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Sumário Desenvolvido

Aula Teórica – Semana 8

7. Da relação jurídica e dos sujeitos da relação; as pessoas em sentido jurídico

7.1 Da relação jurídica e do estado da pessoa

7.2 Da personalidade e capacidade jurídicas das pessoas em sentido jurídico

7.2.1 A aquisição de personalidade e capacidade jurídica das pessoas singulares

7.2.2 A aquisição de personalidade e capacidade jurídica das pessoas colectivas

7.2.3 As capacidades negociais de exercício e de gozo; a capacidade delitual

7.3 Resumo esquemático do ponto 7.

8. A tipologia das normas jurídicas

8.1 Delimitação geral

8.2 Normas preceptivas, proibitivas e permissivas

8.3 Normas de direito comum, normas gerais, excepcionais e especiais

8.4 A proibição da aplicação analógica das normas excepcionais pelo artigo 11.º do
Código Civil
8.5 Normas imperativas e normas dispositivas

8.6 Leges plus quam perfectae, leges perfectae, leges minus quam perfectae, leges
imperfectae

8.7 Normas nacionais, regionais e locais

8.8 Normas autónomas e não autónomas

***
7. Da relação jurídica e dos sujeitos da relação
7.1 Da relação jurídica e do estado da pessoa
Dos efeitos jurídicos produzidos pelo facto jurídico pode resultar uma relação jurídica que
estabelece um vínculo entre duas ou mais pessoas – pessoas em sentido jurídico – ou ainda um
estado da pessoa (status; o estado pessoal; o estado civil) que define a situação ou uma
qualidade da própria pessoa.

(1) Sendo o facto jurídico criador de uma relação jurídica entre duas ou mais pessoas estas
passam a ser os sujeitos desta relação com os seus direitos e deveres recíprocos, ou seja, fica
estabelecida uma vinculação jurídica mútua cujo conteúdo – no caso de ter sido celebrado um
negócio jurídico – é determinado pela vontade das próprias pessoas. Os efeitos jurídicos
produzidos pelo facto consistem, como já dissemos (ver ← sob 6.5 b)), na aquisição,
modificação ou extinção de um direito subjectivo (absoluto, relativo ou potestativo) por um
dos sujeitos e a imposição de um dever jurídico ao outro (que é uma obrigação ou uma
sujeição).

Contudo, no caso de o direito adquirido envolver uma atribuição patrimonial (por exemplo, a
aquisição da propriedade) ou consistir no estabelecimento de um estado civil (por exemplo, o
estado de casado) o conteúdo do direito ou do estado civil é determinado em abstracto pela lei
e não pela vontade dos sujeitos da relação. Deste modo, o artigo 1305.º enuncia os poderes que
caracterizam a propriedade e o artigo 1577.º define o casamento como um contrato, portanto
um negócio jurídico (um facto jurídico voluntário), cujos efeitos resultam da lei1.

Assim, o facto jurídico dá origem à constituição, aquisição, modificação ou extinção de direitos


subjectivos. Uma relação jurídica é por isso uma relação social juridicamente relevante. Trata-
se de um vínculo jurídico, um vínculo normativo.

À atribuição de um direito subjectivo (absoluto ou relativo) corresponde – como sabemos –


uma obrigação e o respectivo direito de exigir o seu cumprimento.

De uma obrigação distingue-se um ónus (Obliegenheit). O cumprimento de um ónus não pode


ser exigido uma vez que não lhe corresponde um direito subjectivo de ninguém. O ónus é uma

1
Assim, há quem ponha em causa a definição legal do artigo 1577.º. Por outro lado, em defesa da
definição legal sustenta-se que os efeitos que a lei estabelece correspondem à vontade das partes se
ela fosse relevante.
“obrigação” que uma pessoa tem em relação a si mesma, de ser cuidadosa nos assuntos que lhe
dizem respeito para não sofrer desvantagens, mas não em relação a uma outra pessoa. Deste
modo, o ónus não é nenhuma obrigação no sentido próprio que se caracteriza pela situação em
que temos um devedor ao qual o credor pode exigir ou pretender o cumprimento da sua
obrigação2.

(2) O facto jurídico, para além do efeito de ser criador de uma relação jurídica, pode originar
ainda, e simultaneamente, a aquisição de uma qualidade jurídica para uma pessoa, um estado
(status) da pessoa, e esta qualidade condiciona o seu modo de estar no mundo jurídico. Por
exemplo, ter ou não a nacionalidade portuguesa, ser menor ou maior, ser solteiro ou casado ou
divorciado, ser um maior acompanhado, sendo que aqui falamos do estado civil ou pessoal, ou
ser solvente ou insolvente, etc. O conteúdo do estado civil ou pessoal é, como explicámos,
determinado pela lei. É do estado civil ou pessoal que depende se e como as pessoas podem
estabelecer relações jurídicas. Por exemplo, quem está casado no regime da comunhão de
adquiridos só pode dispor dos seus bens imóveis, se o outro cônjuge tiver prestado o seu
consentimento (artigo 1682.º-A). E um menor não tem capacidade para participar no tráfico
jurídico negocial (artigo 123.º).

