.), a propósito do direito de F.
- Possibilidade de aquisição da propriedade a favor de G através do registo,
mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das teses doutrinárias (artigos
5.º, 1.º, 2.º, n.º 1 a), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º CRP) e
(im)possibilidade de aquisição da propriedade a favor de E e da propriedade /
habitação / usufruto a favor de F através da usucapião (artigos 1287.º, 1288.º,
1289.º, 1292.º, 303.º e 1296.º),
- Referência aos princípios do registo predial (instância, obrigatoriedade, prioridade,
legitimação e trato sucessivo), bem como aos princípios e caraterísticas dos direitos
reais (tipicidade, elasticidade, publicidade, boa fé, inerência e prevalência).

III

Comente, de forma fundamentada, a seguinte frase (4 v.):

“A deriva expansionista do registo predial restringe os efeitos possessórios”.

-A deriva expansionista surge a propósito da dispensa de requisitos estruturantes do


efeito atributivo do registo predial, como por exemplo, a onerosidade e a boa-fé.
-A aceitar tais pressupostos, o efeito atributivo constituiria um prémio a um
comportamento desviante e lesivo da tutela de outrem.
-A tentativa de sobrevalorizar a aquisição registal entra em confronto com a
usucapião e a posse.
- Com efeito, Mouteira Guerreiro escreve que o efeito aquisitivo da posse se
encontra desajustado.
-Em conformidade, a frase enunciada poderia ser interpretada à luz daqueles
erróneos pressupostos.
-Contudo, como alega Vassalo e Abreu, a postura de Mouteira Guerreiro é
iconoclasta, carece de base legal e tenta subverter a nossa ordem jurídica
imobiliária.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA

Ano letivo de 2020/2021


DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame escrito (duração: 90 minutos) – Tópicos de Correção
23 de julho de 2021/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Em julho de 2010, Ana, proprietária de um terreno em Alcácer do Sal, decide
constituir, a favor de Bruno, um usufruto pelo período de 30 anos. Nos termos do
contrato, ficaria vedado a Bruno trespassar a sua posição jurídica a terceiros,
podendo, porém, alterar o aproveitamento económico do terreno, que era, à data,
utilizado para a cultura do arroz. Bruno, que tomou posse imediata do terreno,
procedeu à transformação do mesmo para a cultura da batata-doce, bem como à
oneração de uma parcela deste a Carlos pelo período do usufruto, ficando
estabelecido, contratualmente, que o contrato teria eficácia real.
Em fevereiro de 2021, após o falecimento de Ana, o seu legítimo herdeiro,
Daniel, envia uma carta a Bruno, declarando que o contrato era inválido tendo em
conta dois fundamentos: (i) falta de forma legalmente exigida, uma vez que o
contrato de usufruto tinha sido celebrado, unicamente, por escrito particular; (ii)
violação das regras imperativas do regime de usufruto. Bruno contradita, referindo a
que a falta de validade do contrato não se aplica no presente caso, dado que está há
muito tempo na posse do terreno. Adicionalmente, Bruno refere que a alteração
para a cultura da batata-doce foi prevista contratualmente e que tal não viola as
regras do usufruto, pois ficou estabelecido que, no final do contrato, Bruno colocaria
o terreno no estado em que se encontrava anteriormente.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (4 v)

- A, titular do direito real de propriedade sobre o terreno em Alcácer do Sal, onerou a


coisa por via da constituição de um usufruto a favor de B. A é, igualmente,
possuidora; caracterização e classificação (presumida) da sua posse.
- B torna-se usufrutuário por via contratual: caracterização, limites negativos e
duração (temporária) (artigos 1439.º, 1440.º, 1443.º, 1445.º e 1446.º). Em especial,
a cláusula que vedava o trespasse do usufruto era válida, à luz do artigo 1444.º.
Quanto à cláusula que autorizava B a alterar o aproveitamento económico do
terreno, discute-se se esta seria válida, atendendo a dois limites que caracterizam o
usufruto, nomeadamente o respeito pela forma e substância (artigo 1439.º) e o
respeito pelo destino económico (artigo 1446.º).
- B torna-se, igualmente, possuidor nos termos do seu direito de usufruto (e detentor
nos termos do direito de propriedade (artigo 1253.º, c)); caracterização e
classificação da posse; forma de aquisição: aparentemente, por via da tradição
(artigo 1263.º, b)). A posse de B irá conviver com a posse de A (sobreposição de
posses, sem conflito)
- O contrato celebrado entre B e C cabe nos poderes do usufrutuário, que tem
poderes de oneração, que podem ser limitados pelo título constitutivo, o que não foi
o caso. Estes poderes de oneração têm como limite a duração do usufruto, o que
também é respeitado (pode-se retirar do artigo 1460.º, n.º 2, que apesar de dizer
respeito à servidão, o seu enunciado pode ser aplicado a qualquer oneração por
parte do usufrutuário). C parece ser apenas detentor (artigo 1253.º, c)).
- D adquire o direito real de propriedade por sucessão por morte (artigos 1316.º e
1317.º, b)). Torna-se, igualmente, possuidor (artigo 1255.º).

2) Tendo em conta os argumentos apresentados por Bruno e Daniel, quem tem


razão? (3,5 v)

- Quanto aos argumentos de D, o primeiro é verdadeiro, uma vez que a aquisição de


direitos reais se dá, unicamente, quando o facto jurídico respetivo for eficaz
(princípio da causalidade). Sendo o negócio translativo de constituição de usufruto
inválido, esta circunstância atinge, igualmente, a eficácia real. Em termos formais, o
contrato de constituição de usufruto poderia ser celebrado por escritura pública ou
por documento particular autenticado (o artigo 22.º, a), do Decreto-Lei n.º 116/2008,
de 4 de julho). No que diz respeito ao segundo argumento, conforme referimos na
primeira questão, discute-se se esta cláusula seria válida, atendendo a dois limites
que caracterizam o usufruto, nomeadamente o respeito pela forma e substância
(artigo 1439.º) e o respeito pelo destino económico (artigo 1446.º); expor, com
sentido crítico, as diversas posições doutrinárias sobre esta questão, em especial as
posições assumidas por Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro, Menezes Leitão e
José Alberto Vieira. Expor posição da Regência, que, no âmbito desta dicotomia,
admite apenas como limite principal o respeito pelo destino económico da coisa,
uma vez que o respeito pela forma e substância é dificilmente conciliável com o
poder de transformação do usufrutuário. Não obstante, o limite pelo destino
económico pode ser ultrapassado por acordo entre as partes, acordo esse que
parece ser válido, inclusive o respeitante à devolução da coisa no estado em que se
encontrava (segundo argumento de B), ainda que, pela exclusividade do direito de
usufruto, a coisa não tenha de ser entregue, exatamente, no estado em que se
encontrava.
- Quanto ao primeiro argumento de B, este parece invocar que adquiriu o direito
correspondente à sua posse (usufruto temporalmente limitado a 30 anos) por
usucapião: requisitos da usucapião (artigos 1287.º e ss.). Aparentemente, não havia
registo (sendo, ainda, a sua posse não titulada), pelo que não teria existido
aquisição por via da usucapião (artigo 1296.º).

3) Imagine que, entretanto, Carlos intervém no litígio, declarando que, a cláusula do


seu contrato assegura a oponibilidade da sua posição contra Bruno e Daniel. Quid
iuris? (2 v.)

- Referir o princípio da tipicidade como princípio estruturante dos Direitos Reais:


caracterização e explicação sobre o conteúdo do artigo 1306.º. Este princípio afasta,
assim, o relevo do acordo entre as partes, impondo-se, assim, a qualquer cláusula
que imponha a natureza real ao direito constituído, ainda que o intérprete deva
verificar, em concreto, se determinada situação jurídica se pode qualificar como
direito real (o que pode levar à qualificação como real, se, por exemplo, estivermos
perante um contrato de locação).
II
Em janeiro de 2005, Eduardo e Francisca adquirem, conjuntamente, um
apartamento num prédio composto por cinco apartamentos autónomos, todos
destinados a habitação. O apartamento foi adquirido pelo valor total de €
500.000,00, tendo Eduardo suportado € 350.000,00 e Francisca € 150.000,00.
Apenas Eduardo procedeu ao registo; Francisca não o fez por considerar que seria
suficiente o registo efetuado por Eduardo.
Em fevereiro de 2010, Eduardo vende o apartamento a Guilherme, em
virtude de Francisca usar o apartamento a maior parte do tempo a seu bel-prazer e
da deliberação da assembleia de condóminos que proibiu a presença de animais de
estimação nos apartamentos.
Em março de 2021, Guilherme, que vivia no Brasil, volta definitivamente para
Portugal e dirigindo-se ao apartamento, depara-se com a presença de Francisca,
que afirma ser a única proprietária do apartamento por nele permanecer a título
exclusivo há mais de dez anos, ao que Guilherme contrapõe o registo da
propriedade plena e exclusiva do apartamento efetuado logo imediatamente a seguir
ao negócio celebrado com Eduardo.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Poderia Eduardo reagir quanto ao uso do apartamento e à deliberação da


assembleia? Em caso afirmativo, em que termos e condições? (3,5 v)

- Objeto e conteúdo do direito de propriedade (artigos 1302.º e 1305.º).


- Regime da compropriedade (artigos 1403.º e ss.).
- Direitos dos comproprietários qualitativamente iguais, embora possam ser
quantitativamente diferentes, apesar da presunção de igualdade quantitativa das
quotas (e possibilidade da sua ilisão), em especial aplicação do artigo 1403.º, n.º 2.
- Exercício conjunto dos direitos pelos comproprietários e participação nas
vantagens e encargos da coisa em proporção das quotas, em especial aplicação do
artigo 1405.º, nº 1.
- Uso da coisa comum por qualquer comproprietário, salvo acordo contrário, com
respeito pelo fim a que a coisa se destina e pelo uso dos demais comproprietários,
em especial aplicação do artigo 1406.º e ainda, administração da coisa comum, em
especial aplicação do artigo 1407.º.
- Regime da propriedade horizontal (artigos 1414.º e ss.).
- Propriedade exclusiva da fração, compropriedade das partes comuns do edifício e
limitações ao exercício dos direitos, em especial aplicação dos artigos 1418.º, 1420.º
1421.º e 1422.º.
- Convocação e funcionamento da assembleia de condóminos, deliberações da
assembleia de condóminos e respetiva impugnação, em especial aplicação dos
artigos 1430.º, 1431.º, 1432.º e 1433.º.
- Intervenção e competência da assembleia de condóminos em matérias de
interesse geral do condomínio, para além das partes comuns, designadamente
possibilidade de deliberações deste órgão sobre matérias respeitantes às frações
autónomas, considerando as limitações ao direito de propriedade incidentes sobre
as frações autónomas de um edifício submetido a propriedade horizontal.
- Proteção jurídica dos animais (artigos 201.º-B e ss.)
2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados
por Francisca e Guilherme? (3,5 v)

- Aquisição, conservação e caraterização da posse de F e G (artigos 1251.º, 1257.º,


1258.º a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º).
- Regime da (com)propriedade a propósito do direito de F e G (artigos 1302.º,
1305.º, 1316.º, 1317.º, 408.º, n.º 1 e 1403.º).
- Nulidade da venda de bens alheios (artigo 892.º) e direito de preferência a favor de
F no caso de venda da quota do seu comproprietário E (artigo 1409.º).
- Análise da possibilidade de aquisição da propriedade exclusiva a favor de G
através do registo, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das teses
doutrinárias (artigos 1.º, 2.º, n.º 1 a), 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º
CRP) e da possibilidade de aquisição da propriedade exclusiva a favor de F através
da usucapião (artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1292.º, 303.º e 1296.º),
- Referência aos princípios do registo predial (instância, obrigatoriedade, prioridade,
legitimação e trato sucessivo), bem como aos princípios e caraterísticas dos direitos
reais (tipicidade, elasticidade, publicidade, boa fé, inerência e prevalência).

III

Comente, de forma fundamentada, a seguinte frase (3,5 v.):

“No tocante ao direito real de habitação duradoura, o proprietário e o morador


assumem diversas e incomportáveis obrigações reais e não reais”.

-Em primeiro lugar, as obrigações contidas no diploma não colidem com a tipicidade.

-Em segundo, devem confinar-se as obrigações reais a obrigações de conteúdo


positivo. Que se traduzam, para o vinculado, num comportamento de dare ou facere.

-Assim, quanto ao proprietário, podemos indicar, como obrigação real, o dever de


pagar os custos e demais encargos relativos às partes comuns do prédio.

-Por seu turno, quanto ao morador, o dever de realizar e suportar o custo de obras
de conservação ordinária na habitação.

