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Tópicos de Correção
I
Em março de 2015, Armindo encontrava-se a viajar no expresso Lisboa-Faro
quando encontrou uma pedra preciosa dentro da bolsa traseira do Banco. Armindo
guardou-a discretamente, tendo, logo que chegou a Faro, perguntado ao seu amigo, o
Bruno, dono de uma casa de penhor, que tipo de pedra era aquela. Após analisar, Bruno
disse-lhe que era um mineral muito valioso, nomeadamente uma esmeralda rara. Bruno
combinou então com António que este vendesse a pedra preciosa na sua loja, ficando
este último com 10% da venda. De forma a promover a venda, Bruno decide colocar a
esmeralda num anel de ouro. O conjunto acabou por ser vendido em julho de 2015, a
Catarina. Em janeiro de 2021, Catarina é surpreendida por Diana, que reconhece a sua
esmeralda, pedindo-a de volta. Catarina recusa-se a devolvê-la, aduzindo os seguintes
argumentos: (i) que o comprou a um legítimo comerciante; (ii) que já não estava mais em
causa apenas a esmeralda, mas sim um anel com uma gema; (iii) que já detinha a
esmeralda há muito tempo e, por isso, Diana já não tinha direitos sobre a pedra preciosa.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)
- Forma de aquisição da posse de A, que se deu por via do esbulho (não sendo previsto,
expressamente, ainda assim, este modo de aquisição possessória pode ser retirado dos
artigos 1278.º a 1282.º)); a aquisição por via do esbulho deverá ser mantida,
independentemente de se defender que D perdeu a posse, uma vez que A não cumpre
com os requisitos do artigo 1323.º, n.º 1 e 2, excluindo-se, por conseguinte, a aplicação
deste regime; classificação da sua posse, em especial, discutindo se a mesma é pública
ou oculta.
- B é apenas detentor (artigo 1253.º, c)). Embora a sua detenção lhe atribua tutela
possessória (artigo 670.º, a)), a mesma não constitui posse.
- C adquire a posse do anel com a esmeralda por tradição material da coisa (artigo
1263.º, b)); classificação da sua posse; C não adquire, porém, o direito real de
propriedade sobre a esmeralda, pois constitui uma venda de bens alheios (artigo 892.º).
- D é, aparentemente, titular do direito real de propriedade sobre a esmeralda; discutir se
a posse de D se extingue por perda (artigo 1267.º, b)), configurando a situação como
sendo correlativa com a aplicação do regime das coisas perdidas e esquecidas (artigo
1323.º) ou, pelo contrário, aplicando esta causa de extinção num sentido restrito, uma vez
que D poderia, ainda, encontrar a coisa, tendo em conta a factualidade do caso concreto,
e, aplicando-se, assim, o artigo 1267.º, d).
II
Em janeiro de 2010, Francisco herda um monte alentejano que decide entregar a
Guilherme no mês seguinte, para que este proceda à respetiva manutenção e
rentabilização da forma que entender adequada. Guilherme reserva uma parte do monte
para fazer plantações agrícolas, comercializando os respetivos frutos e em fevereiro de
2010, cede outra parte a Hugo, para que este aí construa e explore um alojamento
destinado a turismo rural, o que não comunica a Francisco por considerar desnecessário.
Em março de 2021, Guilherme morre e Francisco vende o monte a Inês. Em maio do
mesmo ano, Inês muda-se para o monte e depara-se com a presença de Hugo, exigindo
que este abandone a propriedade, exibindo-lhe a escritura e o comprovativo do registo.
Hugo recusa-se, atendendo ao tempo decorrido entretanto, bem como ao montante por si
despendido na construção do alojamento.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
III (4 v.)
Tópicos de correção
I (10 valores)
Em fevereiro de 2010, Alberto e Bruno adquiriram por compra e venda um terreno
a Carlos, na região de Santarém. O facto jurídico aquisitivo foi devidamente registado.
Em janeiro de 2011 Bruno falece, fazendo com que Alberto assuma o controlo dos
negócios da quinta. Nos anos seguintes, Alberto procede à construção de dois casões
para armazenar máquinas agrícolas, bem como de uma piscina. Em janeiro de 2021,
Alberto é surpreendido por Daniel filho de Bruno, que reclama ser, igualmente,
possuidor e comproprietário do terreno, referindo que todos os atos práticos por Alberto
eram inválidos, pois não tiveram a sua anuência. Alberto contrapõe dizendo ter sido o
único a preocupar-se com o terreno desde a morte de Bruno, sendo que ao fim destes
anos será ele o único proprietário.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)
- A junção de duas coisas corpóreas, cuja titularidade não pertence ao mesmo titular,
pode suscitar a questão da aquisição por acessão (forma de aquisição originária: artigos
1316.º e 1317.º, d)); in casu, a acessão industrial imobiliária (artigos 1339.º e seguintes);
referência aos requisitos.
- Não existindo autorização, a situação reportar-se, de qualquer forma, ao artigo 1341.º.
Em determinadas situações, a transformação, por um dos comproprietários, do terreno
comum, que diz respeito ao seu interesse exclusivo, sem autorização, pode implicar a
aplicação das regras da acessão; porém, como vimos, parece não ter existido inversão do
título da posse, pelo que as regras de acessão não se aplicariam, tendo em conta que a
titularidade pertence a ambos os sujeitos.
II (6 valores)
Alda, titular de uma unidade de alojamento, num empreendimento de turismo rural, no
Douro Vinhateiro, escreveu uma carta ao administrador daquela entidade, nos seguintes
termos:
a) Deixará de pagar a prestação periódica, no fim do mês de Dezembro de 2021, se até lá
não for reparada a canalização da cozinha do apartamento que utiliza durante o mês de
Setembro.
b) Como também é titular da unidade de alojamento contígua, declara ir abrir, de imediato,
uma porta de comunicação, entre os dois apartamentos, que funcionará durante cada
mês de Setembro.
c) Mais declara que, em 2022, irá viajar durante os meses de Agosto e de Setembro. Por
isso, pretende utilizar as unidades de alojamento em Outubro, por troca com o respectivo
usuário
d) Porque pondera a hipótese de alienar as duas unidades de alojamento em 2023, data
previsível do fim da construção da moradia que mandou edificar, a alguns quilómetros de
distância, vem, desde já, dar preferência, nos termos contratuais, declarando que as irá
transmitir a Bento, pelo preço global de X.
Quid Juris?
- Em primeiro lugar, haverá que discutir se estaremos perante um direito real. Em caso
positivo, qual?
- Na verdade, não basta a existência de uma unidade de alojamento, integrada num
empreendimento turístico para estarmos defronte de um direito real de habitação
periódica (Decreto-Lei nº 275/93 de 5 de Agosto, republicado pelo nº 37/2011 de 10 de
Março).
- Em segundo, será necessário ter em conta a especialidade do objecto, como decorre
dos artigos 4º e 5º.
-Se essas condições não estiverem reunidas, suscita-se a questão de uma posse relativa
ao DRHP, mas não da titularidade de um verdadeiro DRHP.
- Ou ainda da eventual existência de um direito real de condomínio, caso a unidade
estivesse em regime de propriedade horizontal.
- O pagamento da prestação é a principal obrigação do utente, constituindo uma
obrigação real ou um ónus real.
-A falta de pagamento das prestações também integra a alínea d) do artigo 46 do CPC,
nos termos do nº 2, do artigo 23º.
- Além de que a falta de pagamento da prestação periódica, permite uma oposição ao seu
exercício por parte do proprietário, nos termos do nº 3 do artigo 23º.
- Por conseguinte, não parece que a cessação de pagamento, por parte de A, seja
admissível.
-Se a ligação entre fracções é admissível no regime do direito de condomínio, não parece
admissível no DRHP, atento o teor do artigo 28º.
- Quanto à troca do período de utilização, cumpre saber se o período de tempo foi
determinado ou é determinável, em cada ano, de acordo com os números 2 e 3 do artigo
3º. Além da eventual existência de um acordo com o outro utente.
-Ao invés do direito de superfície o proprietário do empreendimento não goza do direito de
preferência na venda ou dação em cumprimento dos direitos parcelares de habitação
periódica. Aliás, como recorda Mónica Jardim, se esta matéria é omissa no diploma
actual, a anterior Decreto-Lei nº 130/89 regulava esta matéria no artigo 13º.
III (4 v.)
Tópicos de correção
I
Em janeiro de 2005, Ana e Bruno receberam de doação um pequeno iate
que se encontrava na marina de Portimão. Como Bruno se encontrava fora, Ana
utilizou sempre o iate a seu belo prazer, realizando, inclusive obras de restauro sem
qualquer autorização de Bruno. Em maio de 2021, Bruno envia uma carta a Ana,
sugerindo-lhe vender a “parte dele do iate”. Ana responde dizendo que, ao fim
destes anos, Bruno já não tem quaisquer direitos sobre o bem, sendo ela
proprietária exclusiva. Bruno, chateado com a situação, decide transmitir a sua
quota a Carlos, em troca de um BMW usado, não informando disso Ana.