7.2 Da personalidade e capacidade jurídicas das pessoas em sentido jurídico


(1) As relações jurídicas são estabelecidas entre pessoas, pessoas em sentido jurídico. Elas são
os sujeitos da relação jurídica, assumindo os seus efeitos. Pessoa em sentido jurídico é apenas
quem possuir personalidade jurídica.

As pessoas em sentido jurídico são:

1. as pessoas singulares, ou seja, os homens, as pessoas naturais;

2. as pessoas colectivas que são conjuntos de pessoas ou de bens devidamente organizados cujo
objectivo é a realização de um fim comum que ultrapassa as potencialidades individuais.
Temos por exemplo as cooperativas que assentam no princípio da entreajuda; as associações

2
A observância de um ónus tem como consequência a obtenção de vantagens ou o evitar de
desvantagens na pessoa à qual incumbe o ónus. Como exemplos podemos referir o ónus de proteger
a casa antes de ir para férias, ou de fechar e sinalizar o veículo depois de um acidente ou de promover
o registo após a compra de um objecto sujeito a registo, etc. Não observando o ónus o “obrigado”
sofre os resultados negativos do seu comportamento negligente. Por exemplo, o seguro não indemniza
os prejuízos sofridos por um furto se a casa não estava devidamente fechada ou o comprador que não
regista o contrato de aquisição de um bem sujeito a registo vê a sua propriedade perdida por ter sido
adquirida por um terceiro de boa fé como exemplificámos na aula de 11/12-11-2021 (no fim). Por outro
lado, um automobilista que conduz com cuidado (e que tem sorte) vê os seus prémios de seguro
bonificados.
que visam fins ideais ou culturais ou desportivos ou outros benefícios dos associados, mas não
têm como fim o lucro dos associados; ou ainda as fundações que visam a prossecução de fins
de interesse social3. As sociedades, por seu lado, procuram o lucro.

As pessoas singulares adquirem a personalidade no momento do nascimento (= pelo


nascimento) completo e com vida (artigo 66.º, n.º 1) enquanto as pessoas colectivas adquirem
a personalidade por meio de um reconhecimento (artigo 158.º).

7.2.1 A aquisição de personalidade e capacidade jurídica das pessoas singulares

A norma do artigo 66., n.º 1, assenta na premissa jusnaturalista que a natureza do homem está
ontologicamente pré-fixada, restando ao direito positivo apenas aceitá-la. Por isso mesmo, a
personalidade da pessoa singular resulta do facto biológico do nascimento e, precisamente por
causa disso, não é atribuída pela lei e não está à disposição do legislador. O mesmo também
sucede com o termo da personalidade que se extingue com a morte (artigo 68.º, n.º 1).

Da personalidade flui a capacidade jurídica da pessoa, que é uma qualidade, mais precisamente,
a idoneidade de ela poder ser sujeito de relações jurídicas, de ser titular de direitos subjetivos
e de obrigações (artigo 67.º). Contudo, a este respeito devemos diferenciar:

Para as pessoas singulares ter a capacidade jurídica significa que, por regra, todas podem ser
sujeitos de todas e quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário (artigo
67.º). As disposições legais em contrário respeitam a situações em que a natureza do homem,
ou seja, a sua evolução física e mental impede objectivamente que ela por não ter a idade ou o
discernimento suficiente possa vir a ser sujeito de determinadas relações jurídicas sendo elas
estritamente pessoais, isto é, não lhe é possível casar, perfilhar e testar. Exceptuadas estas
situações, ressalvadas nos artigos 1600.º, 1850.º, n.º 1, e 2188.º e em princípio temporárias, a
capacidade jurídica é ilimitada.

Juntamente com a personalidade, a pessoa singular adquire os direitos de personalidade (artigos


70.º a 81.º) que são direitos inatos, originários (com a excepção designadamente do direito ao
nome), absolutos e (na maioria dos casos) inseparáveis da personalidade jurídica.

7.2.2 A aquisição de personalidade e capacidade jurídica das pessoas colectivas

3
As fundações existem desde a antiguidade: Já Platão instituiu uma fundação, a Academia, que existiu
de 347 a.C. até 529 d.C.
Decisiva é a vontade do instituidor, tanto em relação aos fins da fundação como em relação à sua
organização.
Como referimos, as pessoas colectivas adquirem a personalidade por meio de um
reconhecimento (artigo 158.º), ou seja – ao contrário da personalidade jurídica das pessoas
singulares – a personalidade das pessoas colectivas é lhes conferida através de um acto
atributivo, o reconhecimento, por lei ou acto administrativo. A personalidade está à disposição
do legislador4. Por isso, de modo semelhante como a lei atribui a personalidade, também a pode
retirar em casos justificados5. Deste modo, as pessoas colectivas são criações da ordem jurídica
e por isso são também designadas por “pessoas jurídicas”. Elas têm na sua base, na realidade
social, como substrato um conjunto de pessoas e/ou de bens, organizado com vista à realização
de um fim comum, ao qual a lei em atenção aos fins relevantes que se pretendem alcançar
atribui a personalidade jurídica.