-Ademais, analisando o conjunto de obrigações reais e não reais, elas afiguram-se


equilibradas e não incomportáveis, face ao gozo da coisa que é preciso assegurar.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito – Época de Recurso (duração: 90 minutos)
21 de julho de 2022
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Os irmãos Amílcar e Bruno, naturais de Beja, são conhecidos na cidade pelas suas
desavenças. Tudo começou em fevereiro de 2001, aquando da morte do seu pai, que colocou
em testamento que Amílcar e Bruno herdariam um monte no Alentejo, mas com a condição de
jamais o poder dividir. Certo é que os irmãos nunca se entenderam sobre a forma de gozar o
terreno. Em julho de 2002, Amílcar ameaçou mesmo o irmão com uma caçadeira, pedindo a
este que saísse do terreno ou então “não sairia dali vivo”. Bruno abandonou o terreno, dizendo
que iria reagir judicialmente. Em fevereiro de 2003, Amílcar celebra, por escritura pública, um
contrato com Carlos, nos termos do qual este teria a faculdade de cuidar de uma parte do
terreno, onde estava o montado de cortiça, por 18 anos, pagando 6000 € anuais. No contrato
foi aposta a menção expressa que o mesmo teria eficácia real.
A partir de 2008, Carlos deixa de cumprir com o pagamento anual. Como forma de se ver livre
do mesmo, transmite o seu direito a Daniel, em fevereiro de 2015. Daniel recusa-se, porém, a
pagar as prestações anuais em atraso, referindo que as mesmas devem ser exigidas a Carlos,
que era ao tempo titular do direito. Em março de 2022, Bruno consegue invalidar o negócio
jurídico celebrado entre Amílcar e Carlos, exigindo, de imediato, a restituição do terreno. Por
sua vez, Amílcar e Daniel referem ter adquirido direitos “pelo decurso do tempo”. No caso
específico de Daniel, este afirma ter adquirido apenas parte do terreno onde explorava o
montado de cortiça, argumentando para o efeito que pode juntar a posse de Carlos.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Atribuição da coisa, por testamento, a dois herdeiros com a condição de não a poder
dividir: referir que não é válida a cláusula que faça depender da verificação de um
acontecimento futuro e incerto a extinção do direito de propriedade (artigos 1307.º, bem
como artigo 1306.º (princípio da tipicidade)); titularidade de dois sujeitos (A e B) sobre a
mesma coisa: compropriedade (artigos 1403.º e ss.).
- Referir e classificar a posse de A, B, C e D; referir e explicar inversão do título da posse
por parte de A (artigos 1263.º, d), 1265.º e 1406.º, n.º 2); posse de A adquirida com
violência (artigo 1261.º: referir critérios); classificar posse de A após esse momento;
referir que, concomitantemente, B é esbulhado, mantendo a posse por um ano (artigos
1267.º, n.º 1, d) e n.º 2 e 1279.º).
- Direito de superfície de A a favor de C (artigos 1524.º e ss.); oneração de coisa alheia
(artigo 1408.º, n.º 1 e 2); o facto de o contrato mencionar que o mesmo tem eficácia real
não tem relevância jurídica, uma vez que a constituição de um direito real de gozo não
depende de uma cláusula atributiva de eficácia real, mas sim de o direito constituído
estar enquadrado num dos tipos legais (princípio da tipicidade ou da taxatividade do
artigo 1306.º).
- Cânon superficiário como uma situação jurídica propter rem (em particular, discutir a
sua natureza jurídica, nomeadamente se estamos perante uma obrigação propter rem ou
um ónus real) (artigo 1530.º); à mora aplica-se o artigo 1531.º, n.º 2; transmissão do
direito de superfície a D, que é possível nos termos do artigo 1534.º; discutir se as
obrigações vencidas continuam a onerar C ou se a “ambulatoriedade” da situação
jurídica propter rem onera D, independentemente de estarem ou não vencidas; referir
direito de preferência do fundeiro que não foi respeitado (artigo 1535.º); referir a falta de
registo do facto jurídico de constituição do direito de superfície (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, a)
CRP) ;
- A e D invocação a usucapião: requisitos (artigos 1287.º e ss.); referir que, no caso de A,
a posse violenta inviabiliza a aquisição por usucapião (artigo 1297.º), a não ser que esta
já tivesse cessado, o que não parece ser o caso, uma vez que o critério é a forma com a
posse foi adquirida; no caso de D, explicar e discutir a possibilidade de acessão da
posse (artigo 1256.º), bem como a viabilidade jurídica de usucapir parte do terreno; D
não inverteu o título da posse, pelo que apenas poderia adquirir por usucapião o direito
de superfície.

II
Eduarda é dona de um apartamento que fica situado no último andar de um prédio com 10
frações e aliena este imóvel a Francisco e Gustavo em 2010, sendo que o primeiro pagou de
imediato o valor correspondente 75% do preço, enquanto o segundo convencionou o
pagamento do valor remanescente de 25% apenas em 2015, apesar de ter procedido ao
registo do negócio e ocupado o apartamento imediatamente. Francisco não procedeu ao
registo, por entender que o registo efetuado por Gustavo seria suficiente, assim como permitiu
que este último utilizasse o imóvel em exclusivo até 2015. Sem comunicar a Francisco,
Gustavo decide em 2014 construir mais um andar, para o que obteve autorização do
administrador, o qual conseguiu aprovação verbal de seis proprietários dos apartamentos,
apesar de o assunto não ter sido objeto de deliberação em assembleia. Em 2016, face à
ausência de notícias de Francisco, Gustavo cede o gozo do andar construído a Hugo e a Ivo,
pelo período de 10 anos, mediante o pagamento de uma quantia mensal. Em 2022, Francisco
regressou a Portugal e deparando-se com esta situação exige (i) a devolução imediata do
apartamento afirmando ser o único dono, uma vez que foi ele a liquidar o valor de 25% em falta
a Eduarda, porquanto Gustavo se recusou a fazê-lo, ao que Gustavo contrapõe ser
proprietário exclusivo em virtude do decurso do tempo e da efetivação do registo e (ii) a
demolição do andar construído, ao que Hugo e Ivo contrapõem o registo da sua posse, que no
seu entender lhes confere o direito de uso e fruição nos termos previamente acordados com
Gustavo, sendo que este último exige a Francisco o pagamento do valor correspondente a
50% das obras de construção efetuadas.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Regime do direito de propriedade, em especial objeto e aquisição, a propósito dos


direitos de E, F e G (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º e 1317.º).
- Regime da compropriedade a propósito dos direitos de F e G e de H e I, igualdade
qualitativa e quantitativa dos direitos/quotas, posição dos comproprietários e uso,
administração, disposição e oneração da coisa comum (artigos 1403.º, 1404.º, 1405.º,
1406.º, 1407.º, 1408.º).
- Regime da propriedade horizontal a propósito dos direitos de E, F e G, objeto, título
constitutivo, direitos dos condóminos e limitação ao exercício dos mesmos, frações
autónomas e partes comuns, competência da assembleia de condóminos e do
administrador relativamente às partes comuns (artigos 1414.º, 1415.º, 1417.º, 1418.º,
1420.º, 1421.º, 1422.º, 1430.º, 1431.º, 1432.º, 1435.º e 1436.º).
- Ponderação da aplicação do regime do usufruto, considerando designadamente a
noção, limites, conteúdo, aquisição, transmissão e extinção do direito de usufruto
(artigos 1439.º, 1440.º, 1441.º, 1443.º, 1446.º e 1476.º), a propósito dos direitos de H e I;
exigência da forma de escritura pública ou documento particular autenticado (artigo 22.º,
alínea a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo 1306.º), e
ponderação da aplicação do regime do usufruto considerando os aspetos já
mencionados versus direitos pessoais de gozo e possibilidade de aplicação do regime
da locação (artigo 1022.º e ss), a propósito dos direitos de H e I.
- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de E, F, G, H e I
(artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º, 1258.º a 1262.º, 1263.º, 1266.º, 1267.º e 1268.º), bem como
ponderação da inversão do título da posse (artigo 1265.º) a propósito do direito de G e
ainda ponderação da posse/detenção (artigo 1253.º) a propósito do direito de H e I,
mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações doutrinárias.
- Análise da (im)possibilidade de aquisição da propriedade, através da usucapião e do
registo, a favor de G e da (im)possibilidade de aquisição do direito de usufruto, através
da usucapião, a favor de H e I, considerando também, relativamente a estes últimos, a
(im)possibilidade de aquisição, através do registo, do usufruto/locação, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações doutrinárias (artigos 1.º,
2.º, n.º 1, alíneas a), e) e m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º CRP e artigos 1287.º,
1288.º, 1289.º, 1290.º, 1291.º, 1292.º, 303.º, 1294.º, n.º 1, alínea b) e 1295.º, n.º 1, alínea a) e
n.º 2).
- Ponderação da aplicação do direito de superfície/sobreelevação (artigos 1524.º e ss.,
em especial artigo 1526.º), regime das benfeitorias (artigos 216.º e 1273.º) ou da acessão
industrial imobiliária (artigos 1339º e ss.), relativamente à construção do andar, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das teses doutrinárias.
- Análise da procedência das ações possessórias enquanto meio de defesa da posse
(artigos 1276.º, 1278.º, 1281.º, 1282.º e 1286.º).
- Análise da procedência de ação de reivindicação enquanto meio de defesa do direito de
propriedade e do usufruto (artigos 1311.º e 1315.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato sucessivo,
prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos reais (imediação
jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade; numerus clausus/tipicidade;
absolutidade; publicidade; elasticidade; transmissibilidade; consensualidade e
causalidade).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022 - 26 de julho de 2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito – Época de Recurso (Coincidências) (duração: 90 minutos)
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Em janeiro de 2000, Ana adquire, a título oneroso e mediante escritura pública, um pequeno
terreno vinícola sito no Cartaxo, tendo o negócio sido devidamente registado. Em 2005, Ana,
por já estar com uma idade avançada e não tendo filhos, doa o terreno ao seu único
sobrinho Bruno, reservando para si o usufruto vitalício. No âmbito do contrato ficou
estabelecido que Ana não poderia trespassar o usufruto a terceiros. Dois anos depois,
cansada da gestão do terreno e tendo-se incompatibilizado com o sobrinho, Ana decide
acabar com a vinha e permitir, por via contratual, que um seu amigo, Carlos, construísse um
empreendimento de turismo rural. O contrato foi celebrado por documento particular
autenticado. Farto desta situação, em maio de 2022, Bruno envia uma carta de interpelação
a Ana referindo que irá pedir a invalidade do usufruto, por dois motivos: por um lado, (i) o
contrato de usufruto referia, expressamente, a não possibilidade de trespasse; por outro, (ii)
o comportamento de Ana e Carlos indiciava um claro mau uso do terreno. Ana argumenta
que tal não correspondia à verdade, pois com a construção do empreendimento de turismo
rural, o terreno tinha valorizado em mais de 75%, sendo também muito mais rentável do que
a vinha. Por sua vez, Carlos refere que além de o seu direito ser oponível a Bruno, o
decurso do tempo assegurava a sua posição perante terceiros. Como se não bastasse, um
proprietário de um prédio vizinho, Duarte, veio queixar-se do comportamento de Carlos, que
desde que construiu o empreendimento, o tem impedido de passar pelo prédio de forma a
aceder à via pública. Carlos refere que a construção do empreendimento implicou elevadas
despesas e que a passagem de camionetas e tratores pelo terreno, para além de deteriorar
a estrada, afeta a reputação do turismo rural. Para além disso, argumenta Carlos, Duarte
tem à sua disposição uma outra estrada que, apesar de tornar o acesso à via pública mais
longínquo, serve o mesmo propósito.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Forma de aquisição do direito de A (artigos 1316.º e 1317.º, a)); aquisição e


classificação da sua posse (artigos 1251.º ss.); registo do facto jurídico aquisitivo
(artigo 2.º, n.º 1, a)); princípio da causalidade (artigo 22.º, a), do Decreto-Lei n.º
116/2008, de 04 de julho).
- Doação do direito de propriedade com reserva de usufruto a favor de A (artigos
1439.º e ss.); em particular, referir que o usufruto foi constituído contratualmente per
deductionem (artigos 1440.º e 958.º, n.º 1) e de forma vitalícia (artigo 1443.º, primeira
parte); a circunstância de o contrato de usufruto impedir o trespasse do direito real
menor a terceiros é possível à luz do artigo 1444.º, n.º 1.
- Discutir se os atos de A contendem com os limites negativos do usufruto (em
particular, abordar os artigos 1439.º e 1446.º).
- Discutir qual a natureza jurídica do contrato celebrado com C, em especial se se trata
de um direito de superfície (artigos 1524.º e ss.);
- Tendo em conta os fundamentos apresentados por B, referir que a oneração de A a
favor de C era possível, dado que não constitui um trespasse, mas apenas uma
oneração (artigo 1444.º, n.º 1); referir em consiste o mau uso da coisa nos termos do
artigo 1482.º; discutir se as ações de A, no caso concreto, poderão ser enquadradas
como mau uso; discutir se o mau uso pode dar lugar à extinção do direito de usufruto,
uma vez que, em termos literais, parece não ser possível.
- Discutir argumentos apresentados por A, em especial, o facto de esta mencionar a
valorização do terreno para impedir a qualificação como mau uso e, eventualmente, a
aplicação do regime de acessão ou benfeitorias (critérios de distinção).
- C parece invocar o instituto da usucapião: requisitos (artigos 1287.º e ss.); qualificar
e classificar posse de C.
- No caso de D, estamos perante uma servidão predial: qualificar servidão predial
(servidão de passagem) e enunciar regime (artigos 1543.º e ss.); em particular, referir
regime jurídico do lugar da constituição da servidão (artigo 1553.º) e mudança de
servidão (artigo 1568.º).