II
Em março de 2005, Diana adquiriu um apartamento, que decidiu usar como espaço
de trabalho; porém, em fevereiro de 2010, é surpreendida com uma deliberação
aprovada no mês de janeiro transato em assembleia de condóminos, nos termos da
qual as frações apenas podem ser usadas para fins exclusivamente habitacionais.
Em junho de 2011, acaba por vender o apartamento a Emília, que de imediato se
instala com o seu marido Francisco, embora não proceda ao registo. Em janeiro de
2015, Francisco e Emília divorciam-se, ficando Francisco com o direito a
permanecer no apartamento. Em junho de 2021, Diana, tomando conhecimento que
o apartamento ainda se encontra inscrito no registo a seu favor, vende-o a
Guilherme, que de imediato o regista. Emília opõe-se a Guilherme dizendo ser a
proprietária do apartamento atento o decurso do tempo e a atitude pouco cordata de
Diana; enquanto Francisco afirma que, independentemente de quem seja o
proprietário, tem direito a viver no apartamento.
III
I
Em julho de 2010, Ana, proprietária de um terreno em Alcácer do Sal, decide
constituir, a favor de Bruno, um usufruto pelo período de 30 anos. Nos termos do
contrato, ficaria vedado a Bruno trespassar a sua posição jurídica a terceiros,
podendo, porém, alterar o aproveitamento económico do terreno, que era, à data,
utilizado para a cultura do arroz. Bruno, que tomou posse imediata do terreno,
procedeu à transformação do mesmo para a cultura da batata-doce, bem como à
oneração de uma parcela deste a Carlos pelo período do usufruto, ficando
estabelecido, contratualmente, que o contrato teria eficácia real.
Em fevereiro de 2021, após o falecimento de Ana, o seu legítimo herdeiro,
Daniel, envia uma carta a Bruno, declarando que o contrato era inválido tendo em
conta dois fundamentos: (i) falta de forma legalmente exigida, uma vez que o
contrato de usufruto tinha sido celebrado, unicamente, por escrito particular; (ii)
violação das regras imperativas do regime de usufruto. Bruno contradita, referindo a
que a falta de validade do contrato não se aplica no presente caso, dado que está há
muito tempo na posse do terreno. Adicionalmente, Bruno refere que a alteração
para a cultura da batata-doce foi prevista contratualmente e que tal não viola as
regras do usufruto, pois ficou estabelecido que, no final do contrato, Bruno colocaria
o terreno no estado em que se encontrava anteriormente.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
III
-Em primeiro lugar, as obrigações contidas no diploma não colidem com a tipicidade.
-Por seu turno, quanto ao morador, o dever de realizar e suportar o custo de obras
de conservação ordinária na habitação.
I
Os irmãos Amílcar e Bruno, naturais de Beja, são conhecidos na cidade pelas suas
desavenças. Tudo começou em fevereiro de 2001, aquando da morte do seu pai, que colocou
em testamento que Amílcar e Bruno herdariam um monte no Alentejo, mas com a condição de
jamais o poder dividir. Certo é que os irmãos nunca se entenderam sobre a forma de gozar o
terreno. Em julho de 2002, Amílcar ameaçou mesmo o irmão com uma caçadeira, pedindo a
este que saísse do terreno ou então “não sairia dali vivo”. Bruno abandonou o terreno, dizendo
que iria reagir judicialmente. Em fevereiro de 2003, Amílcar celebra, por escritura pública, um
contrato com Carlos, nos termos do qual este teria a faculdade de cuidar de uma parte do
terreno, onde estava o montado de cortiça, por 18 anos, pagando 6000 € anuais. No contrato
foi aposta a menção expressa que o mesmo teria eficácia real.
A partir de 2008, Carlos deixa de cumprir com o pagamento anual. Como forma de se ver livre
do mesmo, transmite o seu direito a Daniel, em fevereiro de 2015. Daniel recusa-se, porém, a
pagar as prestações anuais em atraso, referindo que as mesmas devem ser exigidas a Carlos,
que era ao tempo titular do direito. Em março de 2022, Bruno consegue invalidar o negócio
jurídico celebrado entre Amílcar e Carlos, exigindo, de imediato, a restituição do terreno. Por
sua vez, Amílcar e Daniel referem ter adquirido direitos “pelo decurso do tempo”. No caso
específico de Daniel, este afirma ter adquirido apenas parte do terreno onde explorava o
montado de cortiça, argumentando para o efeito que pode juntar a posse de Carlos.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
- Atribuição da coisa, por testamento, a dois herdeiros com a condição de não a poder
dividir: referir que não é válida a cláusula que faça depender da verificação de um
acontecimento futuro e incerto a extinção do direito de propriedade (artigos 1307.º, bem
como artigo 1306.º (princípio da tipicidade)); titularidade de dois sujeitos (A e B) sobre a
mesma coisa: compropriedade (artigos 1403.º e ss.).
- Referir e classificar a posse de A, B, C e D; referir e explicar inversão do título da posse
por parte de A (artigos 1263.º, d), 1265.º e 1406.º, n.º 2); posse de A adquirida com
violência (artigo 1261.º: referir critérios); classificar posse de A após esse momento;
referir que, concomitantemente, B é esbulhado, mantendo a posse por um ano (artigos
1267.º, n.º 1, d) e n.º 2 e 1279.º).
- Direito de superfície de A a favor de C (artigos 1524.º e ss.); oneração de coisa alheia
(artigo 1408.º, n.º 1 e 2); o facto de o contrato mencionar que o mesmo tem eficácia real
não tem relevância jurídica, uma vez que a constituição de um direito real de gozo não
depende de uma cláusula atributiva de eficácia real, mas sim de o direito constituído
estar enquadrado num dos tipos legais (princípio da tipicidade ou da taxatividade do
artigo 1306.º).
- Cânon superficiário como uma situação jurídica propter rem (em particular, discutir a
sua natureza jurídica, nomeadamente se estamos perante uma obrigação propter rem ou
um ónus real) (artigo 1530.º); à mora aplica-se o artigo 1531.º, n.º 2; transmissão do
direito de superfície a D, que é possível nos termos do artigo 1534.º; discutir se as
obrigações vencidas continuam a onerar C ou se a “ambulatoriedade” da situação
jurídica propter rem onera D, independentemente de estarem ou não vencidas; referir
direito de preferência do fundeiro que não foi respeitado (artigo 1535.º); referir a falta de
registo do facto jurídico de constituição do direito de superfície (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, a)
CRP) ;
- A e D invocação a usucapião: requisitos (artigos 1287.º e ss.); referir que, no caso de A,
a posse violenta inviabiliza a aquisição por usucapião (artigo 1297.º), a não ser que esta
já tivesse cessado, o que não parece ser o caso, uma vez que o critério é a forma com a
posse foi adquirida; no caso de D, explicar e discutir a possibilidade de acessão da
posse (artigo 1256.º), bem como a viabilidade jurídica de usucapir parte do terreno; D
não inverteu o título da posse, pelo que apenas poderia adquirir por usucapião o direito
de superfície.
