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AULA TEÓRICA

(SEMANA 23/11/2020 A 27/11/2020)

Sumário breve:

Personalidade e capacidade jurídicas.

Incapacidades.

Tipologia das normas jurídicas.

Normas gerais, especiais e excecionais.

Normas imperativas percetivas e proibitivas.

Normas dispositivas facultativas, supletivas e interpretativas.

Sumário Desenvolvido:

Da personalidade e capacidade jurídicas.


O facto jurídico, para além do efeito de ser criador de uma relação jurídica, pode originar
ainda, e simultaneamente, a aquisição de uma qualidade jurídica para uma pessoa, um
status (estado) da pessoa, e esta qualidade condiciona o seu modo de estar no mundo
jurídico1. E é destas situações jurídicas (ou qualidades) que depende se e como as pessoas
podem estabelecer relações jurídicas.

Portanto, dos efeitos jurídicos produzidos pelo facto jurídico pode resultar uma relação
jurídica que se refere à ligação entre duas ou mais pessoas entre si e pode resultar ainda
um status (o estado pessoal; o estado civil), uma qualidade jurídica, que se refere à
situação da própria pessoa.

As relações jurídicas são estabelecidas entre pessoas determinadas, melhor dizendo, entre
pessoas em sentido jurídico. Estas são os sujeitos da relação jurídica. Pessoa em sentido

1
Por exemplo, ter ou não a nacionalidade portuguesa, ser menor ou maior, ser solteiro ou casado ou
divorciado, ser um maior acompanhado, sendo que aqui falamos do estado civil ou pessoal, ser solvente ou
insolvente, etc..

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jurídico é apenas quem possuir personalidade jurídica (assumindo a pessoa os efeitos
jurídicos da relação).

As pessoas em sentido jurídico são:

a) as pessoas singulares (os homens, as pessoas naturais);

b) as pessoas coletivas (enquanto conjuntos de pessoas ou de bens devidamente


organizados tendo como objetivo a realização de um fim comum que ultrapassa
as potencialidades individuais. Por exemplo: as cooperativas que assentam no
princípio da entreajuda, as associações que não têm como fim o lucro dos
associados mas visam fins ideais ou outros benefícios dos associados, as
sociedades que procuram o lucro ou ainda as fundações que visam a prossecução
de fins de interesse social, que a ordem jurídica reconhece como entidades
próprias que possuem personalidade jurídica, e que por isso também são
designadas por pessoas jurídicas).

As pessoas singulares adquirem a personalidade no momento do nascimento (= pelo


nascimento) completo e com vida (artigo 66.º, n.º 1) enquanto as pessoas coletivas
adquirem a personalidade por meios de um reconhecimento (artigo 158.º).

A norma do artigo 66., n.º 1, assenta na premissa jusnaturalista que a natureza do homem
está ontologicamente pré-fixada, restando ao direito positivo apenas aceitá-la. Por isso
mesmo, a personalidade da pessoa singular resulta do facto biológico do nascimento e,
precisamente por causa disso, não é atribuída pela lei e não está à disposição do legislador.
O mesmo também sucede com o termo da personalidade que se extingue com a morte
(artigo 68.º, n.º 1).

Muito pelo contrário, a personalidade jurídica das pessoas coletivas está à disposição do
legislador e é lhes conferida através de um ato atributivo, o reconhecimento2. As pessoas
coletivas são criações da ordem jurídica e têm na sua base, na realidade social, como
substrato um conjunto de pessoas e/ou de bens, organizado com vista à realização de um
fim comum, ao qual a lei em atenção aos fins relevantes que se pretendem alcançar atribui
a personalidade. De modo semelhante como a lei atribui a personalidade, também a pode
retirar em casos justificados3.

2
O artigo 158.º do Código Civil é uma norma guia para todo o direito privado.
3
Por exemplo, o art. 182.º, n.º 2 e o art. 192.º, n. 3.