II
Eduardo é dono de um luxuoso apartamento que cede a Francisca, sua ex-mulher, para
sua residência permanente, em 2005, tendo o negócio sido celebrado por escritura pública.
Em 2010, Francisca, que atravessava graves dificuldades financeiras, transmite o uso e
fruição do apartamento para Gustavo, pelo período de 20 anos, mediante o pagamento de
uma elevada quantia anual, e muda-se para a casa da porteira do prédio, que se encontrava
desocupada, mediante celebração de um contrato com o administrador do condomínio,
através do qual fica estipulado o pagamento de uma quantia mensal, tendo sido
posteriormente dado conhecimento deste negócio aos condóminos através de correio
eletrónico. Em 2020, Eduardo vende o apartamento a Hugo e a Idalina, salvaguardando
verbalmente o direito de Francisca, que de imediato registam este negócio, embora não
tenham ocupado a casa, em virtude de residirem no estrangeiro. Em 2022, pretendendo
mudar-se para Portugal, Hugo e Idalina deparam-se com a presença de Gustavo na casa,
que se recusa a abandoná-la, invocando o registo da posse, bem como o facto de se
encontrar a residir ali há 12 anos. Por seu turno, considerando que 1/3 dos condóminos
discorda do negócio celebrado entre o administrador do condomínio e Francisca, esta
última, para evitar problemas e por não ter outro sítio para morar, pretende reocupar o
apartamento que lhe havia sido cedido por Eduardo, exigindo ademais o reembolso de
todas as obras que realizou no apartamento enquanto o habitava, e que incluíram vários
melhoramentos no interior, para além da colocação de uma piscina no terraço, que aliás os
restantes condóminos pretendem ver demolida, uma vez que não autorizaram esta obra.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Regime do direito de propriedade, em especial objeto e aquisição, a propósito dos


direitos de E, H e I (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º e 1317.º).
- Regime da compropriedade a propósito dos direitos de H e I, igualdade qualitativa e
quantitativa dos direitos/quotas, posição dos comproprietários e uso, administração,
disposição e oneração da coisa comum (artigos 1403.º, 1404.º, 1405.º, 1406.º, 1407.º,
1408.º).
- Regime da propriedade horizontal, objeto, título constitutivo, direitos dos
condóminos e limitação ao exercício dos mesmos, frações autónomas e partes
comuns, competência da assembleia de condóminos e do administrador relativamente
às partes comuns (artigos 1414.º, 1415.º, 1417.º, 1418.º, 1420.º, 1421.º, 1422.º, 1430.º,
1431.º, 1432.º, 1435.º e 1436.º).
- Regime do direito de habitação a propósito do direito de F (artigos 1484.º, 1485.º,
1486.º, 1487.º, 1488.º, 1490.º, 1482.º)
- Ponderação da aplicação do regime do usufruto, considerando designadamente a
noção, limites, conteúdo, aquisição, transmissão e extinção do direito de usufruto
(artigos 1439.º, 1440.º, 1441.º, 1443.º, 1446.º e 1476.º), a propósito do direito de G;
exigência da forma de escritura pública ou documento particular autenticado (artigo
22.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo 1306.º),
e ponderação da aplicação do regime do usufruto considerando os aspetos já
mencionados versus direitos pessoais de gozo e possibilidade de aplicação do regime
da locação (artigo 1022.º e ss), a propósito do direito de G.
- (Im)possibilidade de F constituir uma restrição (ao direito de propriedade) de E com
natureza real/natureza obrigacional a favor de G.
- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de E, F, G, H e I
(artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º, 1258.º a 1262.º, 1263.º, 1266.º, 1267.º e 1268.º), bem como
ponderação da posse/detenção (artigo 1253.º) a propósito do direito de G, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações doutrinárias.
- Análise da (im)possibilidade de aquisição do direito de habitação, através da
usucapião a favor de F, da (im)possibilidade de aquisição da propriedade plena livre
de ónus e encargos, através do registo a favor de H e I e da (im)possibilidade de
aquisição do direito de usufruto, através da usucapião, a favor de G, considerando
também, relativamente a este último, a (im)possibilidade de aquisição, através do
registo, do usufruto/locação, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação
das orientações doutrinárias (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas a), e) e m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A,
8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º, 16.º e 17.º CRP e artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1290.º, 1292.º,
1293.º alínea a), 303.º e 1295.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2).
- Ponderação da aplicação do regime das benfeitorias (artigos 216.º, 1273.º e 1450.º)
ou da acessão industrial imobiliária (artigos 1339º e ss), relativamente às obras
(melhoramentos no interior e piscina no exterior), mediante verificação dos requisitos
legais e aplicação das teses doutrinárias.
- Análise da procedência das ações possessórias enquanto meio de defesa da posse
(artigos 1276.º, 1278.º, 1281.º, 1282.º e 1286.º).
- Análise da procedência de ação de reivindicação enquanto meio de defesa do direito
de propriedade e do direito de habitação (artigos 1311.º e 1315.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato sucessivo,
prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos reais (imediação
jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade; numerus clausus/tipicidade;
absolutidade; publicidade; elasticidade; transmissibilidade; consensualidade e
causalidade).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito (duração: 90 minutos)
30 de junho de 2022
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Ana, dona de um vasto património imobiliário, decidiu, em 2010, recompensar a sua
sobrinha favorita, Beatriz, atribuindo-lhe um usufruto vitalício sobre um fértil terreno na
zona de Torres Vedras, utilizado para a plantação de macieiras. Como as partes se
encontravam no Algarve, o facto jurídico foi devidamente registado na Conservatória de
Faro. No âmbito do contrato, foi estabelecido que Beatriz poderia utilizar e transformar o
terreno para qualquer fim, desde que não fizesse dele mau uso. Como Beatriz nada
entendia sobre agricultura, em 2012 decidiu conceder o direito de plantar abacate a
Carlos. O contrato foi celebrado por escritura pública, mas não foi alvo de qualquer
registo. Carlos vem a falecer um ano depois, assumindo o negócio o seu filho, Daniel.
Daniel, porém, decidiu dar um rumo diferente ao terreno: construiu uma vivenda, uma
piscina e um pequeno centro de atividades lúdicas. Em junho de 2022, farta de toda esta
situação, Ana envia uma carta a Beatriz, manifestando a sua vontade em cessar o
contrato de usufruto, por dois motivos: (i) o uso dado por Daniel tornava o terreno
“imprestável” para a agricultura; e (ii) com falecimento de Carlos, o direito de usufruto
havia sido extinto. Beatriz é aconselhada pelo seu advogado a invocar a usucapião, dado
que “já havia passado mais de dez anos desde que tinha assumido o terreno como seu”.
Por sua vez, Daniel responde que não abdica do terreno, pois investiu fortemente no seu
desenvolvimento.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

- Referir e caracterizar o direito de usufruto constituído a favor de B (artigos 1439.º e


ss., em especial, artigos 1440.º e 1443.º).
- Mencionar que estamos perante um facto jurídico que deve ser alvo de registo
predial (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, a), 6.º, 7.º, 8.º-A a 8.º-D, do Código de Registo Predial);
o facto jurídico constitutivo pode ser registado na Conservatória de Faro, mesmo
estando o prédio sito em Torres Vedras (já não existe qualquer regra de
competência territorial das conservatórias do registo predial);
- Atendendo ao conteúdo do contrato de constituição de usufruto e ao contrato
celebrado entre B e C, referir limites negativos do usufruto (em particular, artigos
1439.º e 1446.º), explicando as várias soluções doutrinárias e tomando posição;
referir qual a solução legal caso haja mau uso por parte do usufrutuário (artigo
1482.º).
- Caracterizar legalmente o contrato celebrado entre B e C; fundamentar se
estaríamos perante a constituição de um direito de superfície (artigos 1528.º e ss.)
ou no âmbito de um contrato de concessão de gozo temporária de uma coisa, de
natureza obrigacional (princípio da tipicidade dos direitos reais); referir
possibilidade de o usufrutuário onerar o seu direito, salvo se existisse alguma
restrição no título constitutivo (artigo 1444.º, n.º 1); indicar a possibilidade de o
direito de superfície ser transmitido por morte do superficiário (artigo 1534.º).
- Caracterizar e classificar a posse de A, B, C e D (artigos 1251.º e ss.), bem como o
modo de transmissão (artigo 1263.º); referir que estamos perante vários casos de
sobreposição de posses.
- Referir causas de extinção do usufruto (artigo 1476.º), sendo que o fundamento de
A não fundamenta a extinção do direito real, mas, eventualmente, a aplicação do
regime jurídico do mau uso, nos termos do artigo 1482.º (ainda que haja doutrina
que defende que o mau uso pode dar azo à extinção do direito de usufruto, caso a
gravidade do comportamento do usufrutuário o justifique);
- Mencionar que A não tem razão quando refere que o usufruto se extingue com o
falecimento de C; para além de o contrato entre B e C não se enquadrar numa
situação de trespasse, mas sim num caso de oneração (artigo 1444.º, n.º 1), mesmo
que estivéssemos perante um trespasse, sendo o usufruto vitalício, este levará em
consideração a vida do primitivo usufrutuário.
- B invoca a usucapião (caracterizar e referir requisitos, artigos 1287.º ss.); porém,
para adquirir o direito de propriedade por usucapião, B teria de ter invertido o título
da posse, já que era possuidora apenas nos termos do direito de usufruto (artigos
1263.º, d) e 1265.º), o que parece não ter sucedido no caso concreto; existe, no
entanto, ainda uma outra possibilidade, que é a de se considerar que, por ter
violado os limites negativos do usufruto, B não teria adquirido, contratualmente, o
direito respetivo, podendo agora invocar a usucapião (forma de aquisição originária
de direitos) para adquirir o mesmo.
- D parece invocar a acessão como forma de aquisição do direito de propriedade;
diferenciar regime da acessão industrial imobiliária das benfeitorias (critérios)
(artigos 1339.º e ss); mencionar modo de aquisição; de qualquer forma, a má-fé de
D impossibilitaria a aquisição por esta via (artigo 1341.º).

II
Eduardo é dono de um prédio em Lisboa composto por dois andares e de uma herdade
no Alentejo. Em 2005 decide entregar o primeiro imóvel à sua filha Francisca e o
segundo imóvel à sua filha Gabriela, para exploração e rentabilização pelo prazo de dez
anos.
Francisca constituiu a propriedade horizontal do prédio e concedeu a Helena o direito de
habitar o 1.º andar por um período vitalício, mediante o pagamento de uma quantia anual,
reservando o 2.º andar para sua habitação permanente. Gabriela, por seu turno,
procedeu à construção de um aldeamento turístico na herdade, que dividiu em dez
unidades para alojamento e cujo uso vendeu posteriormente por um período de quinze
anos, tendo os adquirentes procedido ao registo deste negócio.
Em 2020, Eduardo pretende reaver os seus imóveis livres de ónus e encargos e depara-
se com a oposição de Helena que invoca o negócio jurídico celebrado com Francisca,
bem como o decurso do tempo e com a contestação dos adquirentes das unidades de
alojamento que invocam o uso a seu favor, designadamente com base no registo.
Acresce que Francisca afirma-se proprietária do prédio e Gabriela proprietária da
herdade, atendendo a que, quando quiseram entregar os imóveis a Eduardo em 2015,
este se mostrou indisponível para tanto por “estar exausto e precisar de descanso”,
decidindo este último intentar uma ação para restabelecimento da sua posse.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

- Regime do direito de propriedade a propósito do direito de E, bem como distinção


entre propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º).
- Ponderação da aplicação do regime do usufruto, considerando designadamente a
noção, limites, conteúdo, aquisição, transmissão e extinção do direito de usufruto
(artigos 1439.º, 1440.º, 1443.º, 1444.º, 1446.º e 1476.º), a propósito do direito de F e
do direito de G; exigência da forma de escritura pública ou documento particular
autenticado (artigo 22.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo
1306.º) e da possibilidade de conversão legal em negócios jurídicos de natureza
obrigacional, relativamente aos negócios celebrados entre E e F e entre E e G.
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo
1306.º), e ponderação da aplicação do regime do usufruto considerando os aspetos
já mencionados versus direitos pessoais de gozo e possibilidade de aplicação do
regime da locação (artigo 1022.º e ss), a propósito do direito de H e dos adquirentes
do uso das unidades de alojamento, em harmonia com o regime anteriormente
aplicado aos negócios celebrados entre E e F e entre E e G.
- A restrição (ao direito de propriedade) com natureza real/natureza obrigacional
constituída por E a favor de F e de G era válida pelo prazo de 10 anos, pelo que F
não poderia constituir um direito vitalício a favor de Helena e G não poderia
constituir direitos pelo período de 15 anos a favor dos adquirentes do uso das
unidades de alojamento.
- Referência ao regime da propriedade horizontal (artigos 1414.º e ss.) e
(im)possibilidade de F a constituir, bem como (im)possibilidade de G construir um
aldeamento jurídico dividido em dez unidades para alojamento.
- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de F, G, H e
adquirentes do uso das unidades de alojamento (artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º,
1258.º a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º), bem como ponderação da qualificação como
detenção (artigo 1253.º), mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das
orientações doutrinárias.
- Análise da (im)possibilidade de aquisição da propriedade, através da usucapião, a
favor de F e de G (artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1292.º, 303.º e 1296.º) e da
possibilidade de aquisição do direito de usufruto, através da usucapião, a favor de
H e dos adquirentes do uso das unidades de alojamento, considerando também,
relativamente a estes últimos, a possibilidade de aquisição, através do registo, do
usufruto/locação, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das
orientações doutrinárias (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas a) m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B,
8.º-C, 8.º-D, 9.º, 16.º e 17.º CRP e artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1292.º, 303.º, 1294.º,
n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 1296.º).
- Ponderação da aplicação do regime das benfeitorias úteis (artigos 216.º e 1273.º)
ou da acessão industrial imobiliária (artigo 1340.º), relativamente à construção do
aldeamento jurídico dividido em dez unidades para alojamento por G, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das teses doutrinárias.
- Análise da (im)procedência de ação de restituição da posse enquanto meio de
defesa da posse (artigos 1278.º, 1281.º e 1282.º).
- Análise da procedência de ação de reivindicação enquanto meio de defesa do
direito de propriedade (artigo 1311.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato sucessivo,
prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos reais (imediação
jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade; numerus clausus/tipicidade;
absolutidade; publicidade; elasticidade; transmissibilidade; consensualidade e
causalidade).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS – TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
EXAME ÉPOCA DE COINCIDÊNCIAS – 08.07.2020