II
Eduarda é dona de um apartamento que fica situado no último andar de um prédio com 10
frações e aliena este imóvel a Francisco e Gustavo em 2010, sendo que o primeiro pagou de
imediato o valor correspondente 75% do preço, enquanto o segundo convencionou o
pagamento do valor remanescente de 25% apenas em 2015, apesar de ter procedido ao
registo do negócio e ocupado o apartamento imediatamente. Francisco não procedeu ao
registo, por entender que o registo efetuado por Gustavo seria suficiente, assim como permitiu
que este último utilizasse o imóvel em exclusivo até 2015. Sem comunicar a Francisco,
Gustavo decide em 2014 construir mais um andar, para o que obteve autorização do
administrador, o qual conseguiu aprovação verbal de seis proprietários dos apartamentos,
apesar de o assunto não ter sido objeto de deliberação em assembleia. Em 2016, face à
ausência de notícias de Francisco, Gustavo cede o gozo do andar construído a Hugo e a Ivo,
pelo período de 10 anos, mediante o pagamento de uma quantia mensal. Em 2022, Francisco
regressou a Portugal e deparando-se com esta situação exige (i) a devolução imediata do
apartamento afirmando ser o único dono, uma vez que foi ele a liquidar o valor de 25% em falta
a Eduarda, porquanto Gustavo se recusou a fazê-lo, ao que Gustavo contrapõe ser
proprietário exclusivo em virtude do decurso do tempo e da efetivação do registo e (ii) a
demolição do andar construído, ao que Hugo e Ivo contrapõem o registo da sua posse, que no
seu entender lhes confere o direito de uso e fruição nos termos previamente acordados com
Gustavo, sendo que este último exige a Francisco o pagamento do valor correspondente a
50% das obras de construção efetuadas.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
I
Em janeiro de 2000, Ana adquire, a título oneroso e mediante escritura pública, um pequeno
terreno vinícola sito no Cartaxo, tendo o negócio sido devidamente registado. Em 2005, Ana,
por já estar com uma idade avançada e não tendo filhos, doa o terreno ao seu único
sobrinho Bruno, reservando para si o usufruto vitalício. No âmbito do contrato ficou
estabelecido que Ana não poderia trespassar o usufruto a terceiros. Dois anos depois,
cansada da gestão do terreno e tendo-se incompatibilizado com o sobrinho, Ana decide
acabar com a vinha e permitir, por via contratual, que um seu amigo, Carlos, construísse um
empreendimento de turismo rural. O contrato foi celebrado por documento particular
autenticado. Farto desta situação, em maio de 2022, Bruno envia uma carta de interpelação
a Ana referindo que irá pedir a invalidade do usufruto, por dois motivos: por um lado, (i) o
contrato de usufruto referia, expressamente, a não possibilidade de trespasse; por outro, (ii)
o comportamento de Ana e Carlos indiciava um claro mau uso do terreno. Ana argumenta
que tal não correspondia à verdade, pois com a construção do empreendimento de turismo
rural, o terreno tinha valorizado em mais de 75%, sendo também muito mais rentável do que
a vinha. Por sua vez, Carlos refere que além de o seu direito ser oponível a Bruno, o
decurso do tempo assegurava a sua posição perante terceiros. Como se não bastasse, um
proprietário de um prédio vizinho, Duarte, veio queixar-se do comportamento de Carlos, que
desde que construiu o empreendimento, o tem impedido de passar pelo prédio de forma a
aceder à via pública. Carlos refere que a construção do empreendimento implicou elevadas
despesas e que a passagem de camionetas e tratores pelo terreno, para além de deteriorar
a estrada, afeta a reputação do turismo rural. Para além disso, argumenta Carlos, Duarte
tem à sua disposição uma outra estrada que, apesar de tornar o acesso à via pública mais
longínquo, serve o mesmo propósito.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
II
Eduardo é dono de um luxuoso apartamento que cede a Francisca, sua ex-mulher, para
sua residência permanente, em 2005, tendo o negócio sido celebrado por escritura pública.
Em 2010, Francisca, que atravessava graves dificuldades financeiras, transmite o uso e
fruição do apartamento para Gustavo, pelo período de 20 anos, mediante o pagamento de
uma elevada quantia anual, e muda-se para a casa da porteira do prédio, que se encontrava
desocupada, mediante celebração de um contrato com o administrador do condomínio,
através do qual fica estipulado o pagamento de uma quantia mensal, tendo sido
posteriormente dado conhecimento deste negócio aos condóminos através de correio
eletrónico. Em 2020, Eduardo vende o apartamento a Hugo e a Idalina, salvaguardando
verbalmente o direito de Francisca, que de imediato registam este negócio, embora não
tenham ocupado a casa, em virtude de residirem no estrangeiro. Em 2022, pretendendo
mudar-se para Portugal, Hugo e Idalina deparam-se com a presença de Gustavo na casa,
que se recusa a abandoná-la, invocando o registo da posse, bem como o facto de se
encontrar a residir ali há 12 anos. Por seu turno, considerando que 1/3 dos condóminos
discorda do negócio celebrado entre o administrador do condomínio e Francisca, esta
última, para evitar problemas e por não ter outro sítio para morar, pretende reocupar o
apartamento que lhe havia sido cedido por Eduardo, exigindo ademais o reembolso de
todas as obras que realizou no apartamento enquanto o habitava, e que incluíram vários
melhoramentos no interior, para além da colocação de uma piscina no terraço, que aliás os
restantes condóminos pretendem ver demolida, uma vez que não autorizaram esta obra.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
I
Ana, dona de um vasto património imobiliário, decidiu, em 2010, recompensar a sua
sobrinha favorita, Beatriz, atribuindo-lhe um usufruto vitalício sobre um fértil terreno na
zona de Torres Vedras, utilizado para a plantação de macieiras. Como as partes se
encontravam no Algarve, o facto jurídico foi devidamente registado na Conservatória de
Faro. No âmbito do contrato, foi estabelecido que Beatriz poderia utilizar e transformar o
terreno para qualquer fim, desde que não fizesse dele mau uso. Como Beatriz nada
entendia sobre agricultura, em 2012 decidiu conceder o direito de plantar abacate a
Carlos. O contrato foi celebrado por escritura pública, mas não foi alvo de qualquer
registo. Carlos vem a falecer um ano depois, assumindo o negócio o seu filho, Daniel.
Daniel, porém, decidiu dar um rumo diferente ao terreno: construiu uma vivenda, uma
piscina e um pequeno centro de atividades lúdicas. Em junho de 2022, farta de toda esta
situação, Ana envia uma carta a Beatriz, manifestando a sua vontade em cessar o
contrato de usufruto, por dois motivos: (i) o uso dado por Daniel tornava o terreno
“imprestável” para a agricultura; e (ii) com falecimento de Carlos, o direito de usufruto
havia sido extinto. Beatriz é aconselhada pelo seu advogado a invocar a usucapião, dado
que “já havia passado mais de dez anos desde que tinha assumido o terreno como seu”.
Por sua vez, Daniel responde que não abdica do terreno, pois investiu fortemente no seu
desenvolvimento.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
II
Eduardo é dono de um prédio em Lisboa composto por dois andares e de uma herdade
no Alentejo. Em 2005 decide entregar o primeiro imóvel à sua filha Francisca e o
segundo imóvel à sua filha Gabriela, para exploração e rentabilização pelo prazo de dez
anos.
Francisca constituiu a propriedade horizontal do prédio e concedeu a Helena o direito de
habitar o 1.º andar por um período vitalício, mediante o pagamento de uma quantia anual,
reservando o 2.º andar para sua habitação permanente. Gabriela, por seu turno,
procedeu à construção de um aldeamento turístico na herdade, que dividiu em dez
unidades para alojamento e cujo uso vendeu posteriormente por um período de quinze
anos, tendo os adquirentes procedido ao registo deste negócio.
Em 2020, Eduardo pretende reaver os seus imóveis livres de ónus e encargos e depara-
se com a oposição de Helena que invoca o negócio jurídico celebrado com Francisca,
bem como o decurso do tempo e com a contestação dos adquirentes das unidades de
alojamento que invocam o uso a seu favor, designadamente com base no registo.
Acresce que Francisca afirma-se proprietária do prédio e Gabriela proprietária da
herdade, atendendo a que, quando quiseram entregar os imóveis a Eduardo em 2015,
este se mostrou indisponível para tanto por “estar exausto e precisar de descanso”,
decidindo este último intentar uma ação para restabelecimento da sua posse.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
I
Abel trespassou a Berta o usufruto sobre a “Herdado do Paço”, a 16.06.2019, tendo a segunda registado o
seu facto aquisitivo a 28.06.2019
Em seguida, Abel celebra com Carlota uma escritura pública através do qual o primeiro constituía a favor
da segunda uma servidão de passagem sobre a “Herdade do Paço”, enquanto que Carlota transmitia a Abel
o direito de propriedade de um terreno rústico. Carlota regista o seu facto aquisitivo a 26.06.2019.
Dário, proprietário de um apartamento em Lisboa, vende-o a Félix, em 15.05.2015.
Logo em seguida, Félix entrega a Guilherme o apartamento para pagamento de uma dívida que tinha perante
este, transmitindo-lhe o direito real de que era titular. Guilherme regista o facto aquisitivo a 30.06.2015,
passando a residir no imóvel desde essa data.
Entretanto, em 01.01.2020, Helena, mãe de Dário, descobre o negócio que o seu filho havia celebrado com
Félix, apresentado acção judicial com vista a invalidar o negócio, uma vez que o seu filho estava interditado,
por anomalia psíquica, com sentença transitada em julgado, desde 01.04.2010.
Quid iuris?
Tópicos de correção
A, ao constituir um usufruto a favor de B, transmite-lhe este direito real de gozo menor, ao abrigo do
disposto no artigo 1444.º do CC; B adquire o seu direito de usufruto, nos termos do disposto no art. 408.º/1,
em virtude do princípio da consensualidade e da causalidade, tendo registado o facto aquisitivo (art. 2.º/1,
al. a) e art- 8.º-A/1, al. a), ambos do CRP).
A, à partida, não tinha legitimidade para constituir servidão de passagem a favor de C, através do contrato
de permuta. Verifica-se, por parte de A, uma dupla disposição de um direito parcialmente incompatível.
Referência à discussão em torno da consagração do efeito atributivo no artigo 5.º/1 e 4 do CRP; tomada
de posição fundamentada: caso se optasse pelo entendimento diverso do defendido pelo Prof. José Luís
Bonifácio Ramos, ter-se-ia de concluir no sentido de que C adquiria tabularmente o direito de servidão,
na medida em que os pressupostos se encontravam preenchidos.
