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DIREITO CIVIL

PROF.ª MAITÊ DAMÉ

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DIREITO CIVIL
PROF.ª MAITÊ DAMÉ

SUMÁRIO
01. PARTE GERAL.................................................................................................................................. 2
02. DIREITO DAS COISAS............................................................................................................... 157
03. DIREITO DE FAMÍLIA ............................................................................................................... 250
04. SUCESSÕES .................................................................................................................................355

01. PARTE GERAL


01. Constitucionalização do Direito Privado. Pessoa natural: aquisição da personalidade,
direitos do nascituro, diferença entre capacidade de fato e capacidade de direito,
incapacidade absoluta e incapacidade relativa
1.1 Direito Civil e Constituição
Apesar de o Direito Civil ser ramo do direito privado, em razão de ter utilidade particular,
deve ser interpretado a luz das normas constitucionais. Os ramos do Direito não podem ser
interpretados de forma isolada e estanque. Há, nesse sentido, a chamada constitucionalização
do direito privado ou do direito civil. Este processo refere-se a aplicação das normas
constitucionais na interpretação do direito privado.
Então, se houver a interpretação das leis civis de acordo com a Constituição e os direitos
fundamentais haverá a possibilidade da permanente evolução do Direito Civil, adaptando-se,
dessa maneira, à evolução da sociedade.
No direito brasileiro, este processo ocorreu, especialmente, a partir da Constituição
Federal de 1988, quando as normas garantidoras de direitos e garantias fundamentais passaram
a ser aplicados e respeitados no âmbito civil. Com isto, o direito civil está, permanentemente
sob a tutela constitucional e os direitos fundamentais, que já eram respeitados por parte do
Estado, passam a ser, também, no âmbito privado, nas relações entre particulares. Exemplo
disto são os direitos fundamentais da igualdade, liberdade, dignidade, devido processo legal,
etc.

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1.2 Divisão da Parte Geral
O Código Civil divide a parte geral em três partes. A teoria das pessoas, que trabalha com
os sujeitos de direitos (pessoas naturais e jurídicas); a teoria dos bens, que se destina a estudar
os objetos de direitos; e a teoria dos fatos, que são os eventos que criam, modificam,
conservam, transferem ou extinguem direitos (negócios jurídicos, atos jurídicos – lícitos e ilícitos,
prescrição e decadência, prova).
Existe, portanto, uma lógica de estudo. 1) estudam-se as pessoas; 2) estudam-se os bens,
que são os objetos dos direitos; 3) estuda-se os fatos jurídicos, ou seja, o meio pelo qual nascem,
modificam-se e extinguem-se os direitos.

* Para todos verem: esquema

1.3 Pessoas Naturais


A função do Direito é regular a sociedade e esta última é formada de pessoas. A todo
direito, corresponde um sujeito, que é, então, o titular.
É nesse sentido o art. 1.º, CC: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.
Somente as pessoas podem ser sujeitos de Direito, sejam elas naturais ou jurídicas.
Animais e coisas são objetos do Direito, mas não podem ser sujeitos dele.

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A questão, agora, é saber a partir de quando a pessoa pode ser considerada sujeito de
Direito, ou seja, basta que uma pessoa nasça para que seja assim considerada e, dessa forma,
adquira personalidade.

1.3.1 Personalidade/ Aquisição da personalidade jurídica


Personalidade jurídica é a “aptidão genérica para titularizar direitos e contrair
obrigações, ou, em outras palavras, é o atributo necessário para ser sujeito de direito”1. A partir
do momento em que o sujeito tem personalidade, que ele se torna sujeito de direito, podendo
praticar atos e negócios jurídicos.
O art. 2.º, CC afirma que a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas
traz a ressalva de que a lei protege os direitos do nascituro desde a concepção:
Art. 2.º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;
mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Dessa maneira, o marco inicial da personalidade é o nascimento com vida. O nascimento


ocorre quando a criança é separada do ventre materno, seja por parto natural, seja por cesárea.
O importante é que a unidade biológica seja desfeita, de forma que mãe e filho sejam dois
corpos, cada um com uma vida biológica e orgânica própria.
Mas como saber se houve nascimento com vida? Basta que a criança tenha respirado. Se
respirou, viveu, mesmo que tenha morrido em seguida. Neste caso, lavra-se o assento de
nascimento e o de óbito (art. 53, § 2.º, LRP).
Qual o motivo de toda essa importância dada ao nascimento com vida, a saber se a
criança respirou ou não? Traga-se um exemplo para clarificar.
Ex.: casal João e Maria, casados pelo regime da separação de bens. João falece e Maria está
grávida. Se o filho de Maria e João nascer com vida, respirar, tornar-se-á herdeiro do patrimônio
junto com Maria. Assim, se ele falecer em seguida, Maria receberá todo o patrimônio, pois é
herdeira do filho. Contudo, se a criança não tiver respirado, o patrimônio de João será
transmitido a Maria e aos pais de João.
Como é feita a constatação do nascimento com vida? Através de um exame chamado
docimasia hidrostática de Galeno, que se baseia no princípio de que se o feto respirou, inflou
de ar seus pulmões. Assim, retirando-se os pulmões do feto que veio a falecer, colocando-se em
um recipiente com água, se tiver havido respiração, o pulmão flutuará. Caso não tenha havido
respiração, o pulmão, não tendo recebido ar, estando com as paredes alveolares unidas,
afundará. Atualmente já existem outras formas de verificar a respiração, pois é possível, através
de exame microscópio de fragmentos do pulmão verificar se possui bolhas de ar ou não.

1
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: parte geral.
18.ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 132.
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1.3.1.1 Nascituro
Nascituro é aquele que está por nascer, ou seja, aquele que está se desenvolvendo no
ventre materno, que foi concebido, mas não nasceu ainda.
O art. 2.º, CC protege os direitos do nascituro desde sua concepção.
Ao nascituro são reconhecidos certos direitos, desde que reconhecida sua personalidade
e, posteriormente, sua capacidade. Sendo assim, possui capacidade reduzida.
Mas o art. 2.º, CC também protege os direitos do natimorto, ou seja, aquele que não
chegou a nascer com vida (não chegou a respirar). Nesse aspecto, o enunciado 1 das Jornadas
de Direito Civil prevê que há a proteção do nome, da imagem e da sepultura:
A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que
concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e
sepultura.

1.3.1 Capacidade de fato e Capacidade de direito


As pessoas naturais possuem dois tipos de capacidade: capacidade de direito e
capacidade de fato.
Adquirida a personalidade jurídica, toda pessoa passa a ser capaz de direitos e obrigações.
Dessa forma, passa a ter a capacidade de direito, ou seja, a aptidão que as pessoas têm,
conferida pelo ordenamento jurídico, para serem titulares de uma situação jurídica.
Assim, toda pessoa tem capacidade de direito. Contudo, nem todos podem exercer seus
direitos pessoalmente, pois pode faltar a consciência para o exercício de atos de natureza
privada, em razão de determinadas limitações (orgânicas – idade, p.ex. – ou psicológicas –
viciados em tóxicos). Estes detêm apenas a capacidade de direito.
Aqueles que puderem atuar pessoalmente no exercício de seus direitos terão, além da
capacidade de direito, a capacidade de fato.
Assim, aqueles que tiverem as duas capacidades – de fato e de direito – terão a
capacidade civil plena.

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* Para todos verem: esquema

Contudo, capacidade é diferente de legitimidade/legitimação. Muitas vezes, uma pessoa


capaz não é legitimada a praticar determinados atos.
Ex.: art. 1521, IV, CC – dois irmãos, ainda que capazes, não poderão casar entre si, pois não
há legitimação. Se não for respeitado esse impedimento, haverá nulidade do matrimônio.
Ex.: art. 1.647, I – atos de alienação, praticados por pessoa casada. Há a necessidade de
autorização do cônjuge. Se não for respeitada essa legitimação e a alienação for feita sem a
autorização do cônjuge, o negócio será anulável, dentro do prazo de 2 anos, a contar do fim da
sociedade conjugal (art. 1.649, CC).

1.3.2 Incapacidades
As pessoas que não possuem a capacidade de fato têm capacidade limitada e são
chamadas de incapazes. Não existe incapacidade de direito, já que, conforme o art. 2.º, CC todos
que nascem com vida adquirem a capacidade de direito (mas não a de fato). Dessa maneira, as
incapacidades são restrições impostas às pessoas, em condições peculiares, que necessitam,
em razão dessa condição, de proteção especial.
Deve-se destacar que o Estatuto da pessoa com deficiência, lei 13.246/2015, alterou
significativamente a teoria das incapacidades.

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1.3.2.1 Pessoas Absolutamente Incapazes
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da
vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

A incapacidade absoluta impede que a pessoa exerça por si só o direito. Dessa forma, o ato
só poderá ser praticado pelo representante legal do absolutamente incapaz.
O absolutamente incapaz possui direito. Porém, não pode exercê-lo por si próprio. São as
pessoas que não tem aptidão para praticarem, sozinhas ou por si próprias, os atos da vida civil.
Significa dizer que possuem capacidade de direito, mas não possuem a capacidade de fato ou
exercício.
Nestes casos, o ato jurídico é praticado por outra pessoa (o representante legal), em nome
do incapaz. Trata-se da REPRESENTAÇÃO. Dessa maneira, o ato é praticado pelo incapaz,
representado pelo pai ou responsável legal.
Ex.: Fulano de tal, menor absolutamente incapaz, representado por seus pais, Beltrano e
Beltrana de Tal.
A inobservância dessa regra gera a nulidade do ato, nos termos do art. 166, I, CC.
Como já mencionado, o Estatuto da pessoa com deficiência alterou a teoria das
incapacidades. Atualmente, não há outra hipótese de incapacidade absoluta que não seja em
razão da idade (menor de 16 anos). Antes dessa alteração, as pessoas com deficiência eram
absolutamente incapazes. Agora, não são. As pessoas com deficiência são, via de regra,
plenamente capazes de exercer atos da vida civil. Não há mais, portanto, interdição absoluta.
Poderá ocorrer alguma situação de incapacidade relativa (art. 4.º, CC).

1.3.3.2 Pessoas Relativamente Incapazes


Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os
exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por
legislação especial.

A incapacidade relativa permite que o incapaz realize o ato, desde que esteja assistido
pelo representante legal. Nesses casos, o próprio indivíduo, relativamente incapaz, pratica o ato,
sendo assistido pelo representante legal. Trata-se da ASSISTÊNCIA.
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Maiores de 16 anos e menores de 18 anos.
Aqueles indivíduos que estejam entre os 16 e os 18 anos de vida podem praticar atos da
vida civil, mas assistidos pelos representantes legais, sob pena de ser anulado o ato.
Caso seja praticado o ato, poderá ser anulado (art. 171, I, CC), desde que a ação seja
proposta no prazo de 4 anos a contar do momento em que cessar a incapacidade (art. 178, CC).
Contudo, existem atos que podem ser praticados pelo relativamente incapaz, mesmo sem
a assistência do seu representante legal, como p. ex., ser testemunha (art. 228, I), aceitar
mandato (art. 666), fazer testamento (art. 1.860, § único), casar (art. 1.517, CC – necessita de
autorização dos genitores).
Havendo conflito de interesses entre o pai/representante legal e o relativamente incapaz,
o juiz deverá nomear curador especial (art. 1.692, CC).
Deve-se observar que o objetivo do Código Civil é estabelecer uma proteção diferenciada
para os maiores de 16 e menores de 18 anos.
Dessa forma, caso o relativamente incapaz pratique um ato ocultando sua idade, não
poderá invocar a idade para eximir-se de obrigação, pois o Código não protege a má-fé. Nesse
sentido é a disposição do art. 180, CC:
Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-
se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou
quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-
se maior.

Se, contudo, não houver malícia por parte do relativamente incapaz, o ato será anulável,
nos termos do art. 171, I, CC:
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o
negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;

Mas essa incapacidade, por se tratar de exceção pessoal, só pode ser arguida pelo próprio
incapaz ou pelo representante legal. Nesses termos, o art. 105, CC:
Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser
invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos co-
interessados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do
direito ou da obrigação comum.

Deve-se observar que esse ato pode ser convalidado:


Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo
direito de terceiro.
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Ébrios habituais e viciados em tóxicos
Aqueles que sejam viciados em álcool ou tóxicos serão considerados relativamente
incapazes. Situações de uso de tóxicos ou álcool que seja habitual e reduza a capacidade de
discernimento. Os que forem usuários eventuais e que, temporariamente não puderem
exprimir sua vontade, serão enquadrados o inciso III, do mesmo dispositivo.
Deverá haver um processo de interdição relativa, com a instituição da curatela, analisando
se é caso de incapacidade ou não. Neste caso, o processo de interdição e curatela está disposto
no CPC/2015, no art. 747 e seguintes.
Especificamente, o art. 753, § 2.º, CPC/2015 dispõe que a perícia a ser realizada no processo
de interdição, definirá a extensão da mesma, ou seja, para quais atos o interditado estará
impedido.

Aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a vontade
Aqui enquadram-se todas as pessoas que não possam exprimir sua vontade, seja por
situação permanente ou transitória. Nesse quadro estão os surdos-mudos, desde que não
tenham recebido educação adequada e permaneçam isolados. Se tiverem recebido educação e
puderem, por qualquer forma, exprimir sua vontade, serão capazes.
Também se encaixam os portadores de mal de Alzheimer.
Em todos os casos, necessária a interdição, conforme já mencionado.
Alguns, mais desavisados, podem questionar: e os portadores de síndrome de down, são
enquadrados como? Em razão do Estatuto da pessoa com deficiência que, sabiamente, alterou
a teoria das incapacidades, estes indivíduos – até por questões de desenvolvimento e estímulo –
são, via de regra, plenamente capazes. Eventualmente, pode ser caso de tomada de decisão
apoiada ou, então, enquadrados como relativamente incapazes por força do inciso III, do art. 4.º,
CC. Contudo, é situação excepcional. A regra é a capacidade plena.