I
Abel trespassou a Berta o usufruto sobre a “Herdado do Paço”, a 16.06.2019, tendo a segunda registado o
seu facto aquisitivo a 28.06.2019
Em seguida, Abel celebra com Carlota uma escritura pública através do qual o primeiro constituía a favor
da segunda uma servidão de passagem sobre a “Herdade do Paço”, enquanto que Carlota transmitia a Abel
o direito de propriedade de um terreno rústico. Carlota regista o seu facto aquisitivo a 26.06.2019.
Dário, proprietário de um apartamento em Lisboa, vende-o a Félix, em 15.05.2015.
Logo em seguida, Félix entrega a Guilherme o apartamento para pagamento de uma dívida que tinha perante
este, transmitindo-lhe o direito real de que era titular. Guilherme regista o facto aquisitivo a 30.06.2015,
passando a residir no imóvel desde essa data.
Entretanto, em 01.01.2020, Helena, mãe de Dário, descobre o negócio que o seu filho havia celebrado com
Félix, apresentado acção judicial com vista a invalidar o negócio, uma vez que o seu filho estava interditado,
por anomalia psíquica, com sentença transitada em julgado, desde 01.04.2010.

Quid iuris?

Tópicos de correção

A, ao constituir um usufruto a favor de B, transmite-lhe este direito real de gozo menor, ao abrigo do
disposto no artigo 1444.º do CC; B adquire o seu direito de usufruto, nos termos do disposto no art. 408.º/1,
em virtude do princípio da consensualidade e da causalidade, tendo registado o facto aquisitivo (art. 2.º/1,
al. a) e art- 8.º-A/1, al. a), ambos do CRP).

A, à partida, não tinha legitimidade para constituir servidão de passagem a favor de C, através do contrato
de permuta. Verifica-se, por parte de A, uma dupla disposição de um direito parcialmente incompatível.
Referência à discussão em torno da consagração do efeito atributivo no artigo 5.º/1 e 4 do CRP; tomada
de posição fundamentada: caso se optasse pelo entendimento diverso do defendido pelo Prof. José Luís
Bonifácio Ramos, ter-se-ia de concluir no sentido de que C adquiria tabularmente o direito de servidão,
na medida em que os pressupostos se encontravam preenchidos.

A propósito do negócio entre F e G discutir a possibilidade de aplicação do regime do artigo 291.º do CC,
enquanto modalidade de aquisição tabular nos casos de sub-aquisição com invalidade substantiva; o
negócio entre D e F está ferido de invalidade por falta de capacidade jurídica de exercício do disponente,
interditado por anomalia psíquica em momento anterior ao da celebração do negócio. G adquiria
tabularmente, porquanto (para além dos demais pressupostos que teriam de ser mencionados) já teriam
decorrido mais de três anos contados desde a data da celebração do primeiro negócio inválido (celebrado
a 15.05.2015, e acção de nulidade intentada em 2020).

1
II

António emprestou a Berta, no dia 05.04.2010, um calor de diamante, para que esta o utilizasse no seu
casamento a realizar no dia seguinte.
Passado um mês, António, estranhando a não devolução da joia, exige a sua entrega a Berta.
Berta alega nessa data que António lhe havia dado aquele colar de presente de casamento e que, por tal
razão, não iria devolvê-lo.
No dia 27.05.2018, Berta vendeu o calor a Carlota que passa desde essa data a utilizá-lo.
António pretende reaver o colar, dirigindo-se ao escritório do seu advogado, questionando-o, em termos
gerais, qual o tipo de acção a intentar para atingir o seu objectivo.
O Advogado de António apresenta a respetiva ação com vista a reaver o colar, no dia 01.06.2020.
Carlota contacta o seu advogado para que este apresente a sua contestação.

Quid iuris?

Tópicos de correção:

A celebrou com B um contrato comodato, previsto nos arts. 1129.º e ss. do CC; B passa a ser titular de um
direito pessoal de gozo, e a possuidor nos termos do comodato (posse interdital) e detentor por referência
ao direito de propriedade.

B, ao invocar, de má fé, que A lhe deu aquela joia como presente de casamento, está a arrogar-se da
qualidade de proprietária da coisa comodatada; verifica-se, por isso, uma inversão do título da posse, nos
termos do disposto no art. 1263.º/al. d) e 1265.º CC, uma vez que B, mera detentora, com a sua conduta,
passa a exteriorizar uma posse civil em nome próprio e não em nome alheio. Com a inversão do título da
posse, B passa a exteriorizar um direito próprio: uma posse nos termos de um direito de propriedade sem
que, contudo, haja uma alteração da situação jurídico- real: A é ainda a proprietário do colar.
Classificação da posse de B: não titulada (art. 1259.º do CC), de má fé (art. 1260.º), pacífica (art. 1261.º),
pública (art. 1262.º, do CC) e ainda civil , formal, efetiva e imediata.

B, ao vender a C o colar, está a dispor de coisa alheia (art. 892.º CC). Porém, C adquire a posse por
tradição material da coisa, nos termos do art. 1263.º al. b). A posse de C é titulada, de boa fé, pacífica,
pública, civil, formal, efetiva e imediata.

Em 2020, A apenas poderia intentar uma ação de reivindicação (1311.º CC), não podendo recorrer às
ações possessórias, mormente à ação de restituição da posse (art. 1278.º), uma vez que havia perdido a
posse (art. 1267.º/1 al. d). C poderia invocar acessão da posse (art. 1256.º), de maneira a juntar a sua
posse à do seu antecessor B, com vista à invocação da usucapião (art. 1299.º CC) e referência ao

2
entendimento de Manuel Rodrigues e Santos Justos entendem que o negócio tem de ser válido para que a
acessão opere; por oposição, Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro ou José Alberto Vieira entendem que
o vínculo apenas tem de ser abstratamente idóneo.

Contudo, a posse do anterior possuidor (B) é de menor âmbito, uma vez que é não titulada e de má fé (art.
1256.º/2). Assim, o prazo para C usucapir, por verificação das regras da acessão da posse era de 6 anos,
de acordo com a parte final do art. 1299.º e não de 3 anos. Juntando a posse de B com a sua posse, C pode
invocar a usucapião, adquirindo o propriedade do colar por usucapião.

Cotações: I (10 valores) e II (10 valores).

3
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS — TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
ÉPOCA ESPECIAL — 07/09/2020
I
António, Bernardo e Carla adquiriram em 1980 uma fração autónoma situada em Alvalade, sem
procederem ao registo da aquisição. A aquisição, apesar de realizada para satisfazer as
necessidades de Carla — que tinha ingressado nesse ano no curso de Direito —, foi feita pelos
três irmãos, porquanto António e Bernardo tinham interesse em ser titulares de um apartamento
em Lisboa para mais tarde rentabilizar.
Carla, decidiu reabilitar o imóvel para posterior revenda, introduzindo-lhe diversos
melhoramentos sem disso dar conhecimento a António e Bernardo. Mais tarde, no ano de 2000,
vendeu o imóvel a Daniela que, sendo vizinha — e não tendo outra forma de confirmar que
Daniela era a real proprietária do imóvel —, confiou que era Carla era a real proprietária,
porquanto lá habitava sozinha há vinte anos. Daniela registou a aquisição.
Carla permaneceu no imóvel até 2005, data em que decidiu exercer a profissão de advogada na
sua cidade natal, em Freixo de Espada à Cinta. Só nessa data procedeu à entrega das chaves a
Daniela, que decidiu dar a fração de usufruto a Emília. Emília, que registou o usufruto, decidiu,
também ela, introduzir melhoramentos no imóvel, sem dar conhecimento a Daniela.
António e Bernardo, que passeavam em Lisboa, depararam-se agora (em 2020) com obras na
fachada na sua fração. Ao interpelarem Carla sobre o estado da fração, esta informou-os que era
titular do imóvel desde 1980, porquanto exteriorizou uma posse exclusiva desde essa data, facto
que não podiam ignorar. António e Bernardo dirigiram-se então à fração exigindo que Emília a
abandonasse. Daniela, que tudo presenciou, informou os irmãos que adquiriu aquela fração há
vinte anos.
Quid juris? (10 valores)

Tópicos de correção:
A, B e C são comproprietários (1403.º e ss CC); na medida em que não beneficiam de registo a
seu favor, não ficam protegidos pelo efeito consolidativo do registo (5.º CRP). Parece ter havido
convenção de uso exclusivo da fração a favor de C, possível nos termos do artigo 1406.º/1 CC, o
que, nos termos do n.º 2, não significa que C tivesse posse exclusiva da fração.
A administração da coisa comum pertencia aos três irmãos (1407.º CC), sendo que as obras de
reabilitação não parecem configurar benfeitorias necessárias (1411.º CC). A e B poderiam
requerer a anulação dos atos praticados (1407.º/3 CC).
A compra e venda celebrada entre C e D é nula (1408.º/2 CC). Na medida em que a entrega se
verificou apenas 5 anos depois, poder-se-ia discutir se D adquiriu posse no momento da
celebração do contrato (1263.º c) e 1264.º) — o que, em qualquer caso, estaria afastado em face
da nulidade do contrato — ou mediante a tradição (1263.º/b) CC).
O usufruto constituído a favor de Emília seria também nulo, por falta de legitimidade de D. No
entanto, e na medida em que D beneficiava de inscrição registal a seu favor, D podia adquirir
tabularmente, nos termos do artigo 291.º CC, estando, em princípio, reunidos os pressupostos da
aquisição tabular previstos neste preceito.
Não tendo invertido o título da posse C não tinha posse exclusiva do imóvel. A pretensão de A e
B era, porém, improcedente, porquanto E era usufrutuária do imóvel. Além disso, D exteriorizou
uma posse pública e pacífica durante 15 anos, pelo que podia invocar a usucapião (e isto mesmo
que se considerasse que a sua posse era de má fé — cfr. 1290.º/a) e b) CC): D era proprietária da
fração.
Por fim, as obras na fachada da fração deveriam ter sido aprovadas por maioria de dois terços do
valor total do prédio (1422.º/3 CC), não havendo, no enunciado da hipótese, qualquer referência
a essa mesma autorização.

II
Félix, larápio profissional, furtou alguns pincéis e tintas de óleo na loja de arte do seu bairro.
Gisela, a proprietária da loja, conhecedora da arte de Félix, dirigiu-se a sua casa para solicitar a
devolução do dos pincéis e das tintas. Para seu espanto, a namorada de Félix, Helena — que
pintava nos tempos livres — tinha feito com as tintas e pincéis um fantástico quadro que colocou
à venda na galeria de uma amiga. Luís adquiriu o quadro por uma soma considerável.
Quid juris? (6 valores)

Tópicos de correção:
Com a aplicação das tintas da tela, H deu nova forma, por seu trabalho, a uma coisa móvel
pertencente a G, não podendo a coisa ser restituída à sua primitiva forma. Estamos perante um
caso de especificação (1338.º CC). Teria de ser ponderada a boa ou má fé de H. Na medida em
que H não observou o cuidado que lhe seria exigido (enquanto namorada de um larápio
profissional), H deveria ser considerada, em princípio, de má fé (1337.º): G tinha, assim, direito
à coisa no estado em que se encontrava. Porém, na medida em que o valor da coisa deverá ter
aumentado em mais um terço, G deve restituir o excesso a H.
Concluindo-se que G era a proprietária do quadro, poderia exigi-lo a Luís, que o adquiriu a non
domino. Adquiriu-o, porém, a comerciante (na galeria de uma amiga de H), pelo que a
procedência da ação de reivindicação dependia dos requisitos do artigo 1301.º CC.

