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Direito Civil II

Prof.a: Lara Gabrich

5. DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Art. 171. Além dos casos expressamente


declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
II - por vício resultante de erro, dolo, coação,
estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

5.1 ERRO

Por que é vício do consentimento? Erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo – são
vícios do consentimento (só a fraude contra credores é vício social).

Porque em todos eles, aquela vontade exteriorizada não corresponde à vontade


interna (há uma divergência entre o desejado e o exteriorizado).

Erro é a falsa representação da realidade que influencia de maneira determinante a


manifestação de vontade.

O sujeito que erra tem uma noção dos fatos que é INCOMPATÍVEL com a realidade.

O sujeito só pratica o negócio jurídico porque a visão é equivocada (falseada).

CC, art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de


vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de
diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
REQUISITOS para se anular o negócio jurídico por erro são:
a) SUBSTANCIAL
b) ESCUSÁVEL
c) COGNOSCÍVEL

a) erro substancial: só se anula negócio jurídico se o erro for a CAUSA do


negócio jurídico (causa é o motivo determinante para a realização do
negócio jurídico).

Se o agente soubesse da verdade (correta noção dos fatos), mesmo assim


teria realizado o negócio jurídico? Se a resposta for negativa, esse erro é
essencial, pois atingiu a causa (motivo determinante).

Esse erro substancial pode ser de três formas:


- quanto ao objeto ou conteúdo;
- quanto à pessoa
- de direito

a.1) quanto ao objeto ou ao conteúdo

CC, art. 139. O erro é substancial quando:


I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a
alguma das qualidades a ele essenciais;

Ex.: “A” realiza uma compra e venda, mas “B” acredita que foi uma
doação. Compra relógio pensando ser de ouro (mas era foleado a
ouro) – vício subjetivo.
*Obs.: compra relógio de ouro (é de ouro), mas ele não funciona – trata-se de vício
redibitório (vício objetivo) – art. 441, CC. CDC! Dependendo do caso.

a.2) quanto à pessoa

(art. 139, II)


II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se
refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo
relevante;

O erro quanto à pessoa é muito comum no direito de família.

Ex.: anulação do casamento.

CC, art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por
parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.
a.3) de direito (desconhecimento da norma)

Ex.: uma pessoa adquiriu mercadoria no exterior. 3 dias após a realização


do contrato, chega ao conhecimento de que alguns dias antes o Ministério
da Fazenda tinha proibido a importação dessa mercadoria (ela não pode ser
mais importada para Brasil). Portanto, só adquiriu essa mercadoria sob o
falso conhecimento de que estava importando dentro das normas legais –
praticou o erro, porque desconhecia a lei.

III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único
ou principal do negócio jurídico.

LINDB, art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

O erro de direito como modo de anulação do negócio jurídico, não é


demonstração de torpeza ou leviandade, mas de boa-fé objetiva – o agente
desconhecia o estágio atual da norma que acabara de ser alterada. Portanto,
o erro deve ser SUBSTANCIAL.

PERGUNTA: “x” compra apartamento de “y”. 1 mês depois, “x” quer


anular a compra, porque “x” acreditava que seu filho iria adorar o bem
imóvel. Esse negócio é anulável?
Não anula, porque não é erro substancial (não diz respeito à causa), uma
vez que diz respeito aos motivos subjetivos do agente.

CC, art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso
como razão determinante.

b) erro escusável: Além do erro ser SUBSTANCIAL, é fundamental que o


erro seja ESCUSÁVEL, ou seja, é o erro desculpável (perdoável). Erro
escusável é quando se consegue provar que qualquer pessoa do nível
cultural e social que tivesse feito aquele negócio jurídico também teria
incidido em equívoco - jamais se anula erro, porque este erro foi
negligente, leviano ou irresponsável.

REsp 744.311/MS – STJ 4ª turma - RECURSO ESPECIAL Nº 744.311 -


MT (2005/0064667-5) EMENTA DIREITO CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. DAÇÃO EM
PAGAMENTO. IMÓVEL. LOCALIZAÇÃO. INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA DE SÓLIDA POSIÇÃO NO
MERCADO. ERRO INESCUSÁVEL.
2. O erro que enseja a anulação de negócio jurídico, além de essencial,
deve ser inescusável, decorrente da falsa representação da realidade
própria do homem mediano, perdoável, no mais das vezes, pelo
desconhecimento natural das circunstâncias e particularidades do
negócio jurídico. Vale dizer, para ser escusável o erro deve ser de tal
monta que qualquer pessoa de inteligência mediana o cometeria.
3. No caso, não é crível que o autor, instituição financeira de sólida posição
no mercado, tenha descurado-se das cautelas ordinárias à celebração de
negócio jurídico absolutamente corriqueiro, como a dação de imóvel rural
em pagamento, substituindo dívidas contraídas e recebendo imóvel cuja
área encontrava-se deslocada topograficamente daquela constante em sua
matrícula. Em realidade, se houve vício de vontade, este constituiu erro
grosseiro, incapaz de anular o negócio jurídico, porquanto revela culpa
imperdoável do próprio autor, dadas as peculiaridades da atividade
desenvolvida.
4. Diante da improcedência dos pedidos deduzidos na exordial -
inexistindo, por consequência, condenação -, mostra-se de rigor a
incidência do § 4º do art. 20 do CPC, que permite o arbitramento por
equidade. Provimento do recurso especial apenas nesse ponto.
5. Recurso especial parcialmente provido.

Quando há erro, existem duas pessoas:


(i) declarante: é a pessoa que emite a vontade, quem declara a vontade
(quem erra). O erro precisa ser substancial e escusável (desculpável).
Ex.: houve o reconhecimento de criança, mesmo sem saber se era o pai.
Havendo o divórcio, ajuíza ação negatória de paternidade alegando erro.
O erro só pode ser escusável. Assim, arrependimento não é sinônimo de
erro, sob pena de incidir em venire contra factum proprium.
Informativo 533, STJ, de 12 de fevereiro de 2014 – não se permite negar a
paternidade, salvo se consistente a prova do erro (o erro deve ser
escusável).

PERGUNTA: Imagine uma adoção à brasileira (adoção ao arrepio da lei).


Atingindo 18 anos, descobre-se que foi adotado, bem como descobre os
pais biológicos. Essa pessoa pode reconhecer a paternidade biológica,
porque houve erro no registro da paternidade?
Nesse caso pode, porque verdadeiramente essa criança tinha uma falsa
percepção da realidade (erro substancial e escusável). Na adoção legal
nunca mais poderá reconstituir vínculo com a família biológica.

Informativo. 512, de 20 de fevereiro de 2013 – é possível o reconhecimento


da paternidade biológica e a anulação do registro de nascimento por erro se
houve adoção à brasileira, porque esta adoção não tem aptidão de romper o
vínculo civil entre filhos e os pais biológicos. Ao declarante incorrer em
erro substancia e escusável, não podemos anular o negócio jurídico sem
analisar a outra parte (declaratário).

TEORIA DA VONTADE: se desejar anular negócio jurídico, basta que a


vontade não corresponda aquilo que se declarou, não se importando com
quem recebeu a declaração de vontade (gera insegurança jurídica –
inconcebível).

Miguel Reale, em 2002, partiu da noção de direito como cultura


(linguagem) – quando há um negócio jurídico não devemos pensar na
linguagem de quem emitiu a vontade, e sim na linguagem dos destinatários
dessa linguagem, ou seja, o direito é cultura no sentido de que as
declarações de vontade devem aferir não primeiramente o ânimo de quem
declarou, mas a confiança daquelas pessoas que receberam a declaração de
vontade.

(ii) declaratário (destinatário): é a pessoa que fez um negócio jurídico


com o declarante.

CC, art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de


vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de
diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

c) cognoscível: O erro hoje, além de substancial e escusável deve ser


COGNOSCÍVEL - para se anular um negócio jurídico, além do erro ser
substancial e escusável para o declarante, só se anula o negócio jurídico se a
pessoa que recebeu a declaração poderia ter percebido que o declarante
incidiu em erro (ADOTAMOS A TEORIA DA CONFIANÇA).