Pródigos.
Pródigo é aquele que dissipa seu patrimônio desvairadamente, aquele que gasta
imoderadamente, colocando seu patrimônio em risco. Contudo, o pródigo só passará a ser
considerado relativamente incapaz com a sentença de interdição que lhe qualifique como tal.
A justificativa da interdição do pródigo é o fato de que está permanentemente em risco
de se submeter a miséria, colocando todo seu patrimônio fora. Sua interdição refere-se tão
somente quanto a atos de disposição e oneração do patrimônio. Pode administrar seu
patrimônio, mas não poderá praticar atos que venham a desfalca-lo. Os demais atos (votar, ser
jurado, testemunha, etc) poderá praticar.

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Situação dos índios
O art. 4.º, no seu § único traz a normatização com relação aos índios, deixando para lei
especial a apreciação. O Estatuto do Índio (lei 6.001/73), deixa a responsabilidade, quanto a sua
proteção, a cargo da FUNAI (Fundação Nacional do Índio). A Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio)
considera que o índio que não estiver integrado ficará sob tutela, reputando-se nulos todos os
atos praticados por eles sem a devida assistência do órgão responsável (art. 8.º). Contudo, se o
índio demonstrar discernimento, aliado à inexistência de prejuízo pelo ato praticado, será
considerado plenamente capaz para os atos da vida civil.
Sabe-se que os índios estão constantemente sendo integrados na sociedade brasileira, de
forma que não há mais justificativa para que sejam considerados incapazes. Assim, os índios
somente poderão ser considerados incapazes quando restar comprovado que não são
civilizados e que não possuam discernimento sobre os atos a serem praticados.

1.3.4 Modos de suprimento das incapacidades (representação e assistência)


A incapacidade absoluta é suprida através da representação pelos pais ou representantes
legais. Se o absolutamente incapaz praticar atos sem a devida representação o ato será nulo.
Dessa forma, no caso da representação, é o representante quem pratica o ato, no interesse do
incapaz.
A representação (legal ou voluntária) está disciplinada nos arts. 115 a 120 do CC. Contudo,
deve-se ter em mente que existem dois tipos de representação diferentes: a representação
legal e a representação voluntária (aquela que ocorre através de mandato – procuração) – art.
115, CC. A representação voluntária – mandato – será tratada nos negócios jurídicos.
O suprimento da incapacidade relativa, por sua vez, se dá pela assistência, ou seja, o
relativamente incapaz pratica o ato jurídico em conjunto com o assistente, sob pena de
nulidade.

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* Para todos verem: mapa mental sobre Pessoa Natural

QUESTÕES

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02. Cessação da incapacidade em razão da idade. Maioridade e emancipação. Tutela e
curatela

2.1 Cessação da incapacidade


A incapacidade cessa quando desaparecem os motivos que a determinam. Quando a
causa da incapacidade é a idade, desaparece pela maioridade ou pela emancipação.

2.1.1 Maioridade
Nos termos do art. 5.º, CC, a incapacidade cessa aos 18 anos, quando a pessoa passa a estar
habilitada para praticar todos os atos da vida civil. A menoridade cessa, dessa forma, no primeiro
momento do dia em que o indivíduo perfaz os 18 anos, ou seja, se o nascimento ocorreu em 29
de fevereiro de ano bissexto, completa a maioridade no dia 1.º de março. Ex.: nasceu em 05/10.
Completa a maioridade em 05/10.
O critério é etário e não há diferença entre o homem e a mulher. Contudo, essa
capacidade civil não pode ser confundida com a capacidade eleitoral ou a capacidade para o
casamento, previstas em dispositivos especiais, nem mesmo com a maioridade penal.
Com a maioridade, os jovens passam a responder civilmente pelos danos causados a
terceiros, ficando autorizados a praticar todos os atos da vida civil, sem a necessidade de
assistência de seu representante legal.

2.1.2 Emancipação
Mas a capacidade plena também pode ser antecipada, em razão da autorização dos
representantes legais do menor ou do juiz ou, ainda, pela ocorrência de fato que a lei atribui
força para tanto. Trata-se dos casos de emancipação.
A emancipação é, portanto, uma forma de aquisição da capacidade civil antes da idade
legal. É a antecipação da aquisição da capacidade de fato (exercício da capacidade civil por si
próprio).
Nos termos do art. 5.º, § único, a incapacidade cessará:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante
instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou
por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos
completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

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V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação
de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos
completos tenha economia própria.

Deve-se observar que se trata de aquisição de capacidade para fins civis. Mas o indivíduo
não deixa de ser menor, ou seja, segue sendo aplicado o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentido, o enunciado 530 da Jornada de Direito Civil:
A emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e
do Adolescente.

Sendo assim, mesmo emancipado, não pode retirar carteira de motorista, ou entrar em
locais proibidos ou, então, ingerir bebida alcóolica.
A emancipação, uma vez realizada, é definitiva, irretratável e irrevogável, salvo por
ocorrência de vício de vontade (todos os negócios jurídicos ou atos praticados podem ser
anulados em razão de vício de vontade). Neste sentido, o enunciado 397 das Jornadas de Direito
Civil:
A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está
sujeita à desconstituição por vício de vontade.

Pela redação do § único do art. 5.º, CC, a emancipação, conforme a causa ou origem, pode
ser de três espécies: voluntária, judicial e legal.
a) Emancipação voluntária: Ocorre pela concessão dos pais, quando estes, em conjunto (ou,
um deles, na falta do outro), concedem, mediante escritura pública, independentemente de
homologação judicial, a emancipação para o filho que tenha completado 16 anos. A
emancipação é ato irrevogável, de forma que os pais não podem, a posteriori, arrependerem-se
de ter emancipado o filho. Contudo, respondem pelos danos causados pelo filho que
emanciparam. Deve ser registrada no Cartório do Registro Civil, nos termos do art. 107, § 1.º, Lei
6.015/73.
b) Emancipação judicial: A emancipação judicial é aquela concedida pelo juiz, nos casos em
que o menor está sob tutela, sendo ouvido o tutor, se o menor contar com 16 anos completos.
Pode ser, também, nos casos em que um dos genitores concordar e o outro não com a
emancipação. Deve ser registrada no Cartório do Registro Civil, nos termos do art. 107, § 1.º, Lei
6.015/73. No caso de incapacidade relativa declarada por decisão judicial (aplicável aos ébrios
habituais, pródigos, etc.), bem como nos casos de incapacidade superveniente (ou não afastada)
pela maioridade, a retomada da capacidade dar-se-á apenas mediante nova decisão judicial.
Até tal reconhecimento, será realizada nomeação de responsável (curador, para maiores; tutor,
para menores) pela assistência ou representação do incapaz (relativo ou absoluto).
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c) Emancipação legal: A emancipação legal é aquela que advém da disposição legal. Trata-se
dos casos previstos nos incisos II, III, IV e V, CC, ou seja, em razão de casamento, emprego
público, constituição de empresa ou colação de grau em curso superior. Dispensa o registro no
Cartório de Registro Civil, produzindo efeitos independentemente desse registro.

CASAMENTO: O homem e a mulher podem casar a partir dos 16 anos de idade,


desde que autorizados pelos pais ou representantes legais, nos termos do art. 1.517, CC.
Dessa forma, caso haja o casamento de menor de 18 anos, adquire, este indivíduo, a
capacidade civil plena, pois não faria sentido que, após casados, os cônjuges
permanecessem sob o poder familiar, já que constituíram um novo núcleo familiar.
Também deve-se considerar que há uma situação excepcional em que é permitido o
casamento de menores de 16 anos, que é a hipótese do art. 1.520, CC, desde que
autorizado judicialmente. Dessa maneira, não se deve desconsiderar que há, uma situação
excepcionalíssima de aquisição da maioridade, via emancipação legal, em razão de
casamento em caso de gravidez. Nesses casos, mesmo que haja a dissolução do
casamento pelo divórcio, o emancipado não retorna a situação anterior de incapacidade
civil. No caso de anulação ou nulidade do casamento, caso tenha sido contraído de boa-fé
(casamento putativo), persiste a maioridade. Se tiver sido contraído de má-fé, retorna a
situação de incapacidade (anulação retroage a data da celebração e é como se o
casamento jamais tivesse existido).

EXERCÍCIO DE EMPREGO PÚBLICO EFETIVO: Havendo a nomeação de caráter


efetivo em cargo ou emprego público efetivo (independentemente se celetista ou
estatutário, desde que não seja cargo em comissão), o agente adquire plena capacidade
civil, emancipando-se. Contudo, essa disposição está esvaziada de conteúdo, já que é
difícil algum cargo ou emprego público efetivo antes dos 18 anos de idade.

COLAÇÃO DE GRAU EM CURSO SUPERIOR: Essa hipótese também é bastante rara


de ocorrer, pois o próprio período de estudo anterior (1.º e 2.º grau) é extenso.
Normalmente, quando o estudante cola grau, já é maior de idade.

ESTABELECIMENTO CIVIL OU COMERCIAL, OU EMPREGO QUE O MENOR TENHA


ECONOMIA PRÓPRIA: Trata-se, também, de uma hipótese remota, pois é difícil que
alguém com 16 anos estabelecer-se comercialmente.

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* Para todos verem: esquema

2. 2. TUTELA E CURATELA
A tutela, assim como a curatela, faz parte do chamado “direito assistencial”, no estudo
das relações familiares. A base de sustentação destes dois institutos é a solidariedade familiar.

2.2.1 Conceito: TUTELA X CURATELA


Apesar de as vezes serem tratados como sinônimos, tutela e curatela são institutos
jurídicos diferentes e autônomos, mas que possuem uma finalidade comum: proporcionar a
representação legal e a administração de sujeitos incapazes de praticar atos jurídicos.
A diferença fundamental entre ambas é a de que, enquanto a TUTELA refere-se à
menoridade legal (indivíduos menores de 18 anos não emancipados, não sujeitos ao poder
familiar), a CURATELA destina-se àquelas pessoas que são incapazes de gerir sua vida, pessoas
estas, devidamente interditadas. Conceitos baseados nas alterações trazidas pelo CPC/2015 e
pelo Estatuto da Pessoa Portadora de Deficiência, Lei 13.146/2015.

2.2.2 Tutela – art. 1.728 e ss., CC e art. 759 e ss. CPC/2015


A tutela é a representação legal de indivíduo menor de idade, seja absolutamente ou
relativamente incapaz, em razão da falta de seus pais (falecimento, ausência ou perda do poder
familiar). Art. 1.728, CC.
Seu grande objetivo é a administração dos bens patrimoniais do menor.

2.2.2.1 Tutores
O art. 1.729, CC estabelece que os pais têm o direito de nomear tutor, através de
testamento ou outro documento público. Isto porque, o tutor será a pessoa responsável pela
formação e pela administração do patrimônio dos infantes cujos pais não mais existem.
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Se o testamento contiver a nomeação de mais de um tutor, entende-se haver uma
ordem de preferência, de forma que a tutela será deferida àquela pessoa primeiro nomeada,
sendo que os demais serão substitutos. Art. 1.733, §1.º, CC.
Se, contudo, os pais não tiverem feito a nomeação, o art. 1.731 estabelece a ordem de
preferência na indicação dos tutores:
Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos
parentes consanguíneos do menor, por esta ordem:
I - aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;
II - aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos
mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em
qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a
tutela em benefício do menor.

Este rol não é absoluto, cabendo ao juiz analisar a situação que maior benefício trará
para a criança ou adolescente.
Além disto, aos irmãos, será nomeado um só tutor e, no caso de não haver tutor indicado
pelos pais e, ainda, não sendo possível nomear tutor que seja parente consanguíneo da criança
ou adolescente, o tutor nomeado deve residir no mesmo local em que os tutelados.

2.2.2.2 Espécies
São três as formas de tutela:
a) Testamentária: regulada pelos arts. 1.729 e 1.730, CC, quando o tutor será nomeado
pelos pais, em conjunto. Enquanto vivos os pais podem – no exercício do poder familiar –
deixarem testamento nomeando tutor aos filhos menores de idade. Esta nomeação pode ser
feita através de testamento ou de qualquer outro documento público ou particular – qualquer
documento, desde que as assinaturas dos pais estejam com firma reconhecida pelo
Tabelionato.
b) Legítima: é a tutela que se estabelece quando não há a nomeação de tutor por parte
dos pais. Está indicada no art. 1.731, CC, sendo estabelecida a ordem de preferência – esta ordem
não é absoluta, devendo ser observado o melhor interesse da criança e do adolescente.
c) Dativa: esta é a tutela que ocorre quando não há a nomeação de tutor pelos pais e
não há a possibilidade de ser nomeado nenhum dos parentes do menor de idade indicados
pelo art. 1.731 (ou porque não existem ou porque são inidôneos). Está prevista no art. 1.732, CC.

2.2.2.3 Incapacidade para o exercício da tutela


Não é qualquer pessoa que pode exercer a tutela. Assim, em razão da grande
responsabilidade a ser assumida, além da capacidade civil (maioridade), também é exigida
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capacidade especial, de forma que o art. 1.735, CC estabelece os casos daqueles que não
poderão ser tutores, sendo, portanto, excluídos da tutela:
Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a
exerçam:
I - aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens;
II - aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem
constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer
direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem
demanda contra o menor;
III - os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes
expressamente excluídos da tutela;
IV - os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade,
contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena;
V - as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as
culpadas de abuso em tutorias anteriores;
VI - aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa
administração da tutela.