III
Comente a seguinte afirmação:
“Não faz sentido que o possuidor de má fé beneficie da usucapião”.
(4 valores)

Tópicos de correção:
Pressupunha-se que fosse discutido, sobretudo de jure constituendo, mas também tendo em conta
o preceituado na Lei nº 30/2016 de 23 de agosto, se o possuidor de má fé, designadamente o
indivíduo que praticou um furto de coisa móvel, de natureza artística ou cultural, pode adquirir
por usucapião.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS — TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
ÉPOCA NORMAL — 26/06/2020

GRUPO I
Em maio de 2001, António, proprietário e legítimo possuidor do prédio X desde 1980,
inscrito a seu favor, vendeu-o a Berto, que não registou a aquisição. O contrato foi
assinado por ambas as partes, tendo Berto pago um preço de 100 mil contos. Berto
começou a residir, de imediato, no prédio X, tendo autorizado Gustavo a construir um
parque de estacionamento subterrâneo, numa parcela do imóvel.
Dias depois, uma credora de António, Zulmira, inquieta com o incumprimento de
António, uma vez munida de título executivo, decidiu intentar ação executiva e indicar
o prédio X à penhora, tendo Carla adquirido o imóvel na execução e registado.
Posteriormente, António — sofrendo de problemas financeiros — decidiu ainda assim,
constituir usufruto oneroso a favor de Daniel. O negócio foi celebrado mediante
escritura pública e registado, tendo Daniel constituído, concomitantemente, novo
usufruto a favor de Elsa.
Em 2010, Berto, que permanecia no imóvel, celebrou nova venda. Filipe, adquirente,
beneficiou da entrega das chaves, passando de imediato a residir no imóvel. O negócio
não foi registado.
Um ano mais tarde, Elsa faleceu. O seu filho, Guilherme vem agora reclamar a
titularidade do direito de usufruto. Opõem-se Carla, Daniel e Filipe, também eles com
pretensões incompatíveis entre si.
Quid juris? (16 valores).
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO:
Qualificação do contrato celebrado entre A e B como contrato de compra e venda, com
referência aos princípios da consensualidade e da causalidade (408.º do CC); B tornou-
se proprietário do prédio X por efeito da celebração do contrato e possuidor nos termos
da propriedade, por efeito da entrega (posse causal, civil, efetiva, titulada, de boa fé,
pacífica e pública); B não registou, pelo que não beneficiou do efeito consolidativo do
registo (5.º/1 do CRP). B constituiu ainda um direito a construir e a manter obra sob
solo alheio (1525.º/2 do CC) a favor de G, que passou também a exteriorizar uma posse
nos termos do direito de superfície sobre o prédio X (causal, civil, efetiva, titulada, de
boa fé, pacífica e pública).
C adquiriu o mesmo prédio X em sede de venda executiva, beneficiando da
desconformidade existente entre a ordem jurídica substantiva e a realidade registal;
impunha-se discutir (i) se o artigo 5.º do CRP consagra uma eficácia atributiva e (ii) em
caso afirmativo, desenvolver o conceito de terceiro consagrado no n.º 4 daquele
preceito, concluindo-se, em princípio, no sentido de que C não era terceiro, não
beneficiando, em qualquer caso, de proteção tabular.
Ao constituir usufruto a favor de D, A voltou a praticar um ato de disposição sobre o
prédio X (dupla disposição); impunha-se discutir (i) se o artigo 5.º do CRP consagra
uma eficácia atributiva (podendo-se remeter para o que antes se tenha afirmado a esse
respeito) e (ii) em caso afirmativo, se o artigo 5.º exige que o terceiro adquirente (D)
esteja de boa fé no momento da aquisição (lembre-se que C beneficiava de registo a seu
favor, pelo que, mesmo não estando a lesar um direito de C — que não era proprietário
do prédio X — tinha um dever acrescido de indagação a respeito da titularidade se A).
Em qualquer caso — e mesmo que não se admitisse que D era usufrutuário — ter-se-ia
de concluir pela admissibilidade, em abstrato, de transmissão a favor de E do direito de
usufruto e, por outro lado impunha-se analisar — também em abstrato — a
consequência do falecimento de E: a entrada do seu usufruto na sucessão (G) ou a sua
extinção. Note-se, porém, que as aquisições de E e a (eventual) sucessão (G) seriam
prejudicadas pela não constituição do direito de usufruto na esfera de D.
O contrato celebrado entre B e F é substantivamente válido, pelo que F se torna
proprietário do imóvel (408.º do CC). F torna-se, também, possuidor do imóvel (que
exterioriza nos termos do direito de propriedade), porquanto beneficia da entrega
(1263º/b), sendo a posse causal, civil, efetiva, titulada, de boa fé, pacífica e pública.
Note-se, ainda, que F podia juntar o tempo de posse dos antigos possuidores do imóvel
(1256.º): o que teria relevância caso o aluno tivesse concluído, fundamentadamente, no
sentido de que qualquer dos sujeitos anteriormente mencionado tinha beneficiado de
aquisição tabular; nessa eventualidade, F poderia invocar a usucapião e, assim,
prevalecer na questão da titularidade do prédio X (usucapio contra tabulas).

GRUPO II
Comente a seguinte afirmação:
“Sendo a finalidade do registo a protecção do terceiro que confia na fé pública,
tal finalidade não pode ser prosseguida se o adquirente estiver de má fé”
(4 valores)
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO:
O registo procura dar publicidade à situação jurídica dos prédios e não, propriamente,
proteger o terceiro. Tanto mais que o terceiro nem sempre é protegido por via registal.
E, como sabemos, o registo não dá nem tira direitos, representando o efeito atributivo
uma exceção aos princípios estruturantes do registo predial. Aliás, a tendência
dominante, da nossa ordem jurídica, é a prevalência da titularidade substantiva sobre os
interesses do tráfego.
Todavia, perante as situações excecionais do registo atributivo, importa ter presente a
verificação concomitante dos requisitos aquisitivos previstos nos artigos 291.º CC e
17.º/2 e 122.º do CRP. Porém, no que respeita ao artigo 5º CRP, importa ter em conta,
para quem defende a admissibilidade do registo atributivo, as propostas expansionistas.
Designadamente as de Mónica Jardim e de Paulo Henriques quando prescindem dos
requisitos da onerosidade e da boa fé do terceiro adquirente. Porém, essa não será a
doutrina maioritária, tendo presente, entre outras, as posições dos professores Oliveira
Ascensão, Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes, entre outros. Aliás, o professor
Hörster sustenta que a boa fé assume uma qualidade constitutiva do direito do terceiro
adquirente. Pelo que, quem sustente esta última orientação terá que concordar com a
última parte da frase enunciada no teste. Por seu turno, no tocante à primeira parte, ela
não poderia ser aceite, tendo em conta a prevalência da titularidade substantiva, supra-
referida.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS (TURMA B)
EXAME FINAL (Recurso)
15.02.2019

Duração: 2 horas
I
António comprou a fracção autónoma X em prédio constituído em
propriedade horizontal, tendo a compra sido registada no dia seguinte, 13 de
Fevereiro de 2005. Desde essa data António vive no local.
Bento e Carlos forjaram no Notário uma escritura de venda de António ao
primeiro (Bento), escritura essa que fundou o registo da aquisição na
Conservatória do Registo Predial.
Em 5 de Maio de 2018, Bento vendeu a fracção autónoma X a Daniel, que
nada sabia da tramóia anterior, tendo o primeiro informado o segundo que
António era um locatário em final de contrato e que sairia de imediato quando
interpelado. A venda foi registada nesse dia.
Quando Daniel interpela António este recusa-se a sair dizendo ser ele e
mais ninguém o proprietário da fracção.
Quid juris? (8 val.)

1. Alusão breve à propriedade horizontal de António;


2. Caracterização da situação possessória de António;
3. Ausência de efeito real na escritura forjada;
4. Valor do registo feito a favor dos falsários (nulidade do mesmo – art.
16.º, alínea a);
5. Valor jurídico da compra e venda a Daniel (nulidade). Este não adquire
a propriedade por via do contrato;
6. Ponderação de efeito atributivo do registo predial a favor de Daniel à
luz do art. 17.º, n.º 2 do CRP;
7. Confronto entre o efeito consolidativo que beneficia António e o efeito
atributivo favorável a Daniel;
8. O efeito consolidativo afasta a atribuição registal fundada no art. 17.º,
n.º 2. Danoel não fica protegido;
9. O proprietário (e possuidor) da coisa é António.

II
Ermelinda tomou em locação uma loja para a dedicar ao seu comércio.
Adquiriu vária mercadoria para vender, registou duas marcas e celebrou um
comodato de equipamentos vários.
Em Janeiro de 2019, Francisco instala-se na loja e afasta Ermelinda do
seu estabelecimento.
O que pode fazer Ermelinda? (6 val.)

1. Discutir o problema da posse sobre o estabelecimento comercial. É


possível esta posse? Incide sobre o todo ou somente sobre as coisas
corpóreas incluídas no estabelecimento comercial?
2. A posse não pode incidir sobre estabelecimento comercial;
3. A posse respeita apenas a cada uma das coisas que estão incluídas
no estabelecimento comercial;
4. Versar sobre a tutela possessória (acção de restituição) das várias
coisas;
5. Analisar ainda a possibilidade de defesa por reivindicação e discutir do
modo análogo à posse sobre a possibilidade legal de a propriedade ter
por objecto o estabelecimento comercial.

III
Gisela adquiriu a propriedade do prédio Y por sucessão de seu pai, Paulo,
falecido a 12 de Fevereiro de 1990 e proprietário e possuidor do prédio desde
1980.
Sobre o prédio Y incidiam ao tempo da morte de Paulo, um usufruto
vitalício na parte norte do prédio, na titularidade de João, e uma servidão de
pasto a favor do prédio Z, imediatamente contíguo, propriedade de Hilário.
Gisela, que nunca gostou de João, impediu-o de gozar a coisa desde o
final de 1999, até hoje.
Com Hilário, as coisas passaram-se de modo diferente, pois, este nunca
levou o seu gado a pastar no prédio Y, mas começo a usar a parte sul do prédio
para chegar a estrada mais rapidamente com o seu carro e com o carro de bois.
Quid juris? (6 val)

1. Breve menção à aquisição da propriedade por sucessão;


2. Oneração da propriedade pelo usufruto e servidão de pasto.
Repercussão na propriedade;
3. Situação possessória decorrente da coexistência de três direitos reais
sobre a coisa;
4. Desapossamento do usufrutuário. Ponderação da usucapio libertatis
ao caso (requisitos legais e prazo legal);
5. Análise da extinção da servidão de pasto por não uso;
6. Posse de uma servidão de passagem. Caracteres (formal, não titulada,
de má fé, pública e pacífica);
7. Apreciação da constituição desta servidão por usucapião (resposta
afirmativa).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS (TURMA B)
EXAME FINAL
17.01.2019

Duração: 2 horas
I
António, proprietário e possuidor do prédio X desde 10 de Agosto de 2000,
por compra a Zacarias, vendeu o mesmo a Bento em 5 de Janeiro de 2015, tendo
o notário que outorgou a escritura registado o contrato no mesmo dia. António,
porém, nunca entregou a casa a Bento, alegando a nulidade do contrato, sem
nunca especificar o seu fundamento, que não existia.
Sem disposição para alimentar o conflito com António, Bento doou o
prédio X a Carlos, em 10 de Setembro de 2018, pondo-o ao corrente do que se
passava.
Carlos notifica judicialmente António para proceder à entrega do prédio,
mas o último responde não ter de o fazer por beneficiar de usucapião.
Quid juris? (7 val.)

1. Análise da eficácia real da venda. Princípio da consensualidade.


2. Registo, obrigatoriedade e eficácia jurídico-real.
3. A posse não se transmite ao comprador, por falta de tradição (não há
lugar ao constituto possessório)
4. Eficácia jurídico-real da doação. A propriedade transfere-se, a posse
não.
5. António permanece na posse.
6. António não pode invocar a usucapião, por, após a venda a bento, não
ter decorrido ainda o prazo legal para o efeito. Análise do regime da
usucapião quanto aos requisitos e efeitos.

II
Em 8 de Janeiro de 2018, Daniel furtou o carro Y, possuído por F nos
termos da propriedade, e propriedade de G, e vendeu-o posteriormente a H, que
desconhecia o furto.
Uma semana depois do furto, F vem a saber que o veículo se encontra
com H e pretende recuperá-lo, dado que este último recusa entregá-lo de livre
vontade.
a) O que pode fazer F para recuperar a coisa?
a. Tutela possessória. Acção de restituição. A acção de
reivindicação não se afigura possível, por F não ser o
proprietário.
b. A acção de restituição só será procedente se H estiver de má
fé. A posse é inoponível a terceiro de boa fé.
b) Qual a defesa de H contra ele?
a. Em primeiro lugar, se estiver de boa fé (a hipótese obriga a a
distinguir os dois cenários, uma vez que não indica claramente
se H está ou não de boa fé), deve invocá-lo, para paralisar a
oponibilidade da posse (art. 1281.º, n.º 2 );
b. Não sendo provada a boa fé, e uma vez que há um conflito de
posses entre ambos, a defesa seguinte, e última, consiste na
alegação de melhor posse (art. 1278.º, n.º 2 e n.º 3). Análise
dos critérios.
c) Se G quiser recuperar a sua coisa, o que pode fazer? 6 val.
a. Não tendo posse, tem, porém, a defesa por reivindicação (art.
1311.º).