CC, art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e
os usos do lugar de sua celebração.

Só se anula um negócio jurídico se o declaratário poderia ter percebido que


o declarante incidiu em erro, e nada fez.

A teoria da confiança e a exigência de que o erro seja cognoscível, é para


beneficiar não apenas a boa-fé objetiva, mas a segurança jurídica, a fim de
proteger o TRÁFEGO NEGOCIAL (para que os negócios jurídicos
ocorram num ambiente de segurança). Hoje para se anular o negócio
jurídico, não podemos apenas avaliar se os interesses do declarante
merecem tutela, mas também observar se a postura do declaratário foi ou
não merecedora de tutela.
Veja o enunciado 12, CJF - Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não
escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança.

PERGUNTA: Diz o enunciado que como o art. 138 só fala que o erro deve
ser substancial e cognoscível, não se referindo a “escusável”, este requisito
estaria excluído no CC.
VOCÊS CONCORDAM?
50% da doutrina acha que esse enunciado está certo (entendo que o
enunciado está errado!).
Alguns doutrinadores entendem que os requisitos “escusável e
cognoscível” são incompatíveis, não podendo haver exigência simultânea.
Entendimento nosso: caso optem a favor do enunciado 12, diga para
aqueles que entendem que o erro não precisa ser escusável, que estão
desprezando a teoria da responsabilidade (pois ao se declarar algo, tem que
se responsabilizar pela própria palavra). Portanto, o juiz só pode anular
quando o erro for ESCUSÁVEL (erro praticado por uma pessoa que
mesmo tendo agido de forma responsável e séria, teve uma falsa noção da
realidade).

Hoje em dia, a teoria da responsabilidade convive com a teoria da


confiança. Vale dizer, deve ser responsável aquele que declara, e a legítima
expectativa de confiança a ser observada é de quem recebe a declaração
(convivência do individual com o social - socialidade). Portanto, o erro
deve ser ao mesmo tempo COGNOSCÍVEL e ESCUSÁVEL.
5.2 DOLO = INTENÇÃO

Conduta de quem intencionalmente provoca um erro em outra pessoa para obter


uma declaração de vontade.

No dolo há um sujeito mal intencionado que se utiliza de ardil, malícia,


maquinações para induzir outra pessoa em erro, ou seja, uma pessoa usa de
estratagemas para provocar um erro em outra pessoa. A vítima pratica um negócio
jurídico indesejado, porque alguém a induziu a uma falsa percepção da realidade.

PERGUNTA: QUAL A PRINCIPAL DIFERENÇA ENTRE ERRO E DOLO?


O erro é ESPONTÂNEO, enquanto o dolo é PROVOCADO por um terceiro.
NO DOLO HÁ INTENÇÃO EM LEVAR VANTAGEM. No erro o declarante
exagera na informação para tornar atrativo o negócio.

CC, art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua
causa.

Pontes de Miranda diz que: “no dolo, a vítima NÃO ESTÁ enganada, ela FOI
enganada”.

Dolo essencial
O dolo só anula o negócio jurídico quando for ESSENCIAL.
Para o dolo anular o negócio jurídico, deve-se fazer a seguinte pergunta: se a pessoa
soubesse da verdade, ela faria o negócio jurídico do mesmo jeito? Em caso de
negativa, então o dolo foi essencial (substancial), ou seja, o dolo foi a causa do
negócio jurídico.

PERGUNTA: No negócio viciado por DOLO precisa haver prejuízo para a vítima?

NÃO! No dolo a vítima nem precisa ser prejudicada. Basta que ela seja
ENGANADA.

Ex.: imagine uma venda de apartamento por 500 mil, porque quem morou lá foi Ivete
Sangalo (mentira). O comprador efetiva a aquisição crente que Ivete lá morou.
Depois o comprador descobre o engodo, ardil do vendedor.
Agora vamos supor que o valor pago é realmente o valor do imóvel – nesse caso a
vítima não sofreu prejuízo econômico, não obstante tenha sido enganada. Contudo, se
a vítima compra o apartamento pagando 700 mil (e o imóvel vale 500), pode-se
anular o negócio jurídico e pleitear indenização por responsabilidade civil.
LEMBRAR DO CDC – propaganda enganosa não é DOLO pelo CC!
No CDC trabalha-se com conceito de publicidade enganosa - basta que o resultado
obtido (objetivamente) seja uma lesão ao consumidor. Ao passo que no CC (relação
entre dois particulares), será necessária a demonstração do elemento subjetivo do
agente (má-fé, vontade de enganar).

Ex.: compra de carro entre particulares. O vendedor diz que o carro está com peças
originais. Contudo, ao levar ao mecânico, este diz que o carro está totalmente
reformado (negócio anulável – dolo essencial, pois se soubesse das reformas, jamais
compraria o veículo).

Dolo acidental

Ex.: compra de carros entre particulares. Observa que neste veículo há um DVD. O
vendedor diz que é um DVD dinamarquês. Contudo, na verdade é paraguaio.

PERGUNTA: Se soubesse que o DVD era paraguaio, compraria o carro da mesma


forma?
SE SIM – estamos diante do DOLO ACIDENTAL.

Dolo acidental é aquele que NÃO diz respeito à causa do negócio (objeto
principal), possibilitando pedir em juízo a restituição daquilo que pagou a mais,
porque houve a falsa percepção da realidade.

CC, art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é
acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro
modo.

Quando o dolo é ESSENCIAL, a sanção é a ANULAÇÃO do negócio jurídico.


Quando o dolo a seu turno é ACIDENTAL, a sanção do ordenamento jurídico pode
ser RESPONSABILIDADE CIVIL, se houver diferença de preço.

Atenção: o dolo anteriormente exposto é o dolo NORMAL (é o dolo comissivo) –


dolo comissivo é quando induz alguém a erro de forma ativa (dolo tradicional).

Dolo por omissão

CC, art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das
partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui
omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
VEJAMOS: uma instituição financeira faz seguro de vida. Ela entrega um formulário
ao cliente, e este omite suas doenças preexistentes. Contudo, 6 meses depois de fazer
o seguro, o segurado morre.

PERGUNTA: família dele recebe o valor de seguro?


Caso essa pergunta seja feita em primeira fase da OAB, responda que a família não
recebe. Isso porque houve dolo por omissão, ou seja, o segurado induziu a seguradora
em erro ao silenciar. O silêncio do segurado foi eloquente, no sentido de
deliberadamente não comunicar o fato fundamental para a seguradora (dolo por
omissão – dolo passivo).

CC, art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações
inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou
na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao
prêmio vencido.

OU SEJA: Além de perda do prêmio, o segurado tem que pagar a garantia.

MAS...
CUIDADO!
Em uma prova dissertativa ou prova oral, a resposta deve ser mais elaborada.
Entende-se que essa omissão dolosa só gerará os efeitos do art. 766, caso seja uma
OMISSÃO DOLOSA RELEVANTE, ou seja, (i) por mais que tenha omitido
declarações, é dever que decorre da boa-fé objetiva que a seguradora submetesse o
segurado a exames médicos e (ii) muitas vezes o sujeito omite a doença, só que
quando a doença aparece, já decorreu 5, 10 anos (a omissão dolosa deixou de ser
relevante, porque durante um longo período a doença não se manifestou). E muitas
vezes a pessoa omite uma doença, porém vem a falecer em decorrência de outra
causa desconhecida.

Veja abaixo o informativo 512, STJ de 20 fevereiro de 2013:


DIREITO CIVIL. SEGURO DE VIDA. OMISSÃO DE DOENÇA
PREEXISTENTE. A doença preexistente não informada no momento da contratação
do seguro de vida não exime a seguradora de honrar sua obrigação se o óbito decorrer
de causa diversa da doença omitida. Ainda que o segurado omita doença existente
antes da assinatura do contrato e mesmo que tal doença tenha contribuído
indiretamente para a morte, enseja enriquecimento ilícito permitir que a seguradora
celebre o contrato sem a cautela de exigir exame médico, receba os pagamentos
mensais e, após a ocorrência de sinistro sem relação direta com o mal preexistente,
negue a cobertura. REsp 765.471-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgamento em
6/12/2012.