2.2.2.4 Escusa da tutela


Em se tratando de um múnus público, via de regra, a tutela não pode ser recusada,
especialmente nos casos do art. 1.731, quando há parentesco com o tutelado. Contudo, toda
regra admite exceções e, neste caso, o art. 1.736 traz elencadas sete situações que podem, em
razão da natureza, atrapalhar o exercício da tutela.
Art. 1.736. Podem escusar-se da tutela:
I - mulheres casadas;
II - maiores de sessenta anos;
III - aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos;
IV - os impossibilitados por enfermidade;
V - aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a
tutela;
VI - aqueles que já exercerem tutela ou curatela;
VII - militares em serviço.

Em regra, quem é parente do menor não pode se escusar, exceto se preencher alguma
dessas situações elencadas.
Se, porém, não houver parentesco com o menor, há a possibilidade de recusa, se houver
algum parente em condições de exercê-la, nos termos do art. 1.737,CC.
17
O procedimento para a escusa é através de simples petição ao magistrado que o
nomeou, no prazo de 5 dias, nos termos do art. 760, CPC/2015. O prazo inicia antes de aceitar o
encargo, da data da intimação para prestar compromisso e, depois de entrar no exercício do
encargo, da data em que sobrevier o motivo da escusa.

2.2.2.5 Exercício da tutela


O exercício da tutela importa em uma responsabilidade grande por parte do tutor, que
ultrapassa os atos de mera administração de bens. O tutor assume toda a responsabilidade com
relação a educação, alimentação e criação do tutelado. Nesse sentido, os arts. 1.740 e 1.747 do
Código Civil estabelecem os atos que o tutor pode praticar, com relação ao tutelado,
independentemente de autorização judicial:
Art. 1.740. Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor:
I - dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os
seus haveres e condição;
II - reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o
menor haja mister correção;
III - adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais,
ouvida a opinião do menor, se este já contar doze anos de idade.

Art. 1.747. Compete mais ao tutor:


I - representar o menor, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e
assisti-lo, após essa idade, nos atos em que for parte;
II - receber as rendas e pensões do menor, e as quantias a ele devidas;
III - fazer-lhe as despesas de subsistência e educação, bem como as de
administração, conservação e melhoramentos de seus bens;
IV - alienar os bens do menor destinados a venda;
V - promover-lhe, mediante preço conveniente, o arrendamento de bens
de raiz.

Deve-se atentar, contudo, para o fato de que o tutor não é pai. É certo que o tutelado
deve obediência ao tutor, mas este último não tem a possibilidade de disciplinar o menor de
idade. Neste caso, há a necessidade de atuação judicial, pois o tutor não exerce o poder familiar.
O tutor também não tem a obrigação de sustentar o menor. Seu sustento sairá de parte
de seus bens, devendo o juiz fixar as quantias que lhe pareçam suficientes e necessárias. Art.
1.746, CC.
Existem outros atos que exigem para sua concretização, a atuação/interferência do juiz.
São aqueles que, normalmente, envolvem o patrimônio do tutelado:
18
Art. 1.748. Compete também ao tutor, com autorização do juiz:
I - pagar as dívidas do menor;
II - aceitar por ele heranças, legados ou doações, ainda que com
encargos;
III - transigir;
IV - vender-lhe os bens móveis, cuja conservação não convier, e os
imóveis nos casos em que for permitido;
V - propor em juízo as ações, ou nelas assistir o menor, e promover todas
as diligências a bem deste, assim como defendê-lo nos pleitos contra ele
movidos.
Parágrafo único. No caso de falta de autorização, a eficácia de ato do
tutor depende da aprovação ulterior do juiz.

2.2.2.6 Responsabilidade e prestação de contas


O tutor assume uma grande responsabilidade no exercício da tutela. Em razão disso, há
um rigor na fiscalização de suas atividades, nos termos do art. 1.752 e, mais do que isto, há a
exigência de prestação de contas do exercício da tutela. Esta prestação de contas não poderá
ser dispensada sequer pelos pais que eventualmente tenham instituído a tutela.
Art. 1.755. Os tutores, embora o contrário tivessem disposto os pais dos
tutelados, são obrigados a prestar contas da sua administração.
Art. 1.756. No fim de cada ano de administração, os tutores submeterão
ao juiz o balanço respectivo, que, depois de aprovado, se anexará aos
autos do inventário.
Art. 1.757. Os tutores prestarão contas de dois em dois anos, e também
quando, por qualquer motivo, deixarem o exercício da tutela ou toda vez
que o juiz achar conveniente.
Parágrafo único. As contas serão prestadas em juízo, e julgadas depois da
audiência dos interessados, recolhendo o tutor imediatamente a
estabelecimento bancário oficial os saldos, ou adquirindo bens imóveis,
ou títulos, obrigações ou letras, na forma do § 1o do art. 1.753.

2.2.2.7 Cessação
A tutela terminará com o término da incapacidade. Nestes termos, o art. 1.763:
Art. 1.763. Cessa a condição de tutelado:
I - com a maioridade ou a emancipação do menor;
II - ao cair o menor sob o poder familiar, no caso de reconhecimento ou
adoção.
19
Art. 1.764. Cessam as funções do tutor:
I - ao expirar o termo, em que era obrigado a servir;
II - ao sobrevir escusa legítima;
III - ao ser removido.

2.2.3 Curatela – art. 1.767 e ss., CC e art. 747 e ss. CPC/2015


A curatela visa a proteção de uma pessoa maior, mas que padeça de alguma
incapacidade ou de alguma circunstância que impeça a sua livre e consciente manifestação de
vontade.
Em razão do Estatuto da Pessoa com Deficiência – lei 13.146/2015 –, a curatela só incide
para os maiores relativamente incapazes, que são os ébrios habituais (alcoólatras), viciados em
tóxicos, pessoas que por causa transitória ou definitiva não puderem exprimir sua vontade e os
pródigos.

2.2.3.1 Curador
Para ser curador de alguém é necessário que a pessoa tenha capacidade para os atos da
vida civil. Assim, em tese, qualquer cidadão pode ser curador de outrem. Contudo, não é
admissível que qualquer indivíduo, aleatoriamente, seja nomeado curador. Há uma previsão de
ordem legal no art. 1.775, CC:
Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de
fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.
§1º Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a
mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.
§ 2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais
remotos.
§ 3º Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a
escolha do curador.

Esse rol, contudo, não é vinculativo do juiz, ou seja, ele poderá escolher o curador
atentando para o melhor interesse do curatelado.
Pode, ainda, haver a nomeação de dois curadores, nos termos do art. 1.775-A, CC, nos
casos de pessoa com deficiência.

2.2.3.2 Pessoas sujeitas à curatela


Estão sujeitas a curatela as pessoas que não possuem capacidade civil, com exceção dos
menores de idade, que estão sujeitos à tutela. Nestes termos, o art. 1.767, CC, dispõe:
Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
20
I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
II - (Revogado);
III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
IV - (Revogado);
V - os pródigos.

A curatela será deferida durante o curso do processo de interdição (arts. 747 e ss.,
CPC/2015), que terá natureza declaratória, com eficácia ex tunc, de forma que o magistrado
apenas declarará uma situação já existente.

2.2.3.3 Prestação de contas


O art. 1.783, CC estabelece que quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do
casamento for o da comunhão universal de bens não haverá a obrigatoriedade de prestação de
contas, salvo por determinação judicial.
Dessa forma, o curador deve periodicamente prestar contas ou todas as vezes em que
for instado a tal mister, assim como o tutor.

2.2.3.4 Cessação da curatela


Ao contrário da tutela que é temporária, a curatela tem um ânimo definitivo. Todavia,
ocorrerá o término da curatela por impossibilidade material da continuidade por parte do
curador (por exemplo, se estiver doente) ou na hipótese de negligência, prevaricação ou
incapacidade superveniente (aplicação analógica do art. 1.766, CC).
Também cessa a curatela pelo falecimento do curador ou do curatelado.

2.2.4 Processo de interdição


Para que alguém seja posto sob curatela, precisa passar por um processo de interdição,
cujo procedimento está previsto no art. 747 e ss. do CPC/2015.
A interdição pode ser promovida por:
Art. 747. A interdição pode ser promovida:
I - pelo cônjuge ou companheiro;
II - pelos parentes ou tutores;
III - pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o
interditando;
IV - pelo Ministério Público.
Parágrafo único. A legitimidade deverá ser comprovada por
documentação que acompanhe a petição inicial.
21
Na inicial deve estar especificado o motivo e os fatos que demonstrem a incapacidade
do interditando para administrar seus bens (art. 749, CPC/2015). Havendo necessidade, o juiz
pode nomear curador provisório (art. 749, § único, CPC/2015), contudo, deverá haver laudo
médico para provar as alegações do autor (art. 750, CPC/2015).
O juiz ouvirá o interditando em audiência ou, na impossibilidade de deslocamento, no
local onde se encontrar (art. 751, § 1.º, CPC/2015), utilizando-se dos meios tecnológicos
necessários para a entrevista.
O interditando pode (e deve) defender-se, no prazo de 15 dias (art. 752, CPC/2015).
Haverá intervenção do MP como fiscal da lei (art. 752, § 1.º, CPC/2015).
Após este prazo de defesa, haverá a produção de prova, com perícia no interditando (art.
753, CPC/2015). O laudo deve indicar os atos para os quais há incapacidade. Trata-se, portanto,
de uma interdição relativa, já que os interditandos são sempre relativamente incapazes.
Uma vez que se tenha o laudo e todas as provas, o juiz sentenciará. Na sentença, o juiz
obedecerá alguns requisitos:
Art. 755. Na sentença que decretar a interdição, o juiz:
I - nomeará curador, que poderá ser o requerente da interdição, e fixará
os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do
interdito;
II - considerará as características pessoais do interdito, observando suas
potencialidades, habilidades, vontades e preferências.
§ 1o A curatela deve ser atribuída a quem melhor possa atender aos
interesses do curatelado.
§ 2o Havendo, ao tempo da interdição, pessoa incapaz sob a guarda e a
responsabilidade do interdito, o juiz atribuirá a curatela a quem melhor
puder atender aos interesses do interdito e do incapaz.
§ 3o A sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas
naturais e imediatamente publicada na rede mundial de computadores,
no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de
editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis)
meses, na imprensa local, 1 (uma) vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes,
com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito
e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo
total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar
autonomamente.

Se o interdito se recuperar, poderá levantar a interdição e a curatela, nos termos do art.


756, CPC/2015.
22
* Para todos verem: mapas mentais sobre pessoa natural e tutela e curatela

TUTELA CURATELA

Representação legal de menores de idade (art. 3º, Representação legal de maiores de idade, mas
art. 4º, I, CC) incapazes (Art. 4º, II, III e IV, CC)

Necessária ação de interdição, pois são situações


Hipóteses (Art. 1728, CC) - Pais falecidos ausentes ou
de indivíduos maiores de idade, mas que
destituídos do Poder Familiar
tornam-se incapazes.

Direito de nomear tutor aos filhos é dos pais, por


Legitimidade para requerer a interdição = Art.
testamento ou outro documento autêntico (tutela
747 CC.
testamentária – art. 1729, CC)

23
A perícia determinará os atos que podem e os
Se os pais não nomearem tutor, caberá aos
que não podem ser praticados pelos
parentes consanguíneos (tutela legítima – 1731, CC)
interditandos.

Não havendo nomeação, nem parentes, cabe ao juiz Sentença de interdição estabelece a
indicar o tutor (Tutela dativa – Art. 1732) incapacidade e nomeia curador.

Legitimidade par ao exercício da curatela (Art.


1775, CC)

Nomeação e compromisso via ação de tutela (Art. Cônjuge ou companheiro


759 e ss, CC)
Pai ou mãe

Descendentes

Juiz escolhe

Sentença de interdição e nomeação de curador


Devem prestar contas de 2 em 2 anos
deve ser inscrita no CRCPN

Exercem a representação legal do menor de idade e


administram o patrimônio

Sentença de nomeação do tutor deve ser inscrita no


CRCPN

03. Tomada de decisão apoiada e da capacidade plena da pessoa com deficiência. Extinção
da personalidade e direitos de personalidade
3.5 Tomada de decisão apoiada
O art. 6.º do Estatuto da pessoa com deficiência (lei 13.146/2015) determina que a
deficiência não afeta a plena capacidade para gestão do plano familiar e existencial do
indivíduo:
Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa,
inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a
informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

24
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como
adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas.

Além disto, às pessoas com deficiência é permitida a adoção da tomada de decisão


apoiada ou o estabelecimento da curatela, conforme art. 84 do Estatuto da pessoa com
deficiência.
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício
de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais
pessoas.
§ 1o Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à
curatela, conforme a lei.
§ 2o É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de
tomada de decisão apoiada.
§ 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida
protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias
de cada caso, e durará o menor tempo possível.
§ 4o Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua
administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.

A tomada de decisão apoiada está prevista, também, no art. 1.783-A, CC. Trata-se de um
processo pelo qual o deficiente pode escolher duas pessoas idôneas e de sua confiança para
auxiliar nas decisões de atos da vida civil.
Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a
pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com
as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-
lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes
os elementos e informações necessários para que possa exercer sua
capacidade. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 1o Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com
deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os
limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores,
inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos
direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar. (Incluído
pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

25
§ 2o O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa
a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o
apoio previsto no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.146, de
2015) (Vigência)
§ 3o Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão
apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do
Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que
lhe prestarão apoio. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 4o A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre
terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio
acordado. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 5o Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial
pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo,
especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado.
(Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 6o Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo
relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um
dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a
questão. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 7o Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não
adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer
pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz.
(Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 8o Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará,
ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para
prestação de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
(Vigência)
§ 9o A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de
acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada.
(Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 10. O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do
processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento
condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria. (Incluído pela
Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 11. Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as
disposições referentes à prestação de contas na curatela. (Incluído
pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
26
A tomada de decisão apoiada visa o auxílio da pessoa com deficiência para a celebração
de atos mais complexos – casos dos contratos. Trata-se de um processo judicial no qual a
pessoa com deficiência elege duas pessoas, de sua confiança, para lhe auxiliar nos atos da vida
civil. Com a nomeação dos apoiadores, toda decisão tomada por pessoa portadora de
deficiência será válida e produzirá efeitos, nos limites do apoio acordado (art. 1.783-A, § 4.º, CC).
Não se trata de interdição!