A propósito do negócio entre F e G discutir a possibilidade de aplicação do regime do artigo 291.º do CC,
enquanto modalidade de aquisição tabular nos casos de sub-aquisição com invalidade substantiva; o
negócio entre D e F está ferido de invalidade por falta de capacidade jurídica de exercício do disponente,
interditado por anomalia psíquica em momento anterior ao da celebração do negócio. G adquiria
tabularmente, porquanto (para além dos demais pressupostos que teriam de ser mencionados) já teriam
decorrido mais de três anos contados desde a data da celebração do primeiro negócio inválido (celebrado
a 15.05.2015, e acção de nulidade intentada em 2020).
1
II
António emprestou a Berta, no dia 05.04.2010, um calor de diamante, para que esta o utilizasse no seu
casamento a realizar no dia seguinte.
Passado um mês, António, estranhando a não devolução da joia, exige a sua entrega a Berta.
Berta alega nessa data que António lhe havia dado aquele colar de presente de casamento e que, por tal
razão, não iria devolvê-lo.
No dia 27.05.2018, Berta vendeu o calor a Carlota que passa desde essa data a utilizá-lo.
António pretende reaver o colar, dirigindo-se ao escritório do seu advogado, questionando-o, em termos
gerais, qual o tipo de acção a intentar para atingir o seu objectivo.
O Advogado de António apresenta a respetiva ação com vista a reaver o colar, no dia 01.06.2020.
Carlota contacta o seu advogado para que este apresente a sua contestação.
Quid iuris?
Tópicos de correção:
A celebrou com B um contrato comodato, previsto nos arts. 1129.º e ss. do CC; B passa a ser titular de um
direito pessoal de gozo, e a possuidor nos termos do comodato (posse interdital) e detentor por referência
ao direito de propriedade.
B, ao invocar, de má fé, que A lhe deu aquela joia como presente de casamento, está a arrogar-se da
qualidade de proprietária da coisa comodatada; verifica-se, por isso, uma inversão do título da posse, nos
termos do disposto no art. 1263.º/al. d) e 1265.º CC, uma vez que B, mera detentora, com a sua conduta,
passa a exteriorizar uma posse civil em nome próprio e não em nome alheio. Com a inversão do título da
posse, B passa a exteriorizar um direito próprio: uma posse nos termos de um direito de propriedade sem
que, contudo, haja uma alteração da situação jurídico- real: A é ainda a proprietário do colar.
Classificação da posse de B: não titulada (art. 1259.º do CC), de má fé (art. 1260.º), pacífica (art. 1261.º),
pública (art. 1262.º, do CC) e ainda civil , formal, efetiva e imediata.
B, ao vender a C o colar, está a dispor de coisa alheia (art. 892.º CC). Porém, C adquire a posse por
tradição material da coisa, nos termos do art. 1263.º al. b). A posse de C é titulada, de boa fé, pacífica,
pública, civil, formal, efetiva e imediata.
Em 2020, A apenas poderia intentar uma ação de reivindicação (1311.º CC), não podendo recorrer às
ações possessórias, mormente à ação de restituição da posse (art. 1278.º), uma vez que havia perdido a
posse (art. 1267.º/1 al. d). C poderia invocar acessão da posse (art. 1256.º), de maneira a juntar a sua
posse à do seu antecessor B, com vista à invocação da usucapião (art. 1299.º CC) e referência ao
2
entendimento de Manuel Rodrigues e Santos Justos entendem que o negócio tem de ser válido para que a
acessão opere; por oposição, Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro ou José Alberto Vieira entendem que
o vínculo apenas tem de ser abstratamente idóneo.
Contudo, a posse do anterior possuidor (B) é de menor âmbito, uma vez que é não titulada e de má fé (art.
1256.º/2). Assim, o prazo para C usucapir, por verificação das regras da acessão da posse era de 6 anos,
de acordo com a parte final do art. 1299.º e não de 3 anos. Juntando a posse de B com a sua posse, C pode
invocar a usucapião, adquirindo o propriedade do colar por usucapião.
3
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS — TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
ÉPOCA ESPECIAL — 07/09/2020
I
António, Bernardo e Carla adquiriram em 1980 uma fração autónoma situada em Alvalade, sem
procederem ao registo da aquisição. A aquisição, apesar de realizada para satisfazer as
necessidades de Carla — que tinha ingressado nesse ano no curso de Direito —, foi feita pelos
três irmãos, porquanto António e Bernardo tinham interesse em ser titulares de um apartamento
em Lisboa para mais tarde rentabilizar.
Carla, decidiu reabilitar o imóvel para posterior revenda, introduzindo-lhe diversos
melhoramentos sem disso dar conhecimento a António e Bernardo. Mais tarde, no ano de 2000,
vendeu o imóvel a Daniela que, sendo vizinha — e não tendo outra forma de confirmar que
Daniela era a real proprietária do imóvel —, confiou que era Carla era a real proprietária,
porquanto lá habitava sozinha há vinte anos. Daniela registou a aquisição.
Carla permaneceu no imóvel até 2005, data em que decidiu exercer a profissão de advogada na
sua cidade natal, em Freixo de Espada à Cinta. Só nessa data procedeu à entrega das chaves a
Daniela, que decidiu dar a fração de usufruto a Emília. Emília, que registou o usufruto, decidiu,
também ela, introduzir melhoramentos no imóvel, sem dar conhecimento a Daniela.
António e Bernardo, que passeavam em Lisboa, depararam-se agora (em 2020) com obras na
fachada na sua fração. Ao interpelarem Carla sobre o estado da fração, esta informou-os que era
titular do imóvel desde 1980, porquanto exteriorizou uma posse exclusiva desde essa data, facto
que não podiam ignorar. António e Bernardo dirigiram-se então à fração exigindo que Emília a
abandonasse. Daniela, que tudo presenciou, informou os irmãos que adquiriu aquela fração há
vinte anos.
Quid juris? (10 valores)
Tópicos de correção:
A, B e C são comproprietários (1403.º e ss CC); na medida em que não beneficiam de registo a
seu favor, não ficam protegidos pelo efeito consolidativo do registo (5.º CRP). Parece ter havido
convenção de uso exclusivo da fração a favor de C, possível nos termos do artigo 1406.º/1 CC, o
que, nos termos do n.º 2, não significa que C tivesse posse exclusiva da fração.
A administração da coisa comum pertencia aos três irmãos (1407.º CC), sendo que as obras de
reabilitação não parecem configurar benfeitorias necessárias (1411.º CC). A e B poderiam
requerer a anulação dos atos praticados (1407.º/3 CC).
A compra e venda celebrada entre C e D é nula (1408.º/2 CC). Na medida em que a entrega se
verificou apenas 5 anos depois, poder-se-ia discutir se D adquiriu posse no momento da
celebração do contrato (1263.º c) e 1264.º) — o que, em qualquer caso, estaria afastado em face
da nulidade do contrato — ou mediante a tradição (1263.º/b) CC).
O usufruto constituído a favor de Emília seria também nulo, por falta de legitimidade de D. No
entanto, e na medida em que D beneficiava de inscrição registal a seu favor, D podia adquirir
tabularmente, nos termos do artigo 291.º CC, estando, em princípio, reunidos os pressupostos da
aquisição tabular previstos neste preceito.
Não tendo invertido o título da posse C não tinha posse exclusiva do imóvel. A pretensão de A e
B era, porém, improcedente, porquanto E era usufrutuária do imóvel. Além disso, D exteriorizou
uma posse pública e pacífica durante 15 anos, pelo que podia invocar a usucapião (e isto mesmo
que se considerasse que a sua posse era de má fé — cfr. 1290.º/a) e b) CC): D era proprietária da
fração.
Por fim, as obras na fachada da fração deveriam ter sido aprovadas por maioria de dois terços do
valor total do prédio (1422.º/3 CC), não havendo, no enunciado da hipótese, qualquer referência
a essa mesma autorização.
II
Félix, larápio profissional, furtou alguns pincéis e tintas de óleo na loja de arte do seu bairro.
Gisela, a proprietária da loja, conhecedora da arte de Félix, dirigiu-se a sua casa para solicitar a
devolução do dos pincéis e das tintas. Para seu espanto, a namorada de Félix, Helena — que
pintava nos tempos livres — tinha feito com as tintas e pincéis um fantástico quadro que colocou
à venda na galeria de uma amiga. Luís adquiriu o quadro por uma soma considerável.
Quid juris? (6 valores)
Tópicos de correção:
Com a aplicação das tintas da tela, H deu nova forma, por seu trabalho, a uma coisa móvel
pertencente a G, não podendo a coisa ser restituída à sua primitiva forma. Estamos perante um
caso de especificação (1338.º CC). Teria de ser ponderada a boa ou má fé de H. Na medida em
que H não observou o cuidado que lhe seria exigido (enquanto namorada de um larápio
profissional), H deveria ser considerada, em princípio, de má fé (1337.º): G tinha, assim, direito
à coisa no estado em que se encontrava. Porém, na medida em que o valor da coisa deverá ter
aumentado em mais um terço, G deve restituir o excesso a H.