Simultaneamente, as pessoas colectivas adquirem também a capacidade jurídica (artigo 160.º)


que, ao contrário da capacidade ilimitada das pessoas singulares, abrange apenas todos os
direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins. Vale para a
capacidade jurídica da pessoa colectiva o princípio da especialidade do fim (do fim comum).
O artigo 160.º do Código Civil é, igualmente como o artigo 158.º, uma norma guia para todo o
direito privado.

As pessoas colectivas têm também direitos de personalidade, e entre eles, precisamente o


direito ao nome. É já por meio deste direito que fica patente que as pessoas coletivas têm uma
esfera jurídica própria que não se confunde com coma as esferas jurídicas das pessoas que
formam o seu substrato.

Existe uma separação rigorosa entre as esferas jurídicas das pessoas colectivas e das esferas
jurídicas das pessoas singulares que formam o seu substrato. Trata-se de pessoas conceitual e
juridicamente diferentes. Por conseguinte, tem que haver também uma estrita separação dos
patrimónios, nomeadamente a respeito da responsabilidade por dívidas, pois trata-se em
qualquer caso de pessoas com personalidades jurídicas autónomas próprias e mutuamente
independentes. Deste modo, a responsabilidade da pessoa colectiva fica circunscrita ao
património desta assim como a responsabilidade da pessoa singular que integra o seu substrato
pessoal fica delimitada pelo seu próprio património. O princípio da separação dos patrimónios
é um princípio elementar do direito das pessoas colectivas.

4
Apesar da sua redacção um pouco infeliz o artigo 158.º do Código Civil é uma norma guia para todo
o direito privado.
5
É precisamente isto que está previsto nos artigos 182.º, n.º 2, e 192.º, n. 3: deixou de haver o fim
comum que justifica a atribuição da personalidade.
7.2.3 As capacidades negociais de exercício e de gozo; a capacidade delitual

Tendo as pessoas capacidade jurídica (artigos 67.º e 160.º), ou seja, a susceptibilidade de serem
titulares de direitos e obrigações, precisam, todavia, de mais uma capacidade que é a
capacidade para poder adquirir estes direitos e de assumir as suas obrigações. Para o efeito as
pessoas têm de agir, de participar no tráfico jurídico negocial, e é por isso que precisam da
necessária capacidade de agir. De novo vamos diferenciar entre pessoas singulares e pessoas
colectivas.

(1) As pessoas singulares adquirem a capacidade de agir e de participar no tráfico jurídico


negocial com a maioridade na medida em que o artigo 130.º proclama: “Aquele que perfizer
dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos (…).” Esta capacidade
permite aos maiores a participação no tráfico jurídico negocial.

a) A capacidade negocial de exercício é indispensável para uma pessoa poder participar


validamente, por actos próprios e com efeitos jurídicos, no tráfico jurídico negocial geral, quer
dizer, celebrar negócios jurídicos ou praticar actos quase negociais e certos actos de ciência.
Os menores (artigo 122.º) carecem da capacidade de exercício (artigo 123.º); sendo assim
incapazes não podem praticar validamente actos próprios com efeitos jurídicos válidos. Para
evitar que fiquem excluídos do tráfico jurídico geral a lei prevê que a sua incapacidade é suprida
por um representante legal que age em vez deles e em seu nome. O representante substitui-se
ao menor somente no agir, no simples praticar do negócio, no adquirir ou dispor ou obrigar-se,
nada mais. Nunca o representante se torna titular dos direitos e obrigações que negociou; estes
cabem sempre ao menor como sujeito da relação jurídica pois possui a capacidade jurídica para
serem titular de direitos e obrigações.

Além de os incluir no tráfico jurídico negocial por meio da representação legal, a lei prevê em
atenção ao estado de maturidade dos menores as necessárias excepções à sua incapacidade que
lhes permitem a sua inclusão gradual no tráfico jurídico ao praticar determinados actos
negociais que já estão ao seu alcance, nomeadamente com base no artigo 127.º (ver ← sob
ponto 3.3.3.1).

Ainda devemos acrescentar que, além dos menores, há também maiores que – embora tenham
capacidade de exercício – não participam plenamente no tráfico jurídico negocial quando são
beneficiados pelo regime do maior acompanhado. As causas que tornam o acompanhamento
necessário estão referidas no artigo 138.º, ou seja, a impossibilidade de o maior – ao contrário
da situação normal prevista pelo artigo 130.º – poder exercer plenamente os seus direitos. O
âmbito do acompanhamento limita-se ao necessário e as medidas são escolhidas pelo tribunal
entre as previstas no artigo 145.º e uma delas pode ser a representação legal.

b) Não se tratando da participação no tráfico jurídico negocial geral, mas da prática de negócios
de natureza estritamente pessoal, ou seja, negócios que só podem ser celebrados pelo próprio
(casamento, perfilhação e testamento) as pessoas necessitam da capacidade negocial de gozo a
que se referem os artigos 1600.º, 1865.º, n.º 1, e 2188.º. A falta da capacidade negocial de gozo
não é – ao contrário da falta da capacidade de exercício – suprível em virtude da natureza
estritamente pessoal do negócio e tem como consequência que este não pode ser validamente
celebrado por ninguém.

c) Quando a capacidade de agir respeitar à capacidade negocial de exercício e/ou à capacidade


negocial de gozo os actos praticados referem-se a negócios jurídicos e a actos jurídicos em
sentido estrito, ou seja, factos jurídicos voluntários lícitos (= actos jurídicos em sentido
amplo)6. Mas também podem ocorrer factos jurídicos ilícitos (ver artigo 483.º e seguintes).
Para cometer estes é necessário que quem os praticar tenha capacidade delitual (artigo 488.º,
n.º 1), quer dizer, seja imputável e, com isso, capaz de agir com culpa. A falta de imputabilidade
presume-se nos menores de sete anos (artigo 488.º, n.º 1).