III
Ilídio semeou uma plantação de arroz no prédio “Quinta da Arca”,
propriedade de João, mas usufruído ao tempo por Luísa.
Ilídio, conhecido por afrontar os vizinhos, bem sabia que a porção de
terreno onde plantou o arrozal, mais de 80% da extensão do “Quinta da Arca”,
não lhe pertencia e que não tinha qualquer outro direito a fazê-lo.
a) Luísa pretende retirar o arrozal para continuar a exploração bovina do
prédio, fim a que este se encontrava afecto. Ilídio reclama que o prédio
vale agora € 300.000,00 e só valia € 200.000,00 antes da sua
plantação e que, por essa razão, o prédio é seu.
Quid iuris? (4 val)
a. Hipótese de acessão industrial imobiliária, resolvida segundo o
regime jurídico do art. 1341.º.
b. Analisar o probema da acessão por titular de direito real menor.
b) Suponha agora que Ilídio fizera a plantação convencido ter direito a
fazê-lo, embora o seu título fosse nulo.
Quid juris? (3 val.)
a. Hipótese a analisar segundo o disposto no art. 1340.º. A
acessão beneficia o terreno onde foi feita a plantação.
b. Análise sobre a quem cabe ao direito à acessão, a João ou a
Luísa?
c. Pressupostos e eficácia da acessão.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITOS REAIS-TAN
Época de Recurso
29 de Julho – 19 horas e 30 minutos
Regência: Professor José Luís Bonifácio Ramos
(grelha correctiva)
I
(11 valores)
Álvaro, Berta e Carolina são co-titulares de uma Quinta, situada no
Oeste, que havia sido inscrita no registo predial pelo avô de ambos, Duarte, em
2001. Embora a administração tenha sido atribuída a Carolina, Berta mandou
reparar os telhados do celeiro e ampliar um tanque, onde costumava beber o
gado, para dar uns mergulhos nas tardes de Verão. Ora, se Álvaro pagou,
prontamente, o montante correspondente, o mesmo não sucedeu com Carolina
que, de pronto, alienou a sua parte, na Quinta, a Eduarda. Logo a seguir,
Álvaro permitiu que Francisco, antigo trabalhador rural de seu avô, construísse
uma pequena casa, nuns terrenos bem afastados do núcleo central da Quinta.
Francisco, por seu turno, autorizou que Henriqueta, sua cunhada , erigisse um
primeiro andar na casa, de modo a lá passar férias e fins de semana.
Por seu turno, Graça, tia de Alvaro, Berta e Carolina, tendo sabido das
alterações efectuadas, porque entendia ser a única proprietária, nos termos de
um testamento, cuja cópia, enviara aos sobrinhos, intima-os a abandonarem,
de pronto, a Quinta, ressarcindo-a dos prejuízos causados que avaliara em
cento e cinquenta mil euros. Ademais, tendo-se apercebido que Luís,
proprietário de terreno contíguo, atravessava a Quinta, a pé e de tractor, e que
aquele terreno não era encravado e havia sido objecto de acordo de sua parte
ou de Duarte, coloca um portão, de modo a proibir tal atravessamento. Porém
Luís, em resposta, informa que assim procede, uma vez que aquele percurso,
no interior da Quinta, constitui um atravessadouro, de modo a ir buscar água ao
fontanário, para dar de beber ao gado.

. Quid Juris?
Atendendendo aos termos da hipótese, tudo leva a crer que Graça é a
proprietária da Quinta, por sucessão de seu pai, Duarte, e avô de Álvaro, Berta
e Carolina. Assumindo os netos a co-titularidade de um usufruto. Por
conseguinte, nos termos do artigo 1441º CC, existe um usufruto simultâneo, a
favor de Álvaro, Berta e Carolina, ao qual se aplicam as regras da co-
titularidade, em virtude do artigo 1404ºº CC. Ademais, se a administração é
disjunta, pois a administração fora atribuída a Carolina, Berta mandou reparar
os telhados do celeiro e ampliar o tanque. Ora, mesmo que se admita que a
reparação do telhado é um acto urgente, destinado a evitar um dano eminente,
nem aí podia ser praticado por um não administrador, ainda que co-
usufrutuário, de acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 1407ºCC e nº 3 do
artigo 985º CC. Deste modo, os actos realizados por Berta podem ser
anulados, sem prejuízo do autor incorrer em responsabilidade pelos danos
decorrentes da sua prática, nos termos do nº 3 do artigo 1407º CC. Ademais,
ainda que se entenda que a reparação do telhado cabe no âmbito do
preceituado no artigo 1472º, relativo a reparações ordináriias do usufrutuário,
isso não se afigura admissível em virtude de não ser administrador.
Relativamente à alienação da quota por Carolina, havia que saber se o
usufruto permitia o trespasse, nos termos do nº 1 do artigo 1444º CC e ainda
se foi dada preferência aos demais, de acordo com o artigo 1409º CC. Por
outro lado, ainda de acordo com o artigo 1444º, dependia do título constitutivo
a susceptibilidade de Álvaro o onerar, pela constituição de um direito de
superfície a favor de Francisco. Tanto mais que Carolina havia deixado de ser
co-titular e, por via disso, administradora, ao transmitir a quota a Eduarda. No
entanto, importa ponderar se a construção da pequena casa altera a forma, a
substância ou, ao invés, o destino económico do usufruto, observando o teor
dos artigos 1439º CC e 1446º CC. Por outro lado, relativamente a Henriqueta,
a inaplicabilidade do artigo 1526º CC.
Admitindo a existência de um usufruto a favor de Álvaro, Berta e
Carolina, não poderia Graça intimá-los a abandonarem a Quinta. Solução
inversa se esse pressuposto não se verificar. Mesmo aí podíamos admitir uma
posse correspondente ao direito de usufruto que permitisse a aquisição do
direito de usufruto, por usucapião, caso os netos de Duarte estivessem de boa
fé. Por seu turno, relativamente a Luís, caso se reúnam os requisitos do artigo
1384º CC, seria possível o atravessamento da Quinta, ainda que o prédio não
esteja encravado e não haja direito de servidão a favor do titular daquele
imóvel.

II
(5 valores)
Manuela, proprietária de um apartamento no Algarve, permite que a sua
amiga Noémia e os filhos aí passem o mês de Julho. Porém, passada uma
semana, Noémia encontra, na respectiva caixa do correio, uma carta da
administração do condomínio informando que o respectivo regulamento não
permite a presença de cães no edifício. Além disso, junta a conta de diversos
arranjos no jardim e no pátio, realizados em virtude de estragos imputados aos
cães.
Contristada com a situação, porque encontrou um outro apartamento
defronte, integrado num aldeamento, resolveu adquiri-lo, mudando-se para lá
com a sua prole e os cães. Aliás, como gostou muito do aldeamento e estava
cansada da capital, resolveu vender a casa de Lisboa, fazendo do apartamento
a sua residência permanente. Mais tarde, ficou muitíssimo surpreendida ao
constatar que não poderia vender esse apartamento sem dar preferência à
empresa titular do aldeamento e que a deliberação no sentido de isentar os
residentes a um pagamento periódico, conforme havia sido informada no
momento da aquisição, havia sido anulada pelo tribunal. Quid Juris?

Tendo em conta o regime jurídico do condomínio, existem limitações


dirigidas ao uso e fruição da fracção autónoma. Assim, não pode Noémia dar à
fracção uso diverso do fim a que a fracção se destina, nem pode praticar actos
ou actividades proibidos no título constitutivo ou por uma deliberação da
assembleia de condóminos, nos termos e para os efeitos da alínea d) do nº 2
do artigo 1422º CC. Deste modo, se houve deliberação válida e sem qualquer
oposição no sentido de não permitir a presença de cães no edifício, temos
dúvidas quanto à subsistência de tal proibição, perante o acréscimo de
importância do estatuto do animal. Assim, para além da observância das regras
de higiene, salubridade e sossego, não nos parece que a proibição absoluta
possa subsistir. Algo diferente será o pagamento por Noémia dos prejuízos
imputados aos cães, ainda que se venha a ressarcir junto de Manuela.
No tocante ao apartamento integrado num aldeamento, se o respectivo
edifício tiver submetido ao direito real de habitação periódica, Manuela não
poderá fazer dele a sua residência permanente, nos termos do artigo 21º do
Decreto-Lei nº 275/93. Ademais, como pode transmitir livremente o direito de
habitação periódica, não se considera admissível uma restrição, inserta no
título constitutivo, designadamente o direito de preferência, tendo em conta a
natureza injuntiva do artigo 12º. De outro modo, porque pagamento periódico é
estruturante do direito real de habitação periódica, ao invés do que sucede no
direito de superfície, compreende-se a anulação da deliberação pelo tribunal.

III
(4 valores)
Comente a seguinte frase: “Não existe uma reiterada e permanente
prevalência do registo em detrimento da posse” .

Nos termos do nº 1 do artigo 1268º CC, se houver presunção de posse


anterior à presunção registal, prevalecerá aquela sobre esta. Apenas se houver
presunção fundada em registo anterior ao início da posse, prevalecerá sobre a
pretensão possessória.Logo, se a prevalência não é sempre e, em qualquer
caso, a favor da posse, o mesmo sucede quanto ao registo. Antes deve ser
determinada pela anterioridade do início da posse ou pela inscrição registal.
Por isso, manifestamos concordância com a frase proposta.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito – Época Especial (duração: 90 minutos)
9 de setembro de 2022
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Em março de 2010, Ana, farta da “correria” da cidade, decide ir viver para o Alentejo. Para
tal, iniciou negociações com Bartolomeu para a compra de uma moradia em Mértola, no
valor de 100 mil euros. A negociação chegou a bom termo, porém, como Ana não tinha
fundos suficientes, as partes celebraram um contrato de promessa de compra e venda,
tendo Ana pago apenas 30% do preço definido, devendo o restante montante ser liquidado
no momento da escritura pública do contrato definitivo, que teria lugar decorridos 6 meses.
Atendendo às necessidades de Ana, Bartolomeu entregou-lhe as chaves do prédio no
momento da celebração do contrato promessa. A partir desse momento, Ana fez desde
logo diversas obras de remodelação, assumindo, ainda, o pagamento de todos os encargos
relativo ao mesmo.
Entretanto, como Ana não conseguiu os fundos suficientes, o contrato definitivo nunca
chegou a ser celebrado. Como estava consciente das necessidades de Ana, Bartolomeu
nunca a quis acionar judicialmente. Farto desta situação, em janeiro de 2022 e aproveitando
a ausência de Ana, o filho de Bartolomeu, Carlos ocupa a moradia e muda as fechaduras.
Ana pergunta a um amigo jurista como pode resolver a situação. Este responde-lhe que não
existem opções legais, pois a moradia pertence a Bartolomeu e que o contrato de
promessa não lhe confere nem mesmo tutela possessória.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Analisar a posição jurídico-real dos intervenientes A, B e C, nomeadamente a


titularidade de direitos reais, classificando-os, bem como a posse
correspondente nos vários momentos temporais da hipótese.
- Em especial, classificar a posição jurídico-real de A, analisando se o contrato
promessa com traditio dá lugar a uma posse e em que termos; referir posições
doutrinárias e jurisprudenciais quanto à questão, em particular, a mantida pela
regência e tomar posição; caso a posição adotada seja a de que A é mero
detentor do direito de propriedade, analisar se os seus atos jurídicos
posteriores, nomeadamente as obras de remodelação e o pagamento de todos
os encargos relativos ao prédio ou qualquer outro momento temporal ulterior,
consubstanciam uma inversão do título da posse (artigos 1263.º, d) e 1265.º).
- Em especial, analisar a posição de jurídica de C, que adquire a posse por
apossamento (artigo 1263.º, a)) ou, conforme referem alguns autores, por
esbulho, como forma autónoma de aquisição da posse (artigos 1278.º, 1282.º);
classificar posse de C, em particular, se a mesma consubstancia uma posse
violenta ou pacífica (artigo 1261.º).
- Referir medidas legais à disposição de A: eventual usucapião (artigos 1287.º
e ss., discutindo todos os seus requisitos), a acessão industrial imobiliária do
direito de propriedade (artigo 1339.º e ss.); nenhum dos factos jurídicos
parece ser aplicável no caso concreto. De qualquer forma, fosse por via da
posse civil, fosse através da posse interdital, A teria sempre tutela
possessória contra C (artigos 1278.º).
II
Em 2010, Duarte e Eduarda adquiriram em conjunto um apartamento no Porto e uma
moradia no Algarve, tendo sido convencionado entre ambos que o apartamento serviria de
habitação a Duarte e que Eduarda ficaria com o uso da moradia, sendo que para maior
facilidade e porque os valores eram similares, Duarte efetuou o pagamento do preço do
apartamento e Eduarda efetuou o pagamento do preço da moradia.
Em 2012, Eduarda procedeu a diversas reparações urgentes na moradia, bem como à
construção de um campo de ténis e à plantação de morangos, tendo dado conhecimento a
Duarte, que não se opondo, recusou pagar qualquer valor. Para fazer face a estas
despesas, Eduarda acorda com Francisca a exploração do campo de ténis e da plantação
de morangos pelo período de 20 anos, mediante o pagamento de uma quantia anual. O
negócio foi celebrado por escritura pública, tendo Francisca procedido ao respetivo registo.
Em 2015, Duarte toma conhecimento deste negócio e de modo a suportar os custos de
manutenção do apartamento, bem como as despesas relativas às partes comuns do edifício
e os encargos do condomínio, que Francisca sempre recusou custear, decide conceder o
uso e fruição do apartamento a Gustavo, pelo prazo de 10 anos, mediante o pagamento de
uma quantia anual. Este negócio foi celebrado por documento particular autenticado, tendo
Gustavo registado a sua posse.
Em 2022, Duarte exige a Francisca a cessação imediata da exploração do campo de ténis
e da plantação de morangos e Eduarda exige a Gustavo a desocupação imediata do
apartamento, ao que Francisca e Gustavo contrapõem o registo a seu favor e o decurso
do tempo.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Regime do direito de propriedade, em especial objeto e aquisição, a