Concluindo-se que G era a proprietária do quadro, poderia exigi-lo a Luís, que o adquiriu a non
domino. Adquiriu-o, porém, a comerciante (na galeria de uma amiga de H), pelo que a
procedência da ação de reivindicação dependia dos requisitos do artigo 1301.º CC.
III
Comente a seguinte afirmação:
“Não faz sentido que o possuidor de má fé beneficie da usucapião”.
(4 valores)
Tópicos de correção:
Pressupunha-se que fosse discutido, sobretudo de jure constituendo, mas também tendo em conta
o preceituado na Lei nº 30/2016 de 23 de agosto, se o possuidor de má fé, designadamente o
indivíduo que praticou um furto de coisa móvel, de natureza artística ou cultural, pode adquirir
por usucapião.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS — TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
ÉPOCA NORMAL — 26/06/2020
GRUPO I
Em maio de 2001, António, proprietário e legítimo possuidor do prédio X desde 1980,
inscrito a seu favor, vendeu-o a Berto, que não registou a aquisição. O contrato foi
assinado por ambas as partes, tendo Berto pago um preço de 100 mil contos. Berto
começou a residir, de imediato, no prédio X, tendo autorizado Gustavo a construir um
parque de estacionamento subterrâneo, numa parcela do imóvel.
Dias depois, uma credora de António, Zulmira, inquieta com o incumprimento de
António, uma vez munida de título executivo, decidiu intentar ação executiva e indicar
o prédio X à penhora, tendo Carla adquirido o imóvel na execução e registado.
Posteriormente, António — sofrendo de problemas financeiros — decidiu ainda assim,
constituir usufruto oneroso a favor de Daniel. O negócio foi celebrado mediante
escritura pública e registado, tendo Daniel constituído, concomitantemente, novo
usufruto a favor de Elsa.
Em 2010, Berto, que permanecia no imóvel, celebrou nova venda. Filipe, adquirente,
beneficiou da entrega das chaves, passando de imediato a residir no imóvel. O negócio
não foi registado.
Um ano mais tarde, Elsa faleceu. O seu filho, Guilherme vem agora reclamar a
titularidade do direito de usufruto. Opõem-se Carla, Daniel e Filipe, também eles com
pretensões incompatíveis entre si.
Quid juris? (16 valores).
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO:
Qualificação do contrato celebrado entre A e B como contrato de compra e venda, com
referência aos princípios da consensualidade e da causalidade (408.º do CC); B tornou-
se proprietário do prédio X por efeito da celebração do contrato e possuidor nos termos
da propriedade, por efeito da entrega (posse causal, civil, efetiva, titulada, de boa fé,
pacífica e pública); B não registou, pelo que não beneficiou do efeito consolidativo do
registo (5.º/1 do CRP). B constituiu ainda um direito a construir e a manter obra sob
solo alheio (1525.º/2 do CC) a favor de G, que passou também a exteriorizar uma posse
nos termos do direito de superfície sobre o prédio X (causal, civil, efetiva, titulada, de
boa fé, pacífica e pública).
C adquiriu o mesmo prédio X em sede de venda executiva, beneficiando da
desconformidade existente entre a ordem jurídica substantiva e a realidade registal;
impunha-se discutir (i) se o artigo 5.º do CRP consagra uma eficácia atributiva e (ii) em
caso afirmativo, desenvolver o conceito de terceiro consagrado no n.º 4 daquele
preceito, concluindo-se, em princípio, no sentido de que C não era terceiro, não
beneficiando, em qualquer caso, de proteção tabular.
Ao constituir usufruto a favor de D, A voltou a praticar um ato de disposição sobre o
prédio X (dupla disposição); impunha-se discutir (i) se o artigo 5.º do CRP consagra
uma eficácia atributiva (podendo-se remeter para o que antes se tenha afirmado a esse
respeito) e (ii) em caso afirmativo, se o artigo 5.º exige que o terceiro adquirente (D)
esteja de boa fé no momento da aquisição (lembre-se que C beneficiava de registo a seu
favor, pelo que, mesmo não estando a lesar um direito de C — que não era proprietário
do prédio X — tinha um dever acrescido de indagação a respeito da titularidade se A).
Em qualquer caso — e mesmo que não se admitisse que D era usufrutuário — ter-se-ia
de concluir pela admissibilidade, em abstrato, de transmissão a favor de E do direito de
usufruto e, por outro lado impunha-se analisar — também em abstrato — a
consequência do falecimento de E: a entrada do seu usufruto na sucessão (G) ou a sua
extinção. Note-se, porém, que as aquisições de E e a (eventual) sucessão (G) seriam
prejudicadas pela não constituição do direito de usufruto na esfera de D.
O contrato celebrado entre B e F é substantivamente válido, pelo que F se torna
proprietário do imóvel (408.º do CC). F torna-se, também, possuidor do imóvel (que
exterioriza nos termos do direito de propriedade), porquanto beneficia da entrega
(1263º/b), sendo a posse causal, civil, efetiva, titulada, de boa fé, pacífica e pública.
Note-se, ainda, que F podia juntar o tempo de posse dos antigos possuidores do imóvel
(1256.º): o que teria relevância caso o aluno tivesse concluído, fundamentadamente, no
sentido de que qualquer dos sujeitos anteriormente mencionado tinha beneficiado de
aquisição tabular; nessa eventualidade, F poderia invocar a usucapião e, assim,
prevalecer na questão da titularidade do prédio X (usucapio contra tabulas).
GRUPO II
Comente a seguinte afirmação:
“Sendo a finalidade do registo a protecção do terceiro que confia na fé pública,
tal finalidade não pode ser prosseguida se o adquirente estiver de má fé”
(4 valores)
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO:
O registo procura dar publicidade à situação jurídica dos prédios e não, propriamente,
proteger o terceiro. Tanto mais que o terceiro nem sempre é protegido por via registal.
E, como sabemos, o registo não dá nem tira direitos, representando o efeito atributivo
uma exceção aos princípios estruturantes do registo predial. Aliás, a tendência
dominante, da nossa ordem jurídica, é a prevalência da titularidade substantiva sobre os
interesses do tráfego.
Todavia, perante as situações excecionais do registo atributivo, importa ter presente a
verificação concomitante dos requisitos aquisitivos previstos nos artigos 291.º CC e
17.º/2 e 122.º do CRP. Porém, no que respeita ao artigo 5º CRP, importa ter em conta,
para quem defende a admissibilidade do registo atributivo, as propostas expansionistas.
Designadamente as de Mónica Jardim e de Paulo Henriques quando prescindem dos
requisitos da onerosidade e da boa fé do terceiro adquirente. Porém, essa não será a
doutrina maioritária, tendo presente, entre outras, as posições dos professores Oliveira
Ascensão, Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes, entre outros. Aliás, o professor
Hörster sustenta que a boa fé assume uma qualidade constitutiva do direito do terceiro
adquirente. Pelo que, quem sustente esta última orientação terá que concordar com a
última parte da frase enunciada no teste. Por seu turno, no tocante à primeira parte, ela
não poderia ser aceite, tendo em conta a prevalência da titularidade substantiva, supra-
referida.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS (TURMA B)
EXAME FINAL (Recurso)
15.02.2019
Duração: 2 horas
I
António comprou a fracção autónoma X em prédio constituído em
propriedade horizontal, tendo a compra sido registada no dia seguinte, 13 de
Fevereiro de 2005. Desde essa data António vive no local.
Bento e Carlos forjaram no Notário uma escritura de venda de António ao
primeiro (Bento), escritura essa que fundou o registo da aquisição na
Conservatória do Registo Predial.
Em 5 de Maio de 2018, Bento vendeu a fracção autónoma X a Daniel, que
nada sabia da tramóia anterior, tendo o primeiro informado o segundo que
António era um locatário em final de contrato e que sairia de imediato quando
interpelado. A venda foi registada nesse dia.
Quando Daniel interpela António este recusa-se a sair dizendo ser ele e
mais ninguém o proprietário da fracção.
Quid juris? (8 val.)
II
Ermelinda tomou em locação uma loja para a dedicar ao seu comércio.
Adquiriu vária mercadoria para vender, registou duas marcas e celebrou um
comodato de equipamentos vários.
Em Janeiro de 2019, Francisco instala-se na loja e afasta Ermelinda do
seu estabelecimento.
O que pode fazer Ermelinda? (6 val.)
III
Gisela adquiriu a propriedade do prédio Y por sucessão de seu pai, Paulo,
falecido a 12 de Fevereiro de 1990 e proprietário e possuidor do prédio desde
1980.
Sobre o prédio Y incidiam ao tempo da morte de Paulo, um usufruto
vitalício na parte norte do prédio, na titularidade de João, e uma servidão de
pasto a favor do prédio Z, imediatamente contíguo, propriedade de Hilário.