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Da personalidade flui a capacidade jurídica da pessoa, que é uma qualidade, mais
precisamente, a idoneidade de ela poder ser sujeito de relações jurídicas, de ser titular de
direitos subjetivos e de obrigações. Contudo, a este respeito devemos diferenciar:

Para as pessoas singulares ter a capacidade jurídica significa que, por regra, todas podem
ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário (artigo
67.º). As disposições legais em contrário respeitam a situações em que a natureza do
homem, ou seja, a evolução física e mental da pessoa impede que ela, por não ter a idade
ou o discernimento suficiente, possa ser sujeito de determinadas relações jurídicas
estritamente pessoais, isto é, não lhe é possível casar, perfilhar e testar. Excetuadas estas
situações, aliás em princípio temporárias, a capacidade jurídica é ilimitada.

Para as pessoas coletivas, pelo contrário, a capacidade abrange apenas todos os direitos e
obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins4. Para a capacidade
jurídica da pessoa coletiva vale o princípio da especialidade do fim (= do fim comum).

Juntamente com a personalidade, a pessoa singular adquire os direitos de personalidade5


que são direitos inatos, originários, com a exceção do direito ao nome, absolutos e (na
maioria dos casos) inseparáveis da personalidade jurídica.

Mas também as pessoas coletivas podem ter direitos de personalidade, e entre estes,
nomeadamente o direito ao nome. É também por meio deste direito que fica patente que
as pessoas coletivas têm uma esfera jurídica própria que não se confunde com coma as
esferas jurídicas das pessoas que formam o seu substrato.

Existe uma separação rigorosa entre as esferas jurídicas das pessoas coletivas e das esferas
jurídicas das pessoas singulares que formam o seu substrato. Trata-se de pessoas
conceitual e juridicamente diferentes. Por conseguinte, tem que haver também uma estrita
separação dos patrimónios, nomeadamente a respeito da responsabilidade por dívidas,
pois trata-se em qualquer caso de pessoas com personalidades jurídicas autónomas
próprias e mutuamente independentes. Deste modo, a responsabilidade da pessoa coletiva
fica circunscrita ao património desta assim como a responsabilidade da pessoa singular
que integra o seu substrato pessoal fica delimitada pelo seu próprio património. O

4
Veja-se o artigo 160.º do Código Civil, igualmente uma norma guia para todo o direito privado.
5
Cfr. artigos 70.º a 81.º do Código Civil.

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princípio da separação dos patrimónios é um princípio elementar do direito das pessoas
coletivas.

Tendo as pessoas capacidade jurídica, ou seja, a suscetibilidade de serem titulares de


direitos e obrigações, precisam, todavia, ainda da capacidade para adquirir estes direitos
e de assumir as suas obrigações. Portanto, para o efeito as pessoas têm de agir, têm de
participar no tráfico jurídico negocial, e é por isso que precisam da necessária capacidade
de agir. Novamente temos que diferenciar entre pessoas singulares e pessoas coletivas.

As pessoas singulares adquirem a capacidade de agir e de participar no tráfico jurídico


negocial com a maioridade na medida em que o artigo 130.º proclama: “Aquele que
perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos (…).”
Esta capacidade permite aos maiores a participação no tráfico jurídico negocial.

A capacidade negocial de exercício é indispensável para uma pessoa poder participar


validamente, por atos próprios e com efeitos jurídicos, no tráfico jurídico negocial geral,
quer dizer, celebrar negócios jurídicos ou praticar atos quase negociais e certos atos de
ciência. Os menores (artigo 122.º) carecem da capacidade de exercício (artigo 123.º);
sendo assim incapazes não podem praticar validamente atos próprios com efeitos
jurídicos válidos. Para evitar que fiquem excluídos do tráfico jurídico geral a lei prevê
que a sua incapacidade é suprida por um representante legal que age em vez dele e em
seu nome. O representante substitui-se ao incapaz somente no agir, no simples praticar
do negócio, no adquirir ou dispor ou obrigar-se, nada mais. Nunca o representante se torna
titular dos direitos e obrigações que negociou; os sujeitos da relação jurídica são sempre
os incapazes de exercício pois possuem capacidade jurídica para serem titulares de
direitos e obrigações.

Além de os incluir no tráfico jurídico negocial por meio da representação legal, a lei prevê
em atenção ao estado de maturidade dos incapazes as necessárias exceções que lhes
permitem a sua inclusão gradual ao praticar determinados atos negociais que já estão ao
seu alcance, nomeadamente no artigo 127.º.