propósito dos direitos de D e E (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º e 1317.º).
- Regime da compropriedade a propósito dos direitos de D e E, igualdade
qualitativa e quantitativa dos direitos/quotas, posição dos comproprietários,
uso, administração, disposição e oneração da coisa comum e benfeitorias
necessárias (artigos 1403.º, 1405.º, 1406.º, 1407.º, 1408.º e 1411.º).
- Regime da propriedade horizontal a propósito dos direitos de D e E relativos
ao apartamento, objeto, título constitutivo, frações autónomas e partes
comuns, encargos de conservação e fruição (artigos 1414.º, 1415.º, 1417.º,
1418.º, 1420.º, 1421.º e 1424.º).
- Ponderação da aplicação do regime do usufruto, considerando
designadamente a noção, limites, conteúdo, constituição, duração e extinção
do direito de usufruto (artigos 1439.º, 1440.º, 1443.º, 1446.º e 1476.º), a
propósito dos direitos de F e G; exigência da forma de escritura pública ou
documento particular autenticado (artigo 22.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º
116/2008, de 4 de julho).
- Ponderação da aplicação do regime da superfície, considerando
designadamente a noção, conteúdo, constituição e extinção do direito de
superfície (artigos 1524.º, 1528.º, 1530.º e 1536.º), a propósito do direito de F;
exigência da forma de escritura pública ou documento particular autenticado
(artigo 22.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo
1306.º), e ponderação da aplicação do regime do usufruto/superfície versus
direitos pessoais de gozo/aplicação do regime da locação (artigo 1022.º e ss),
a propósito dos direitos de F e G, considerando os aspetos já mencionados.
- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de D,
E, F e G (artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º, 1258.º a 1262.º, 1263.º, 1266.º, 1267.º e
1268.º), bem como ponderação da posse/detenção (artigo 1253.º) a propósito
dos direitos de F e G, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação
das orientações doutrinárias.
- Análise da possibilidade de aquisição do usufruto/superfície, através da
usucapião e do registo, a favor de F e de G, considerando também a
possibilidade de aquisição, através do registo, da locação, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações doutrinárias
(artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas a), e) e m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D, 9.º,
16.º e 17.º CRP e artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1290.º, 1291.º, 1292.º, 303.º,
1294.º, n.º 1, alínea a) e 1295.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2).
- Ponderação da aplicação do regime das benfeitorias (artigos 216.º,1273.º,
1275.º e 1411.º) ou da acessão industrial imobiliária (artigos 1339º e ss.),
relativamente às reparações, construção do campo de ténis e plantação de
morangos, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das teses
doutrinárias.
- Análise da procedência das ações possessórias enquanto meio de defesa da
posse (artigos 1276.º, 1278.º, 1281.º, 1282.º e 1286.º).
- Análise da procedência de ação de reivindicação enquanto meio de defesa
do direito de propriedade, de usufruto e de superfície (artigos 1311.º e 1315.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato
sucessivo, prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos
reais (imediação jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade;
numerus clausus/tipicidade; absolutidade; publicidade; elasticidade;
transmissibilidade; consensualidade e causalidade).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito (duração: 90 minutos)
20 de junho de 2022
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Antoninho era proprietário da quinta “Paraíso”, situada em Alcácer do Sal. Antoninho
falece no dia 20 de março de 2001. Não tendo outorgado testamento, deixou sobrevivos
como únicos sucessores os seus filhos, Bernardo e Carminho. Apesar de nunca se ter
efetuado a partilha, como Bernardo estava fora do país, quem ficou a tomar conta da
quinta foi Carminho. Ao longo dos anos, Carminho aproveitou para realizar várias obras:
em 2005 construiu uma piscina; em 2007 uma churrasqueira. Adicionalmente, desde 2010
que Carminho aproveita o Verão para rentabilizar a quinta, afetando-o ao turismo rural.
Ao longo destes anos foi sempre Carminho que procedeu a todas as obras de
restauração da habitação presente na quinta, ainda que o pagamento do Imposto
Municipal sobre Imóveis tenha sido pago, alternadamente, pelos irmãos. Em janeiro de
2022, Bernardo regressa a Portugal, interpelando imediato Carminho para solucionar a
questão da partilha do imóvel, que nunca havia sido realizada. Carminho contrapõe
afirmando que, passado tantos anos, o direito de propriedade sobre a quinta só a ela lhe
pertenceria. Segunda ela, nem seria injusto, pois seria uma forma de “compensar” o facto
de Bernardo ter ficado com todo o ouro que pertencia ao pai. Furioso, Bernardo decide
então intentar uma ação possessória para reaver a posse, a titularidade do direito e para
que lhe sejam restituídos parte dos frutos obtidos com a utilização do imóvel. Por seu
turno, Carminho é aconselhada a reagir em juízo e a invocar a exceptio dominii.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

- Referir posse de B e C; aquisição por via do artigo 1255.º, após o falecimento do


de cuius a posse transmite-se para os sucessores, independentemente da
apreensão material da coisa (sucessão jurídica, manifestação da desmaterialização
do corpus); constitui-se uma situação de composse, que terá os mesmos
caracteres da posse do de cuius (classificar);
- Discutir se C, apesar de, numa primeira fase, ser compossuidora, adquire ou não a
posse (singular) por inversão do título da posse (artigo 1263.º, d) conjugado com o
artigo 1406.º, n.º 2); referir em que consiste, modalidades e requisitos (artigo
1265.º); discutir, em especial, a exigência da oposição (direta) do detentor, no
sentido de ser necessário (ou não) informar B de que se considera titular singular
do direito de propriedade sobre a quinta; caso haja inversão do título da posse,
deve-se classificar a posse de C e referir que estamos perante um esbulho,
aplicando-se o artigo 1267.º, n.º 1, d); de qualquer forma, haverá sempre uma
inversão do título da posse em janeiro de 2022, quando C refere que o terreno lhe
pertence a título singular.
- Referir ações possessórias à disposição de B; caso tivesse existido inversão do
título da posse por parte de C em 2005, 2007 ou 2010 e, consequentemente,
esbulho, B já não seria possuidor, pelo que já não poderia intentar ação
possessória; referir artigo 1286.º, que estatui que nas relações entre
compossuidores não cabe ação de manutenção; porém, a contrario afirmar-se-á
que cabem os demais meios de defesa, onde se inclui a ação de restituição da
posse e a ação de prevenção (artigo 1278.º, n.º 1); a ação de restituição da posse
não tem como objeto a titularidade do direito, nem a restituição de parte dos frutos
obtidos com a utilização do imóvel, mas apenas a posse.
- referir em que consiste a exceptio dominii bem como a sua relação para com a
ação de reivindicação (artigo 1311.º); a titularidade singular do direito de
propriedade de C apenas se poderia consubstanciar numa aquisição por via da
usucapião (mediante o preenchimento dos requisitos respetivos) ou da acessão do
direito de propriedade: referir diferença para as benfeitorias e critérios aplicáveis; in
casu, a má-fé de C impediria sempre que adquirisse o direito de propriedade por via
do regime da acessão (artigo 1341.º).

II
Duarte tem uma luxuosa casa de férias no Algarve e com o intuito de a rentabilizar, a
longo prazo e sem grandes preocupações, em junho de 2005, celebra um negócio com
Eduarda, sua amiga de infância, pelo prazo de 15 anos, e nos termos do qual, mediante o
pagamento de uma quantia anual, esta última poderia usar, fruir e administrar a casa da
forma que melhor lhe aprouvesse. No mês seguinte, Eduarda aceita uma proposta de
trabalho fora de Portugal e por esse motivo, transmite este direito, nos exatos termos em
que lhe foi concedido, a Francisco, seu primo, que regista a posse da casa. Eduarda
falece em junho de 2007 e Francisco aproveita para constituir um direito de passagem a
favor de Gabriela, proprietária do terreno agrícola vizinho, uma vez que o mesmo não
tinha saída para a estrada, mediante o pagamento de uma avultada quantia, e ainda para
ceder o gozo da casa a Hugo nos meses de junho a setembro, também mediante o
pagamento de uma elevada soma. Considerando que até junho de 2020, não teve
qualquer notícia de Duarte, Francisco deixa de providenciar os pagamentos a Duarte e
muda-se para a casa com a sua família, passando a fazer da mesma habitação
permanente. Em junho de 2022, Duarte, que se ausentara do país desde 2010, regressa
e depara-se com esta situação, exigindo a devolução imediata da casa, ao que Francisco
se opõe, afirmando ser o proprietário da casa; simultaneamente Gabriela e Hugo
pretendem fazer valer os seus direitos, que consideram ter adquirido de forma vitalícia, a
primeira invocando o decurso do tempo e o segundo apresentando o registo a seu favor.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de D, E, F e


G (artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º, 1258.º a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º), bem como
ponderação da posse/detenção (artigo 1253.º) em especial a propósito do direito de
H, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações
doutrinárias.
- Regime do direito de propriedade a propósito do direito de D, bem como distinção
entre propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º).
- Noção, limites, conteúdo, aquisição, transmissão e extinção do direito de usufruto
(artigos 1439.º, 1440.º, 1443.º, 1444.º, 1446.º e 1476.º), a propósito do direito de E e
do direito de F.
- Noção, conteúdo, constituição, caraterísticas e modalidades do direito de servidão
a propósito do direito de G (artigos 1543.º, 1544.º, 1545.º, 1546.º, 1547.º, 1548.º,
1550.º e 1551.º).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo
1306.º), direitos pessoais de gozo e possibilidade de aplicação do regime da
locação (artigo 1022.º e ss), a propósito do direito de H.
- Ponderação da possibilidade de aquisição da propriedade a favor de F através do
registo/usucapião, bem como da possibilidade de aquisição da servidão a favor de
G através da usucapião e da possibilidade de aquisição da locação a favor de H
através do registo, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das
orientações doutrinárias (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas a) m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B,
8.º-C, 8.º-D, 9.º, 16.º e 17.º CRP e artigos 291.º, 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1292.º, 303.º,
1293.º alínea a), 1295.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 1296.º).
- Possibilidade de D intentar contra F ação de reivindicação (artigo 1311.º), mas não
ações possessórias (artigos 1276.º e ss.).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato sucessivo,
prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos reais (imediação
jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade; numerus clausus/tipicidade;
absolutidade; publicidade; elasticidade; transmissibilidade; consensualidade e
causalidade).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2018/2019
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma B-Dia
Exame escrito (Época de Recurso - Coincidências) (duração: 120 minutos)
19 de Fevereiro de 2019/Professor Doutor José Alberto Vieira

Tópicos de correção1

I
a)

1. Modo de aquisição do direito real; Existe compropriedade uma vez que duas
pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma
coisa (art. 1403.º, n.º 1, do CC); Referência à posição dos comproprietários (art.
1405.º. do CC); Resolver questão sobre se o preço era indicação suficiente para
ilidir a presunção do art. 1403.º, n.º 2, devendo a resposta ser afirmativa.

2. Composse de Arlindo e Bruno (art. 1404.º, do CC) e posse de Carlos. Modo


de constituição; classificações e caracteres.

3. Direito de Superfície: admissibilidade e conteúdo do direito (art. 1524.º e ss.,


do CC)

b)

1. Discutir aplicação do art. 1408.º, bem como o art. 1403.º, n.º 2, ambos do CC,
concluindo pela impossibilidade de ato ser realizado sem a anuência de Bruno,
bem como as respetivas consequências.

II
1. Caso de colisão entre direitos reais. O aproveitamento de uma coisa pelo
titular, dada a proximidade com outra, poderá ter repercussão no aproveitamento
por parte de terceiros (vide art. 1365.º, n.º 1, do CC).

2. O facto de a lei se referir ao proprietário, não obsta a que esta norma, e todo
o demais conteúdo negativo dos Direitos Reais, se aplique, da mesma forma,
aos titulares de direitos reais menores, como o usufruto (artigo 1439.º e
seguintes do CC), neste caso vitalício (artigo 1443.º, primeira parte, do CC).

3. Não obstante a ilicitude da conduta de António, certo é que as águas escoaram


para o prédio vizinho durante 30 anos. Esta factualidade implica a aplicação do
art. 1365.º, n.º 2, do CC, e consideremos que existiu a constituição de uma
servidão predial de estilicídio por usucapião. Carolina poderá construir, contudo,
não pode impedir o escoamento das águas, devendo realizar assim as obras
necessárias para que o escoamento das águas se faça no seu prédio.

4. António poderá propor uma ação de reivindicação contra Carolina, nos termos
do artigo 1315.º, conjugado com o artigo 1311.º, n.º 1, ambos do CC, pedindo o
1
Poderão ser considerados outros elementos que se revelem pertinentes para a correta
resolução das questões colocadas.
reconhecimento da existência do seu direito, bem como a condenação de
Carolina a efetuar as alterações necessárias para que António possa exercer a
sua servidão. Adicionalmente, António poderá ainda pedir a indemnização por
danos causados com as infiltrações de água no seu prédio (artigo 483.º, n.º 1,
do CC).

b)

1. Servidão de passagem (encrave absoluto) a favor de Bento. Admissibilidade


e conteúdo do direito (art. 1543.º e ss., do CC), em especial, art. 1550.º, n.º 1,
do CC, tendo sido a servidão constituída de forma voluntária (art. 1547.º, n.º 2,
do CC). Pressupõe-se que Bento tenha efetuado o registo da servidão predial,
nos termos do artigo 2.º, n.º 1, a), do Código de Registo Predial. Contudo, ainda
que não o tenha feito, tratando-se de uma servidão aparente, o registo da mesma
seria meramente enunciativo (artigo 5.º, n.º 2, b), do Código de Registo Predial),
i.e., efeitos de publicidade para com terceiros e não uma eficácia consolidativa.