3.2 Personalidade/Extinção da personalidade/Morte


O art. 6.º, CC define que a extinção da personalidade natural se dá com a morte,
presumindo-se esta quanto aos ausentes, quando autorizada a abertura da sucessão definitiva.
O art. 7.º, CC, por sua vez, estabelece os casos de declaração da morte sem decretação da
ausência:
Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se
esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de
sucessão definitiva.
Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de
ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de
vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos,
somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e
averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

27
A morte divide-se, portanto em (o aprofundamento dessas situações será feito no direito
sucessório):
* Para todos verem: esquema

3.3 Registro Civil - Pessoa natural:


Registro Civil é o local onde se encontra a história da vida de uma pessoa. É a perpetuação
de seus dados pessoais. Trata-se de anotação feita por pessoa autorizada (Registrador Civil) de
dados pessoais e fatos jurídicos de maior relevância na vida de alguém. Sua função é dar
autenticidade, segurança, eficácia e publicidade a tais dados.
O Registro Civil está disciplinado no Código Civil e na Lei dos Registros Públicos. O art. 9.º,
CC determina os atos que serão registrados no Registro Público:
Art. 9o Serão registrados em registro público:
I - os nascimentos, casamentos e óbitos;
II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.

Por sua vez, o art. 10, CC trata das averbações em registros públicos:
Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:

28
I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento,
o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade
conjugal;
II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a
filiação;

Averbação é anotação feita à margem do registro para informar sobre alguma alteração
ocorrida no estado jurídico do registrado. Nesse sentido, o casamento é registrado e o divórcio,
averbado.
Todo nascimento deve ser levado a registro no local onde ocorreu o parto ou no lugar da
residência dos pais, no prazo de 15 dias ou, no prazo de até 3 meses quando o local do parto ou
da residência for distante mais de 30 km da sede do cartório.
Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser
dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da
residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado
em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros
da sede do cartório.
§ 1º Quando for diverso o lugar da residência dos pais, observar-se-á a
ordem contida nos itens 1º e 2º do art. 52.
§ 2º Os índios, enquanto não integrados, não estão obrigados a inscrição
do nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio do órgão federal de
assistência aos índios.
§ 3º Os menores de vinte e um (21) anos e maiores de dezoito (18) anos
poderão, pessoalmente e isentos de multa, requerer o registro de seu
nascimento.
§ 4° É facultado aos nascidos anteriormente à obrigatoriedade do
registro civil requerer, isentos de multa, a inscrição de seu nascimento.
§ 5º Aos brasileiros nascidos no estrangeiro se aplicará o disposto neste
artigo, ressalvadas as prescrições legais relativas aos consulados.

O registro de nascimento do indivíduo compete, pela ordem legal (art. 52, LRP):
Art. 52. São obrigados a fazer declaração de nascimento:
1o) o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, observado o disposto
no § 2o do art. 54;
2º) no caso de falta ou de impedimento de um dos indicados no item 1o,
outro indicado, que terá o prazo para declaração prorrogado por 45
(quarenta e cinco) dias;
29
3º) no impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior
achando-se presente;
4º) em falta ou impedimento do parente referido no número anterior os
administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, que tiverem
assistido o parto;
5º) pessoa idônea da casa em que ocorrer, sendo fora da residência da
mãe;
6º) finalmente, as pessoas (VETADO) encarregadas da guarda do
menor.
§ 1° Quando o oficial tiver motivo para duvidar da declaração, poderá ir à
casa do recém-nascido verificar a sua existência, ou exigir a atestação do
médico ou parteira que tiver assistido o parto, ou o testemunho de duas
pessoas que não forem os pais e tiverem visto o recém-nascido.
§ 2º Tratando-se de registro fora do prazo legal o oficial, em caso de
dúvida, poderá requerer ao Juiz as providências que forem cabíveis para
esclarecimento do fato.

Deve-se observar que a Lei nº 13.484, de 2017 prevê, uma alteração no art. 54 da lei dos
registros públicos, no que diz respeito ao local da naturalidade do indivíduo, que será o
município do nascimento ou o de residência de sua genitora:
§ 4º A naturalidade poderá ser do Município em que ocorreu o
nascimento ou do Município de residência da mãe do registrando na
data do nascimento, desde que localizado em território nacional, e a
opção caberá ao declarante no ato de registro do nascimento.

3.4 Direitos da personalidade


Ao lado dos direitos patrimoniais, existem direitos, não menos importantes, que estão fora
do comércio e encontram-se inseridos na personalidade do indivíduo. Os direitos da
personalidade, também chamados de liberdades públicas têm proteção especial por parte do
Estado. São tutelados tanto pelo Direito Público, como também, pelo Direito Privado. São
direitos inerentes e ligados à pessoa humana e a sua dignidade, de forma perpétua e
permanente. Dentre estes direitos destacam-se a vida, liberdade, nome, próprio corpo, imagem
e honra.
O enunciado 274 das Jornadas de Direito Civil prevê que:
Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo
Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa
humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade
30
da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode
sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

Pode-se dizer que são direitos da personalidade: vida e integridade físico-psíquica, nome
da pessoa (natural ou jurídica), imagem (imagem-retrato e imagem-atributo), honra (subjetiva e
objetiva) e intimidade. Essa proteção dos direitos da personalidade encontra-se, tanto no
Código Civil, como, também, na Constituição Federal de 1988, que prevê, no seu art. 5. º, X:
“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação”.

O Código Civil destinou um capítulo especial para a proteção dos direitos da


personalidade – art. 11 a art. 21, CC. Esse rol, contudo, é exemplificativo, conforme dispõe o
enunciado 274 das Jornadas de Direito Civil.
Esses direitos tratam-se, portanto, de direitos que “têm por objeto os atributos físicos,
psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais” (GAGLIANO e PAMPLONA
FILHO, p. 184).

3.4.1 Natureza
Quanto a natureza jurídica desses direitos, a maior parte da doutrina entende que, por se
tratarem de direitos inatos ao ser humano, cabe ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los
no âmbito do direito positivo, de forma que o indivíduo possa proteger tais direitos contra
arbítrios do poder público ou de particulares.
No caso do Brasil, esses direitos, além de serem protegidos no âmbito do Direito Civil,
também tem uma proteção constitucional, conforme visto (art. 5.º, X, CF), o que lhes confere um
status diferenciado – direito subjetivo (possibilidade de exigir respeito) + direito objetivo
(vinculação a todos, dever de não infringir).

3.4.2 Titularidade
Os direitos da personalidade são próprios dos seres humanos. Contudo, como já discutido,
também protege o nascituro que, embora não tenha personalidade jurídica, detém proteção,
desde a concepção, dos seus direitos da personalidade (art. 2.º, CC).
Não se pode excluir, contudo, as pessoas jurídicas desta proteção, pois, nos termos do art.
52, CC, aplica-se “às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
Dessa forma, as pessoas jurídicas também têm a faculdade de exigir respeito e proteção quanto
à sua imagem (intimidade, vida privada e honra, não é possível em razão das particularidades
de tais direitos), podendo ser requerida indenização pela violação a tal direito. Este
31
entendimento consubstancia-se na redação da súmula 227 do STJ, que diz que: “A pessoa
jurídica pode sofrer dano moral.” Tenham cuidado com o enunciado 268 das Jornadas de
Direito Civil, que diz que não pode a pessoa jurídica ser titular de direitos da personalidade. Este
enunciado contraria o que determina a súmula 227 do STJ. Esta súmula é que poderá ser
cobrada no Exame da OAB, por ser a posição majoritária.

3.4.3 Características
Os direitos da personalidade são ligados à pessoa humana, representando seus direitos
íntimos e fundamentais. São qualidades que se agregam ao homem e, portanto,
intransmissíveis e irrenunciáveis. O art. 11, CC traz algumas das características dos direitos da
personalidade: Contudo, existem outras características:
• Inato: inerente, pertencente desde o nascimento.
• Absolutos: os autores falam que os direitos da personalidade são absolutos, sendo
uma forma de materialização da oponibilidade erga omnes.
Apesar dessa característica, deve-se ressaltar que os direitos da personalidade
podem ser restringidos, dependendo da situação.
Os enunciados das Jornadas de Direito Civil dispõe sobre essa possibilidade de
relativização ou limitação voluntária dos direitos da personalidade.
Enunciado n.º 4: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação
voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.
Significa dizer, portanto, que em cada caso concreto deverá ser feito um
sopesamento a fim de verificar se é ou não necessária a relativização do direito da
personalidade.
Ex.: biografias não autorizadas. Podem ser publicadas, embora sem autorização,
referente a pessoas públicas. Relativização dos direitos da personalidade em nome
a vedação da censura.
Enunciado n.º 139: “Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda
que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso
de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes”.
Ex.: proteção da intimidade e vida privada é relativizada quando há uma exposição
desse direito. Top less em praia pública – relativização da intimidade.
Ex.: art. 15, CC. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Um paciente, a beira da morte,
necessita de cirurgia. A intervenção trará alto risco, gerando dúvidas se o médico
deve ou não realizar o procedimento. Isso gera uma série de discussões, pois há
resoluções do Conselho Federal de Medicina que autorizam o médico a suspender
o tratamento de pacientes terminais, de doenças incuráveis quando assim for de
32
sua vontade (ortotanásia). Contudo, decisões judiciais já foram contrárias a essa
prática.
Há, ainda, o Enunciado 528, das Jornadas de Direito Civil, que autoriza o chamado
testamento vital ou biológico, que nada mais é do que uma autorização para a
prática da suspensão do tratamento médico:
“É válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também
chamado "testamento vital", em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo
de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se encontrar
sem condições de manifestar a sua vontade”.
De igual modo, há, também a situação de paciente que, em razão de sua crença
religiosa, não permita submissão a tratamento médico. No caso de este paciente
estar sob risco real e iminente de morte, pode ser dispensada a autorização para a
realização de cirurgia. Significa dizer, então que, nestes casos, o médico pode salvar
a vida, mesmo sem a autorização do paciente ou familiar. Trata-se de um conflito
entre o direito a vida e o direito a liberdade religiosa. Deve-se utilizar a técnica da
ponderação, neste caso. Há quem diga que, pela ponderação, deve prevalecer a
vida. Outros dirão que a vontade do paciente deve ser respeitada. Neste sentido, o
enunciado 403 das Jornadas de Direito Civil:
“O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da
Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento
médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do
tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a)
capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b)
manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga
respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante.”
• Generalidade: são outorgados a todas as pessoas, pelo simples fato de existirem.
• Extrapatrimonialidade: ausência de conteúdo patrimonial direto, ou seja, os
direitos, em si, não possuem valor patrimonial, ainda que, havendo lesão, possa
haver indenização pecuniária (mas, neste caso, em razão do dano causado).
• Indisponibilidade: significa que tais direitos não podem, por vontade do indivíduo,
mudar de titular. Abrange tanto a intransmissibilidade (impossibilidade de
modificação de titular gratuita ou onerosa, ou seja, não é possível ceder tal direito a
outrem), como a inalienabilidade (não podem ser alienados), a inacessibilidade
(não podem ser objeto de cessão), e a intransacionabilidade (não podem sofrer
transação ou compromisso de arbitragem). É permitida, contudo, a cessão de uso
da imagem, por exemplo, (famoso que autoriza a utilização de sua imagem em
outdoors). Isso significa que há uma parcela dos direitos da personalidade, que se
33
relaciona a direitos patrimoniais, que pode ser passível de disposição (direitos de
imagem, direitos autorais, cessão de partes do corpo para fins científicos ou
altruísticos – art. 14, CC).
• Irrenunciabilidade: trata-se da impossibilidade voluntária do abandono, de
abdicar, de forma que ninguém pode renunciar direitos da personalidade.
Exemplo: contrato de namoro. Este contrato é nulo, pois seria uma forma de
pessoas que vivem em união estável renunciarem aos direitos dela decorrentes. A
união estável envolve direitos existenciais de personalidade. Ademais, é uma
espécie de fraude a lei imperativa, o que conduz a nulidade absoluta do
documento firmado (art. 166, VI, CC).
Outro exemplo seriam os reality shows (Big Brother Brasil), onde o participante
renuncia a qualquer direito de buscar indenização por danos morais em
decorrência da exibição de sua imagem. Tal contrato também é nulo, pois não é
possível a renúncia a direitos da personalidade, a teor dos arts. 11 e 166, VI, CC.
Nestes casos é possível, inclusive, que se utilize das medidas previstas no art. 12, CC
para fazer cessar a exibição das imagens que violem a moral do participante.
• Imprescritibilidade: não se extinguem pelo não uso, de forma que não há prazo
para o seu exercício. Salienta-se que esta imprescritibilidade é quanto ao direito
em si, não quanto ao exercício do direito de reparação quanto a dano moral pela
violação do direito da personalidade (honra, p.ex.).
O exercício do direito a reparação de danos se sujeita a prazos prescricionais – 3
anos, no caso, nos termos do art. 206, § 3.º, V, CC.
Contudo, existem decisões do STJ que reconhecem a imprescritibilidade do pleito
de reparação de danos: “É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de
Justiça segundo o qual as ações de indenização por danos morais e materiais
decorrentes de atos de violência ocorridos durante o Regime Militar são
consideradas imprescritíveis, independentemente dos legitimados ad causam.”
“Como é cediço, a prescritibilidade é a regra, só havendo falar em
imprescritibilidade em hipóteses excepcionalíssimas, como no tocante às ações
referentes ao estado das pessoas. Somente alguns direitos subjetivos, observada
sua envergadura e especial proteção, não estão sujeitos a prazos prescricionais,
como na hipótese de ações declaratórias de nulidades absolutas, pretensões
relativas a direitos da personalidade e ao patrimônio público”. (EDcl no AgRg no
REsp 1229068/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 06/10/2015, DJe 16/10/2015)
• Impenhorabilidade: em razão de serem inerentes à pessoa e dela inseparáveis,
não podem ser penhoráveis, pois a função da penhora é a venda judicial para
34
satisfação de um crédito. Contudo, esta indisponibilidade é quanto ao direito em si
(vedação da penhora do direito à imagem), mas não se refere a penhora dos
direitos patrimoniais resultantes do exercício deste direito (a cessão de uso da
imagem gera um ressarcimento patrimonial e, este, pode ser penhorado). O art.
832, CPC/2015 determina que estão a salvo da execução os bens que a lei considere
impenhoráveis ou inalienáveis. Neste caso, enquadram-se os direitos da
personalidade.
• Vitaliciedade: são adquiridos no momento da concepção e acompanham a pessoa
até sua morte, ainda que alguns desses direitos sejam resguardados mesmo após
a morte da pessoa (honra, memória, direito de autor, p. ex.). Ex.: não é porque o
Chico Anísio faleceu que sua imagem caiu no domínio público. Há o direito de
indenização pelo uso indevido da imagem do humorista. Neste sentido, o art. 12
define que a legitimação para requerer a indenização é do cônjuge sobrevivente
ou qualquer parente em linha reta (filho, neto, pais, avós) ou colateral até quarto
grau (primos).