Gisela, que nunca gostou de João, impediu-o de gozar a coisa desde o
final de 1999, até hoje.
Com Hilário, as coisas passaram-se de modo diferente, pois, este nunca
levou o seu gado a pastar no prédio Y, mas começo a usar a parte sul do prédio
para chegar a estrada mais rapidamente com o seu carro e com o carro de bois.
Quid juris? (6 val)
Duração: 2 horas
I
António, proprietário e possuidor do prédio X desde 10 de Agosto de 2000,
por compra a Zacarias, vendeu o mesmo a Bento em 5 de Janeiro de 2015, tendo
o notário que outorgou a escritura registado o contrato no mesmo dia. António,
porém, nunca entregou a casa a Bento, alegando a nulidade do contrato, sem
nunca especificar o seu fundamento, que não existia.
Sem disposição para alimentar o conflito com António, Bento doou o
prédio X a Carlos, em 10 de Setembro de 2018, pondo-o ao corrente do que se
passava.
Carlos notifica judicialmente António para proceder à entrega do prédio,
mas o último responde não ter de o fazer por beneficiar de usucapião.
Quid juris? (7 val.)
II
Em 8 de Janeiro de 2018, Daniel furtou o carro Y, possuído por F nos
termos da propriedade, e propriedade de G, e vendeu-o posteriormente a H, que
desconhecia o furto.
Uma semana depois do furto, F vem a saber que o veículo se encontra
com H e pretende recuperá-lo, dado que este último recusa entregá-lo de livre
vontade.
a) O que pode fazer F para recuperar a coisa?
a. Tutela possessória. Acção de restituição. A acção de
reivindicação não se afigura possível, por F não ser o
proprietário.
b. A acção de restituição só será procedente se H estiver de má
fé. A posse é inoponível a terceiro de boa fé.
b) Qual a defesa de H contra ele?
a. Em primeiro lugar, se estiver de boa fé (a hipótese obriga a a
distinguir os dois cenários, uma vez que não indica claramente
se H está ou não de boa fé), deve invocá-lo, para paralisar a
oponibilidade da posse (art. 1281.º, n.º 2 );
b. Não sendo provada a boa fé, e uma vez que há um conflito de
posses entre ambos, a defesa seguinte, e última, consiste na
alegação de melhor posse (art. 1278.º, n.º 2 e n.º 3). Análise
dos critérios.
c) Se G quiser recuperar a sua coisa, o que pode fazer? 6 val.
a. Não tendo posse, tem, porém, a defesa por reivindicação (art.
1311.º).
III
Ilídio semeou uma plantação de arroz no prédio “Quinta da Arca”,
propriedade de João, mas usufruído ao tempo por Luísa.
Ilídio, conhecido por afrontar os vizinhos, bem sabia que a porção de
terreno onde plantou o arrozal, mais de 80% da extensão do “Quinta da Arca”,
não lhe pertencia e que não tinha qualquer outro direito a fazê-lo.
a) Luísa pretende retirar o arrozal para continuar a exploração bovina do
prédio, fim a que este se encontrava afecto. Ilídio reclama que o prédio
vale agora € 300.000,00 e só valia € 200.000,00 antes da sua
plantação e que, por essa razão, o prédio é seu.
Quid iuris? (4 val)
a. Hipótese de acessão industrial imobiliária, resolvida segundo o
regime jurídico do art. 1341.º.
b. Analisar o probema da acessão por titular de direito real menor.
b) Suponha agora que Ilídio fizera a plantação convencido ter direito a
fazê-lo, embora o seu título fosse nulo.
Quid juris? (3 val.)
a. Hipótese a analisar segundo o disposto no art. 1340.º. A
acessão beneficia o terreno onde foi feita a plantação.
b. Análise sobre a quem cabe ao direito à acessão, a João ou a
Luísa?
c. Pressupostos e eficácia da acessão.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS-TAN
Época de Recurso
29 de Julho – 19 horas e 30 minutos
Regência: Professor José Luís Bonifácio Ramos
(grelha correctiva)
I
(11 valores)
Álvaro, Berta e Carolina são co-titulares de uma Quinta, situada no
Oeste, que havia sido inscrita no registo predial pelo avô de ambos, Duarte, em
2001. Embora a administração tenha sido atribuída a Carolina, Berta mandou
reparar os telhados do celeiro e ampliar um tanque, onde costumava beber o
gado, para dar uns mergulhos nas tardes de Verão. Ora, se Álvaro pagou,
prontamente, o montante correspondente, o mesmo não sucedeu com Carolina
que, de pronto, alienou a sua parte, na Quinta, a Eduarda. Logo a seguir,
Álvaro permitiu que Francisco, antigo trabalhador rural de seu avô, construísse
uma pequena casa, nuns terrenos bem afastados do núcleo central da Quinta.
Francisco, por seu turno, autorizou que Henriqueta, sua cunhada , erigisse um
primeiro andar na casa, de modo a lá passar férias e fins de semana.
Por seu turno, Graça, tia de Alvaro, Berta e Carolina, tendo sabido das
alterações efectuadas, porque entendia ser a única proprietária, nos termos de
um testamento, cuja cópia, enviara aos sobrinhos, intima-os a abandonarem,
de pronto, a Quinta, ressarcindo-a dos prejuízos causados que avaliara em
cento e cinquenta mil euros. Ademais, tendo-se apercebido que Luís,
proprietário de terreno contíguo, atravessava a Quinta, a pé e de tractor, e que
aquele terreno não era encravado e havia sido objecto de acordo de sua parte
ou de Duarte, coloca um portão, de modo a proibir tal atravessamento. Porém
Luís, em resposta, informa que assim procede, uma vez que aquele percurso,
no interior da Quinta, constitui um atravessadouro, de modo a ir buscar água ao
fontanário, para dar de beber ao gado.
. Quid Juris?
Atendendendo aos termos da hipótese, tudo leva a crer que Graça é a
proprietária da Quinta, por sucessão de seu pai, Duarte, e avô de Álvaro, Berta
e Carolina. Assumindo os netos a co-titularidade de um usufruto. Por
conseguinte, nos termos do artigo 1441º CC, existe um usufruto simultâneo, a
favor de Álvaro, Berta e Carolina, ao qual se aplicam as regras da co-
titularidade, em virtude do artigo 1404ºº CC. Ademais, se a administração é
disjunta, pois a administração fora atribuída a Carolina, Berta mandou reparar
os telhados do celeiro e ampliar o tanque. Ora, mesmo que se admita que a
reparação do telhado é um acto urgente, destinado a evitar um dano eminente,
nem aí podia ser praticado por um não administrador, ainda que co-
usufrutuário, de acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 1407ºCC e nº 3 do
artigo 985º CC. Deste modo, os actos realizados por Berta podem ser
anulados, sem prejuízo do autor incorrer em responsabilidade pelos danos
decorrentes da sua prática, nos termos do nº 3 do artigo 1407º CC. Ademais,
ainda que se entenda que a reparação do telhado cabe no âmbito do
preceituado no artigo 1472º, relativo a reparações ordináriias do usufrutuário,
isso não se afigura admissível em virtude de não ser administrador.
Relativamente à alienação da quota por Carolina, havia que saber se o
usufruto permitia o trespasse, nos termos do nº 1 do artigo 1444º CC e ainda
se foi dada preferência aos demais, de acordo com o artigo 1409º CC. Por
outro lado, ainda de acordo com o artigo 1444º, dependia do título constitutivo
a susceptibilidade de Álvaro o onerar, pela constituição de um direito de
superfície a favor de Francisco. Tanto mais que Carolina havia deixado de ser
co-titular e, por via disso, administradora, ao transmitir a quota a Eduarda. No
entanto, importa ponderar se a construção da pequena casa altera a forma, a
substância ou, ao invés, o destino económico do usufruto, observando o teor
dos artigos 1439º CC e 1446º CC. Por outro lado, relativamente a Henriqueta,
a inaplicabilidade do artigo 1526º CC.
Admitindo a existência de um usufruto a favor de Álvaro, Berta e
Carolina, não poderia Graça intimá-los a abandonarem a Quinta. Solução
inversa se esse pressuposto não se verificar. Mesmo aí podíamos admitir uma
posse correspondente ao direito de usufruto que permitisse a aquisição do
direito de usufruto, por usucapião, caso os netos de Duarte estivessem de boa
fé. Por seu turno, relativamente a Luís, caso se reúnam os requisitos do artigo
1384º CC, seria possível o atravessamento da Quinta, ainda que o prédio não
esteja encravado e não haja direito de servidão a favor do titular daquele
imóvel.
II
(5 valores)
Manuela, proprietária de um apartamento no Algarve, permite que a sua
amiga Noémia e os filhos aí passem o mês de Julho. Porém, passada uma
semana, Noémia encontra, na respectiva caixa do correio, uma carta da
administração do condomínio informando que o respectivo regulamento não
permite a presença de cães no edifício. Além disso, junta a conta de diversos
arranjos no jardim e no pátio, realizados em virtude de estragos imputados aos
cães.