2. A servidão permanece ligada à coisa, ainda que se dê a mudança de


titularidade nos direitos reais que recaem sobre o prédio. Está em causa a
oponibilidade erga omnes dos direitos reais, enquanto direitos absolutos.

III
1. No momento da celebração do negócio, a cortiça é um bem objetivamente
futuro (artigo 211.º do CC), não pode ser objeto de um negócio real. Desta feita,
não existe qualquer transmissão do direito de propriedade para Gabriel.
Aplicação do art. 408.º, n.º 2, do CC, tendo como efeito o facto de Gabriel não
poder intentar uma ação de reivindicação (art. 1311.º, do CC e art. 882.º, n.º 2,
do CC), podendo apenas intentar uma ação de responsabilidade civil. Heitor é o
titular do direito real de propriedade (art. 408.º. n.º 1, do CC).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2018/2019
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma B-Dia
Exame escrito (Época de Coincidências) (duração: 120 minutos)
23 de Janeiro de 2019/Professor Doutor José Alberto Vieira

Tópicos de correção1
I
1. Análise da eficácia real da venda. Princípio da consensualidade e Princípio da
Causalidade. Desrespeito da forma exigida: o documento particular autenticado
como forma admissível, passou apenas a ser legalmente aceite com o Decreto-
Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho. Antes era necessário escritura pública. Existe
assim invalidade formal e o negócio é nulo por falta de forma (art. 220.º, do
Código Civil).
2. Registo, obrigatoriedade; efeitos.
3. Atipicidade dos factos jurídicos com eficácia real, pelo que é a troca é um
negócio jurídico admissível para a transmissão de direitos reais.
4. Posse de António e Bruno: modo de constituição; classificação, caracteres.
5. Usufruto: admissibilidade; limites positivos e negativos.
6. Efeito atributivo do registo a favor de Carlos: art. 5.º, n.º 4, do Código do
Registo Predial; requisitos; em especial: conceito de terceiros e
incompatibilidade absoluta e relativo dos direitos. A posição de Carlos é
protegida, contudo, o direito de Bruno não se extingue, apenas fica onerado.

II
1. Vertente quantitativa e qualitativa da compropriedade (arts. 1403.º e ss, do
Código Civil);
2. Discussão sobre a administração das partes comuns do edifício e aprovação
das deliberações da assembleia de condóminos, em princípio vinculativas para
todos os condóminos (arts. 1430.º e ss., do Código Civil), bem como para os
arrendatários (arts. 1422.º, n.º 2, al. d), e 1071.º do Código Civil);
3. Discutir se aos órgãos do condomínio compete, apenas, a administração
apenas das partes comuns (artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil), ou ainda

1
Poderão ser considerados outros elementos que se revelem pertinentes para a correta
resolução das questões colocadas.
frações autónomas; se se defender a primeira opção, referir que as deliberações
que têm por objeto as frações autónomas serão ineficazes ou nulas.
4. Aplicação do art. 1424.º, do Código Civil, em especial, n.ºs 3 a 5.

III

1. Identificação da questão como de relações de vizinhança, particularmente, o


art. 1346.º, do Código Civil.

2. Identificação e fundamentação dos requisitos do art. 1346.º, do Código Civil.

3. Irrelevância da licença administrativa atribuída pela Câmara Municipal de


Cascais; fundamentação.

4. Efeitos do art. 1346.º: cessação da conduta e responsabilidade civil nos


termos gerais.

5. Conjugação com o art. 1347.º, do Código Civil.


Exame Direitos Reais (TA) – Época de Recurso

Alberto, em janeiro de 2002, dado não ter terreno para os seus cavalos, combinou com Bento a
utilização do terreno deste para apascentar os seus animais. O acordo entre Alberto e Bento foi selado
através de um contrato revisto por um advogado amigo de ambos. Em março de 2020, Bento chega
a acordo com Carlos, para a permuta deste seu terreno por um pequeno prédio T1 em Lisboa, tendo
o contrato sido celebrado por documento particular autenticado. Imediatamente após o acordo, Carlos
envia uma carta a Alberto, exigindo que o mesmo retire os cavalos do terreno. Alberto rejeita,
opondo o contrato celebrado com Bento.
Refira os problemas jurídico-reais envolvidos na hipótese, fundamentando a sua resposta. (5 v.)

- Referência ao acordo entre Alberto e Bento, como não tendo eficácia real (princípio da tipicidade,
absolutidade e causalidade e respetivos efeitos).
- Em especial, excluir aplicação do regime jurídico da servidão predial, que, apesar de constituir um
tipo aberto, tem como objeto o prédio serviente, e não qualquer tipo de aproveitamento
exclusivamente pessoal (rejeição da existência de servidões pessoais).
- Referência ao acordo entre Bento e Carlos como tendo eficácia real, para a constituição do direito
real de propriedade, apesar de o negócio ser atípico, pois não existe uma tipicidade de factos jurídicos
com eficácia real e não se aplicando a limitação prevista no art. 1378.º (aplicabilidade as normas
relativas à compra e venda (art 939.º). Mencionar princípio da consensualidade (art. 408.º, n.º 1) e
referência ainda à forma que foi respeitada (art. 875.º e art. 22.º, a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de
4 de julho).
- O contrato, com eficácia obrigacional, celebrado entre Alberto e Bento, com aquisição do terreno
por Carlos, extingue-se por impossibilidade absoluta superveniente, podendo Carlos opor o seu
direito a Alberto.

II

Em julho de 2020, quando se preparava para iniciar as suas férias na praia da rocha, ao passar junto
de um bar, Daniel identifica a sua mota Harley Davidson, que tinha sido furtada em outubro de 2019,
na zona de Santos, em Lisboa. A mota estava a ser utilizada por Ernesto, que se recusa a entregar a
mesma, referindo tê-la adquirido num stand em Setúbal.
Explique todas as questões jurídico-possessórias da hipótese. (4 v.)

- O furto corresponde a um esbulho material da coisa, tendo a posse sido adquirida através de
apossamento (art. 1263.º, a)).
- Referir que Daniel não perde o direito de propriedade e só perderá a posse se nova posse houver
durado por mais de um ano. In casu, tal não sucedeu, uma vez que só passaram 8 meses. Classificar
posse de Daniel.
- Quanto à possível ação de restituição (art. 1278.º, n.º 1), existe um problema de legitimidade passiva,
uma vez que Ernesto parece desconhecer o esbulho (art. 1281.º, n.º 2). Classificar posse de Ernesto.
- Daniel só poderia recorrer, assim, à ação de reivindicação (art. 1311.º), aplicando-se, contudo o art.
1301.º, i.e., seria obrigado a restituir o preço que o Ernesto tiver dado pela coisa, gozando, contudo,
do direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa ao prejuízo.

III
Em julho de 1988, Francisca vendeu, por documento escrito, uma moradia sita em Oeiras a
Guilherme, que passou a habitá-la de imediato, sem que se tenha procedido ao registo predial do
negócio. Em 1994, Francisca doou o mesmo imóvel à sua sobrinha, Hélia, residente no Brasil, tendo
procedido ao respetivo registo. Em 2010, Guilherme vendeu a referida moradia a Igor por €200.000,
mediante documento particular autenticado. Na semana passada, Hélia retornou a Portugal e pretende
habitar a moradia, onde atualmente reside Igor, o qual recusa a entrega do imóvel, pois afirma “ter
tratado de todos os papéis do registo predial aquando da compra a Guilherme e não haver dúvidas
quanto a ser o proprietário”.
Poderá Igor ter razão? (5 v.)
- Venda de Francisca a Guilherme nula por não respeitar forma legalmente exigida (à data,
escritura pública, nos termos do art.º 875.º CC). Logo, não se deu o efeito transmissivo da propriedade.
- Aquisição da posse por Guilherme mediante tradição material do imóvel e concomitante
perda da posse por cedência de Francisca, nos termos dos artigos 1263.º, b) e 1267.º/1, c) CC
respetivamente.
- Classificação da posse de Guilherme: efetiva, formal, civil, pacífica (1261.º/1 CC), pública
(1262.º CC), não titulada (1259.º/1, parte final CC) e presumindo-se de má fé (1260.º/2 CC; tratando-
se de presunção ilidível, no caso, poderia considerar-se de boa fé).
- Transmissão do direito de propriedade a Hélia por doação, a qual deverá ter sido realizada
mediante escritura pública nos termos do art.º 947.º (redação vigente à data).
- Venda a Igor: o negócio respeita a forma legalmente exigida prevista no art.º 875.º CC desde
a entrada em vigor do DL 116/2008 (art.º 22.º, a) em conjugação com o art.º 36.º/3 do referido DL);
trata-se, porém, de uma venda de bem alheio, a qual padece de nulidade nos termos do art.º 892.º CC,
salvo se Guilherme tivesse invocada a usucapião, nos termos do art.º 303.º CC ex vi art.º 1292.º CC
o que poderia fazer desde julho de 2003, aquando da completude do prazo de 15 anos previsto no art.º
1296.º CC. Tendo em conta a afirmação de Igor de que “tratou de todos os papéis aquando da compra
a Guilherme” parece que terá sido realizado o processo de justificação, nos termos dos artigos 116.º
e ss. CRPr, tendo a usucapião sido assim invocada e o bem inscrito a favor de Igor enquanto
comprador do adquirente por usucapião Guilherme. Considerando que o efeito do registo no caso da
aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre um imóvel consiste num efeito (meramente)
enunciativo, esse facto aquisitivo é oponível erga omnes, afastando-se a eventual proteção de um
terceiro (usucapio contra tabulas). No caso, Hélia não alienou a nenhum terceiro, pelo que a questão
é de ainda mais fácil resolução, prevalecendo a aquisição por usucapião de Guilherme e posterior
venda a Igor sobre a posição de Hélia. Valorização à eventual referência à discussão quanto à natureza
da posição de Hélia: extinção do seu direito (Oliveira Ascensão) ou (mera) não oponibilidade perante
a usucapião de Guilherme (Menezes Cordeiro).

IV
“A lei portuguesa inspirou-se na doutrina subjetivista de Savigni, defendendo a maioria da Doutrina
e a Jurisprudência essa solução. Na verdade, o art. 1253º, al. a) e c) introduzem no âmbito
da detenção o exercício do poder de facto sem intenção de agir como beneficiário do direito, e
o exercício da posse em nome alheio, o que corresponde à exigência do animus domini para
caracterizar a posse, qualificando como detenção os casos em que não se tem intenção de possuir a
coisa, designadamente quando a intenção é de a possuir para outrem (nomine alieno) o que
corresponde à formulação subjectivista. A lei, ao distinguir-se posse de mera detenção envereda pela
conceção subjetivista de posse, embora se apresente, contudo, a estender a tutela possessória a
alguns casos de posse precária, ou seja, em que não há animus possidendi (...)” (Ac. Trib. Rel.
Guimarães de 16.11.2017, proc.º n.º 1759/14.3T8CHV.G1, negritos no original).
Concorda com o Tribunal da Relação de Guimarães? Responda fundadamente. (5 v.)

- Distinção entre os conceitos subjetivista e objetivista de posse, mencionando os precursores


de cada uma das posições (Savigny e Jhering, respetivamente).
- Explicação do que é o corpus (controlo material sobre uma coisa) e o animus possidendi
(intenção de exercer em nome próprio o direito real, na conceção originária de Savigny) para a tese
subjetivista. Explicação da tese objetivista como partindo da existência posse sempre que há domínio
material sobre uma coisa, a qual pode ser descaracterizada, passando a mera detenção, na presença
de uma das circunstâncias previstas na lei com esse efeito, que se encontrariam, no direito português,
nas alíneas do artigo 1253.º CC.
- Referência à doutrina portuguesa que defende uma e outra posição (com especial relevo para
AntunesVarela/Pires de Lima na defesa da primeira, tendo em conta os preparatórios do Código Civil
e, mais recentemente, para Costa e Silva, bem como para as diferentes vertentes da tese objetivista
defendidas por Menezes Cordeiro, Oliveira Ascensão, Menezes Leitão e José Alberto Vieira, à luz
das diversas interpretações feitas pelos Autores da al. a) do art.º 1253.º, seja como referindo-se a uma
manifestação de intenção expressa de não exercer posse – Oliveira Ascensão – seja como referindo-
se grosso modo a um domínio material nos termos de um direito/situação no âmbito da qual a própria
lei exclui a possibilidade de existir posse, como por exemplo no caso dos bens de domínio público
ou no caso do direito real de habitação periódica – Menezes Cordeiro, Menezes Leitão, José Alberto
Vieira, com as inerentes variações).
- Tomada de posição fundamentada sobre a posição adotada pela jurisprudência citada à luz
dos argumentos a favor e contra a consagração legal da doutrina subjetivista.

Ponderação global: 1v.

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