Não se tratando da participação no tráfico jurídico negocial geral, mas da prática de


negócios de natureza estritamente pessoal, que só podem ser celebrados pelo próprio
(casamento, perfilhação e testamento) as pessoas necessitam da capacidade negocial de

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gozo6. A falta da capacidade negocial de gozo é – ao contrário da falta da capacidade de
exercício – obviamente insuprível e tem como consequência que o negócio não pode ser
validamente celebrado por ninguém.

Se a capacidade de agir respeitar à capacidade de exercício e/ou a capacidade negocial de


gozo os atos praticados referem-se aos atos jurídicos lícitos7. Mas também podem ocorrer
factos jurídicos ilícitos8. Para estes é necessário que quem os cometer tenha capacidade
delitual9, quer dizer, seja imputável e, com isso, capaz de agir com culpa.

Ainda devemos acrescentar que, além dos menores, há também maiores que – embora
tenham capacidade de exercício – não participam plenamente no tráfico jurídico negocial
quando são beneficiados pelo regime do maior acompanhado. As causas do
acompanhamento estão referidas no artigo 138.º, ou seja, a impossibilidade de o maior –
ao contrário da situação normal prevista pelo artigo 130.º – poder exercer plenamente os
seus direitos. O âmbito do acompanhamento limita-se às medidas escolhidas pelo tribunal
entre as previstas no artigo 145.º e uma delas pode ser a representação legal.

Finalmente, quanto à capacidade de agir das pessoas coletivas constatamos que ela não é
comparável com a das pessoas singulares. As pessoas coletivas não podem ser menores
nem podem celebrar negócios estritamente pessoais e de modo igual também não podem
beneficiar do regime do acompanhamento. A sua capacidade de participar no tráfico
jurídico geral está assegurada pelos regimes consagrados no artigo 163.º (representação
orgânica ou voluntária) e a sua responsabilidade extracontratual (e delitual) decorre do
artigo 165.º.

Em relação às pessoas em sentido jurídico podemos desenhar o esquema seguinte:

6
Cfr. artigos 1600.º, 1850.º e 2188.º do Código Civil.
7
Ver artigos 217.º a 294.º e 295.º do Código Civil.
8
Ver artigo 483.º e seguintes do Código Civil.
9
Ver artigo 488.º, n.º 1, do Código Civil.

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Pessoas em
sentido jurídico

Pessoas Singulares Pessoas Coletivas

Personalidade Capacidade Personalidade


Jurídica (art. 66.º, Jurídica (art. 67.º) Jurídica (art.
n.º1) 158.º)

Capacidade de Agir
Capacidade
Direitos de Jurídica (art.
Personalidade (art. 160.º)
70.º e ss) Capacidade
Negocial de
Capacidade
Exercício
Negocial de
Gozo
Capacidade
Negocial de
Exercício (art.
163.º)

Capacidade
Delitual (art.
483.º e ss., Capacidade
488.º) Delitual (art.
165.º)

Tipologia das normas jurídicas


Aqui chegados e uma vez analisada a norma no contexto do silogismo judiciário e, nesta
ocasião, os factos jurídicos e as pessoas em sentido jurídico, resta-nos ver quais são as
características da norma jurídica.

Como primeira definição podemos dizer que a norma jurídica é uma regra geral, abstrata
e coercível, oriunda de uma autoridade estadual; tratando-se, portanto, de uma lei material
no sentido do artigo 1.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código Civil10.

10
Existe ainda a definição de lei em sentido formal, que são os atos legislativo, como toda a norma emanada
pelo Estado no exercício da função legislativa. Os atos legislativos são as leis, os decretos-lei e os decretos
legislativos regionais, conforme consta do art. 112.º da Constituição da República Portuguesa.

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Não são normas neste sentido as ordens (e decisões) individuais e concretas, com base na
lei, como por exemplo, a sentença judicial, a ordem de um agente da polícia11, nem os
atos administrativos, como por exemplo, as nomeações para um cargo público por
despacho, as licenças para construção, o deferimento ou indeferimento de um
requerimento, etc..