(2) Finalmente, quanto à capacidade de agir das pessoas colectivas constatamos que ela não é
comparável com a das pessoas singulares. As pessoas colectivas não podem ser menores nem
podem celebrar negócios estritamente pessoais e de modo igual também não podem beneficiar
do regime do acompanhamento. A sua capacidade de participar no tráfico jurídico geral
adquire-se, juntamente com o a aquisição da personalidade e a capacidade jurídica
correspondente, com o reconhecimento e está – como mencionámos (cf. ← ponto 7.2.2) –
condicionada à partida pelo princípio da especialidade do fim. A sua participação no tráfico
jurídico geral é assegurada na medida em que age por meio da representação orgânica ou
voluntária (consagrada no artigo 163.º) e daí pode incorrer em responsabilidade contratual,
enquanto a sua responsabilidade extracontratual (e delitual) decorre do artigo 165.º, ao assumir
os efeitos de determinados actos praticados por agentes ao serviço da pessoa colectiva.

7.3 Resumo

Em relação às pessoas em sentido jurídico podemos desenhar o esquema seguinte:

6
Ver artigos 217.º a 294.º e 295.º do Código Civil. Todavia, nos actos jurídicos em sentido estrito
(artigo 295º), porém, a capacidade negocial de gozo não interessa.
Pessoas em sentido
jurídico

Pessoas singulares Pessoas Coletivas

Personalidade Jurídica
(Início - art. 66.º, n.º 1) Personalidade Jurídica
(Termo - art. 68.º, n.º (art. 158.º)
1)

Capacidade Jurídica Capacidade Jurídica


(Art. 67.º) (art. 160.º)

Direitos de
Personalidade Capacidade Negocial/
Capacidade de Agir
Agir (art. 163.º)
(arts. 70.º a 81.º)

Capacidade Negocial Capacidade Negocial


Capacidade Delitual Capacidade Delitual
de Gozo (arts. 1600.º, de Exercício (art. 123.º
(art. 483.º e 488.º) (art. 165.º)
1850.º e 2188.º) e 138.º)

8. Tipologia das normas jurídicas

Aqui chegados, e uma vez analisados no seu conjunto as características da norma jurídica, o
silogismo judiciário, os factos jurídicos e seus efeitos bem como a relação jurídica e seus
sujeitos (as pessoas em sentido jurídico), resta-nos voltar à matéria da norma jurídica e analisar
as suas modalidades, numa pequena parte já referidas (ver ← ponto 1.4.4).

8.1 Delimitação geral

Sabemos que a norma jurídica é uma regra geral, abstracta e coercível, oriunda de uma entidade
estadual. Trata-se de uma lei material no sentido do artigo 1.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código Civil
(ver → ponto 11.1).

Não são normas neste sentido as ordens (e decisões) individuais e concretas, com base na lei,
como por exemplo, a sentença judicial, a ordem de um agente da polícia (sendo duvidosa a
qualificação das sinalizações de trânsito), nem os actos administrativos, como por exemplo, as
nomeações para um cargo público por despacho, as licenças para construção, o deferimento ou
indeferimento de um requerimento, etc.

Também a chamada lex contractus, com que se designa a força vinculativa obrigatória entre as
partes de um contrato (artigo 406.º, n.º 1, primeira parte) não é norma jurídica, embora seja
uma norma severa para as partes (pacta sunt servanda).

É duvidoso se a norma jurídica pode ser qualificada como sendo um comando. Contudo, ela é
sempre imperativa no sentido de a sua observância ser obrigatória não apenas no significado
de ela ordenar, impor ou proibir uma conduta mas também na acepção de ela atribuir um poder
ou uma faculdade em que deve ser observada, como sucede, por exemplo com a liberdade
contratual (artigos 405.º e 406.º), pois liberdade contratual não significa liberdade do contrato,
mas significa que, para quem se quiser vincular para assumir uma obrigação jurídica ou adquirir
um direito, é obrigatório recorrer ao tipo negocial “contrato” e suas normas e é apenas dentro
deste quadro normativo que pode escolher e compor livremente as suas relações contratuais.
Quer dizer, no campo das relações sociais que são reguladas pelo direito, sendo por isso
relações jurídicas, é forçoso e obrigatório recorrer a normas jurídicas.

Como as normas jurídicas são destinadas a regular a convivência social são concebidas para
resolver problemas concretas e questões sociais, não devendo ser arbitrárias e/ou desligadas da
realidade social, mas devendo ir ao encontro dos interesses dos homens. De resto, é um dado
empírico que leis e suas normas que julgam poder ignorar a realidade social estão condenadas
ao fracasso.