Dolo de terceiro
Imagine que “Maria” diz a “Pedro” que João está vendendo armário de mogno.
“Pedro” compra o armário. Contudo, o armário é de pinho.
PERGUNTA: Consegue-se anular esse negócio jurídico?

“Pedro” não comprou o armário de “Maria”, mas de João, ou seja, a relação jurídica
foi com João – isso se chama DOLO DE TERCEIRO.

Neste, quem induz a erro é um terceiro (“MARIA”) que não é parte na relação
jurídica.

Anula o negócio quando o dolo é de terceiro?


DEPENDE.
A teoria da confiança (cognoscibilidade) não se aplica apenas ao erro. Como esta
teoria deriva da boa-fé objetiva, ela aplica ao defeito do dolo. Portanto, o dolo de
terceiro irá gerar anulação se o outro contratante (João) pudesse saber que
“Maria” usou de maquinação.
Contudo, se João não tinha condições de saber que “Maria” era mentirosa, o negócio
jurídico será mantido (preservado).

CC, art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro,
se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso
contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas
as perdas e danos da parte a quem ludibriou.

Caso João não tenha como saber que “Maria” agiu de forma mentirosa, haverá a
conservação do negócio jurídico, podendo “Pedro” pedir indenização contra “Maria”,
mas o negócio jurídico será conservado em homenagem a boa-fé do outro contratante
(João).
5.3 Coação

Emprego de pressão psicológica por meio de ameaça para prática de mal injusto.
Na coação, a declaração de vontade é pressionada pelo medo.

PENSANDO!
DIFERENCIEM ERRO, DOLO E COAÇÃO
No erro e no dolo a pessoa tem a falsa percepção da realidade (no erro a falsa
percepção é espontânea, enquanto que no dolo é provocada por um terceiro).
Na coação a pessoa que pratica o negócio jurídico tem perfeita noção da realidade – a
coação não influencia na inteligência da pessoa, mas na sua LIBERDADE (art. 104,
CC – agente capaz e livre).

Ex.: se não transferir a motocicleta, sua mãe correrá risco de morte.

CC, art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que
incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa,
à sua família, ou aos seus bens.

Requisitos
a) iminente
A coação tem que ser iminente (algo que está por acontecer) – é a chamada vis
compulsiva. Se a coação concerne a fato iminente, ainda há margem de
discricionariedade para o coagido decidir.
Ex.: alguém coloca uma arma na cabeça de outra pessoa exigindo a moto. Isso não é
mais coação moral, mas coação FÍSICA – coação atual.
Coação física não é causa de anulabilidade de negócio jurídico, mas causa de
INEXISTÊNCIA do negócio jurídico (não há consentimento). A vontade do coagido
é instrumento da vontade do coator.

b) considerável
Considerável é a COAÇÃO GRAVE (a gravidade deve ser apurada com base no
caso concreto, através da regra da proporcionalidade).
Ex.: “x” diz a um engenheiro para que faça um projeto de prédio comercial. Caso não
faça, lhe dará um “peteleco” – NÃO há coação;
MAS, se o engenheiro for um idoso, por exemplo, com mais de 100 anos, há coação!
Essa gravidade (coação) pode ser dirigida a um bem patrimonial.
Ex.: se não transferir esse carro para minha propriedade, queimarei sua casa (ameaça
de caráter patrimonial).
Ex.: se não transferir esse carro para minha propriedade, vou destruir o skate do seu
filho – não é coação, pois não guarda razoabilidade (não há gravidade).
O CC/02 tem como uma das diretrizes a ETICIDADE (solidariedade com o
próximo).
Ex.: Se por acaso não transferir quantia “x”, cuidado com a vida do seu amigo.
CC, art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a
condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias
que possam influir na gravidade dela.

CC, art. 151, Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à
família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve
coação (eticidade).

Obs.: pode ser que o coator coincida com a vítima iminente – pode-se anular este
negócio jurídico. Pode ser que o coator seja justamente a pessoa que coincida com a
futura vítima. Ex.: filho no parapeito da janela que diz a mãe que caso ela não faça o
depósito, ele irá se matar.

c) injustiça
A coação deve ser INJUSTA.

CC, art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um


direito, nem o simples temor reverencial.

Ex.: caso não saia da fazenda ingressarei com ação de interdito proibitório (não há
coação – exercício normal de um direito).
Ex.: compra fusca do patrão com medo de perder o emprego (não há coação – temor
reverencial).
Ex.: se não atingir a meta, irá fazer a dança da boquinha garrafa – assédio moral
(espécie de coação moral) – gera responsabilidade civil: reparação pelo dano moral
(sanção).

Como o estudo é a coação como causa de ANULABILIDADE (sanção) do negócio


jurídico (e não como causa de indenização).
Ex.: “x”, rapaz bem de vida, é coagido a fazer uma doação a “y” (surdo, mudo e
cego), sob pena de morrer. Diante de um mal iminente, grave e injusto, faz a doação.
Passado um mês, pode-se pleitear a anulação desse negócio jurídico? Não, porque
nesse exemplo houve a coação de terceiro (coação exógena).
Sob a ótica do princípio da confiança (cognoscibilidade), se a ação parte de terceiro,
só anula o negócio se a outra pessoa (“y” – surdo, mudo e cego) pudesse ter
condições de saber que “x” estava sendo coagido. Nesse caso, o negócio será
conservado – aplica-se o princípio da conservação do negócio jurídico, podendo
requerer indenização do terceiro.

COAÇÃO  VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA  AÇÃO PELO MEDO


 FÍSICA – “vis absoluta”  age sobre corpo  neutraliza a manifestação de
vontade  negócio inexistente.
 MORAL – “vis compulsiva”  gera temor  perturbação do espírito  tem
tempo de pensar na manifestação de vontade mas o faz de maneira viciada 
vontade embaraçada

Requisitos (art. 151):


 Violência psicológica
 Declaração de vontade viciada
 Receio sério e fundado de grave dano à pessoa, família (pessoa próxima) ou
bens do paciente

COAÇÃO por terceiro: mesma regra do dolo de terceiro  art 154 CC/02  se dela
tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a quem aproveite  perdas e danos

CC, art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem
que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o
autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao
coacto.

Há sanção de ilícito Penal – art. 22 do CPB

5.4 Lesão

É a significativa desproporção existente entre as prestações ao tempo da


contratação, decorrente da inferioridade de uma das partes.

PREJUÍZO  abuso da inexperiência  necessidade econômica  leviandade

 Abuso do poder econômico de uma das partes em detrimento da outra.

Ex: Cidade de Mariana / Bento Rodrigues. Após o estouro da barragem, cidade


destruída, pouca coisa restou. Restou uma única venda que pratica preços acima do
mercado. Copasa/Cemig com taxas de uso acima do legal.  “extorsão”

CC, art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou
por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao
valor da prestação oposta.

A lesão tem dois elementos


(i) OBJETIVO ou MATERIAL: é a manifesta desproporção entre as
prestações - a lesão é quebra do sinalagma (equilíbrio entre as prestações no
contrato, ou seja, é aquele contrato onde os benefícios correspondem aos
sacrifícios – proporcionalidade).
SUBJETIVO, IMATERIAL ou ANÍMICO: a vítima da lesão deve provar que
estava em SITUAÇÃO DE NECESSIDADE ou que praticou ato jurídico numa
SITUAÇÃO DE INEXPERIÊNCIA.
Obs.: situação de necessidade ou situação de inexperiência = situação de
inferioridade

Objetivo:

O sinalagma pode ser dar em dois momentos distintos:


a) sinalagma genético: ocorre a quebra do sinalagma genético quando a desproporção
entre as prestações se manifesta na gênese do negócio jurídico (nascimento do
contrato) – gera a invalidade do negócio jurídico.
A lesão está relacionada SEMPRE com a quebra do sinalagma genético.
b) sinalagma funcional: a quebra do sinalagma funcional ocorre quando o negócio
jurídico nasce perfeito (contrato de longa duração, que se protrai no tempo), e
futuramente ocorrem eventos supervenientes, gerando um desequilíbrio
superveniente entre as prestações. O contrato na estrutura é perfeito. Contudo,
posteriormente o contrato perde sua função (há um desvirtuamento da função
econômica). Esse instituto será estudado no tema contratos – onerosidade excessiva
(art. 478, CC) – é causa de resolução (perda da eficácia).