Também a chamada lex contractus, com que se designa a força vinculativa obrigatória
entre as partes de um contrato12, não é norma jurídica, embora seja uma norma para as
partes.

É duvidoso se a norma jurídica pode ser qualificada como sendo um comando. Contudo,
ela é imperativa no sentido de a sua observância ser obrigatória não apenas no significado
de ela ordenar, impor ou proibir uma conduta mas também na aceção de ela atribuir um
poder ou uma faculdade em que igualmente deve ser observada, como sucede, por
exemplo com a liberdade contratual13, pois liberdade contratual não significa liberdade
do contrato, mas significa que, para quem se quiser vincular para assumir uma obrigação
ou adquirir um direito, é obrigatório recorrer ao tipo negocial “contrato” que então pode
escolher e compor livremente. Quer dizer, no campo das relações sociais que são
reguladas pelo direito, sendo por isso relações jurídicas, é inevitável e obrigatório recorrer
a normas jurídicas.

Como as normas jurídicas são destinadas a regular a convivência social são concebidas
para resolver problemas sociais, não devendo ser arbitrárias e/ou desligadas da realidade
social mas devendo ir ao encontro dos interesses dos homens. De resto, é um dado
empírico que, leis que julgam poder ignorar a realidade social estão condenadas ao
fracasso.

Assim, a ordem jurídica ordena, dá uma ordem como se deve atuar (normas preceptivas),
proíbe o que não se deve fazer (normas proibitivas) mas também permite o que se pode
fazer ao conceder positivamente poderes ou faculdades (e temos normas de autorização
ou concessivas ou dispositivas). Daí podemos resumir tudo nas expressões: “tu deves”,
“não podes” e “tu podes”.

11
É duvidosa a qualificação das ordens expressas por meio das sinalizações rodoviárias.
12
Que é um negócio jurídico que dá origem a um vínculo jurídico entre os contraentes.
13
Cfr. artigos 405.º e 406.º do Código Civil.

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Desta forma, podemos distinguir, ou classificar, os diversos tipos de normas jurídicas
seguindo várias modalidades, ou seja:

a) normas preceptivas: normas que prescrevem, que impõem um certo


comportamento, como por exemplo, as disposições do artigo 879.º do Código
Civil que preveem as obrigações de vendedor e comprador; as normas que
obrigam a fazer um contrato de seguro contra incêndios ou normas que exigem
que se contraia um seguro automóvel, etc.;

b) normas proibitivas ou sancionatórias, como por exemplo as normas penais; mas


há também normas civis que proíbem comportamentos ou sancionam factos
ilícitos, como por exemplo os artigos 334.º ou 483.º do Código Civil. Analisemos
a hipótese legal do artigo 483.º que refere “aquele que … violar ilicitamente o
direito de outrem …” sofre a consequência, a sanção, de “fica obrigado a
indemnizar …”14;

c) normas permissivas que atribuem poderes, faculdades e garantem liberdades,


como por exemplo, no Código Civil, os artigos 405.º, que estabelece o princípio
da liberdade contratual que permite às partes fixar livremente o conteúdo dos
contratos, com “as cláusulas que lhes aprouver”, o art. 1305.º, que define os
amplos poderes do proprietário, ou o art. 2179.º, n.º 1, e art. 2188.º, que consagram
a liberdade de fazer um testamento.

Mas devemos ter a consciência que todas estas liberdades existem sempre e apenas
“dentro dos limites da lei”.

Normas gerais, excecionais e especiais


Começamos por distinguir entre normas de direito comum e normas de direitos especiais
que são destinados e aplicáveis para determinadas atividades, áreas ou pessoas; as normas
dos direitos especiais prevalecem sobre as normas de direito comum15.

14
Temos aqui uma previsão abstrata e geral (“violação do direito de outrem”). Uma previsão é geral e
abstrata quando não se refere a um caso concreto e individual mas a um caso qualquer possível em geral; à
esta previsão geral e abstrata devemos subsumir um determinado comportamento concreto que ocorreu, por
exemplo, o atirar uma pedra contra uma janela ou o envenenar o cão do vizinho, que são atos que violam o
direito da propriedade que o artigo 483.º não permite.
15
Como exemplos: direito civil = o direito privado comum versus direito comercial = um direito privado
especial; o mesmo vemos quando o Código Civil, como direito comum, define os vários contratos e entre
eles também o contrato de trabalho (no artigo 1152.º) e remete no seu artigo 1153.º esta matéria para a
legislação especial, ou seja, o direito do trabalho.