8.2 Normas preceptivas, proibitivas e permissivas

Como já referimos, a ordem jurídica ordena, dá uma ordem como se deve atuar (normas
preceptivas), proíbe o que não se deve fazer (normas proibitivas) mas também permite o que
se pode fazer ao conceder positivamente poderes ou faculdades (e temos normas permissivas
ou de autorização ou concessivas ou dispositivas) que podemos resumir nas expressões: “tu
deves”, “tu não deves” e “tu podes” (cf. ← ponto 1.4.4). Portanto, temos a) normas preceptivas,
b) normas proibitivas ou sancionatórias e c) normas permissivas.

8.3 Normas de direito comum, normas gerais, excepcionais e especiais


a) Mais há mais tipos de normas. Podemos distinguir entre normas de direito comum e normas
de direitos especiais (ver também ← ponto 1.4.4). Estas últimas normas são destinadas e
aplicáveis para determinadas actividades, áreas ou pessoas; as normas dos direitos especiais
prevalecem sobre as normas de direito comum. Assim, o direito comercial, um direito privado
especial, prevalece sobre o direito privado comum do Código Civil como podemos
exemplificar no regime da venda de coisa alheia: o Código Civil regula o regime da venda de
bens alheios no artigo 892.º e determina a nulidade do negócio, enquanto o artigo 467.º, n.º 2,
do Código Comercial permite – quando se trata de um acto de comércio – a venda da coisa que
for propriedade de outrem, sendo deste modo o negócio válido; esta regra prevalece sobre o
artigo 892.º; o mesmo vemos quando o Código Civil, como direito privado comum, define os
vários contratos e entre eles o contrato de trabalho (no artigo 1152.º) e no seu artigo 1153.º
remete esta matéria para legislação especial, ou seja, o direito do trabalho.

b) Muitíssimo importante é a distinção entre normas gerais e excepcionais. As normas gerais


estabelecem um regime-regra que assenta na aplicação igual da norma que é elementar para o
direito. As normas excepcionais afastam o regime-regra e visam um certo efeito ou uma
finalidade que difere da lógica subjacente ao regime-regra. Por isso a lógica do regime-regra
não é seguida pelas excepções, uma vez que estas obedecem a uma lógica ou razão própria que
se opõe à lógica do regime-regra (a norma geral que contempla todos os casos igualmente).
Todas as excepções têm que ser devidamente justificadas sob pena de serem arbitrárias, uma
vez que constituem um desvio à regra elementar da igualdade que é precisamente garantida e
concretizada pela generalidade e abstração das normas (ver ← ponto 6.2.1).

c) Vamos ver alguns exemplos a respeito do confronto entre o regime-regra e a excepção ao


mesmo:

i. O artigo 67.º define a capacidade jurídica e estabelece como regime-regra que “as pessoas
podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário …”. As
disposições legais em contrário consagram excepções à regra na medida em que não permitem
que as pessoas, por não reunirem os pressupostos naturais necessários7, possam ascender à
titularidade de terminadas relações jurídicas. Temos aqui excepções respeitam às
incapacidades negociais de gozo das pessoas singulares que, como já referimos (cf. ← ponto
7.2.1), são as incapacidades de casar, perfilhar e de testar.

ii. Um outro exemplo é a regra da incapacidade negocial de exercício dos menores que consta
do artigo 123.º e que não lhes permite participar no tráfico jurídico negocial geral, sendo certo

7
O que, porém, não sucede no caso previsto no artigo 1601.º, alínea c).
que da lógica desta regra geral decorre a necessidade de prever excepções como
designadamente as referidas no artigo 127.º.

iii. O artigo 2033.º prevê a regra da capacidade sucessória de todas as pessoas, não exceptuadas
por lei devida à sua indignidade cujas causas estão previstas no elenco taxativo do artigo 2034.º.

iv. Um outro exemplo, muito importante, é a regra da proibição de pactos sucessórios, prevista
nos artigos 2028.º, n.º 2, e 1699.º, n.º 1, alínea a) com as excepções determinadas pelo artigo
2029.º e os artigos 1700.º a 1707.º-A. O artigo 2029.º finge que a partilha em vida não é havida
como pacto sucessório e por isso é permitida; os artigos 1700.º a 1707.º-A, por seu lado,
respeitam a convenções antenupciais, que são contratos, e que permitem disposições por morte
lícitas, sendo aqui de realçar a hipótese da renúncia recíproca à condição de herdeiro legitimário
do outro cônjuge no caso de o regime de bens ser o da separação (artigos 1700.º, n.os 1, alínea
c), e 3, 1707.º-A).

v. Mais um exemplo é a regra da liberdade de forma para a declaração negocial, prevista no


artigo 219.º, cujas excepções mais importantes encontramos nos artigos 875.º, 947.º, 1069.º
1143.º.

vi. Também pertence aqui a regra estruturante fundamental da transferência de direitos reais
por mero efeito do contrato, estabelecida no artigo 408.º, n.º 1, que, todavia, sofre muitas
excepções.

vii. E, em perfeita sintonia sistemática com a regra do artigo 408.º, n.º 1, temos ainda o
princípio da retroactividade da anulação do negócio jurídico anulável e, de certo modo, também
da declaração de nulidade de um negócio jurídico nulo, prevista para ambos no artigo 289.º,
n.º 1, com a excepção muito importante do artigo 291.º na medida em que este impede que a
retroactividade atinja e prejudique os direitos adquiridos por terceiros de boa fé, isto é, de quem
não tiver sido parte do negócio anulado ou declarado nulo, nos estritos termos que o artigo
291.º define.