CC, art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou
por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao
valor da prestação oposta.

O CC não diz o que é “manifestamente desproporcional”, pois a lesão do CC se


baseia num conceito jurídico indeterminado (conceito que será preenchido pelos
Tribunais). Nosso CC criou uma espécie de LESÃO ESPECIAL, porque se baseia em
conceito jurídico indeterminado.
Contudo, não basta o elemento objetivo para se anular o negócio jurídico. É
necessário o elemento subjetivo.

SUBJETIVO:

Necessidade
É sempre uma necessidade ECONÔMICA.
Ex.: para evitar a quebra da empresa, vende as joias de família. O comprador paga
200 mil, sendo o valor real de 1 milhão (o empresário precisa dos 200 mil).

Inexperiência
É aquela pessoa que não tenha a prática daquele negócio jurídico (neófito -
ignorante).
Ex.: professor quer comprar gado em leilão.
Inexperiência não se confunde com negligência.
A quem incumbe a prova da inexperiência e da necessidade? Ao lesado.

Diz o Enunciado 410, CJF - a inexperiência a que se refere o art. 157 não deve
necessariamente significar imaturidade ou desconhecimento em relação à prática de
negócios jurídicos em geral, podendo ocorrer também quando o lesado, ainda que
estipule contratos costumeiramente, não tenha conhecimento específico sobre o
negócio em causa.

A inferioridade do lesado NÃO se presume, devendo provar categoricamente a


necessidade ou inexperiência.

Diz o Enunciado 290, CJF - a lesão acarretará a anulação do negócio jurídico


quando verificada,na formação deste, a desproporção manifesta entre as prestações
assumidas pelas partes, não se presumindo a premente necessidade ou a
inexperiência do lesado.

Considerações:
(i) antes de CC/02, não havia lesão. Ao realizar um contrato no ano 2000 (CC/16), ao
vender as joias por 200 mil, quando na verdade valia 1 milhão e, provando que estava
com necessidade econômica, mesmo assim não poderia anular o negócio jurídico
(pacta sunt servanda).
(ii) a partir do CC/02, entrou a lesão. Essa lesão é objetiva ou subjetiva? É subjetiva,
porque não se contenta com o aspecto objetivo.

Para que consiga anular o negócio jurídico, além de demonstrar que houve
MANIFESTA DESPROPROÇÃO DAS PRESTAÇÕES, bem como
INFERIORIDADE, é necessária a prova da existência do DOLO DE
APROVEITAMENTO por parte da vítima? Não. Dolo de aproveitamento seria a
intenção do lesante de se aproveitar da inferioridade do lesado.

O art. 157, CC em nenhum momento qualifica a lesão pelo dolo de aproveitamento,


porque o CC não quis punir o lesante, ele quis proteger o lesado - independentemente
se o lesante sabia ou não da condição de inferioridade do lesado (o negócio jurídico
será anulado da mesma forma).

Diz o Enunciado 150, CJF - a lesão de que trata o art. 157 do Código Civil não exige
dolo de aproveitamento.

Suponha que o negócio que se faça é um contrato de seguro de automóvel (contrato


aleatório).
Obs.: contrato comutativo é aquele em que prestação e contraprestação são
conhecidas desde o início do contrato.
Já o negócio jurídico aleatório, é aquele que ao menos uma das prestações é incerta.
O segurado sabe quanto pagar, mas não se sabe se ocorrerá o sinistro (não se sabe se
terá direito à indenização).

Há autores que defendem que a lesão só ocorre em contrato comutativo, e não nos
aleatórios

(errado!). Há consenso doutrinário de que pode haver sim lesão em contrato aleatório,
basta que exista uma enorme desproporção entre aquilo que se pagou e o interesse
que se quis resguardar. Ex.: fusca com seguro no valor de 10 mil reais.

QUESTÃO
AOCP - 2011 - Pref. Ibiporã - PR - Advogado
Analise as assertivas e assinale a alternativa que aponta as corretas.
I. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem
de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em
face das circunstâncias do negócio.
II. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a
respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão
dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
III. Considera-se coação a ameaça do exercício normal de um direito ou o simples
temor reverencial.
IV. Configura-se lesão quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a
pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação
excessivamente onerosa.
a) Apenas II e III.
b) Apenas I, II e IV.
c) Apenas I e II..
d) Apenas II e IV.
e) I, II, III e IV.

5.5 Estado de perigo

Ocorre quando o agente premido por circunstâncias de fato realiza negócio


jurídico desvantajoso (ou seja, parece com LESÃO).

Estado de perigo é uma ESPÉCIE do gênero ESTADO DE NECESSIDADE. O


estado de necessidade permeia todo o código civil (ex.: direito de família
[alimentos], direito das sucessões [testamento nuncupativo], direitos reais
[passagem forçada]).
CC, art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da
necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano
conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

O estado de perigo tem dois elementos:


(i) objetivo: alguém assume uma obrigação excessivamente onerosa.
(ii) subjetivo: para salvar a si ou a outrem.
Ex.: sujeito resolve ser amante da esposa de um mafioso. Um dia o mafioso
descobre a traição. O sujeito, diante disso, quer sumir de BH para o RJ. Sendo
perceptível seu desespero, um caminhoneiro cobra 15 mil (normalmente é 2
mil). Mesmo assim paga os 15 mil – assume obrigação excessivamente onerosa
(elemento objetivo) para salvar a si próprio de risco grave (o negócio pode ser
anulado).

Ex.: mineiro leva seu filho para praia e este começa a se afogar. Então o pai
pede para o surfista salvá-lo. Contudo, o surfista somente realiza o salvamento
caso o pai dê seu cordão de ouro. O surfista então salva a vida da criança
(negócio anulável).

O autor da demanda anulatória só conseguirá êxito perante o juiz, se além do


elemento objetivo e do subjetivo, ficar evidenciado o DOLO DE
APROVEITAMENTO (a pessoa que obteve vantagem econômica explorou a
desgraça alheia [situação de inferioridade/abuso]) – “grave dano conhecido pela
outra parte”.

Estado de perigo x Lesão

Na lesão a necessidade da vítima é ECONÔMICA. Estado de perigo:


necessidade é EXISTENCIAL. Lesão dispensa o dolo de aproveitamento (não
é necessário demonstrar que ofensor se aproveitou da necessidade econômica,
porque o ordenamento não quer punir o lesante, mas proteger o lesado). No
estado de perigo é essencial que se caracterize o dolo de aproveitamento.

LESÃO ESTADO DE PERIGO


NECESSIDADE Econômica Existencial
DOLO DE
APROVEITAMENT ------------- SIM
O

ESTADO DE PERIGO para proteger terceiro?


Ex.: escalada na montanha – equipe médica pede relógio para salvar a vida de
terceiro (negócio anulável). O CC/02 na linha da eticidade abriu o estado de
perigo para a possibilidade de que haja solidariedade perante pessoas que não
sejam familiares.

CC, art. 156, parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à


família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

Existe ESTADO DE PERIGO COLETIVO?


Ex.: suponha que existem habilitantes de uma ilha. Houve enchente nessa ilha e
agora está faltando água. O contato com outra comunidade é por meio de balsa.
O galão de água que era vendido por “x”, agora é vendido por “5x”. Sim, existe
estado de perigo coletivo, porque toda uma coletividade de pessoas que tenha
necessidade de salvar a si, praticam negócio jurídico excessivamente oneroso
para salvar a própria subsistência.