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Mas muitíssimo importante é a distinção entre normas gerais, que estabelecem um
regime-regra, e normas excecionais, que afastam o regime-regra. As normas gerais visam
um certo efeito ou finalidade que não é seguido pelas exceções uma vez que estas
obedecem a uma lógica ou razão própria, típica dos casos excecionais, que se opõe à
lógica da norma geral que contempla todos os casos. Todas as exceções têm que ser
devidamente justificadas uma vez que constituem um desvio à regra elementar da
igualdade que é garantida e concretizada pela generalidade e abstração das normas.

Vamos ver alguns exemplos16 a respeito do confronto entre o regime-regra e a exceção


ao mesmo:

i. A regra geral da capacidade jurídica do artigo 67.º dispõe que “… salvo disposição
legal em contrário …”; as exceções resultam das incapacidades negociais de gozo
das pessoas singulares que, como já acima referimos, são a incapacidade de casar,
perfilhar e de testar17.

ii. Outro exemplo ainda, a regra da incapacidade negocial de exercício dos menores18
e as exceções a esta regra mais relevantes que constam do artigo 127.º, sobretudo
da sua alínea b);

iii. A regra da capacidade sucessória, prevista no artigo 2033.º com as exceções


taxativas do artigo 2034.º;

iv. A regra da proibição de pactos sucessórios, prevista nos artigos 2028.º, n.º 2, e
1699.º, n.º 1, alínea a), com a exceção dos artigos 1700.º a 1707.º19;

v. A regra da liberdade de forma, prevista no artigo 219.º e as suas exceções mais


importantes encontramos nos artigos 875.º, 947.º, 1069.º 1143.º;

vi. A regra da transferência de direitos reais por mero efeito do contrato, prevista no
art. 408.º, n.º 1, que tem muitíssimas exceções, mas mesmo assim continua a ser
o regime-regra;

16
Os artigos 66.º, n.º 1; 67.º [1600.º, 1850.º, n.º 1, 2188.º]; 68.º, n.º 1; 122.º e 123.º; 130.º; 138.º; 158.º;
160.º; 488.º, todos os Código Civil.
17
Cfr. artigos 1600.º e 1601.º; 1850.º, n.º 1, 1.ª parte, reforçada pelo n.º 2 e 1850.º, n.º 1, 2.ª parte; 2188.º
e 2189.º.
18
Cfr. artigos 122.º123.º do Código Civil.
19
Contudo, a partilha em vida não é havida como pacto sucessório, como resulta do art. 2029.º do Código
Civil.

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vii. A regra da retroatividade da anulação do negócio jurídico anulável e, em certa
medida, igualmente da declaração de nulidade de um negócio jurídico nulo,
prevista no art. 289.º, n.º 1, com a exceção muito importante do artigo 291.º.

Em todas estas situações devemos saber primeiro qual é o regime-regra que a lei
estabeleceu e qual a sua finalidade; depois, devemos compreender o regime oposto, o ius
singulare, e perceber as suas específicas razões justificativas das quais decorre que não
há arbitrariedades, por exemplo, existem razões justificativas como a condição concreta
do menor, o interesse público, a prevenção contra precipitações das partes que as possam
prejudicar, a proteção da parte negocial mais fraca, a segurança e certeza na atribuição de
bens, exigências da fluidez do tráfico jurídico negocial, razões de justiça.

Pode suceder que uma norma excecional já não seja sentida como tal quando o regime
geral se acha bastante esbatido por exceções relevantes20.

Porém, todos os desvios, embora sendo relevantes, continuam sempre a ser excecionais
em relação ao regime-regra. Não são as exceções a um princípio, por muito numerosas
que sejam, que o fazem desaparecer como princípio enquanto subsistir o fundamento que
lhe confere valor normativo, ou seja, não obstante um número quase excessivo de
exceções ao princípio subjacente ao regime regra, ele mantém-se como regime-regra21.