d) Em todas estas situações devemos saber primeiro qual é o regime-regra que a lei estabeleceu
e qual a sua finalidade; depois, devemos compreender o regime oposto (= a excepção), o ius
singulare, e perceber as suas específicas razões justificativas do desvio do princípio da
igualdade das quais decorre que não há arbitrariedades; por exemplo, existem razões
justificativas como o interesse público, a condição concreta do menor, considerações de ordem
moral e social, a prevenção contra precipitações das partes que as possam prejudicar e a
protecção da parte negocial mais fraca, a segurança e certeza na atribuição de bens, exigências
da fluidez do tráfico jurídico negocial, razões de justiça.

Nas excepções a enumeração é taxativa; estamos perante um elenco fechado. Contudo, as


excepções não precisam de constar todas do mesmo artigo. Temos como exemplo o artigo
127.º, n.º 1: “São excepcionalmente válidos, além de outros previstos na lei …”, o que não
facilita o entendimento deste regime excepcional. Entre “os outros previstos na lei” temos o
artigo 951.º, n.º 2, que determina que os incapazes podem aceitar doações puras e o artigo
1886.º que permite aos filhos maiores de 16 anos, portanto ainda menores e incapazes de
exercício, decidirem sobre a sua educação religiosa.

Pode suceder que uma norma excepcional já não seja sentida como tal quando o regime geral
se acha bastante esbatido por excepções relevantes. Exemplos deste facto são as numerosas
excepções ao princípio da liberdade de forma consagrado no artigo 219.º; as excepções
previstas no artigo 291.º em relação ao regime-regra do artigo 289.º, n.º 1, a respeito dos efeitos
da retroatividade de anulação e declaração de nulidade de um negócio jurídico ou, ainda, as
quase incontáveis excepções ao princípio da transmissão de direitos reais sobre coisa
determinada por mero efeito do contrato, previsto no artigo 408.º, n.º 1.

Porém, todas as normas excepcionais continuam sempre desvios em relação ao regime-regra.


Não são as excepções a um princípio, por muito numerosas que sejam, que o fazem desaparecer
como princípio enquanto subsistir o fundamento que lhe confere valor normativo8, ou seja, não
obstante um número quase excessivo de excepções ao princípio subjacente ao regime regra,
este mantém-se como regime-regra9.

d) Ao estabelecer as normas legais, o legislador corre sempre o risco de surgirem e revelarem-


se nas suas previsões lacunas ou omissões, e isto tanto no regime-regra como nas excepções a
ele. Ou seja, pode suceder que uma lei é lacunosa por não haver uma norma que preveja de
forma geral e abstracta circunstâncias que justificariam a sua consagração na lei como regime-
regra ou, também, como uma excepção ao mesmo. Assim pode haver casos que reclamam uma
decisão apoiada numa norma, mas a norma não existe.

8
Assim expressamente J. Baptista Machado, Introdução, pág. 241.
9
Poderemos verificar este facto a respeito do pré-mencionado artigo 408.º, n.º 1, ou, citando outro
exemplo, no âmbito do sigilo bancário que é a regra, apesar das inúmeras e quase infindáveis excepções
que sofreu, mas o princípio é o sigilo.
Contudo, o legislador só pode legislar com base em conhecimentos e experiências adquiridas,
mas não pode prever todas as evoluções futuras ou casos nunca imaginados (sendo certo que
também, às vezes, se “esquece” de fixar regras quando não se sente seguro) o que faz com que
um texto legal, uma previsão legal, acabe por se mostrar desde o início como lacunosa.

8.4 A proibição da aplicação analógica das normas excepcionais pelo artigo 11.º
Por força do artigo 11.º Código Civil as normas excepcionais não se podem aplicar por analogia
a casos não previstos na lei. O critério que vale para o caso regulado por uma norma
excepcional não pode ser usado – atendendo ao paralelismo no que respeita aos interesses ou
finalidades entre o caso regulado e o caso não regulado, o caso omisso – para casos semelhantes
para os quais a lei é omissa. Assim o exige o rigor da lógica do princípio da igualdade
subjacente ao regime-regra à qual a norma excepcional se opõe: uma aplicação analógica da
excepção alargaria o âmbito da excepção e minaria o regime-regra já afectado pela norma
excepcional, e, além disso, sendo já a própria excepção um desvio ao princípio da igualdade,
abre o espaço para o risco da arbitrariedade ou da injustificação. Especificamente no direito
penal, atendendo aos princípios nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege, nenhuma
analogia é permitida a não ser que seja a favor do delinquente.

Todavia, as normas excepcionais admitem uma interpretação extensiva do seu texto e permitem
deste modo subsumir nele situações novas inicialmente não previstas, mas cobertas pela
finalidade ou o conteúdo da norma, sobretudo quando está redigida em conceitos
indeterminados ou cláusulas gerais. Assim já não existe nenhuma lacuna pois o significado
linguístico dos conceitos usados, determinado no caso concreto e “esticado” até ao limite do
que o seu significado ainda comporta, ainda permite subsumir o caso concreto à previsão da
norma.