Existe a possibilidade de ESTADO DE PERIGO PUTATIVO?


Imagine que alguém receba telefonema de que o filho foi sequestrado.
Observando que a mãe está desesperada, um detetive diz que a ajudará, desde
que receba 100 mil reais. Contudo, depois descobre-se que era um pseudo
sequestro, pois o filho havia viajado (estado de perigo putativo).

Estado de perigo x Coação


Quando há coação, é o próprio coator quem pratica a ameaça de mal injusto
para obter vantagem futura. Ex.: se não transferir o carro, cuidado amanhã.

No estado de perigo a pessoa que deseja obter a vantagem NÃO foi quem criou
o perigo.

Nesse caso, o perigo foi criado por um terceiro ou pelas forças da natureza. Ex.:
traição (mafioso quem criou o perigo – e não o caminhoneiro); afogamento
(mar quem criou o perigo – e não o surfista).

Estado de perigo x Erro


Erro: a pessoa pratica o negócio jurídico, porque tem a falsa noção da realidade.
Estado de perigo: a pessoa pratica negócio jurídico desvantajoso de forma
consciente, porém, não tem liberdade de agir de outra maneira (a vontade da
pessoa está coagida).  INEXIGUBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA.

ATENÇÃO!!
Imagine que durante uma viagem fure o pneu do carro num trecho perigoso.
Para consertar, o borracheiro cobra 100 (normalmente é 10). Ao ajuizar ação
anulatória, desconstitui-se o negócio jurídico, devendo a outra parte restituir o
dinheiro (gera uma injustiça, pois realiza trabalho sem contraprestação). Por
isso, no estado de perigo, às vezes o mais justo é CONSERVAR o negócio
jurídico, pedindo ao juiz que se reduza a vantagem. Mas apenas nesses casos
que não poderei devolver o status quo ante do negócio realizado!

Diz o Enunciado 148, CJF - Ao "estado de perigo" (art. 156) aplica-se, por
analogia, o disposto no § 2º do art. 157. CC, art. 157, §2º. Não se decretará a
anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito.

CASO HOSPITAL!

5.6 FRAUDE CONTRA CREDORES

Prática de ato de disposição patrimonial que conduz o devedor a insolvência ou


a agrava em prejuízo de seus credores.

Vamos supor que “D” ao conhecer “N”, pede empréstimo a “N” de 500 mil.
“N” fez um contrato de mútuo, pois “D” tem dois imóveis comerciais no valor
de 800 mil. Portanto, “D” é solvente. Ficou acordado que a dívida vencerá no
dia 30/12/16.
Contudo, em maio, “D” transfere um dos imóveis a João. Quando chega
30/12/16, “N” ao cobrar “D” constata que este não tem mais patrimônio –
configuração de fraude contra credores.

Atenção: uma pessoa só pode dispor de bens com relação ao patrimônio que a
ela pertence.
Ocorre que, mesmo tendo patrimônio próprio, a pessoa só pode dispor dos seus
bens ATÉ O LIMITE DA INSOLVÊNCIA (que no exemplo é de até 500 mil).

RECEITA < DESPESA

ATIVO < PASSIVO

Atenção: todos os bens presentes, futuros e passados, porque “D” também se


responsabiliza por disposições anteriores ao vencimento da dívida (que no
exemplo corresponde a maio).

FRAUDE CONTRA CREDORES É VÍCIO DE CONSENTIMENTO


Vício de Consentimento (VC) x Vício Social (VS)
 VC: aquilo que a pessoa quer não corresponde ao que ela declara (há um
divórcio entre vontade interna e vontade externa) – VÍCIOS
ENDÓGENOS (vício interno). Ex.: erro, dolo, coação, lesão, estado de
perigo.
 VS: declara-se efetivamente aquilo que deseja (a vontade interna coincide
com a vontade externa). Não obstante a vontade interna coincida com a
vontade externa, a declaração é feita para prejudicar terceiros – VÍCIO
EXÓGENO (vício externo). Ex.: fraude contra credores.

Na fraude contra credores devemos analisar se o ato de disposição foi:


GRATUITO ou ONEROSO.

Ato de disposição GRATUITO


Sendo o ato gratuito, tem que se comprovar o chamado eventus damni (é o dano
que o credor sofreu com ato fraudulento).

Portanto, para se ajuizar AÇÃO PAULIANA ou REVOCATÓRIA, deve-se


demonstrar o eventos damni. Ex.: “N” deve demonstrar ao juiz que no momento
em que “D” fez a doação, este tornou-se insolvente, pois o patrimônio que era
de 800, reduziu-se a 400 (sendo a dívida de 500). Contudo, “D” pode alegar que
embora tenha feito a doação a João, mesmo assim não se tornou insolvente,
pois recebeu uma herança de 2 milhões (continua solvente).

Além do eventus damni, é necessário que “N” tenha que provar que “D” e João
estavam mancomunados no intuito de enganá-lo? Não.

Quando o ato de disposição é GRATUITO, a fraude é PRESUMIDA – o


credor não precisa demonstrar que houve a intenção de enganá-lo, porque pelo
simples fato de ser feita a liberalidade, já se presume a fraude.

CC, art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de


dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à
insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores
quirografários, como lesivos dos seus direitos.

Ato de disposição ONEROSO


Agora vamos supor que o ato de disposição foi uma venda de um dos
apartamentos a João. E mesmo com essa venda, o patrimônio de “D” foi
reduzido a 400 mil. Nesse ato oneroso, pode anular por fraude? Sim. Deve-se
provar:
a) eventos damni: o credor deve provar que sofreu dano e o devedor reduziu-se
a condição de insolvência.
b) scientia fraudis: quando o negócio jurídico é oneroso, deve haver prova
concreta de que o adquirente (João) tinha condições objetivas de saber que com
aquela venda “D” estava se reduzindo a condição de insolvência. Ex.: títulos
protestados, execuções contra o vendedor, preço vil.
Atenção: NÃO precisa provar consilium fraudis, ou seja, que vendedor e
adquirente estão mancomunados.

CC, art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor


insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser
conhecida do outro contratante.

Além dos dois requisitos acima indicados, há um terceiro requisito comum ao


negócio jurídico gratuito ou oneroso:
c) anterioridade do crédito
“N” já era credor de “D” desde março. O que vem antes, crédito ou ato de
disposição? É o crédito. Portanto, só pode ser autor de ação pauliana o credor
que demonstre que o crédito dele é preexistente à redução patrimonial.

CC, art. 158, §2º Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos
podem pleitear a anulação deles.

Vamos supor que “N” alugue apartamento a “D”, por 3 mil mensais. “N” exige
um fiador, e então “D” indica João como seu fiador. O aluguel tem início em
março de 2016. E em abril de 2016, João transfere bens próprios para José. Este
ato caracteriza fraude contra credores, porque quando se exige a qualidade de
credor com anterioridade, esta anterioridade NÃO diz respeito ao débito, mas a
causa do negócio jurídico.

Causa: qual foi a causa da relação entre “N” e “D”? A causa foi o contrato de
locação (março de 2016). Portanto, a causa é anterior ao ato de disposição de
bens (abril).

Enunciado 292, CJF - para os efeitos do art. 158, § 2º, a anterioridade do


crédito é determinada pela causa que lhe dá origem, independentemente de seu
reconhecimento por decisão judicial.

Quem pode ser SUJEITO ATIVO da ação paulina? É o credor quirografário. E


o credor hipotecário (tem direito de sequela)? Em princípio, o credor real não
tem legitimidade.
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se
os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda
quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como
lesivos dos seus direitos.
§1º Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.

§ÚNICO  CREDOR HIPOTERCÁRIO


O único caso em que o credor real (hipotecário) tem legitimidade para ajuizar
ação pauliana, verifica-se quando na qualidade de credor real sua garantia
tornou-se insuficiente. Ex.: a hipoteca é de 200, mas a dívida é de 500 - nesse
caso, tem sequela de 200, mas quanto aos 300, deve ajuizar ação pauliana
(credor quirografário).

