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Direito Civil – Parte Geral

Aula 12

Carlos Alberto Ferri


carlos.ferri@ucb.org.br
carlos.ferri@adv.oabsp.org.br
Elementos estruturais do negócio jurídico. A
Escada Ponteana
 É fundamental estudar a concepção desses elementos a partir da
teoria criada por Pontes de Miranda, que concebeu uma estrutura
única para explicar tais elementos, assim a partir dessa
construção, o negócio jurídico tem três planos:
 – plano da existência;

 – plano da validade;

 – plano da eficácia.
Elementos estruturais do negócio jurídico. A
Escada Ponteana
 Sobre os três planos, ensina Pontes de Miranda que “existir,
valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato
jurídico pode ser, valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser
eficaz. As próprias normas jurídicas podem ser, valer e não ter
eficácia (H. Kelsen, Hauptprobleme, 14). O que se não pode dar
é valer e ser eficaz, ou valer, ou ser eficaz, sem ser; porque não
há validade, ou eficácia do que não é”.
1º Degrau - Plano da Existência
• Onde estão os elementos mínimos, os pressupostos de existência. Sem eles, o
negócio não existe. Substantivos (partes, objeto, vontade e forma) sem
adjetivos. Se não tiver partes, objeto, vontade e forma, ele não existe.

2º Degrau - Plano da Validade


• Os substantivos agora recebem os adjetivos. Requisitos de validade: Partes
capazes; Objeto lícito, possível e determinado ou determinável; Vontade livre
(sem vícios); e Forma prescrita ou não defesa em lei (adequação). Se houver
um vício de validade, ou problema estrutural, ou funcional, o negocio jurídico
será nulo (arts. 166 e 167) ou anulável (art. 171).

3º Degrau - Plano da Eficácia


• Onde estão as consequências do negócio jurídico, seus efeitos práticos no caso
concreto. Elementos não essenciais do negócio jurídico (condição, termo e
encargo).
Vícios ou defeitos do negócio jurídico

 Ao se estudar os defeitos do negócio jurídico, veremos que são


vícios que maculam o ato celebrado, e é de vital importância para
a civilística nacional. Tais vícios atingem a sua vontade ou
geram uma repercussão social, tornando o negócio passível de
ação anulatória ou declaratória de nulidade pelo prejudicado ou
interessado. São vícios da vontade ou do consentimento: o erro,
o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão.
Vícios ou defeitos do negócio jurídico

 Atenção para não confundir os vícios do negócio jurídico com os


vícios redibitórios ou vícios do produto. Os primeiros atingem os
negócios jurídicos em geral, mais especificamente a manifestação
da vontade ou a órbita social. Os últimos atingem os contratos,
particularmente o objeto de uma disposição patrimonial.
Vícios ou defeitos do negócio jurídico

 No caso de relação civil, aplicam-se os dispositivos previstos


para os vícios redibitórios (arts. 441 a 446 do CC). Já no caso de
relação de consumo, há tratamento específico quanto aos vícios
do produto no Código do Consumidor (arts. 18 e 26 da Lei
8.078/1990). Atenção! Os vícios ou defeitos do negócio jurídico
estão no seu plano da validade, enquanto que os vícios
redibitórios e os vícios do produto estão no plano da eficácia do
contrato correspondente.
Do erro e da ignorância

 O erro é um engano fático, uma falsa noção, em relação a uma pessoa, ao


objeto do negócio ou a um direito, que acomete a vontade de uma das
partes que celebrou o negócio jurídico. De acordo com o art. 138 do CC,
os negócios jurídicos celebrados com erro são anuláveis, desde que o erro
seja substancial, podendo ser percebido por pessoa de diligência normal,
em face das circunstâncias em que o negócio foi celebrado. Em síntese,
mesmo percebendo a pessoa que está agindo sob o vício do erro, do
engano, a anulabilidade do negócio continua sendo perfeitamente possível.
Do erro e da ignorância

 De acordo ainda com o art. 138 do CC, não mais interessa se o


erro é escusável (justificável) ou não. Isso porque foi adotado
pelo comando legal o princípio da confiança. Na sistemática do
atual Código, está valorizada a eticidade, motivo pelo qual,
presente a falsa noção relevante, merecerá o negócio a
anulabilidade.
Do erro e da ignorância

 o erro não precisa ser escusável  o erro deve ser escusável ou


ou justificável justificável

 José Fernando Simão Sílvio de  Maria Helena Diniz, Sílvio


Salvo Venosa, Inácio de Carvalho Rodrigues, J. M. Leoni Lopes de
Neto, Gustavo Tepedino, Heloísa Oliveira, Carlos Roberto
Helena Barboza e Maria Celina Gonçalves, Álvaro Villaça
Bodin de Moraes Azevedo e Francisco Amaral
Do erro e da ignorância