8.5 Normas imperativas e normas dispositivas


Partindo da perspectiva da autonomia privada ou da autonomia da vontade faz-se uma distinção
entre normas imperativas e normas dispositivas. As normas imperativas estão subtraídas à
vontade das partes e devem ser observadas sob pena de nulidade do negócio que vier a ser
celebrado. Assim o determina a regra estabelecido pelo artigo 294.º que refere que: “Os
negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos
em que outra solução resulte da lei.” As normas dispositivas, pelo contrário, não se sobrepõem
à vontade das partes e podem ser afastadas por elas ao acordar em soluções mais adequadas
aos seus interesses.
Quanto às normas imperativas distinguimos entre preceptivas e proibitivas.

a) As normas imperativas preceptivas impõem um comportamento. Neste sentido, por


exemplo, o artigo 875.º determina que o contrato de compra e venda de imóveis só é
válido se tiver sido observado o formalismo legal nele indicado. Caso contrário o
contrato é nulo (artigo 220.º).

b) Normas imperativas proibitivas vedam um comportamento. A este respeito podemos


recordar o já referido artigo 2028.º, n.º 2, que proíbe os pactos sucessórios sob pena de
nulidade ou podemos indicar o artigo 877.º, n.º 1, 1.ª parte, que proíbe a venda de pais
a filhos ou de avós a netos10.

As normas dispositivas, pelo contrário, estão, como indica a sua designação, à disposição das
partes, ou seja, elas podem aceitá-las ou afastá-las por soluções que no seu caso concreto se
lhes afiguram como mais convenientes.

Quanto às normas dispositivas distinguimos entre supletivas, interpretativas e permissivas.

aa) Normas dispositivas supletivas, que podemos definir como sendo as normas que visam
suprir ou colmatar a falta de manifestação de vontade das partes relativamente a certos
elementos essenciais à boa execução de um contrato. Como exemplo, temos o artigo
878.º, que prevê “na falta de convenção em contrário, as despesas do contrato e outras
acessórias ficam a cargo do comprador11.

bb) Normas dispositivas interpretativas que podemos definir como as normas que visam
interpretar ou fixar o sentido a atribuir a certas expressões ambíguas utilizadas pelas
partes na celebração de negócios jurídicos, como por exemplo o artigo 1402.º, que nos
diz qual é o entendimento que devemos dar a certas expressões12.

10
Trata-se de uma norma interessante que já se encontra nas Ordenações Filipinas e em relação à qual
a lei parte do pressuposto, duvidoso aliás, da simulação do preço das vendas a favor de um descendente
– filho ou neto, mas já não genro ou nora – em prejuízo dos outros sucessíveis sob pena de
anulabilidade, não sendo esta proibição absoluta na medida em que os outros filhos ou netos podem
dar o seu consentimento para o negócio.
11
Ainda podemos acrescentar como exemplos os artigos 772.º, 773.º e 774.º.
12
Ou ainda o exemplo do artigo 840.º, que permite ao devedor efectuar uma prestação diferente da
devida para que o credor possa obter mais facilmente, por meio desta prestação diferente, a satisfação
do seu crédito (dação pro solvendo), como por exemplo, entrega de um cheque em vez de pagar em
dinheiro, que no caso concreto pode ser inconveniente; obviamente, a dívida só fica paga quando o
cheque tiver sido creditado.
cc) As normas permissivas, facultativas, atributivas ou concessivas, como atrás já
referimos, permitem ou facultam certos poderes ou direitos que, conforme for opção
dos seus titulares, escolhem exercê-los ou não, daí dizer-se que a sua
aplicação/exercício não é imposta por lei.

Assim, partindo da perspectiva da autonomia privada e de acordo com esta tendo em conta o
princípio da liberdade contratual em virtude do qual o conteúdo de um contrato é determinado
pela vontade das partes, o direito das obrigações é composto essencialmente por normas
dispositivas às quais se recorre quando as partes nada disseram. Em virtude disso, os efeitos
jurídicos da aplicação de uma norma dispositiva supletiva são atribuídos à vontade das partes
do negócio, uma vez que elas os assumem precisamente por não terem afastado a norma ao
escolher uma solução preferida por elas.

Ainda devemos advertir para o facto de no contexto das normas supletivas – onde as partes
podem, com base no princípio da liberdade contratual, estipular soluções diferentes das
previstas nas normas dispositivas – aparecer o problema do favorecimento da parte mais forte
à custa da parte mais fraca. A parte contraente economicamente mais forte, devido ao seu poder
negocial maior e invocando a liberdade contratual, pode faz prevalecer os seus interesses à
custa da outra parte contraente, designadamente ao recorrer a cláusulas contratuais gerais não
individualmente negociados de acordo com os interesses dos contraentes, mas já pré-
formuladas que podem favorecer quem as formulou, como por exemplo na fixação das
modalidades de pagamento ou na escolha da competência do tribunal em caso de litígio. Como
é óbvio, o favorecimento da parte mais forte na medida em que impede um resultado
equilibrado em consonância com a justiça comutativa não é admissível. Por isso, o Decreto-lei
n.º 446/85, de 25 de Outubro13 disciplina o recurso a cláusulas contratuais e procura combater
a sua utilização abusiva. A liberdade contratual não pode ser um instrumento para o exercício
do poder económico.