Diz o Enunciado 151, CJF - o ajuizamento da ação pauliana pelo credor com
garantia real (art.158, § 1º) prescinde de prévio reconhecimento judicial da
insuficiência da garantia.

Quem pode ser sujeito PASSIVO da ação pauliana? Podem ser réus: alienante e
adquirente do bem – há um LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO
UNITÁRIO.

Imagine “N” (credor), “D” (alienante) e João (adquirente). Quando “N”


ingressa com ação pauliana, João já havia transferido o bem a José (sub-
adquirente). “N” pode incluir José na demanda? DEPENDE: se José é sub-
adquirente de boa-fé ou de má-fé.
Se José adquiriu o bem por preço de mercado, é terceiro de boa-fé. Sendo
assim, o negócio jurídico será conservado. O bem fica com José, e “N” apenas
pleiteará perda e danos contra alienante e adquirente.
Contudo, se José for sub-adquirente de má-fé (ex.: João transferiu o bem de
forma gratuita). Nesse caso, a sequela se estende ao terceiro.

CC, art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra
o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada
fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.

Qual é a sanção do CC quando o juiz constata a fraude contra credores? É a


ANULABILIDADE.

CC, art. 171.

CUIDADO!
FRAUDE À EXECUÇÃO
Ato de disposição patrimonial praticado no curso de uma lide com
potencialidade de gerar a insolvência do réu, frustrando seus resultados.
Existe um gênero chamado ALIENAÇÃO FRAUDULENTA que comporta
duas espécies: fraude contra credores (FC) e fraude à execução (FE).
Qual das duas espécies é a mais grave, a mais ofensiva ao ordenamento? É a
fraude à execução (ilícito processual) - é ato atentatório à dignidade da justiça.

Já está pacificado no STJ o entendimento de que se o devedor sabe que há


processo, ajuizamento, distribuição e está fugindo da citação – essa
transferência que ocorre no hiato entre a distribuição e a citação, caracteriza ato
de fraude à execução (mesmo antes da citação).

O que o credor pode fazer para sancionar o alienante em virtude de ato de


disposição fraudulenta?
(i) basta que nesse processo em andamento, o credor, INCIDENTALMENTE
(no bojo da ação em andamento), atravesse petição comunicando ao juiz que o
alienante fez disposição de bens ao adquirente.
(ii) a sanção a esse ato de disposição em fraude à execução é a INEFICÁCIA
RELATIVA DO ATO – o juiz declara a ineficácia do negócio jurídico de
disposição de bens, isto é, o imóvel FORMALMENTE continua com o
adquirente, e o juiz averba a penhora do bem em favor do credor.

Portanto, o ato é válido, perfeito e eficaz entre alienante e adquirente, mas


INEFICAZ RELATIVAMENTE ao credor (ineficácia relativa). Esse negócio é
INOPONÍVEL ao credor – não produz efeito ao credor, podendo este penhorar
o bem do adquirente a qualquer momento.

CC, art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens: V - alienados ou gravados


com ônus real em fraude de execução.

Os requisitos da FC são os mesmos da FE:


(i) ato de disposição gratuito: eventus damni.
(ii) ato de disposição oneroso: scientia fraudis.

Apesar do CC dizer que a FC gera anulabilidade, na verdade o que o STJ e a


doutrina processualista corroboram é que a SANÇÃO da fraude contra credores
é a INEFICÁCIA RELATIVA.

CC, art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante


reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso
de credores.

“Vantagem resultante reverterá em proveito do acervo” – quando o juiz julga a


ação pauliana, ele torna ineficaz o ato relativamente ao credor – a sentença,
portanto, é DECLARATÓRIA DE INEFICÁCIA RELATIVA (não é
desconstitutiva). O juiz declara que houve fraude contra credores, mas o bem
continua com o adquirente, porém, à disposição do credor (bem fica afetado).

Informativo 467, STJ de 25 de março de 2011 – quanto aos efeitos da


declaração da fraude, a sentença pauliana sujeitará a excussão judicial o bem
fraudulentamente transferido, mas apenas em benefício do crédito fraudado.

QUESTÃO
IADES - 2011 - PGE - DF - Analista Jurídico
Os defeitos dos negócios jurídicos se classificam em vícios de consentimento -
que são aqueles em que a vontade não é expressa de maneira absolutamente
livre -, e vícios sociais - em que a vontade manifestada não tem, na realidade, a
intenção pura e de boa-fé que enuncia. Assinale a alternativa correta sobre o
tema defeitos dos negócios jurídicos.
a) É de cinco anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio
jurídico
contado, no caso do erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou
lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico.
b) Não serão passíveis de anulação os negócios jurídicos, quando as declarações
de vontade emanarem de erro substancial, aqueles que poderiam ser percebido
por pessoa de diligência normal.
c) O vício da coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que
incuta ao paciente temor de dano iminente e considerável à sua pessoa ou à sua
família, não havendo previsão legal para eventuais danos em desfavor de bens
do paciente.
d) Prescreve o Código Civil que o simples temor reverencial se equipara ao
vício de coação, ou seja, terá potência suficiente para anular o negócio jurídico.
e) O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a
responder civilmente até a importância do proveito que teve. No caso de dolo
perpetrado pelo representante convencional, o representado responderá
solidariamente como ele por perdas e danos..
5.7 SIMULAÇÃO

 Separada dos demais vícios de consentimento  No Capítulo da


Invalidade do Negócio Jurídico (art 167)

Causa de NULIDADE (não de ANULAÇÃO).


 É uma declaração enganosa de vontade, visando produzir efeito diverso do
transparecido, do exposto.
 Negócio Jurídico com aparência normal, mas o efeito que se quer atingir é
diferente do que se devia produzir.

 Não há vício na vontade do declarante, que age por livre vontade com o
declaratário para fins espúrios, contra a lei, contra a sociedade
Vício Social que é contra ordenamento
A SIMULAÇÃO pode ser de 2 formas:
 ABSOLUTA: firma-se o negócio a partir de uma declaração de vontade
emitida para não gerar efeito! Situação IRREAL, LESIVA ao terceiro,
por meio de ato aparentemente legal e perfeito, mas INEFICAZ.
Ex.: divórcio, com partilha de bens. Marido simula dívida com
amigo e faz dação em pagamento do bem como pagamento. JOGO
DE CENA para prejudicar esposa.

 RELATIVA (dissimulação): a declaração de vontade é falsa com


propósito de acobertar ato de natureza diversa, já que o que deseja o
agente é algo vetado por lei (objetiva) OU conferindo direitos a uma
pessoa, mas transferindo-os na verdade a terceiro (subjetiva).
Ex.: Homem casado quer doar imóvel a companheira que
possui em outra cidade. Para tanto, faz compra e venda, com
contrato, mas apenas para mascarar a doação.

Art 102 – SIMULAÇÃO INOCENTE não gera nulidade  negócio válido. Ex:
homem solteiro
Art.: 167: É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se
dissimulou, se válido for na substância e forma.
§1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas
às quais realmente se conferem ou transmitem;
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não
verdadeira;
III – os instrumentos particulares forem antedatados ou pós datados.

RESERVA MENTAL: quando o agente emite declaração de vontade,


resguardando o íntimo propósito de não cumprir o avençado ou atingir fim
diverso do ostensivamente declarado.

Art. 110: A manifestação de vontade subsiste ainda que seu o autor haja
feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o
destinatário tinha conhecimento.

VALIDADE  exteriorização
Ex.: marketing doação a fundação.

INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO


NULIDADE
 Vício que retira todo ou parte do valor a um ato jurídico, ou o
torna ineficaz para certas pessoas
 Sanção pelo descumprimento dos pressupostos de validade do
negócio jurídico  Defesa do ordenamento jurídico

Nesse sentido temos:


a) ATO NULO  nulidade ABSOLUTA, desvalioso por contrariar norma
de ordem pública, com vício GRAVE;
b) ATO ANULÁVEL  nulidade RELATIVA, eivado de vício menos
grave, que fere direitos privados

ATENÇÃO: a natureza da nulidade define seus efeitos e na legitimidade para


arguição do vício.

