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TRIPARTIÇÃO DE PLANOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

A escada Ponteana (teórica criada pelo jurista Pontes de Miranda no livro “Tratado
de Direito Privado”) foi criada para atribuir consequências práticas em cada um dos
planos da existência, validade e da eficácia dos fatos jurídicos. Existir, valer e ser
eficaz não são modos de ser exclusivos dos negócios jurídicos, por óbvio. Porém, a
figura da escada aponta que, para chegar no outro degrau, você precisa,
obrigatoriamente, subir o outro. Para que um negócio seja válido ele precisa ser
existente e, para ser eficaz, ele precisa ser existente e válido.
Um negócio perfeito passaria pelos três degraus: existência, validade e eficácia

1. EXISTÊNCIA

Nem todo fato interessa ao direito. Se o contrário fosse verdade, nenhum


acontecimento humano ou natural escaparia à lei. O que faz com que o fato seja um
negócio jurídico, ou seja, que ingresse no mundo jurídico, são a existência de um
conjunto fático que a lei prevê. Se o curso de águas fluviais ou de mares acrescer
terras nas margens da propriedade de alguém, de modo sucessivo e imperceptível,
estará caracterizado o suporte fático da aluvião, tratada no art. 1.250 do Código Civil,
fazendo com que incida essa proposição legal no caso concreto, incorporando aquele
fenômeno para o mundo jurídico — no plano da existência, portanto. Ou então quando
duas pessoas resolvem se casar: tem-se o casamento, regulado pelo título I do Livro
IV do Código Civil. Se duas pessoas resolvem, uma comprar e a outra vender algo,
tem-se a compra e venda.
Veja que para que o negócio seja existente, é necessário que, primeiramente
exista o negócio e que ele tenha certos elementos fáticos para que o direito diga:
realmente, isso está “catalogado” na lei.
Para que um negócio exista, ele precisa ter três elementos: objeto (lícito, possível)
sujeito (capaz) e forma (determinada pela lei, ou por ela não proibida).
O legislador cria a regra jurídica que descreve abstratamente um conjunto de fatos
ou um único fato. Ao fazê-lo, adjetiva o fato, tornando-o jurídico. Nem sempre a norma
jurídica que dá suporte ao fato estará exatamente descrita, de modo que é necessário
observar alguns requisitos para este negócio exista. Se o negócio não estiver presente
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Disciplina: Fundamentos de Direito Civil
Professora: Monique Pereira
na lei, tem-se um negócio inexistente, ou seja, este negócio não existe no mundo
jurídico, é irrelevante para a lei.

2. VALIDADE:

Existe? Existe. Vale?


É possível que o suporte fático, embora suficiente, seja deficiente. Ou seja, o
negócio jurídico existe, mas é inválido. Será inválido um negócio quando mesmo que
existente (ao fato seja atribuído uma norma), tenha algum vício de origem. Os termos
“nulidade” e “anulabilidade” dizem respeito às deficiências do plano da validade, nesse
sentido, quando um negócio é inválido, ele pode ser passível de anulação ou ser nulo.
O artigo 104 do Código Civil determina quais são os requisitos de validade do negócio
jurídico:
1) Agente capaz
Trata-se da aptidão para intervir em negócios jurídicos. Agente e capaz é
aquele que tem mais de 18 anos (ou menos, sendo emancipado). Incapaz, portanto,
é aquele que possui menos de 18 anos, sendo o absolutamente incapaz aquele que
possui menos de 16 (cujo negócio realizado por este é nulo – art. 166, I, CC), e
relativamente capaz, aquele que possui entre 16 e 18 anos ou se enquadra em alguma
hipótese de capacidade relativa - ébrios ou viciados, pródigos, ou quem possua
alguma causa transitória ou permanente que a impeça de manifestar vontade -.
Nessas últimas hipóteses, o negócio por este realizado é anulável – art. 171, I, CC.
Quando o agente não é capaz, para que o negócio não seja nulo ou anulável,
pode-se suprir essa incapacidade através da representação ou da assistência.
Representação pode ser legal ou convencional:
- Os pais, são representantes legais dos filhos;
- Os tutores, são representantes legais dos tutelados;
- Os curadores, são representantes legais do curatelados;
Já a assistência é necessária para validar a manifestação de vontade dos
relativamente incapazes (16-18 anos).
Ainda quanto à capacidade, o artigo 105 menciona que, quando um negócio for
declarado nulo ou anulável por haver um incapaz, se no mesmo polo houver um
capaz, o negócio quanto a este capaz não será declarado nulo/anulável, pois esta

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situação só se aproveita ao incapaz. Então imagine o exemplo: José, maior e capaz,
vendeu 100 sacos de café a João, maior e capaz, e Davi, 15 anos. O negócio quanto
a Davi será nulo, mas persistirá quanto à José e João.

Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada
pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos co-interessados capazes,
salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum.

2) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável


Objeto lícito é aquele não atenta contra a lei, moral e bons costumes. O objeto
pode ser tanto uma obrigação de dar, fazer ou não fazer.
Objeto possível é aquele que tem possibilidade jurídica ou física.
Impossibilidade física é aquele humanamente impossível de se realizar, como a
compra e venda de uma passagem para a lua de trem, por exemplo. Já a
impossibilidade jurídica é quando o ordenamento jurídico proíbe, como a deliberação
sobre a herança de pessoa vida, a compra e venda de um bem gravado com cláusula
de inalienabilidade, etc.
Objeto determinado é aquele possível de ser identificado, pormenorizando suas
especificações, como o exemplo do automóvel, que tem placa, cor, renavan, modelo,
ano, etc. Já o objeto determinável é aquele indicado ao menos pelo gênero ou pela
quantidade, como por exemplo 10 cadernos de capa dura.

3) Forma prescrita ou não defesa em lei


A forma é o meio pelo qual se revela a vontade dos agentes que fazem parte
do negócio jurídico. A lei que determina a forma (ou não a proíbe).
- Pode ser livre: predominante no direito brasileiro. O negócio pode se realizar
da forma como as partes quiserem (seja palavra falada, documento escrito, etc).
- Forma especial ou solene – quando a lei determina que aquele negócio deve
ser realizado de uma forma específica, como o exemplo do artigo 108 do CC:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é


essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis
de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

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- Forma contratual: convencionado pelas partes através de um contrato. Os
contratantes, podem, aliás, determinar no próprio contrato que o negócio se dará
por escritura pública. Nesse caso, faltando escritura pública, o negócio é nulo.

Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem
instrumento público, este é da substância do ato

Ou seja, o negócio jurídico pode ter vontade, agente, objeto e uma determinada
forma. Mas se a vontade não for livre, se o agente não for capaz, se o objeto for ilícito
ou se a forma do negócio não obedecer a lei, este negócio será inválido, passível de
anulação ou nulidade.
Por exemplo: o casamento (objeto determinado e lícito) realizado por juiz de paz
- pessoa habilitada (capaz), porém com o sogro coagindo o genro a casar, dizendo
que se este não casar com sua filha, será morto (a vontade do “genro” está viciada –
não é genuína). O casamento é invalido, pois há coação (art. 151), o que pode
invalidar o negócio jurídico, eis que a coação é uma invalidade que torna o negócio
anulável. Ou imagine que um adolescente de 13 anos (incapaz) seja proprietário de
um imóvel e realize a venda deste imóvel a alguém que tenha 30 anos (agente capaz).
O negócio existe, pois possui vontade, agente, objeto e forma. Porém é nulo, eis que
o agente é absolutamente incapaz (aqui está o vício) para realizar este ato.
Imagine o seguinte exemplo: alguém redige uma sentença judicial, em um papel
timbrado do Judiciário e com todos os requisitos essenciais processuais de uma
sentença. Muito embora ela “pareça” válida, faltou um pressuposto de existência: o
sujeito não é capaz (pois não é juiz). O único capaz nesse caso seria aquele investido
de jurisdição.
Este é o plano mais complexo. Existe uma centena de artigos para tratar das
invalidades ao longo de todo Código Civil. Mas, de forma geral, tem-se algumas
regras:

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DECLARAÇÃO DE
VONTADE

REQUISITOS GERAIS
AGENTE CAPAZ
comuns a todo os
negócios jurídicos
OBJETO LÍCITO,
REQUISITOS DO POSSÍVEL,
NEGÓCIO JURÍDICO DETERMINADO OU
VÁLIDO DETERMINÁVEL
(existente e válido)
REQUISITOS FORMA
PARTICULARES pode ser livre ou
determinada pela lei, a
diz respeito a cada depender do tipo de
negócio em particular negócio jurídico

Além disso, o negócio jurídico não pode ter nenhuma invalidade daquelas
previstas nos artigos 166 e 171 do CC (negócios nulos e anuláveis):

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:


I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para
a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção.

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável


o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão
ou fraude contra credores.

3. EFICÁCIA:

Se estão presentes os elementos acima (existência e validade), o negócio


produziu efeitos, ou seja, é eficaz. Exceção: quando houver elementos acidentais no

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negócio: termo, encargo ou condição. Se estes elementos acidentais não são
cumpridos, o negócio é ineficaz. Se são cumpridos, o negócio é eficaz.

Assim, resumindo:

EXISTÊNCIA VALIDADE EFICÁCIA

LÍCITO, POSSÍVEL, TERMO


OBJETO DETERMINADO OU
DETERMINÁVEL

ENCARGO
SUJEITO CAPAZ E LEGÍTIMO

PREVISTA OU NÃO CONDIÇÃO


FORMA PROIBIDA PELA LEI

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