3.4.4 Classificação
Apesar de haver um rol de direitos da personalidade previsto no Código Civil, este rol não é
taxativo (enunciado 274, Jornada de Direito Civil). São direitos inatos ao ser humano, qualidades
que se agregam ao homem. O texto protege a vida, nome integridade físico-psíquica, honra,
imagem, intimidade e produção intelectual. Contudo, não tutela questões de liberdade sexual,
por exemplo. A proteção quanto aos direitos da personalidade divide-se em:
a) CORPO – Vida e integridade física (corpo vivo, cadáver, voz).
b) MENTE – integridade psíquica e criações intelectuais (liberdade, criações intelectuais,
privacidade, segredo).
c) ESPÍRITO – integridade moral (honra, imagem, identidade pessoal).

3.4.5 Proteção dos direitos da personalidade


A proteção aos direitos da personalidade está prevista tanto na Constituição Federal
quanto no Código Civil.
Considerando que visa resguardar a dignidade humana através de medidas judiciais, esta
proteção pode ser: preventiva ou tutela inibitória; repressiva ou tutela reparatória.
PREVENTIVA – objetivando suspender atos que ameacem ofender a integridade do
indivíduo
REPRESSIVA ou TUTELA REPARATÓRIA – ação indenizatória, que visa uma reparação
patrimonial pelo dano causado. A reparação pode ser por DANO MORAL, quando a agressão for
contra um direito da personalidade e não houver conteúdo econômico dessa lesão. Poderá ser,
35
também por DANO MATERIAL, quando houver perda ou prejuízo por lesão a bem patrimonial.
Esses danos podem ser danos emergentes (o que a pessoa perdeu) e lucros cessantes (o que
a pessoa deixou de ganhar). A jurisprudência do STJ vem admitindo a possibilidade cumulação
de danos materiais, morais e, ainda, danos estéticos, conforme súmula 387, STJ: “é lícita a
cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.

3.4.6 Direito à vida


Sem a vida, não há nenhum outro direito à pessoa jurídica. Esse direito é protegido desde
a concepção, de forma que é vedado o aborto. O direito à vida compreende tanto o manter-se
vivo, quanto o viver de forma digna. Dessa forma, alimentos transgênicos estão relacionados ao
direito à vida, pois violam o direito à saúde (diretamente relacionado com a vida).

Aborto: interrupção criminosa da vida em formação. É crime previsto nos arts. 124 a 227,
CP. Contudo, há a exclusão do crime em diferentes hipóteses:
Aborto terapêutico – não houver outro meio de salvar a vida da Mãe. Art. 128,I, CP
Aborto sentimental (ético) – consentido pela gestante, quando a gravidez resultar de
estupro. Art. 128,II, CP
Aborto de feto anencefálico – feto que, comprovadamente, não possui atividade cerebral –
decisão do STF na ADPF 54 (2012).
Aborto dentro do primeiro trimestre de gestação – “... 3. Em segundo lugar, é preciso
conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal –
que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção
voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese,
viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da
proporcionalidade. 4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais:
os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter
uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas
escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo
e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não
engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da
mulher nessa matéria”. (HC 124306, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:
Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-052 DIVULG 16-03-2017 PUBLIC 17-03-2017).

Fertilização in vitro: nos casos de fertilização in vitro, mesmo havendo o descarte dos
embriões que tenham sido fecundados, o STF decidiu, no julgamento da Lei de Biossegurança

36
(ADI 3510), que não há aborto neste caso, pois não houve a gravidez ainda, sendo, portanto,
permitida a realização de pesquisa em células tronco embrionárias.

Eutanásia: configura eutanásia a suspensão do tratamento ordinário a que está


submetido o paciente ou a interrupção da alimentação do paciente, mesmo que por via
intravenosa, a fim de provocar a morte por inanição. Também configura a eutanásia a
suspensão do auxílio externo para respiração.
Com isso, em razão da proteção de uma vida digna, há a discussão sobre a questão do fim
da vida através da eutanásia (proibida no Brasil). Ex.: filme “A menina de ouro”. No exemplo do
filme, haveria uma vida digna após o acidente?
Portanto, mesmo que a eutanásia seja praticada com o consentimento do paciente é
contrária ao ordenamento jurídico, por ferir o direito à vida.
Ortotanásia = eutanásia passiva – suspensão de medicamentos – morte digna.
Distanásia = prorrogar a vida com medicamentos.

3.4.7 Direito ao próprio corpo – integridade física


Os arts. 13 a 15, CC tratam do direito ao próprio corpo. Prevê o art. 13 do CC a proteção a
integridade física do indivíduo:
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do
próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade
física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de
transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Este artigo refere-se a possíveis mutilações a que os indivíduos possam se submeter.


Autoriza, contudo a realização de um transplante. Mas a doação só é permitida de partes duplas
do corpo (rins) ou regeneráveis (fígado) ou tecidos (medula, pele), desde que não prejudique,
nem mutile o doador.
O § único do art. 13, CC permite, contudo, a realização de transplantes de partes do corpo
humano, conforme disposição em lei especial. A lei que rege os transplantes é a 9.434/97, com
as alterações da lei 10.211/01. Referidas leis permitem a retirada de partes do corpo (tecidos,
órgãos e partes do corpo vivo), desde que gratuitamente e desde que não representem risco
para a sua integridade física e mental. O enunciado 532 das Jornadas de Direito Civil é claro
nesse sentido:
É permitida a disposição gratuita do próprio corpo com objetivos
exclusivamente científicos, nos termos dos arts. 11 e 13 do Código Civil.

37
Pode haver, também, cessão de direitos de uso de material biológico, para fins de
pesquisa, nos termos do enunciado 401 das Jornadas de Direito Civil:
Não contraria os bons costumes a cessão gratuita de direitos de uso de
material biológico para fins de pesquisa científica, desde que a
manifestação de vontade tenha sido livre, esclarecida e puder ser
revogada a qualquer tempo, conforme as normas éticas que regem a
pesquisa científica e o respeito aos direitos fundamentais.

Não se enquadra, nesta situação, conforme diversas decisões judiciais, os casos de


transexualidade. Muito se discutiu sobre a cirurgia de adequação sexual, se seria mutiladora ou
não. Restou pacificado pela jurisprudência que não se trata de mutilação, mas sim de uma
adequação da realidade biológica à realidade psicológica, já que o contrário não é possível, eis
que o transexual não aceita. O Conselho Federal de Medicina, através de resolução, considera
lícita a intervenção cirúrgica.
Nesse sentido, o enunciado 276, das Jornadas de Direito Civil:
O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por
exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em
conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho
Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo
no Registro Civil.

O corpo é a expressão da individualidade da pessoa, sendo, em razão disso, inalienável,


tanto em vida, quanto após a morte.

O art. 14, por sua vez, dispõe sobre a disposição post mortem do próprio corpo:
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição
gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a
qualquer tempo.

Para tanto, é preciso que seja diagnosticada a morte encefálica. Assim, se o indivíduo
pretende ser doador, deverá deixar declaração escrita. Se nada dispuser a respeito, a família
deverá anuir expressamente para que seja feita a doação. Nesse sentido, o enunciado 277 das
Jornadas de Direito Civil:
O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do
próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da
morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos
38
em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação
do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do
potencial doador.

Não poderá haver remoção de órgãos de pessoa não identificada.


Após a retirada dos órgãos o corpo deve ser recomposto e entregue à família para que
realize o sepultamento.
É VEDADA A COMERCIALIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS DO CORPO HUMANO. Permite-se,
apenas, o transplante gratuito. Art. 199, § 4.º, CF:
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a
remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de
transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento
e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de
comercialização.

Segundo o art. 15, CC, ninguém pode ser obrigado a submeter-se a tratamento médico ou
cirúrgico que importe risco de vida.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida,
a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Não significa que tratamentos de risco sejam vedados, mas o indivíduo deve estar ciente,
antes de se submeter a tal tratamento, dos riscos dele provenientes. Cabe, portanto, ao médico,
informar ao paciente, devendo registrar tal fato por escrito, para evitar responsabilidades
futuras.
O doente pode, portanto, negar-se a tratamento de risco. Nesse aspecto, o enunciado 403
das Jornadas de Direito Civil prevê:
O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º,
VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a
tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de
morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados
os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento
pelo representante ou assistente; b) manifestação de vontade livre,
consciente e informada; e c) oposição que diga respeito exclusivamente à
própria pessoa do declarante.

39
Também o enunciado 533 das Jornadas de Direito Civil dispõe:
O paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos
concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida,
seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência ou no curso
de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser
interrompidos.

Caso esteja impossibilitado de decidir, caberá a seu representante legal. A autorização,


caso o paciente não tenha condições de fornecê-la deve ser requerida a qualquer parente
maior, em linha reta ou colateral até 2.º grau (irmão) ou cônjuge.
Se, contudo, não houver tempo hábil para consultar o paciente ou o representante legal, o
médico tem o dever de realizar o tratamento (ex. emergência de parada cardíaca).

3.4.8 Direito ao nome


A proteção ao nome é prevista nos arts. 16 a 19, CC. O art. 16 prevê:
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o
prenome e o sobrenome.

Nome é a designação jurídica pela qual a pessoa é conhecida no mundo. Assim, envolve o
sentido completo do termo → nome + sobrenome. Esse elemento serve para individualizar a
pessoa, tanto durante a vida, quanto durante a morte, passando a integrar a personalidade do
indivíduo (tanto que é protegido o nome enquanto direito da personalidade).
O nome é um código identificador de cada pessoa. É uma designação pela qual a pessoa
identifica-se na família e na sociedade. É uma característica marcante da personalidade, sendo
inalienável e imprescritível da individualidade da pessoa. Dessa forma, todo ser humano deve
portar um nome.
Dessa forma, nome é o nome completo. Ex.: Maitê Damé Teixeira Lemos. Constitui-se de
prenome e sobrenome. Ex:
Maitê – prenome (nome próprio)
Damé Teixeira Lemos – sobrenome, apelido familiar, nome de família (nome).

No Brasil, os pais podem escolher livremente o prenome dos filhos, desde que não o
exponham ao ridículo. Ex.: FACEBOOKSSON.
Nesse sentido, o § único, do art. 55 da Lei dos Registros Públicos dispõe que:
Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor
ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com

40
a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da
cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.

O sobrenome (ou nome) é o sinal identificativo da origem da pessoa, de forma a indicar


sua filiação. Trata-se de uma característica da família, transmissível por sucessão. É o apelido
familiar. O prenome pode ser escolhido. O sobrenome é herdado dos pais.
NÃO HÁ UMA ORDEM OBRIGATÓRIA DE APOSIÇÃO DOS SOBRENOMES. Via de regra, em
razão dos costumes, se utiliza, primeiro o último sobrenome da Mãe e, depois, o último
sobrenome do Pai. Contudo, não há lei que disponha nesse sentido. Dessa maneira, é possível
que se faça requerimento ao registrador de forma diferente. Exemplo: Vinicius Damé Teixeira
Lemos. Também poderia ser: Vinicius Lemos Damé Teixeira.
Nesse sentido, a Lei dos Registros Públicos, assim como a Consolidação Normativa
Notarial e Registral determinam que, se não for indicado o sobrenome pelos pais, o registrador
lançará o sobrenome do pai e, na sua falta, o da mãe. Contudo, isto não se justifica em razão da
igualdade constitucional.
ALCUNHA – apelido depreciativo, normalmente relacionado com a característica física ou
moral. Ex.: o bandido “Seco”.
COGNOME – designação dada a alguém em razão de uma característica especial. Ex.:
Tiradentes.
EPÍTETO – designação qualificativa. Ex.: Dom Pedro, o Justiceiro.
HIPOCORÍSTICO – diminuitivo do nome, usado na intimidade familiar, normalmente. Ex.:
João (Joãozinho), Sebastião (Tião), José (Zé ou Zezinho), etc.
AGNOME – sinal distintivo de pessoas que, em uma mesma família, possuem o mesmo
nome. Trata-se das expressões Júnior, Filho, Neto, Sobrinho, Segundo, etc. Ex.: Roberto Carlos
Braga e Roberto Carlos Braga Segundo (filho do cantor).
AXIÔNIMO – forma de tratamento, como p. ex., Vossa Santidade, Conde, Comendador, etc.,
que passam a integrar o nome para todos os efeitos.
O nome, enquanto característica pessoal e individual de cada pessoa, via de regra, é
imutável. Contudo, é admissível sua alteração em alguns casos, quando houver motivo
relevante: erro gráfico, expor o portador ao ridículo. Dessa forma, não é qualquer capricho
pessoal que autoriza a modificação do nome.
Aquele que completar a maioridade civil (18 anos ou emancipação) poderá, no prazo de 1
ano, alterar, de forma administrativa (art. 56, LRP), seu nome (completo), desde que não
prejudique os apelidos de família. Assim, alguém registrado apenas com o sobrenome do Pai
poderá incluir o da Mãe, por exemplo.
Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade
civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome,
41
desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a
alteração que será publicada pela imprensa.