Classificação:
a) Nulidade absoluta e relativa: contraria norma cogente, de ordem pública
ou disposições privadas;
b) Nulidade originária e sucessiva: nascida no ato ou de causa
superveniente;
c) Nulidade total e parcial: quando atinge todo o ato ou contamina apenas
parte do negócio (P. da Conservação)

Arts. 166 a 184 do CC/02  INVALIDADE como categoria genérica das


subespécies de nulidade absoluta e relativa. Para um caso ou outro, negócio
INVÁLIDO.

OBS: * A simples invalidade do instrumento não induz a do negócio se eu


puder prova-lo de outro modo – art. 183.
* Havendo invalidade parcial, as partes válidas seguem aproveitáveis 
P. da conservação
* Acessório acompanha principal, mas principal não acompanha
acessório – art 184.

NULIDADE ABSOLUTA
ARTS. 166 e 167 do CC/02: É NULO o negócio jurídico quando:
a) Celebrado por absolutamente incapaz;
b) Ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto;
c) Motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
d) Não revestir forma prescrita em lei;
e) Sem solenidade que lei determina como essencial;
f) Objeto de fraudar lei imperativa;
g) Lei expressar que tal ato é nulo ou proibir-lhe a prática;
h) simulação

Nesses não se admite CONFIRMAÇÃO  Constatado o vício, ato deve ser


desfeito.

Declaração da nulidade  Via judicial  Ação Declaratória de Nulidade

Imprescritibilidade da declaração de nulidade!  Pretensão condenatória


prescreve!

EFEITO: retroage até a data da realização do ato – ex tunc  status quo ante 
perdas e danos (resultado prático equivalente).

NULIDADE RELATIVA - Anulabilidade


Interesses meramente particulares

NULIDADE ABSOLUTA  PLENA VALIDADE

NULIDADE RELATIVA

ART. 171 do CC/02: É ANULÁVEL o negócio jurídico quando:


a) incapaz relativamente seu agente;
b) viciado por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude
contra credores.

Não pode ser alegada de ofício  depende de alegação do legítimo


interessado  inter partes.

 Ação anulatória de negócio jurídico, respeitados prazos decadenciais (4


anos):
 Na coação, da data em que cessar;
 No erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou
lesão, do dia em que se realizou o negócio;
 No ato de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.
 Prazo de 2 anos para negócios que a lei determina
anulabilidade, mas não impõe prazo de anulação: venda
ascendente para descendente sem anuência dos demais
herdeiros.

 MEDIDAS SANATÓRIAS: que conservam o ato  CONVALIDAÇÃO


o INVOLUNTÁRIAS: decorrem da lei (prescrição)
o VOLUNTÁRIAS: vontade das partes (confirmação/ratificação,
redução, ajuste)
 Confirmação expressa: manifestam firme e claramente
por meio da substância do negócio;
 Confirmação tácita: implicitamente, por meio de
comportamento, cumpre a obrigação.
PRESCRIÇÃO x DECADÊNCIA

Prescrição

FATO JURÍDICO que cria uma EXCEÇÃO destinada a NEUTRALIZAR a


eficácia da PRETENSÃO.
Ex.: “Lara” emprestou 10 mil reais a “Cynara” em abril de 2016, devendo
devolver o empréstimo em dezembro de 2016  Contrato de mútuo  ato
jurídico perfeito.

“Lara” já tem DIREITO ADQUIRIDO ao crédito de 10 mil. E nesse momento,


tem a TITULARIDADE DO DIREITO SUBJETIVO, que é o direito como
credora a uma prestação, isto é, de pedir um comportamento do devedor. Ou
seja, no momento em que emprestou uma quantia certa, há o direito de que em
dezembro esta quantia seja devolvida.
Acontece que esse direito subjetivo está submetido a um TERMO (evento
futuro e certo – 12/16). Enquanto não chegar dezembro, o credor tem o direito,
mas NÃO o exercício do direito.
Quando chega em dezembro, “Lara” cobra “Cynara”. Contudo, “Cynara” diz
que nunca pagará – isso significa que houve uma violaçã ao direito subjetivo de
“Lara”.

Quando há uma lesão ao direito subjetivo do credor, surge uma PRETENSÃO.

PRETENSÃO  exigibilidade, ou seja, antes o credor somente era titular de


direito subjetivo, só poderia pedir um crédito. Porém, agora o credor tem
pretensão, ou seja, TEM PODER DE COATIVAMENTE INGRESSAR NO
PATRIMÔNIO DO DEVEDOR.

Agora imagine que “Lara” deixe passar 10 anos. O que acontece? Nessa
circunstância, surge um FATO JURÍDICO chamado PRESCRIÇÃO – é um
fato jurídico, porque nasceu pelo decurso do tempo, isto é, o credor ficou inerte,
não exerceu sua pretensão, surgindo a prescrição. Essa prescrição faz surgir ao
devedor uma EXCEÇÃO.

Portanto, a PRESCRIÇÃO é um FATO JURÍDICO que cria uma EXCEÇÃO.

Passados 10 anos, “Lara” ajuíza demanda contra “Cynara”. O que o devedor


pode alegar? EXCEÇÃO (defesa indireta de mérito) – reconhece que é devedor,
mas apresenta um fato impeditivo, modificativo ou extintivo ao direito do
credor. No caso, ocorreu um FATO EXTINTIVO chamado PRESCRIÇÃO
(fato extintivo peremptório).
A DECADÊNCIA, ao contrário da prescrição, se aplica às ações constitutivas
ou desconstitutivas quando se assinala prazo (prazo decadencial). Contudo, há
ações constitutivas ou desconstitutivas que não tem prazo (imprescritíveis). Ex.:
ação negatória de paternidade (ação desconstitutiva) - essa ação, não obstante
desconstitutiva, não se submete à decadência ou prescrição.

Decadência

Decadência é a perda do DIREITO POTESTATIVO por INÉRCIA do seu


titular no período determinado em lei.

Qual a diferença entre prescrição e decadência? A prescrição é horizontal. Ao


passo que a decadência é vertical.

Na prescrição, o credor tem direito subjetivo. Violado este direito, nasce uma
pretensão (exigibilidade). Diz-se que ela é horizontal, porque o direito subjetivo
consubstancia-se no direito do credor a uma prestação (dar, fazer e não-fazer)
do devedor. Estabelece-se uma relação de cooperação entre devedor e credor.

Já a decadência é vertical. Isso porque, o titular tem DIREITO


POTESTATIVO. Disso decorre que o devedor está em posição de sujeição ou
submissão. O titular do direito potestativo pode UNILATERALMENTE influir
na relação jurídica, sem que a outra parte possa interferir. O titular não pede
colaboração, mas unilateralmente altera a posição da outra parte, sem qualquer
autorização. Ex.: relação empregado-empregador; revogação de mandato.

O exercício do direito potestativo pode se dar:


I – judicialmente: submete-se à decisão judicial. Ex.: ação de anulação do
negócio jurídico (unilateralmente se submete a outra parte a desconstituição do
negócio jurídico).

CC, art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a


anulação do negócio jurídico

O prazo é de natureza DECADENCIAL, pois anular é exercer um direito


potestativo.

II - de per si: independente de submissão à decisão judicial. Ex.: demissão de


funcionário, revogar mandato, divórcio etc.
Quando se exercita direito potestativo, os efeitos destes atos potestativos são
diferentes do exercício do direito subjetivo.
Quando “Lara” é credora de 10 mil reais de “Cynara”, e esta não paga, surge
uma pretensão, sendo pleiteada por ação condenatória (prestação de dar, fazer e
não-fazer). No universo da decadência, quando se tem direito potestativo, as
ações são constitutivas ou desconstitutivas do direito. Ex.: direito de reflexão no
CDC – prazo de 7 dias (prazo decadencial – direito potestativo de desconstituir
a relação jurídica).