Ao estabelecer as normas legais, o legislador corre sempre o risco de surgir e revelar-se


nas suas previsões lacunas ou omissões, tanto no regime-regra como nas exceções a ele,
ou seja, pode constatar-se que uma norma é lacunosa por não prever uma circunstância
que justificaria a sua consagração como mais uma exceção.

Sucede que o legislador só pode legislar com base nos conhecimentos e experiências
adquiridas mas não pode prever todas as evoluções futuras ou casos nunca imaginados
(sendo certo que, às vezes, se “esquece” de fixar regras) o que faz com que uma hipótese
legal, uma previsão legal, acabe por se mostrar como lacunosa.

20
Exemplos deste facto são as exceções numerosas ao princípio da liberdade de forma, consagrado no
artigo 219.º; as excepções do artigo 291.º ao regime-regra do efeito retroactivo da anulação e da declaração
de nulidade de um negócio jurídico, consagrado no artigo 289.º, n.º 1; as quase incontáveis excepções ao
princípio da transmissão de direitos reais sobre coisa determinada por mero efeito do contrato, previsto no
artigo 408.º, n.º 1.
21
Poderemos verificar este facto, por exemplo, no âmbito do sigilo bancário que é a regra, apesar das
inúmeras e quase infindáveis exceções, mas o princípio é o sigilo.

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Nas exceções a enumeração é taxativa; estamos perante um elenco fechado. Contudo, as
exceções não precisam de constar todas do mesmo artigo. Temos como exemplo o artigo
127.º, n.º 1: “São excecionalmente válidos, além de outros previstos na lei …”, o que não
facilita o entendimento deste regime excecional. Entre “os outros previstos na lei” temos
o artigo 951.º, n.º 2, que determina que os incapazes podem aceitar doações puras e o
artigo 1886.º que permite aos filhos maiores de 16 anos, portanto ainda menores e
incapazes de exercício, decidirem sobre a sua educação religiosa.

O artigo 11.º do Código Civil


Por força do artigo 11.º Código Civil as normas excecionais não se podem aplicar por
analogia22 a casos não previstos na lei. Assim o exige a lógica do princípio da igualdade
do regime-regra à qual a norma excecional se opõe: uma aplicação analógica da exceção
mina o regime-regra e, além disso, sendo já a própria exceção um desvio ao princípio da
igualdade, abre o espaço ao risco da arbitrariedade ou da injustificação.

No direito penal, atendendo aos princípios nullum crimen sine lege et nulla poena sine
lege, nenhuma analogia é permitida a não ser que seja a favor do delinquente.

Todavia, as normas excecionais admitem uma interpretação extensiva do seu texto e


permitem deste modo subsumir nele situações novas inicialmente não previstas, mas
cobertas pela finalidade ou o conteúdo da norma, sobretudo quando está redigida em
conceitos indeterminados ou cláusulas gerais. Assim já não existe nenhuma lacuna pois
o significado linguístico dos conceitos usados, “esticados” até ao limite do que o seu
significado, ainda permite subsumir o caso concreto.

Normas imperativas e normas dispositivas


Partindo da perspetiva da autonomia privada faz-se uma distinção entre normas
imperativas e normas dispositivas. As normas imperativas estão subtraídas à vontade das
partes e devem ser observadas sob pena de nulidade do negócio que vier a ser celebrado.
Assim o determina o regime-regra estabelecido pelo artigo 294.º que refere que: “Os
negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos
casos em que outra solução resulte da lei.”

Em consequência disto, distinguimos entre:

22
Ou seja, utilizando o mesmo critério atendendo ao paralelismo entre o caso regulado e o não regulado, o
caso omisso, no que respeita aos interesses ou finalidades em questão.

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a) Normas imperativas precetivas23;

b) Normas imperativas proibitivas24;

As normas dispositivas, pelo contrário, estão, como indica a sua designação, à disposição
das partes, ou seja, elas podem aceitá-las ou afastá-las por soluções que no seu caso
concreto se lhes afiguram como mais convenientes.