Depois de passado esse prazo de 1 ano a alteração poderá ser feita mas, neste caso,
dependerá de ordem judicial, nos termos do art. 57, LRP.
O art. 57 da Lei dos Registros Públicas autoriza a alteração quando houver evidente erro
gráfico, a alteração poderá ser feita, nos termos do art. 57, Lei dos Registros Públicos, através do
procedimento previsto no art. 110, da mesma Lei:
Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e
motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por
sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o
mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a
hipótese do art. 110 desta Lei.

Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação
imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício
pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o
assentamento, mediante petição assinada pelo interessado,
representante legal ou procurador, independentemente de pagamento
de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.
§ 1o Recebido o requerimento instruído com os documentos que
comprovem o erro, o oficial submetê-lo-á ao órgão do Ministério Público
que o despachará em 5 (cinco) dias.
§ 2o Quando a prova depender de dados existentes no próprio
cartório, poderá o oficial certificá-lo nos autos.
§ 3o Entendendo o órgão do Ministério Público que o pedido exige
maior indagação, requererá ao juiz a distribuição dos autos a um dos
cartórios da circunscrição, caso em que se processará a retificação, com
assistência de advogado, observado o rito sumaríssimo.
§ 4o Deferido o pedido, o oficial averbará a retificação à margem do
registro, mencionando o número do protocolo e a data da sentença e seu
trânsito em julgado, quando for o caso.

Quando a mudança for necessária em razão de expor seu portador ao ridículo, assim
como outras alterações, dependerá de procedimento judicial de retificação de nome, nos
termos do art. 109, LRP:

42
Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique
assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e
instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz
o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no
prazo de cinco dias, que correrá em cartório.
§ 1° Se qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público
impugnar o pedido, o Juiz determinará a produção da prova, dentro do
prazo de dez dias e ouvidos, sucessivamente, em três dias, os
interessados e o órgão do Ministério Público, decidirá em cinco dias.
§ 2° Se não houver impugnação ou necessidade de mais provas, o
Juiz decidirá no prazo de cinco dias.
§ 3º Da decisão do Juiz, caberá o recurso de apelação com ambos os
efeitos.
§ 4º Julgado procedente o pedido, o Juiz ordenará que se expeça
mandado para que seja lavrado, restaurado e retificado o assentamento,
indicando, com precisão, os fatos ou circunstâncias que devam ser
retificados, e em que sentido, ou os que devam ser objeto do novo
assentamento.
§ 5º Se houver de ser cumprido em jurisdição diversa, o mandado
será remetido, por ofício, ao Juiz sob cuja jurisdição estiver o cartório do
Registro Civil e, com o seu "cumpra-se", executar-se-á.
§ 6º As retificações serão feitas à margem do registro, com as
indicações necessárias, ou, quando for o caso, com a trasladação do
mandado, que ficará arquivado. Se não houver espaço, far-se-á o
transporte do assento, com as remissões à margem do registro original.

Esta hipótese serve para os casos de pessoas do sexo masculino registradas com nome
feminino. Ex.: Arlete, Salete, etc.
Também é possível a alteração do prenome registral pelo prenome de uso. Essa
autorização está contida no art. 58 da Lei dos Registros Públicos:
Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua
substituição por apelidos públicos notórios.
Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em
razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a
apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente,
ouvido o Ministério Público.

43
Isto porque, a função da imutabilidade do prenome é pelo fato de que a pessoa é
conhecida por aquele signo distintivo. Contudo, se a notoriedade é em razão de outro prenome,
este é que passa a ser imutável. Ex.: Pelé = Edson Arantes do Nascimento. A notoriedade do
prenome Pelé é muito maior do que Arantes. Neste caso, é possível que, caso ele tenha
interesse, faça requerimento para alterar o prenome para “Pelé Arantes do Nascimento” ou
“Zezé de Camargo” = Welson David de Camargo.
Também há a possibilidade de alteração em razão da situação de transexual operado,
quando o registro civil passa a não corresponder com a realidade física, não correspondendo,
portanto, a verdade. Nesse sentido, essa alteração tem sido autorizada, tanto do registro do
nome, quanto do sexo. Deve-se observar que a ADI 4275, julgada em março de 2018 autorizou a
alteração do prenome dos transexuais, independentemente de alteração do sexo e de
autorização judicial:
... julgou procedente a ação para dar à lei dos registros interpretação
conforme a Constituição Federal e pactos internacionais que tratam dos
direitos fundamentais, a fim de reconhecer aos transgêneros que
desejarem o direito à alteração de nome e gênero no assento de registro
civil, independentemente da cirurgia. Para ela, são desnecessários a
autorização judicial e os requisitos propostos.
(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=3710
85)

Também pode haver a mudança do prenome em razão de adoção. Segundo o ECA, no


seu art. 47, § 5.º, a sentença que define a adoção poderá autorizar, a requerimento do adotante,
a alteração do prenome do adotado.
É possível, também, acrescentar os apelidos notórios, sem que prejudique o prenome. Ex.;
Lula: Luiz Inácio “Lula” da Silva.
Também se pode acrescentar ouro nome para solucionar problemas de homonímia. Ex.:
existência de 500 Maria da Silva. É possível que se acrescente Maria “de Fátima” da Silva.
O acréscimo de outros nomes (sobrenomes) poderá ocorrer também em casos de
casamento (art. 1.565, § 1.º, CC prevê que qualquer dos nubentes poderá assumir o sobrenome
do outro). No caso da união estável a inclusão do nome do outro só é autorizada quando um
deles tiver impedimento para casar, nos termos do art. 57, § 2.º, CC.
Também o reconhecimento de paternidade é motivo para a alteração do nome do
indivíduo, a fim de acrescentar o patronímico paterno.
Com relação ao registro dos filhos fora do matrimônio, os arts. 59 e 60 da Lei dos Registros
Públicos dispõe:

44
Art. 59. Quando se tratar de filho ilegítimo, não será declarado o nome do
pai sem que este expressamente o autorize e compareça, por si ou por
procurador especial, para, reconhecendo-o, assinar, ou não sabendo ou
não podendo, mandar assinar a seu rogo o respectivo assento com duas
testemunhas.

Art. 60. O registro conterá o nome do pai ou da mãe, ainda que


ilegítimos, quando qualquer deles for o declarante.

Trata-se de forma de reconhecimento de filiação. A regra é que os filhos havidos durante a


relação matrimonial tem a paternidade presumida (art. 1.597, CC).
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os
filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do
casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.

Nestes casos, para que haja o registro dos filhos, basta que compareça a mulher portando
a certidão de casamento. Neste caso, o filho será registrado como filho do casal. Contudo, se o
filho não for advindo de relação matrimonial, dependerá da presença do pai para que faça o
registro, quando, então, estará reconhecendo voluntariamente o filho.
O nome tem uma importância tanto pública quanto individual. A importância pública do
nome se dá em razão de que o Estado tem interesse na identificação correta e precisa dos
indivíduos, determinado, assim, que seja procedido seu registro (nos termos da Lei dos
Registros Públicos), vedando sua alteração (somente em casos excepcionais é admitida). A
importância individual está no direito ao nome, que cada indivíduo tenha direito a portar um
signo identificador e, mais do que isto, de exigir o respeito e proteção a este signo identificador,
podendo reprimir abuso por parte de terceiros. A proteção ao nome é feita através de ações
(dano moral, p.ex.). Através dessas ações podem ser exigidos, por exemplo, que seja divulgado o
45
nome verdadeiro: ex.: sai uma foto publicada no jornal, de dois amigos (João e Carlos). Logo em
seguida a descrição: Joãozinho e sua namorada. Cabe, neste caso, uma ação para contestar o
nome publicado, exigindo a retificação, a fim de que conste o nome correto.
Nesse sentido, os arts. 17 e 18, CC preveem:
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em
publicações ou representações que a exponham ao desprezo público,
ainda quando não haja intenção difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda
comercial.

Havendo violação ao direito ao nome é cabível a reparação por danos. Ex.: Luciano Huck
entrou com processo de indenização por danos contra um empreendimento imobiliário que,
para vender maior número de imóveis, veiculou que seria um atrativo o fato de que Huck seria
um dos moradores.
Nesse sentido, há a súmula 403, STJ que determina que “Independe de prova do prejuízo
a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou
comerciais”.
Os responsáveis pelo ressarcimento serão tanto o autor da publicação quanto o veículo de
divulgação. É o que prevê a súmula 221, STJ: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de
dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do
veículo de divulgação”.

Além disso, também não se pode esquecer que há a utilização dos chamados
pseudônimos, ou seja, nomes figurativos ou codinomes, nomes fictícios que servem para
identificar o autor do escrito, normalmente artistas. Ex.: Fafá de Belém (Maria de Fátima Palha
de Figueiredo); Cazuza (Agenor de Miranda Araújo Neto); Lima Duarte (Ariclenes Venâncio
Martins); Xuxa (Maria da Graça Meneguel). Esses pseudônimos, quando usados licitamente,
gozam da mesma proteção que se dá ao nome (art. 19, CC):
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção
que se dá ao nome.

Assim, o mau uso do pseudônimo de alguém também gera o dever de indenizar.

3.4.9 Proteção à palavra e à imagem


O art. 20, CC faz a previsão da proteção à palavra e à imagem:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça
ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a
46
transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da
imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e
sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa
fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes
legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os
descendentes.

O enunciado 275 das Jornadas de Direito Civil incluiu o companheiro também como
legitimado:
O rol dos legitimados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20,
parágrafo único, do Código Civil também compreende o companheiro.

Trata-se da tutela da voz, também protegida pelo art. 5.º, XXVIII, a, CF. Neste caso se
enquadra o caso de Galvão Bueno, por exemplo.
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à
reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades
desportivas;

A pessoa que tiver sua imagem ou voz utilizadas de forma indevida, sem autorização,
poderá acionar a justiça para impedir o uso e, ainda, receber indenização pelo uso indevido.
Contudo, o STJ julgou a ADIn 4815, que dá ao art. 20, CC interpretação conforme a
Constituição. Nesta ação, foi autorizada a publicação das “biografias não autorizadas”, ou seja, a
possibilidade de publicação de obras biográficas literárias ou audiovisuais, independentemente
do consentimento do biografado. O Presidente do STF a época (Ricardo Lewandowski) afirmou
que “não é possível que haja censura ou se exija autorização prévia para a produção e
publicação de biografias”, de forma que “a censura prévia está afastada, com plena liberdade de
expressão artística, científica, histórica e literária, desde que não se ofendam os direitos
constitucionais dos biografados”.
Trata-se de uma forma de limitação dos direitos da personalidade, que acaba ocorrendo
através da ponderação ou aplicação do princípio da proporcionalidade. Nesse sentido é a
redação do enunciado 279 das Jornadas de Direito Civil:
Trata-se de uma forma de limitação dos direitos da personalidade, que
acaba ocorrendo através da ponderação ou aplicação do princípio da
proporcionalidade.

47
a) Proteção à intimidade
O art. 5.º, X, da CF prevê:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
De início, é preciso que se diferencie privacidade e intimidade, pois são diferentes.
Contudo, a linha divisória é muito tênue, quase imperceptível.
Privacidade ou vida privada = comportamentos e acontecimentos atinentes aos
relacionamentos pessoais em geral, relações comerciais e profissionais que o indivíduo não
deseja que se espalhem ao conhecimento público. Se refere àquilo que a pessoa deseja excluir
do conhecimento pelos outros. É o controle das informações sobre si mesmo. É o direito do
indivíduo não ter seus assuntos pessoais e profissionais expostos a terceiros.
Intimidade = conversações, episódios mais íntimos, envolvendo relações familiares e
amizades mais próximas. A intimidade, como atributo da personalidade, é a vida familiar,
pessoal, a vida interior da pessoa; é aquela vivida entre quatro paredes, em sua residência,
incluindo-se na esfera mais íntima.
Deve-se destacar que há interesse público sobre acontecimentos que ocorram com
determinadas pessoas, por serem públicas. É o que acontece com as celebridades, artistas,
quando fatos relativos a sua privacidade são expostos para o público, para satisfazer o interesse
geral. Assim, existem fatos da privacidade de alguém que, levados a público, podem ser tidos
como admissíveis ou como abusivos, tudo dependendo da maneira como o indivíduo que está
sendo exposto vive.
Os direitos fundamentais, como vimos, podem ser objeto de restrições, no limite da
dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, é possível que alguém, por ocasião da morte de
um ente querido, dê entrevista a respeito. Ex.: caso da morte de Rafael Mascarenhas, filho da
atriz Cissa Guimarães. O caso teve maior publicização em razão da mãe do rapaz ser pessoa
pública. A atriz limitou sua intimidade e expôs o caso para a imprensa, dando entrevistas e
falando sobre a dor da perda do filho.
Nesse sentido, é de se verificar até que ponto houve a autorização para a publicação da
imagem da pessoa, invadindo sua intimidade. Por isso, deve-se levar em conta a forma como a
pessoa leva a vida, ou seja, seu modo de agir. Como exemplo, tem-se o fato de uma mulher,
fazendo “top-less” ser fotografada em uma praia pública. O seu agir está a expor sua intimidade.
Dessa forma, não há como querer impedir a publicação de uma foto na qual ela apareça.
Nesse sentido é o julgado do STJ:
DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO
PÚBLICO.