CDC, art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a


contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço,
sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora
do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Com relação à prescrição, os prazos estão agrupados UNICAMENTE nos art.


205 e 206, CC.

PRAZOS
CC, art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja
fixado prazo menor.

O dispositivo acima segue a diretriz da OPERABILIDADE (eficiência) do CC


– é um ARTIGO RESIDUAL, porque o prazo só será de 10 anos quando no art.
206, CC não houver prazo específico de prescrição.

Os prazos decadências, ao contrário, estão esparsos no ordenamento jurídico.


Ex.: prazo da ação rescisória (direito potestativo de uma das partes no sentido
de desconstituir uma sentença transitada em julgado).

Início dos prazos


Quando começa a correr o prazo de PRESCRIÇÃO? Começa a correr no DIA
DO VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO, porque é nesse instante que surge ao
credor a pretensão (exigibilidade). A doutrina chama esse fenômeno de actio
nata (em matéria de prescrição, para o CC, prevalece a TEORIA OBJETIVA da
actio nata – no dia em que houve a lesão, nasceu a pretensão em favor do titular
do direito subjetivo).

Contudo, na jurisprudência, há algumas decisões cujo teor tem MITIGADO a


teoria objetiva da actio nata, aplicando a TEORIA SUBJETIVA, ou seja, em
alguns casos o prazo da prescrição COMEÇA A CONTAR DO DIA EM QUE
O CREDOR TOMOU CIÊNCIA DA LESÃO. Ex.: efeitos colaterais de
medicamento (ação de indenização).
CDC, art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos
causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo,
iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua
autoria.

A decadência NÃO surge com a lesão ao direito, mas o prazo de decadência se


inicia com o SURGIMENTO DO PRÓPRIO DIREITO. Ex.: contrato com vício
do consentimento – o primeiro dia do prazo decadencial para se exercer o
direito potestativo de anular (desconstituir) o negócio jurídico é o DIA EM
QUE SE REALIZOU O NEGÓCIO JURÍDICO.

CC, art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem
estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar
da data da conclusão do ato.

Ex.: venda da imóvel a descendentes – o prazo decadencial começa a contar da


data da ciência do negócio jurídico.

DICA quanto à contagem de prazo:


Prazo decadencial quando se é parte do negócio jurídico: começa da data do
negócio.
Prazo decadencial quando se figura como terceiro: começa da data da ciência
do negócio.

Quais são as causas INTERRUPTIVAS ou SUSPENSIVAS da prescrição?


No tocante aos seus efeitos
Fato interruptivo: o prazo retorna a zero (tecla stop).
Fato suspensivo: paralisa a prescrição (tecla pause) e flui a partir de onde parou.
CAUSAS INTERRUPTIVAS são todas aquelas em que há um ESFORÇO por
parte do credor no sentido de parar a prescrição. Ao passo que as CAUSAS
SUSPENSIVAS são aquelas que se dão em razão do PRÓRPIO STATUS
PESSOAL das partes (ex.: não corre a prescrição contra o absolutamente
incapaz).

CAUSA IMPEDITIVA é aquela em que a prescrição nem começa a correr.

Diferente das causas suspensivas, pois já havia prazo prescricional em


andamento e, de repente, há uma paralisação.

Suspensão ou impedimento da prescrição


1. casamento (união estável) entre credor e devedor: é prazo suspensivo em
razão do status
pessoal.
CC, art. 197. Não corre a prescrição:
I - entre os cônjuges, na constância da sociedadeconjugal;

Obs.: no momento em que se divorciam o prazo começa a correr de onde parou.

2. filho é credor do pai: a prescrição da pretensão começa a correr quando o


filho completar 18 anos de idade (antes havia um impedimento), porque aos 18
cessa o poder familiar.
CC, art. 197. Não corre a prescrição:
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;

CC, art. 198. Também não corre a prescrição:


I - contra os incapazes de que trata o art. 3º;
O art. 198, I, CC refere-se aos menores de 16 anos e aos interditados
(portadores de transtornos mentais graves).
Ex.: sujeito de 30 anos foi atropelado culposamente. No dia do atropelamento
começa a correr o prazo prescricional, pois no dia da lesão houve a actio nata.
Contudo, o sujeito que causou o atropelamento foi condenado na seara penal.
Nesse caso, o prazo começa a correr da data do trânsito em julgado da ação
penal (causa impeditiva).

CC, art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo
criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

CC, art 199. Não corre igualmente prescrição:


I – pendendo condição suspensiva
II – não estando vencido o prazo
III – pendendo ação de evicção

Causas interruptivas
Surgem quando o credor, até então inerte, começa a tomar conduta proativa,
demonstrando que ainda está interessado no crédito.

CC, art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma
vez, dar-se-á

ATENÇÃO: ressalva de que “somente poderá ocorrer uma vez PELA MESMA
CAUSA” - surge a diretriz da OPERABILIDADE.
Ex.: o ajuizamento da ação interrompe o prazo da prescrição. Contudo, após da
sequencia à ação, o autor fica inerte. Passados 10 anos, o autor ajuíza
novamente a mesma ação. Nesse caso, o prazo não se interrompe, a fim de
evitar que o credor quebre a boa-fé objetiva que se espera com o devedor

Em 90% dos casos de interrupção há uma conduta comissiva pelo credor.


Contudo, caso o credor se mantenha inerte, mas o devedor tome uma atitude
(ex.: adimplemento), igualmente incide a PRESCRIÇÃO INTERRUPTIVA.

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez,
dar-se-á:
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe
reconhecimento do direito pelo devedor.

CC, art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma
vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o
interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

Propositura da ação = distribuição.

CC, art. 202, parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr


da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a
interromper.

Regime Jurídico da Decadência


O prazo de anulação do negócio jurídico é de 4 anos. Ao ser vítima de dolo,
esta ajuíza ação de anulação. Contudo, ajuizou ação anulatória após 6 anos da
celebração do contrato. Pode o juiz decretar a decadência de ofício? Sim, pois
os prazos decadenciais impostos pela lei são normas de ordem pública. Assim,
deve o juiz decretar a decadência de ofício (questão de segurança jurídica e
estabilidade das relações sociais).

CC, art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando


estabelecida por lei.

ATENÇÃO!!!
Ex.: direito de denunciar contrato (resilição unilateral) pelos 3 primeiros anos.
Passado 4 anos, o credor deseja denunciar o contrato (decisão unilateral,
imotivada). Isso é possível? Não. Mas mesmo assim, o credor ajuíza ação de
denunciação. Nesse caso, o juiz NÃO pode decretar de ofício a decadência. Isso
porque, nessas circunstâncias opera a chamada DECADÊNCIA
CONVENCIONAL.

Portanto, há dois tipos de decadência:


A) LEGAL: cujo prazo está previsto na norma.
B) CONVENCIONAL: o prazo é estabelecido pela autodeterminação das
partes.

CC, art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode
alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a
alegação.

A decadência convencional só pode ser alegada pelas partes (exceção de


decadência), porque são defesas indiretas de mérito que dizem respeito a
interesses DISPONÍVEIS.

Em contraposição, se for decadência legal, o juiz deve decretá-la de ofício,


porque se trata de objeção, isto é, defesa indireta de mérito que pode ser suprida
pelo juiz, em razão de ser norma de ordem pública.

É possível renúncia à decadência? DEPENDE. Se for LEGAL, jamais o


interessado poderá renunciar à decadência, por ser matéria de ordem pública.
Mas, se for CONVENCIONAL, poderá o interessado renunciar ao prazo que
lhe beneficiaria.
CC, art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.
Obs.: pode haver renúncia tácita à decadência.

Em regra (salvo disposição em contrário), a decadência não se interrompe,


suspende ou tem caráter impeditivo. Portanto, nada obstaculiza que exista
norma expressa em lei que preveja casos de suspensão, interrupção ou
impedimento.

CC, art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência
as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.
Ex.: do momento da reclamação até a resposta negativa do fornecedor há a
interrupção do prazo. A partir da resposta, o prazo começa a contar do zero.

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