Contristada com a situação, porque encontrou um outro apartamento
defronte, integrado num aldeamento, resolveu adquiri-lo, mudando-se para lá
com a sua prole e os cães. Aliás, como gostou muito do aldeamento e estava
cansada da capital, resolveu vender a casa de Lisboa, fazendo do apartamento
a sua residência permanente. Mais tarde, ficou muitíssimo surpreendida ao
constatar que não poderia vender esse apartamento sem dar preferência à
empresa titular do aldeamento e que a deliberação no sentido de isentar os
residentes a um pagamento periódico, conforme havia sido informada no
momento da aquisição, havia sido anulada pelo tribunal. Quid Juris?
III
(4 valores)
Comente a seguinte frase: “Não existe uma reiterada e permanente
prevalência do registo em detrimento da posse” .
I
Em março de 2010, Ana, farta da “correria” da cidade, decide ir viver para o Alentejo. Para
tal, iniciou negociações com Bartolomeu para a compra de uma moradia em Mértola, no
valor de 100 mil euros. A negociação chegou a bom termo, porém, como Ana não tinha
fundos suficientes, as partes celebraram um contrato de promessa de compra e venda,
tendo Ana pago apenas 30% do preço definido, devendo o restante montante ser liquidado
no momento da escritura pública do contrato definitivo, que teria lugar decorridos 6 meses.
Atendendo às necessidades de Ana, Bartolomeu entregou-lhe as chaves do prédio no
momento da celebração do contrato promessa. A partir desse momento, Ana fez desde
logo diversas obras de remodelação, assumindo, ainda, o pagamento de todos os encargos
relativo ao mesmo.
Entretanto, como Ana não conseguiu os fundos suficientes, o contrato definitivo nunca
chegou a ser celebrado. Como estava consciente das necessidades de Ana, Bartolomeu
nunca a quis acionar judicialmente. Farto desta situação, em janeiro de 2022 e aproveitando
a ausência de Ana, o filho de Bartolomeu, Carlos ocupa a moradia e muda as fechaduras.
Ana pergunta a um amigo jurista como pode resolver a situação. Este responde-lhe que não
existem opções legais, pois a moradia pertence a Bartolomeu e que o contrato de
promessa não lhe confere nem mesmo tutela possessória.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
Tópicos de Correção
I
Antoninho era proprietário da quinta “Paraíso”, situada em Alcácer do Sal. Antoninho
falece no dia 20 de março de 2001. Não tendo outorgado testamento, deixou sobrevivos
como únicos sucessores os seus filhos, Bernardo e Carminho. Apesar de nunca se ter
efetuado a partilha, como Bernardo estava fora do país, quem ficou a tomar conta da
quinta foi Carminho. Ao longo dos anos, Carminho aproveitou para realizar várias obras:
em 2005 construiu uma piscina; em 2007 uma churrasqueira. Adicionalmente, desde 2010
que Carminho aproveita o Verão para rentabilizar a quinta, afetando-o ao turismo rural.
Ao longo destes anos foi sempre Carminho que procedeu a todas as obras de
restauração da habitação presente na quinta, ainda que o pagamento do Imposto
Municipal sobre Imóveis tenha sido pago, alternadamente, pelos irmãos. Em janeiro de
2022, Bernardo regressa a Portugal, interpelando imediato Carminho para solucionar a
questão da partilha do imóvel, que nunca havia sido realizada. Carminho contrapõe
afirmando que, passado tantos anos, o direito de propriedade sobre a quinta só a ela lhe
pertenceria. Segunda ela, nem seria injusto, pois seria uma forma de “compensar” o facto
de Bernardo ter ficado com todo o ouro que pertencia ao pai. Furioso, Bernardo decide
então intentar uma ação possessória para reaver a posse, a titularidade do direito e para
que lhe sejam restituídos parte dos frutos obtidos com a utilização do imóvel. Por seu
turno, Carminho é aconselhada a reagir em juízo e a invocar a exceptio dominii.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
II
Duarte tem uma luxuosa casa de férias no Algarve e com o intuito de a rentabilizar, a
longo prazo e sem grandes preocupações, em junho de 2005, celebra um negócio com
Eduarda, sua amiga de infância, pelo prazo de 15 anos, e nos termos do qual, mediante o
pagamento de uma quantia anual, esta última poderia usar, fruir e administrar a casa da
forma que melhor lhe aprouvesse. No mês seguinte, Eduarda aceita uma proposta de
trabalho fora de Portugal e por esse motivo, transmite este direito, nos exatos termos em
que lhe foi concedido, a Francisco, seu primo, que regista a posse da casa. Eduarda
falece em junho de 2007 e Francisco aproveita para constituir um direito de passagem a
favor de Gabriela, proprietária do terreno agrícola vizinho, uma vez que o mesmo não
tinha saída para a estrada, mediante o pagamento de uma avultada quantia, e ainda para
ceder o gozo da casa a Hugo nos meses de junho a setembro, também mediante o
pagamento de uma elevada soma. Considerando que até junho de 2020, não teve
qualquer notícia de Duarte, Francisco deixa de providenciar os pagamentos a Duarte e
muda-se para a casa com a sua família, passando a fazer da mesma habitação
permanente. Em junho de 2022, Duarte, que se ausentara do país desde 2010, regressa
e depara-se com esta situação, exigindo a devolução imediata da casa, ao que Francisco
se opõe, afirmando ser o proprietário da casa; simultaneamente Gabriela e Hugo
pretendem fazer valer os seus direitos, que consideram ter adquirido de forma vitalícia, a
primeira invocando o decurso do tempo e o segundo apresentando o registo a seu favor.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de correção1
I
a)
1. Modo de aquisição do direito real; Existe compropriedade uma vez que duas
pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma
coisa (art. 1403.º, n.º 1, do CC); Referência à posição dos comproprietários (art.
1405.º. do CC); Resolver questão sobre se o preço era indicação suficiente para
ilidir a presunção do art. 1403.º, n.º 2, devendo a resposta ser afirmativa.
b)
1. Discutir aplicação do art. 1408.º, bem como o art. 1403.º, n.º 2, ambos do CC,
concluindo pela impossibilidade de ato ser realizado sem a anuência de Bruno,
bem como as respetivas consequências.
II
1. Caso de colisão entre direitos reais. O aproveitamento de uma coisa pelo
titular, dada a proximidade com outra, poderá ter repercussão no aproveitamento
por parte de terceiros (vide art. 1365.º, n.º 1, do CC).
2. O facto de a lei se referir ao proprietário, não obsta a que esta norma, e todo
o demais conteúdo negativo dos Direitos Reais, se aplique, da mesma forma,
aos titulares de direitos reais menores, como o usufruto (artigo 1439.º e
seguintes do CC), neste caso vitalício (artigo 1443.º, primeira parte, do CC).
4. António poderá propor uma ação de reivindicação contra Carolina, nos termos
do artigo 1315.º, conjugado com o artigo 1311.º, n.º 1, ambos do CC, pedindo o
1
Poderão ser considerados outros elementos que se revelem pertinentes para a correta
resolução das questões colocadas.
reconhecimento da existência do seu direito, bem como a condenação de
Carolina a efetuar as alterações necessárias para que António possa exercer a
sua servidão. Adicionalmente, António poderá ainda pedir a indemnização por
danos causados com as infiltrações de água no seu prédio (artigo 483.º, n.º 1,
do CC).
b)
III
1. No momento da celebração do negócio, a cortiça é um bem objetivamente
futuro (artigo 211.º do CC), não pode ser objeto de um negócio real. Desta feita,
não existe qualquer transmissão do direito de propriedade para Gabriel.
Aplicação do art. 408.º, n.º 2, do CC, tendo como efeito o facto de Gabriel não
poder intentar uma ação de reivindicação (art. 1311.º, do CC e art. 882.º, n.º 2,
do CC), podendo apenas intentar uma ação de responsabilidade civil. Heitor é o
titular do direito real de propriedade (art. 408.º. n.º 1, do CC).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2018/2019
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma B-Dia
Exame escrito (Época de Coincidências) (duração: 120 minutos)
23 de Janeiro de 2019/Professor Doutor José Alberto Vieira
Tópicos de correção1
I
1. Análise da eficácia real da venda. Princípio da consensualidade e Princípio da
Causalidade. Desrespeito da forma exigida: o documento particular autenticado
como forma admissível, passou apenas a ser legalmente aceite com o Decreto-
Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho. Antes era necessário escritura pública. Existe
assim invalidade formal e o negócio é nulo por falta de forma (art. 220.º, do
Código Civil).
2. Registo, obrigatoriedade; efeitos.
3. Atipicidade dos factos jurídicos com eficácia real, pelo que é a troca é um
negócio jurídico admissível para a transmissão de direitos reais.