48
Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade,
estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para
torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem.
Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou
indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à
privacidade encontra limite na própria exposição realizada.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 595600/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA,
julgado em 18/03/2004)
Contudo, a questão do interesse público não deve ser confundida com o interesse do
público. Isso porque, por óbvio, a revelação de algum hábito sexual heterodoxo de um político
não possui o mesmo coeficiente de interesse relevante que teria o noticiário de igual
comportamento praticado por um cidadão comum. Assim, não deve-se confundir o interesse
público com o interesse do público, de maneira a expor a vida de pessoas pública apenas para
satisfazer as curiosidades do público, sem qualquer relevância pública.
Dessa forma, deve haver uma ponderação entre o interesse público da notícia e a
privacidade do indivíduo, a fim de verificar qual dos dois direitos fundamentais será mais
importante se proteger no caso concreto.
Isso não quer dizer que todo homem público, por assim o ser, terá seu direito à
privacidade sempre preterido em razão do interesse público. Pelo contrário, ele possui igual
proteção desse direito, como se sujeito comum fosse. Contudo, existem casos, que sua conduta,
em razão da exposição pública, gera o interesse público, de maneira que possa haver a
limitação do seu direito à intimidade.
E mais, para que haja a exposição da privacidade do homem público, deve haver o
interesse público, no sentido de constituir um elemento útil a que o indivíduo que vai receber a
informação se oriente melhor na sociedade em que vive, ou seja, não basta só o interesse do
público, mas o interesse público, a utilidade da informação veiculada. Não se inclui, portanto, os
hábitos sexuais ou alimentares do homem público, pois isso em nada traz utilidade da
informação para a sociedade.
O mesmo ocorre com quem deixou de ser homem público e volta ao anonimato. Essa
pessoa deve ser “deixada de lado”, de maneira a ser respeitada sua intimidade e sua vida
privada, pois deixou de ser de interesse público. Também no mesmo sentido é a proteção
daqueles que deixam a penitenciária e precisam se reajustar à sociedade. Eles possuem o
direito de não ter expostos os motivos que o levaram à prisão, pois já cumpriram com sua pena
e, agora, tem o direito de recomeçar, de maneira a não terem sua vida privada exposta
novamente. Esta é a tutela do chamado “direito ao esquecimento”, conforme previsão dos
enunciados abaixo:
49
Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da
informação inclui o direito ao esquecimento.
Enunciado 576: O direito ao esquecimento pode ser assegurado por
tutela judicial inibitória.
Verifica-se, pois, que cabe se utilizar de tutela inibitória para evitar a lesão e reparação de
danos para a vítima, a fim de reparar o dano sofrido.
O direito ao esquecimento deve ser reconhecido, portanto, como direito da personalidade.
Na verdade, como resumo, para verificação da proteção à intimidade e à vida privada, em
conflito com o direito à liberdade de informação, deve-se levar em conta o princípio da
proporcionalidade e suas máximas (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido
estrito). Trata-se da utilização da técnica de ponderação que se encontra tipificada no Código de
Processo Civil. Essa técnica, embora possa sofrer críticas é utilizada pelo STJ:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E
MATERIAIS DECORRENTES DA REALIZAÇÃO DE EXAME DE HIV NÃO
SOLICITADO, POR MEIO DO QUAL O PACIENTE OBTEVE A INFORMAÇÃO
DE SER SOROPOSITIVO - VIOLAÇÃO AO DIREITO À INTIMIDADE - NÃO
OCORRÊNCIA - INFORMAÇÃO CORRETA E SIGILOSA SOBRE SEU
ESTADO DE SAÚDE - FATO QUE PROPORCIONA AO PACIENTE A
PROTEÇÃO A UM DIREITO MAIOR, SOB O ENFOQUE INDIVIDUAL E
PÚBLICO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - O direito à intimidade, não é absoluto, aliás, como todo e qualquer
direito individual. Na verdade, é de se admitir, excepcionalmente, a
tangibilidade ao direito à intimidade, em hipóteses em que esta se revele
necessária à preservação de um direito maior, seja sob o prisma
individual, seja sob o enfoque do interesse público. Tal exame, é certo,
não prescinde, em hipótese alguma, da adoção do princípio da
dignidade da pessoa humana, como princípio basilar e norteador do
Estado Democrático de Direito, e da razoabilidade, como critério
axiológico;
II - Sob o prisma individual, o direito de o indivíduo não saber que é
portador do vírus HIV (caso se entenda que este seja um direito seu,
decorrente da sua intimidade), sucumbe, é suplantado por um direito
maior, qual seja, o direito à vida, o direito à vida com mais saúde, o direito
à vida mais longeva e saudável;
III - Mesmo que o indivíduo não tenha interesse ou não queira ter
conhecimento sobre a enfermidade que lhe acomete (seja qual for a
razão), a informação correta e sigilosa sobre seu estado de saúde dada
50
pelo Hospital ou Laboratório, ainda que de forma involuntária, tal como
ocorrera na hipótese dos autos, não tem o condão de afrontar sua
intimidade, na medida em que lhe proporciona a proteção a um direito
maior;
IV - Não se afigura permitido, tão-pouco razoável que o indivíduo, com o
desiderato inequívoco de resguardar sua saúde, após recorrer ao seu
médico, que lhe determinou a realização de uma série de exames, vir à
juízo aduzir justamente que tinha o direito de não saber que é portador
de determinada doença, ainda que o conhecimento desta tenha se dado
de forma involuntária. Tal proceder aproxima-se, em muito, da defesa em
juízo da própria torpeza, não merecendo, por isso, guarida do Poder
Judiciário;
V - No caso dos autos, o exame efetuado pelo Hospital não contém
equívoco, o que permite concluir que o abalo psíquico suportado pelo
ora recorrente não decorre da conduta do Hospital, mas sim do fato de o
recorrente ser portador do vírus HIV, no que o Hospital-recorrido, é certo,
não possui qualquer responsabilidade;
VI - Sob o enfoque do interesse público, assinala-se que a opção de o
paciente se submeter ou não a um tratamento de combate ao vírus HIV,
que, ressalte-se, somente se tornou possível e, certamente, mais eficaz
graças ao conhecimento da doença, dado por ato involuntário do
Hospital, é de seu exclusivo arbítrio. Entretanto, o comportamento
destinado a omitir-se sobre o conhecimento da doença, que, em última
análise, gera condutas igualmente omissivas quanto à prevenção e
disseminação do vírus HIV, vai de encontro aos anseios sociais;
VII - Num momento em que o Poder Público, por meio de exaustivas
campanhas de saúde, incentiva a feitura do exame anti HIV como uma
das principais formas de prevenção e controle da disseminação do vírus
HIV, tem-se que o comando emanado desta augusta Corte, de
repercussão e abrangência nacional, no sentido de que o cidadão teria o
direito subjetivo de não saber que é soropositivo, configuraria indevida
sobreposição de um direito individual (que, em si não se sustenta, tal
como demonstrado) sobre o interesse público, o que, data maxima venia,
não se afigura escorreito;
VII - Recurso Especial improvido.

51
(REsp 1195995/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão
Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe
06/04/2011)

* Para todos verem: mapa mental sobre direitos de personalidade

04. Pessoa jurídica e domicílio


4.1 Pessoas Jurídicas
As pessoas jurídicas são o resultado da associação humana, ou seja, a criação da pessoa
jurídica se dá por um ser humano, mas não há confusão entre a pessoa jurídica e a pessoa física.
A existência e o patrimônio são distintos. Em razão disso, o direito passou a reger essas
entidades e conceder personalidade jurídica, de forma a viabilizar sua atuação funcional e
realização de seus objetivos.

4.1.1 Pressupostos existenciais


Para a existência da pessoa jurídica, necessária a configuração de três pressupostos:

4.1.2 Vontade humana criadora: A manifestação da vontade dos indivíduos que compõe a
pessoa jurídica é indispensável para sua existência. Não há como se compreender a formação
de uma pessoa jurídica por determinação estatal, por exemplo.

4.1.3 Observância das condições legais para a instituição: devem ser cumpridas as
exigências legais para que a pessoa jurídica passe a existir e ser dotada de personalidade
52
jurídica. Assim, há a necessidade de que os atos constitutivos da pessoa jurídica (estatuto
social ou contrato social) sejam registrados no registro peculiar (registro das pessoas
jurídicas). Dependendo do tipo de atividade, há, também, a necessidade de autorização
do governo para o funcionamento (ex.: companhias de seguro).

4.1.4 Licitude do objeto: o objeto da pessoa jurídica (a atividade a ser desenvolvida) deve ser
lícito e não ser proibido pelo sistema jurídico, ou seja, não é possível uma pessoa jurídica
criada para comercialização de drogas ilícitas.
4.2 Surgimento da pessoa jurídica – início da personalidade
A pessoa jurídica, por sua vez, surge por obra humana (atos bilaterais – criação por
contrato ou unilaterais – criação por testamento) e com a inscrição dos atos constitutivos no
registro competente. É nesse sentido a determinação do art. 45, CC:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado
com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida,
quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo,
averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato
constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das
pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo,
contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Dessa forma, o registro da pessoa jurídica tem caráter constitutivo, atribuindo-lhe


personalidade. Referido registro deverá ser feito no registro civil das pessoas jurídicas ou na
junta comercial (para as sociedades mercantis).
* Para todos verem: esquema

O registro deverá declarar, nos termos do art. 46, CC:


Art. 46. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social,
quando houver;

53
II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos
diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente,
judicial e extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de
que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas
obrigações sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu
patrimônio, nesse caso.

A pessoa jurídica só surge no momento do seu registro. Antes disso, não se fala em pessoa
jurídica enquanto sujeito de direito. Assim, antes de realizado o registro civil da pessoa
jurídica, só se pode falar em sociedade irregular ou de fato, que é a pessoa jurídica desprovida
de personalidade jurídica, mas com capacidade para se obrigar perante terceiros. A disciplina
desse tipo societário é trazida pelo livro referente ao Direito de Empresa, no Código Civil, no art.
986, CC:
Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a
sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste
Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem
compatíveis, as normas da sociedade simples.

Assim, se a sociedade é irregular, a responsabilidade dos sócios é ilimitada e


subsidiária, ou seja, só após de exaurir os bens da empresa é que o sócio poderá ser
demandado (art. 989, CC + art. 1.024, CC):
Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas
obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024,
aquele que contratou pela sociedade.

Assim, existe o benefício de ordem (executar primeiro os bens da sociedade para, depois,
os do sócio), mas não para o sócio que contratou pela sociedade (sócio representante).
Uma questão se impõe: uma sociedade foi criada em 01/06/2011, mas só foi registrada em
03/04/2012. Durante este período realizou negócios jurídicos. Como ficará esta situação?
Durante o período em que não houve o registro a sociedade é irregular e, com isso, há a
responsabilidade ilimitada dos sócios. Após o registro, passará a existir a personalidade jurídica
da sociedade e, em razão disso, será diferida da personalidade de seus sócios.

54
Contudo, a constituição irregular da sociedade/pessoa jurídica não é justificativa para que
os contratantes se neguem a pagar o valor devido à pessoa jurídica.

4.3 Extinção das pessoas jurídicas – fim da personalidade


A dissolução da pessoa jurídica poderá ocorrer de forma convencional, administrativa ou
judicial.
Convencional: os integrantes da pessoa jurídica deliberam e resolvem colocar fim nas suas
atividades. Deve respeitar o estatuto social ou contrato social.
Administrativa: há a dissolução administrativa quando houver a cassação da autorização
de funcionamento que possa ser exigida para determinadas sociedades funcionarem.
Judicial: o juiz, por sentença, determina sua extinção, a requerimento de qualquer dos
sócios.
O art. 51, CC, define a forma de dissolução da pessoa jurídica:
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a
autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de
liquidação, até que esta se conclua.
§ 1o Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a
averbação de sua dissolução.
§ 2o As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que
couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.
§ 3o Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição
da pessoa jurídica.

A “morte” da pessoa jurídica só ocorre com a liquidação. Havendo dissolução da


sociedade, o patrimônio que sobrar após a liquidação, pagamento de eventuais débitos, etc,
deverá ser partilhado entre os sócios, conforme a participação de cada um, exceto no caso das
associações, conforme determina o art. 61,CC. Após a liquidação poderá haver o cancelamento
do registro da pessoa jurídica (correspondendo ao registro do óbito na pessoa natural).

4.4 Classificação ou categorias das pessoas jurídicas


O art. 40, CC afirma existirem pessoas jurídicas de direito público (interno ou externo) e de
direito privado.

55
* Para todos verem: esquema

São pessoas jurídicas de direito público interno a União, Estados, Distrito Federal,
Territórios, Municípios, autarquias e demais entidades de caráter público.
São pessoas jurídicas de direito público externo as organizações internacionais (ONU, OIT,
etc) e a Santa Sé ou outras entidades congêneres.
Para o direito civil interessam apenas as associações, sociedades e fundações.

a) Associações
Nos termos do art. 53, CC, as associações são entidades, formadas pela união de
indivíduos, que tem como objetivo fim não econômico. Não são, portanto, empresas. Não
visam lucro. Podem ter lucro, mas não podem ter fins lucrativos. Seus lucros devem ser
revertidos para a própria associação. O que não há, neste caso é a partilha de dividendos
advindos da sociedade. A receita obtida serve para reverter em benefício da própria associação,
visando a melhoria das atividades.
Não existem direitos e obrigações recíprocos entre a associação e os associados (art. 53,
§único, CC). Dessa forma, o associado constitui-se de uma individualidade, com seu patrimônio,
direitos e obrigações próprios e, a associação, outra individualidade, com seus bens, obrigações
e direitos, sem que haja reciprocidade.
Sua criação se dá através de estatuto, nos termos do art. 54, CC, que faz a previsão do que
é necessário conter no estatuto das associações, no mínimo:
Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:
I - a denominação, os fins e a sede da associação;

56
II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;
III - os direitos e deveres dos associados;
IV - as fontes de recursos para sua manutenção;
V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos
deliberativos;
VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a
dissolução.
VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas
contas.