Em consequência disto, distinguimos entre:

a) Normas dispositivas supletivas, que podemos definir como sendo as normas que
visam suprir ou colmatar a falta de manifestação de vontade das partes
relativamente a certos elementos essenciais à boa execução de um contrato25;

b) Normas dispositivas interpretativas26, que podemos definir como as normas que


visam interpretar ou fixar o sentido a atribuir a certas expressões ambíguas
utilizadas pelas partes na celebração de negócios jurídicos27.

c) Normas permissivas, facultativas, atributivas ou concessivas, que como atrás já


referimos, permitem ou facultam certos poderes ou direitos que, conforme for
opção dos seus titulares, escolhem exercê-los ou não, daí dizer-se que a sua
aplicação/ exercício não é imposto por lei;

Isto posto, e tendo em conta o princípio da liberdade contratual em virtude do qual o


conteúdo de um contrato é determinado pela vontade das partes, o direito das obrigações
é composto essencialmente por normas dispositivas às quais se recorre quando as partes
nada disseram. Em virtude disso, os efeitos jurídicos da aplicação de uma norma

23
Como por exemplo o artigo 875.º. Um negócio é permitido, ele pode ser celebrado, mas para o efeito é
obrigatório observar um formalismo legal sob pena de nulidade do negócio como consta do artigo 220.º.
24
Por exemplo, o já referido artigo 2028.º, n.º 2, que proíbe os pactos sucessórios sob pena de nulidade ou
o artigo 877.º, n.º 1, 1.ª parte, que proíbe a venda de pais a filhos ou de avós a netos, aliás, uma proibição
secular, desde as Ordenações Filipinas, em que a lei parte do pressuposto, duvidoso aliás, da simulação do
preço das vendas a favor de um descendente – filho ou neto, mas já não genro ou nora – em prejuízo dos
outros sucessíveis sob pena de anulabilidade, não sendo esta proibição absoluta na medida em que os outros
filhos ou netos podem dar o seu consentimento para o negócio.
25
Como exemplo, temos o artigo 878.º, que prevê a cargo de quem ficam as despesas do contrato para o
caso de este nada dizer a seu respeito, aos quais podemos acrescentar os artigos 772.º, 773.º e 774.º.
26
Atenção, não confundir normas interpretativas com leis interpretativas, que adiante abordaremos.
27
Como por exemplo o artigo 1402.º, que nos diz qual é o entendimento que devemos dar a certas
expressões ou ainda o exemplo do artigo 840.º, que permite ao devedor efetuar uma prestação diferente da
devida para que o credor possa obter mais facilmente, por meio desta prestação diferente, a satisfação do
seu crédito (dação pro solvendo), como por exemplo, entrega de um cheque em vez de pagar em dinheiro,
que no caso concreto pode ser inconveniente; obviamente, a dívida só fica paga quando o cheque tiver sido
creditado.

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dispositiva supletiva são atribuídos à vontade das partes do negócio, uma vez que elas os
assumem precisamente por não terem afastado a norma ao escolher uma solução preferida
por elas.

Ainda devemos advertir para o facto de no contexto das normas supletivas – onde as
partes podem, com base no princípio da liberdade contratual, estipular soluções diferentes
das previstas nas normas dispositivas - aparecer o problema do favorecimento da parte
mais forte à custa da parte mais fraca. A parte contraente mais forte, devido ao seu poder
negocial maior e invocando a liberdade contratual, pode faz prevalecer os seus interesses
à custa da outra parte contraente, designadamente ao recorrer a cláusulas contratuais
gerais já pré-formuladas que a favorecem, como por exemplo na fixação das modalidades
de pagamento ou na escolha da competência do tribunal em caso de litígio. Como é óbvio,
o favorecimento da parte mais forte na medida em que impede um resultado equilibrado
em consonância com a justiça comutativa não é desejável. Por isso, o Decreto-lei n.º
446/85, de 25 de outubro28 disciplina o recurso a cláusulas contratuais e procura combater
a sua utilização abusiva.

PÁGINAS A LER: J. Baptista Machado, pp. 82-88 e 91-94.

28
Atualmente já alterado pelos Decretos-Lei n.º 323/2001, de 17/12, n.º 249/99, de 07/07, n.º 220/95, de
31/08 e pela Declaração de Retificação n.º 114-B/95, de 31/08.

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