 A essa conclusão chegou o corpo de juristas que participou da I


Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça
Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, com a aprovação do
Enunciado n. 12, cuja redação merece destaque: “na sistemática
do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o
dispositivo adota o princípio da confiança”.
Do erro e da ignorância

 Para demonstrar como o erro não precisa ser mais escusável, o que
ampara a primeira corrente, consubstanciada no enunciado
doutrinário. Imagine-se que um jovem estudante recém-chegado do
interior de Minas Gerais (Nanuque) a São Paulo vá até o Viaduto do
Chá, no centro da Capital. Lá, na ponta do viaduto, encontra um
vendedor – na verdade, um ambulante que vende pilhas – com uma
placa “Vende-se”. O estudante mineiro então paga R$ 5.000,00
pensando que está comprando o viaduto, e a outra parte nada diz.
Do erro e da ignorância

 No caso descrito, o erro é muito grosseiro, ou seja, não


escusável, e, pela sistemática anterior, a venda não poderia ser
anulada. Mas, pela nova visão do instituto, caberá a anulação,
mormente porque a outra parte, ciente do erro, permaneceu em
silêncio, recebendo o dinheiro. Ora, se a lei protege quem
cometeu um erro justificável, muito mais deve proteger aquele
que pratica o erro inescusável, diante da proteção do portador da
boa-fé.
Do erro e da ignorância

 Consigne-se que o erro merece o mesmo tratamento legal da


ignorância, que é um desconhecimento total quanto ao objeto do
negócio. Os casos são tratados pela lei como sinônimos,
equiparados. Nos dois casos, a pessoa engana-se sozinha, parcial
ou totalmente, sendo anulável o negócio toda vez que o erro ou a
ignorância for substancial ou essencial, nos termos do art. 139 do
CC, a saber:
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da


declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
 II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a
quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído
nesta de modo relevante;
 III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for
o motivo único ou principal do negócio jurídico.
Do erro e da ignorância

 Substancial é o erro que incide sobre a essência (substância) do


ato que se pratica, sem o qual este não se teria realizado. É o caso
do colecionador que. pretendendo adquirir uma estátua de
marfim, compra, por engano·, uma peça feita de material
sintético.
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da


declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
 Interessar à natureza do negócio (error in negotia), ao objeto
principal da declaração (error in corpore), ou a alguma das
qualidades a ele essenciais (error in substantia).
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da


declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
 Negócio (error in negotia) - é o erro que incide sobre a natureza do
negócio que se leva a efeito, como ocorre quando se troca uma
causa jurídica por outra;
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da


declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
 error in corpore - aquele que versa sobre a identidade do objeto, é
o que ocorre quando, por exemplo, declara-se querer comprar o
animal que está diante de si, mas acaba-se levando outro, trocado;
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da


declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
 errar ín substantia - é o que versa sobre a essência da coisa ou as
propriedades essenciais de determinado objeto. É o erro sobre a
qualidade do objeto. É o caso do sujeito que compra um anel
imaginando ser de ouro, não sabendo que se trata de cobre.
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da


declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
 Gato por lebre!
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira


a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
 error in persona - é o que versa sobre a identidade ou as qualidades de
determinada pessoa. É o caso de o sujeito doar uma quantia a Caio,
imaginando-o ser o salvador de seu filho, quando, em verdade, o herói foi
Tícío. A importância desta modalidade de erro avulta no campo do Direito de
Família, uma vez que o erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge é causa
de anulação do casamento; Maria João
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for


o motivo único ou principal do negócio jurídico.
 Constituir erro de direito e não implicar em recusa à aplicação da
lei, sendo o motivo único ou causa principal do negócio jurídico
(erro de direito ou error iuris).
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for


o motivo único ou principal do negócio jurídico.
 Constituir erro de direito e não implicar em recusa à aplicação da
lei, sendo o motivo único ou causa principal do negócio jurídico
(erro de direito ou error iuris).
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o


motivo único ou principal do negócio jurídico.
 Como se observa, como novidade, o Código Civil de 2002 reconhece a
possibilidade de o erro de direito anular um determinado negócio, desde
que preenchidos os requisitos apontados. Lembre-se que a regra do art.
139, III, do CC, constitui exceção ao princípio da obrigatoriedade da lei,
retirado do art. 3.º da Lei de Introdução, pelo qual ninguém pode deixar de
cumprir a lei alegando não conhecê-la.
Do erro e da ignorância
 Art. 139. O erro é substancial quando:

 III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o


motivo único ou principal do negócio jurídico.
 A título de exemplo, imagine-se o caso de um locatário de imóvel
comercial que celebra novo contrato de locação, mais oneroso, pois pensa
que perdeu o prazo para a ação renovatória. Sendo leigo no assunto, o
locatário assim o faz para proteger o seu ponto empresarial. Pois bem,
cabe a alegação de erro de direito essencial ou substancial, a motivar a
anulação desse novo contrato.
Do erro e da ignorância
 Sabe-se que o erro acidental diz respeito aos elementos secundários, e
não essenciais do negócio jurídico. O erro acidental não gera a
anulabilidade do negócio, não atingindo o plano de sua validade. Ao
contrário do erro essencial, no erro acidental o contrato é celebrado
mesmo sendo conhecido pelos contratantes. O erro acidental está
previsto no art. 142 do Código, eis que nos casos de erro quanto ao
objeto (error in corpore) e de erro quanto à pessoa (error in persona),
não se anulará o negócio jurídico quando for possível a identificação
dessa coisa ou pessoa posteriormente.
Do erro e da ignorância
 O motivo de um negócio jurídico pode ser conceituado como sendo
a razão pessoal da sua celebração, estando no seu plano subjetivo.
Ensina Zeno Veloso, citando Clóvis Beviláqua, que, “os motivos do
ato são do domínio da psicologia e da moral. O direito não os
investiga, nem lhes sofre influência; exceto quando fazem parte
integrante do ato, quer apareçam como razão dele, quer como
condição de que ele dependa”.
Do erro e da ignorância
 O motivo, portanto, diferencia-se da causa do negócio, que está no
plano objetivo. Ilustrando, quando se analisa um contrato de
compra e venda, a causa é a transmissão da propriedade. Os
motivos podem ser os mais variados, de ordem pessoal das partes:
o preço está bom, o imóvel é bem localizado, o comprador quer
comprá-lo para presentear alguém etc.
Do erro e da ignorância
 Assim sendo, o falso motivo, por regra, não pode gerar a
anulabilidade do negócio, a não ser que seja expresso como razão
determinante do negócio, regra essa que consta do art. 140 do CC.
Esse dispositivo trata do erro quanto ao fim colimado, que não
anula o negócio. Ilustra-se com o caso da pessoa que compra um
veículo para presentear uma filha. Na véspera da data festiva
descobre o pai que o aniversário é do seu filho.
Do erro e da ignorância

De acordo com o art. 141 do CC, “a transmissão errônea da vontade


por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a
declaração direta.” Conforme ensinam Jones Figueirêdo Alves e
Mário Luiz Delgado, “o novo Código deu redação mais precisa ao
dispositivo, deixando expresso que a transmissão errônea da vontade
por meios interpostos é causa de anulabilidade e não de nulidade
como aparentemente posto pelo Código anterior.
Do erro e da ignorância

Entre os meios interpostos de transmissão da vontade inserem-se


todos os meios de comunicação, escrita e audiovisual, sobretudo a
internet. O dispositivo aplica-se, portanto, aos chamados ‘contratos
eletrônicos’”.

Deve-se atentar para a grande importância dos contratos eletrônicos,


que se enquadram como contratos atípicos, aqueles sem previsão
legal, nos moldes do art. 425 do CC.
Do erro e da ignorância

O art. 143 do CC trata de uma hipótese de erro material retificável,


sendo certo que o erro de cálculo não anula o negócio, mas apenas
autoriza a possibilidade de retificação da declaração de vontade,
hipótese de convalidação prévia. Cabe apenas a correção do cálculo
mal elaborado, o que está de acordo com o princípio da conservação
dos negócios jurídicos.
Do erro e da ignorância

Prevê o art. 144 C.C. que o erro não prejudica a validade do negócio
jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige,
oferecer-se para executá-la na conformidade da vontade real do
manifestante. Nesse último dispositivo, em sintonia com a
valorização da eticidade e da operabilidade, no sentido de efetividade,
procurou a nova lei preservar a manifestação de vontade, constante do
negócio jurídico (mais uma vez incidente o princípio da conservação
contratual), desde que respeitada a intenção real dos negociantes.
Do erro e da ignorância

Maria Helena Diniz traz exemplo interessante nos seguintes termos:


“Se A pensar que comprou o lote n. 4 na quadra X, quando, na
verdade, adquiriu o lote n. 4 na quadra Y, ter-se-á erro substancial que
não invalidará o ato negocial se o vendedor vier a entregar-lhe o lote
n. 4 da quadra X, visto que não houve qualquer prejuízo a A, diante
da execução do negócio de conformidade com a sua vontade real”.
Do erro e da ignorância

Ensina Carlos Roberto Gonçalves o “erro obstativo ou impróprio é o


de relevância exacerbada, que apresenta uma profunda divergência
entre as partes, impedindo que o negócio venha a se formar. É,
portanto, o que obsta a sua formação e, destarte, inviabiliza a sua
existência”.
Do erro e da ignorância

Ensina Carlos Roberto Gonçalves o “erro obstativo ou impróprio é o


de relevância exacerbada, que apresenta uma profunda divergência
entre as partes, impedindo que o negócio venha a se formar. É,
portanto, o que obsta a sua formação e, destarte, inviabiliza a sua
existência”.

Por fim, esclareça-se que o prazo para anular o negócio jurídico


eivado de erro é decadencial de quatro anos, contados da celebração
do negócio jurídico (art. 178, II, do CC).

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