4. Posse de António e Bruno: modo de constituição; classificação, caracteres.
5. Usufruto: admissibilidade; limites positivos e negativos.
6. Efeito atributivo do registo a favor de Carlos: art. 5.º, n.º 4, do Código do
Registo Predial; requisitos; em especial: conceito de terceiros e
incompatibilidade absoluta e relativo dos direitos. A posição de Carlos é
protegida, contudo, o direito de Bruno não se extingue, apenas fica onerado.
II
1. Vertente quantitativa e qualitativa da compropriedade (arts. 1403.º e ss, do
Código Civil);
2. Discussão sobre a administração das partes comuns do edifício e aprovação
das deliberações da assembleia de condóminos, em princípio vinculativas para
todos os condóminos (arts. 1430.º e ss., do Código Civil), bem como para os
arrendatários (arts. 1422.º, n.º 2, al. d), e 1071.º do Código Civil);
3. Discutir se aos órgãos do condomínio compete, apenas, a administração
apenas das partes comuns (artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil), ou ainda
1
Poderão ser considerados outros elementos que se revelem pertinentes para a correta
resolução das questões colocadas.
frações autónomas; se se defender a primeira opção, referir que as deliberações
que têm por objeto as frações autónomas serão ineficazes ou nulas.
4. Aplicação do art. 1424.º, do Código Civil, em especial, n.ºs 3 a 5.
III
Alberto, em janeiro de 2002, dado não ter terreno para os seus cavalos, combinou com Bento a
utilização do terreno deste para apascentar os seus animais. O acordo entre Alberto e Bento foi selado
através de um contrato revisto por um advogado amigo de ambos. Em março de 2020, Bento chega
a acordo com Carlos, para a permuta deste seu terreno por um pequeno prédio T1 em Lisboa, tendo
o contrato sido celebrado por documento particular autenticado. Imediatamente após o acordo, Carlos
envia uma carta a Alberto, exigindo que o mesmo retire os cavalos do terreno. Alberto rejeita,
opondo o contrato celebrado com Bento.
Refira os problemas jurídico-reais envolvidos na hipótese, fundamentando a sua resposta. (5 v.)
- Referência ao acordo entre Alberto e Bento, como não tendo eficácia real (princípio da tipicidade,
absolutidade e causalidade e respetivos efeitos).
- Em especial, excluir aplicação do regime jurídico da servidão predial, que, apesar de constituir um
tipo aberto, tem como objeto o prédio serviente, e não qualquer tipo de aproveitamento
exclusivamente pessoal (rejeição da existência de servidões pessoais).
- Referência ao acordo entre Bento e Carlos como tendo eficácia real, para a constituição do direito
real de propriedade, apesar de o negócio ser atípico, pois não existe uma tipicidade de factos jurídicos
com eficácia real e não se aplicando a limitação prevista no art. 1378.º (aplicabilidade as normas
relativas à compra e venda (art 939.º). Mencionar princípio da consensualidade (art. 408.º, n.º 1) e
referência ainda à forma que foi respeitada (art. 875.º e art. 22.º, a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de
4 de julho).
- O contrato, com eficácia obrigacional, celebrado entre Alberto e Bento, com aquisição do terreno
por Carlos, extingue-se por impossibilidade absoluta superveniente, podendo Carlos opor o seu
direito a Alberto.
II
Em julho de 2020, quando se preparava para iniciar as suas férias na praia da rocha, ao passar junto
de um bar, Daniel identifica a sua mota Harley Davidson, que tinha sido furtada em outubro de 2019,
na zona de Santos, em Lisboa. A mota estava a ser utilizada por Ernesto, que se recusa a entregar a
mesma, referindo tê-la adquirido num stand em Setúbal.
Explique todas as questões jurídico-possessórias da hipótese. (4 v.)
- O furto corresponde a um esbulho material da coisa, tendo a posse sido adquirida através de
apossamento (art. 1263.º, a)).
- Referir que Daniel não perde o direito de propriedade e só perderá a posse se nova posse houver
durado por mais de um ano. In casu, tal não sucedeu, uma vez que só passaram 8 meses. Classificar
posse de Daniel.
- Quanto à possível ação de restituição (art. 1278.º, n.º 1), existe um problema de legitimidade passiva,
uma vez que Ernesto parece desconhecer o esbulho (art. 1281.º, n.º 2). Classificar posse de Ernesto.
- Daniel só poderia recorrer, assim, à ação de reivindicação (art. 1311.º), aplicando-se, contudo o art.
1301.º, i.e., seria obrigado a restituir o preço que o Ernesto tiver dado pela coisa, gozando, contudo,
do direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa ao prejuízo.
III
Em julho de 1988, Francisca vendeu, por documento escrito, uma moradia sita em Oeiras a
Guilherme, que passou a habitá-la de imediato, sem que se tenha procedido ao registo predial do
negócio. Em 1994, Francisca doou o mesmo imóvel à sua sobrinha, Hélia, residente no Brasil, tendo
procedido ao respetivo registo. Em 2010, Guilherme vendeu a referida moradia a Igor por €200.000,
mediante documento particular autenticado. Na semana passada, Hélia retornou a Portugal e pretende
habitar a moradia, onde atualmente reside Igor, o qual recusa a entrega do imóvel, pois afirma “ter
tratado de todos os papéis do registo predial aquando da compra a Guilherme e não haver dúvidas
quanto a ser o proprietário”.
Poderá Igor ter razão? (5 v.)
- Venda de Francisca a Guilherme nula por não respeitar forma legalmente exigida (à data,
escritura pública, nos termos do art.º 875.º CC). Logo, não se deu o efeito transmissivo da propriedade.
- Aquisição da posse por Guilherme mediante tradição material do imóvel e concomitante
perda da posse por cedência de Francisca, nos termos dos artigos 1263.º, b) e 1267.º/1, c) CC
respetivamente.
- Classificação da posse de Guilherme: efetiva, formal, civil, pacífica (1261.º/1 CC), pública
(1262.º CC), não titulada (1259.º/1, parte final CC) e presumindo-se de má fé (1260.º/2 CC; tratando-
se de presunção ilidível, no caso, poderia considerar-se de boa fé).
- Transmissão do direito de propriedade a Hélia por doação, a qual deverá ter sido realizada
mediante escritura pública nos termos do art.º 947.º (redação vigente à data).
- Venda a Igor: o negócio respeita a forma legalmente exigida prevista no art.º 875.º CC desde
a entrada em vigor do DL 116/2008 (art.º 22.º, a) em conjugação com o art.º 36.º/3 do referido DL);
trata-se, porém, de uma venda de bem alheio, a qual padece de nulidade nos termos do art.º 892.º CC,
salvo se Guilherme tivesse invocada a usucapião, nos termos do art.º 303.º CC ex vi art.º 1292.º CC
o que poderia fazer desde julho de 2003, aquando da completude do prazo de 15 anos previsto no art.º
1296.º CC. Tendo em conta a afirmação de Igor de que “tratou de todos os papéis aquando da compra
a Guilherme” parece que terá sido realizado o processo de justificação, nos termos dos artigos 116.º
e ss. CRPr, tendo a usucapião sido assim invocada e o bem inscrito a favor de Igor enquanto
comprador do adquirente por usucapião Guilherme. Considerando que o efeito do registo no caso da
aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre um imóvel consiste num efeito (meramente)
enunciativo, esse facto aquisitivo é oponível erga omnes, afastando-se a eventual proteção de um
terceiro (usucapio contra tabulas). No caso, Hélia não alienou a nenhum terceiro, pelo que a questão
é de ainda mais fácil resolução, prevalecendo a aquisição por usucapião de Guilherme e posterior
venda a Igor sobre a posição de Hélia. Valorização à eventual referência à discussão quanto à natureza
da posição de Hélia: extinção do seu direito (Oliveira Ascensão) ou (mera) não oponibilidade perante
a usucapião de Guilherme (Menezes Cordeiro).
IV
“A lei portuguesa inspirou-se na doutrina subjetivista de Savigni, defendendo a maioria da Doutrina
e a Jurisprudência essa solução. Na verdade, o art. 1253º, al. a) e c) introduzem no âmbito
da detenção o exercício do poder de facto sem intenção de agir como beneficiário do direito, e
o exercício da posse em nome alheio, o que corresponde à exigência do animus domini para
caracterizar a posse, qualificando como detenção os casos em que não se tem intenção de possuir a
coisa, designadamente quando a intenção é de a possuir para outrem (nomine alieno) o que
corresponde à formulação subjectivista. A lei, ao distinguir-se posse de mera detenção envereda pela
conceção subjetivista de posse, embora se apresente, contudo, a estender a tutela possessória a
alguns casos de posse precária, ou seja, em que não há animus possidendi (...)” (Ac. Trib. Rel.
Guimarães de 16.11.2017, proc.º n.º 1759/14.3T8CHV.G1, negritos no original).
Concorda com o Tribunal da Relação de Guimarães? Responda fundadamente. (5 v.)