8.6 Leges plus quam perfectae, perfectae, minus quam perfectae e imperfectae
Como vimos, para estabelecer relações jurídicas – ou seja, adquirir direitos subjectivos e
assumir obrigações – a observância das normas jurídicas é obrigatória, quer dizer, sem a
utilização de normas jurídicas não é possível criar relações jurídicas. Estas normas jurídicas

13
Actualmente já alterado pelos decretos-Leis n.º 323/2001, de 17/12, n.º 249/99, de 07/07, n.º
220/95, de 31/08 e pela Declaração de Retificação n.º 114-B/95, de 31/08.
podem ser imperativas e, sendo-o, da sua violação resultam sanções. A este respeito
distinguimos em geral entre:

a) leges plus quam perfectae (sanções civis [por via de regra a nulidade] e penais ou
contravencionais [exemplo: artigos 282.º/284.º]);

b) leges perfectae (sanções civis [por via de regra: nulidade; exemplos: os artigos 220.º e
280.º]);

c) leges minus quam perfectae (apenas sanções contravencionais ou penais [artigo 294.º;
exemplo: vendas fora do horário de funcionamento são válidas, mas há lugar a
coimas]);

d) leges imperfectae (não há sanção nenhuma; exemplo: a violação do artigo 1604.º, alínea
f), que proíbe o casamento de quem for pronunciado por conjugicídio não torna o
casamento, celebrado apesar da proibição, inválido).

8.7 As normas universais (globais ou nacionais), as normas regionais e as nomas locais

Além das classificações já referidas, as normas jurídicas podem ainda classificar-se com base
no critério da sua aplicabilidade territorial.

Assim, temos normas jurídicas que vigoram em todo o território nacional, isto é, aplicáveis em
Portugal continental e suas Regiões Autónomas, Madeira e Açores, pelo que as classificaremos
como normas globais, universais ou nacionais.

Se a norma jurídica apenas se destinar ao território de uma região autónoma será uma norma
regional, que é o que sucede com os actos legislativos regionais, os decretos regulamentares
regionais.

Se uma norma jurídica tiver o seu campo de aplicação circunscrito a uma zona delimitada do
território, classificar-se-á de norma local, como é o caso das normas aplicáveis nas autarquias
locais, por exemplo, num concelho. Contudo, uma norma local pode ou não coincidir com o
concelho todo e destinar-se apenas a uma união de freguesias ou pode até extrapolar o território
de um só concelho e abranger todo um distrito, contudo a norma continua a ser local, se não
for uma norma nacional ou regional.
8.8 Normas autónomas e normas não autónomas
Como sabemos, as normas jurídicas orientam a nossa vida. Assim, em princípio fazem pleno
sentido para quem as deve seguir. Mas pode não ser assim. Quer dizer, consoante uma
determinada norma jurídica contenha ou não contenha um sentido pleno nela própria enunciado
sem necessidade de ser entendida com o recurso ou a conjugação com outras normas,
poderemos classificar as normas como autónomas ou não autónomas.

Quando se retira um sentido completo do que vem determinado numa só norma diremos que
ela é autónoma. Aqui podemos relembrar o artigo 130.º que diz “aquele que perfizer dezoito
anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a
sua pessoa e a dispor dos seus bens”. Outro exemplo bem claro é o artigo 1690.º que determina
que “qualquer dos cônjuges tem legitimidade de contrair dívidas sem o consentimento do
outro”14.

Mas se a norma jurídica, por si só, não tem um sentido completo na medida em que tem de ser
articulada com outras normas para o obter, diremos que essa norma é não autónoma. Por
exemplo, quanto à responsabilidade civil das pessoas colectivas [ponto ← 7.2.3 (2)] o artigo
165.º diz que elas respondem (…) nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos
actos ou omissões dos seus comissários. Portanto, o artigo 165.º, sozinho, não decide nada.
Para o efeito remete para uma outra norma que regula esta responsabilidade. Por isso, para
sabermos os precisos termos da responsabilidade das pessoas colectivas temos que recorrer ao
artigo 500.º e aplicar as regras aí estabelecidas15.

Desta distinção, ressalta a necessidade de certas normas jurídicas terem de ser conjugadas ou
complementadas com outras para poderem conferir um regime jurídico completo para uma
determinada situação jurídica.

O legislador, tendo em conta a unidade sistémica do ordenamento jurídico, pugna pela


coerência e harmonia entre as normas, não se repetindo nem contradizendo. Desta forma, o
legislador confia que os destinatários das normas sabem conjugar as normas jurídicas para
obterem um regime completo capaz de solucionar uma determinada situação e serão capazes
de perceber as remissões efectuadas entre normas dentro do ordenamento jurídico.

14
E entre outros exemplos do mesmo tipo podemos indicar ainda os artigos 512.º, n.º 1, ou 877.º, n.º
1.
15
Outros exemplos para esta técnica legislativa encontramos no artigo 421.º, n.º 2, nos vários números
do artigo 1379.º e no artigo 1485.º.

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