A aquisição da personalidade pela associação só ocorre quando, após elaborado o


estatuto este for registrado.
O art. 55, CC afirma que os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá
instituir categorias com vantagens especiais como, por exemplo, as categorias de “sócio”, “sócio-
proprietário”, “sócio torcedor”, enfim.
O art. 56, CC determina que salvo disposição expressa no estatuto, a qualidade de
associado é intransmissível.
A exclusão só pode ocorrer nos termos previstos no estatuto, sendo assegurado o
contraditório e a ampla defesa (art. 57, CC).
A Assembleia Geral é o órgão máximo da associação, ainda que, no geral, o estatuto
autorize a composição de um Conselho Administrativo (Diretoria) e do
Conselho Fiscal. Compete à Assembleia Geral destituir os administradores e alterar o estatuto
(art. 59, CC). A Assembleia com esse fim deve ser convocada especialmente para tanto,
conforme o quórum estabelecido no estatuto. Há a garantia de convocação da Assembleia
Geral por 1/5 dos associados (art. 60, CC), não podendo o estatuto estabelecer quórum maior.
Ninguém é obrigado a manter-se preso à associação, de forma que o associado pode, a
qualquer tempo, desligar-se da corporação. Nestes termos, o art. 5.º, XX, CF. Mas o direito de
retirado não exime o associado das obrigações assumidas.
No caso de dissolução da sociedade, o patrimônio líquido deverá ser transferido para outra
entidade sem fins lucrativos, estabelecida no estatuto (art. 61). Caso não haja previsão no
estatuto, caberá aos associados deliberarem uma entidade, de fins semelhantes ou idênticos
para a qual será destinado o patrimônio.

b) Sociedades
O Código Civil de 2002 revogou a parte inicial do Código Comercial, passando, dessa
forma, a disciplinar a matéria relativa ao direito societário. No Direito Civil trabalha-se apenas
com noções gerais a respeito do direito societário, já que existe matéria específica com este fim.
57
De qualquer forma, sociedade pode ser conceituada como sendo uma agregação de
pessoas com mesmos objetivos e fins econômicos – pretende ganhar dinheiro. Ex.: floricultura,
empresa de ônibus, etc.
O objetivo da sociedade é exercer uma atividade econômica e partilhar os lucros.
Constitui-se via contrato social, através da união de duas ou mais pessoas, nos termos do art.
981, CC:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente
se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de
atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou
mais negócios determinados.

As sociedades podem ser empresárias ou simples. Empresárias, que são as que exploram
empresa, desenvolvem atividade econômica de circulação de bens ou serviços. Empresário, por
sua vez, é aquela pessoa que desenvolve profissionalmente a atividade econômica organizada
(art. 966, CC). Simples são as que exploram atividades econômicas específicas. (art. 982, CC). As
sociedades simples foram introduzidas pelo novo Código Civil em substituição às sociedades
civis, abrangendo aquelas sociedades que não exercem atividade própria de empresário sujeito
a registro (art. 982), isto é, atividades não empresariais ou atividade de empresário rural. Ex.:
sociedade de advogados.
A sociedade só adquire personalidade com o registro de seus atos constitutivos no
Registro Público de Empresas Mercantis – Junta Comercial dos Estados (se empresária) ou no
Registro Civil das Pessoas Jurídicas 9se não empresárias).

c) Fundações
As fundações são patrimônios personalizados, pois não são compostas, não resultam da
união de pessoas, mas sim da afetação de um patrimônio. A finalidade da fundação está
determinada na lei, não podendo ser criadas fundações para fins diferentes daqueles previstos
no art. 62, CC:
Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura
pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o
fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins
de:
I – assistência social;
II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III – educação;
58
IV – saúde;
V – segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;
VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de
informações e conhecimentos técnicos e científicos;
VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos
humanos;
IX – atividades religiosas;

Para a criação da fundação, o instituidor determina que seu patrimônio (e os frutos dele)
seja empregado na concretização dos fins por ele escolhidos (dentre o rol do parágrafo único do
art. 62, CC. O instituidor via testamento ou escritura pública, afeta seu patrimônio, definindo o
fim para o qual se destina.
Para a criação de uma fundação devem ser seguidas algumas etapas:
1)Afetação de bens livres por meio de ato de dotação patrimonial: deve ser destacada
uma parcela do patrimônio pessoal do instituidor, composta por bens móveis e/ou
imóveis.
2) Instituição por escritura pública ou testamento: não é possível por escrito particular,
apenas nestas formas.
3) Elaboração dos estatutos: o próprio instituidor pode elaborar o estatuto da fundação
(forma direta) ou determinar que alguém o faça.
4) Aprovação dos estatutos: o MP tem o dever de aprovar os estatutos da fundação, com
recurso ao juiz, em caso de discordância.
5) Realização do registro civil: deve ser feito o registro dos atos constitutivos no Cartório
do Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Se os bens destinados forem insuficientes para constituir a fundação, se nada dispor o


instituidor, serão incorporados em outra fundação que tenha fim igual ou semelhante (art. 63,
CC).
Com relação ao estatuto social da fundação, poderá ser alterado, desde que o art. 67, CC
seja observado:
Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a
reforma:
I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e
representar a fundação;
59
II - não contrarie ou desvirtue o fim desta;
III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de
45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual ou no caso de o Ministério Público
a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado.

Não havendo aprovação unânime, o art. 68, CC prevê que os administradores da fundação
deverão submeter o estatuto ao MP, sendo dado vista a parte vencida para impugnação.
Caso houver desvirtuamento da finalidade da função ou, caso o prazo da existência tenha
se expirado, define o art. 69, CC que o MP promoverá a extinção da fundação e seu patrimônio
será incorporado em outra fundação com fim semelhante ou igual, designada pelo juiz, salvo se
houver disposição contrário no ato constitutivo.
Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a
fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério
Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção,
incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato
constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que
se proponha a fim igual ou semelhante.

A extinção da fundação também faz cessar a personalidade jurídica da fundação,


necessitando a liquidação do passivo e do ativo, quando, só então, o restante do patrimônio
poderá ser destinado a outra fundação com fim igual ou semelhante.

d) Organizações religiosas
Organizações religiosas são os agrupamentos de pessoas, cujo propósito é o culto da fé,
possuindo doutrina e rituais próprios. Enquadram-se Igrejas, seitas, confrarias ou irmandades.
Visam a manifestação da espiritualidade humana. É livre a criação de organizações religiosas,
por força do art. 44, § 1.º, CC, bem como do art. 19, I, da CF.

e) Partidos políticos
Partidos políticos são associações de pessoas, unidas por uma ideologia ou interesses
comuns, que, organizadas estavelmente, influenciam a opinião popular e a orientação política
do país2.
É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, tendo como
limitações a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos
fundamentais da pessoa humana.

2
BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de direito constitucional. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 882.
60
O art. 17, CF, prevê, ainda, alguns preceitos que devem ser observados:
• Caráter nacional: aquele que tiver repercussão no Brasil inteiro, não sendo possível
partido que atue em apenas uma região. Serve para evitar que interesses de
grupos minoritários e que não representem toda a sociedade venham a ter
legitimidade.
• Proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo
estrangeiros ou de subordinação a estes: controle financeiro que se embasa na
soberania nacional – evita que o Brasil fique subordinado a capital estrangeiro.
• Prestação de contas à Justiça Eleitoral: trata-se de regra que, contudo, sabe-se
não é cumprido, pois, se fosse, não haveria “caixas dois” ou “recursos não
contabilizados”.
• Funcionamento parlamentar de acordo com a lei: a lei é que define os critérios
aferidores do status de nacional.

Autonomia dos partidos políticos – os partidos possuem autonomia para definir sobre
sua organização interna, estatuto, forma de escolha dos candidatos, critérios de filiação, etc.,
devendo, contudo, obedecer às normas de fidelidade e disciplina partidárias. Assim, o Estado
não pode intervir nos partidos políticos que, devem estar de acordo com as diretrizes legais.
Registro partidário – os partidos só adquirem personalidade jurídica depois de efetuarem
o registro de seus estatutos na forma da lei civil e no TSE (art. 17, § 2.º, CF).

f) Empresas individuais de responsabilidade limitada


São pessoas jurídicas constituídas por apenas uma pessoa. Essa modalidade de pessoa
jurídica possui responsabilidade limitada ao capital integralizado (art. 980-A, CC).

4.5 Capacidade e representação da pessoa jurídica


A personalidade jurídica da pessoa jurídica é adquirida com o registro dos atos
constitutivos.
Deve-se considerar, ainda, o art. 52, CC estabelece que, no que couber, serão estendidos às
pessoas jurídicas os direitos da personalidade das pessoas naturais (integridade moral, imagem,
segredo, etc).
A capacidade da pessoa jurídica é especial, de forma que seu campo de atuação está
delimitado no contrato social, estatuto ou na própria lei. Não pode, portanto, praticar negócios
jurídicos que extrapolem sua finalidade social.
Além disso, para o exercício da capacidade, por não ser pessoa física, a pessoa jurídica
demanda a existência de órgãos de representação. Assim, são as pessoas físicas que compõe o

61
órgão de representação ou conselho deliberativo que irão atuar em nome da pessoa jurídica.
Nesse sentido:
Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos
nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.
Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se
tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo
dispuser de modo diverso.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que
se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas
de erro, dolo, simulação ou fraude.
Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a
requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador
provisório.

4.6 Responsabilidade civil e penal das pessoas jurídicas


O exercício das atividades da pessoa jurídica está sujeito, como em qualquer atividade
humana, ao cometimento de atos ilícitos. No que se refere às atividades empresariais, essa
possibilidade torna-se aumentada, pelo fato de que seu objetivo é o lucro. Esse crescimento da
criminalidade empresarial vem sendo relacionado ao surgimento das grandes sociedades
multinacionais. Além disso, a maior parte dos ilícitos ocorre no âmbito econômico e ambiental.
A penalização, contudo, será no âmbito da imposição de multas e penas restritivas de direitos
(art. 21, Lei 9.605/98).
Todos os atos ilícitos praticados pelos representantes legais da pessoa jurídica, esta última
responderá, com seu patrimônio.
Com relação a responsabilidade civil, independentemente da natureza da pessoa jurídica
(direito público ou privado), haverá a responsabilidade de cumprimento da obrigação contraída,
respondendo, a pessoa jurídica, pelo inadimplemento contratual, nos termos do art. 389, CC.
4.7 Desconsideração da personalidade jurídica
A pessoa física e a jurídica são separadas. Possuem patrimônios e responsabilidades
separados. Contudo, podem haver casos de desvio de finalidade (atividades realizadas por
meio da pessoa jurídica não são relacionadas com a atividade-fim dela, visando beneficiar seus
integrantes) ou de confusão patrimonial (não se consegue distinguir o patrimônio particular e
o patrimônio da pessoa jurídica).
Para essas situações, ou seja, para os casos de desvio de finalidade e confusão patrimonial,
o sistema jurídico, em razão da potencial lesividade das ações, criou a possibilidade da
desconsideração da personalidade jurídica.

62
O objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) é
coibir a fraude, sem que, com isso, o instituto da autonomia da pessoa jurídica seja
comprometido. Significa dizer que a desconsideração da personalidade jurídica não coloca em
xeque a personalidade jurídica da empresa, mas tão somente, em certos casos, visando, coibir
fraudes ou abuso de poder, desconsidera a personalidade jurídica da empresa, para atingir o
patrimônio pessoal dos sócios.
A previsão da desconsideração da personalidade jurídica está no art. 50, CC3:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica
beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela
Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização
dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a
prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Medida
Provisória nº 881, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de
fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Medida
Provisória nº 881, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do
administrador ou vice-versa; (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de
2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações,
exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela
Medida Provisória nº 881, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
(Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

3
A redação originária do art. 50 do Código Civil é: “Em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz
decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

63
§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das
obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído
pela Medida Provisória nº 881, de 2019)
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos
requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Medida Provisória nº
881, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da
finalidade original da atividade econômica específica da pessoa
jurídica. (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

Essa doutrina visa, em certos casos, desconsiderar a personalidade jurídica, a fim de


atingir o patrimônio pessoal dos sócios, reconhecendo sua responsabilidade.
Não se trata de declarar nula a personalidade, mas sim de tornar a personalidade jurídica
ineficaz em certos casos. Assim, desconsiderando-se a personalidade jurídica das empresas, nos
casos concretos, pode-se evitar o abuso de direito ou as fraudes praticadas por meio de pessoas
jurídicas. Contudo, a desconsideração não importa em desfazimento do ato constitutivo da
empresa, não o invalida, nem mesmo importa na dissolução da empresa. Significa dizer que a
desconsideração se aplica exclusivamente ao caso em julgamento, permanecendo a autonomia
patrimonial para todo o restante dos negócios (ineficácia episódica).
Existem teorias sobre a desconsideração da personalidade jurídica: teoria maior (objetiva
e subjetiva), teoria menor e teoria inversa.
A teoria objetiva dispensa a intenção de lesar, aplicando-se nos casos de confusão
patrimonial, por má administração, mesmo que não haja necessária intenção de fraudar.
Significa dizer que, se a sociedade paga dívidas do sócio ou se o sócio recebe créditos da
sociedade ou, ainda, se existem bens do sócio registrados em nome da empresa ou vice-versa;
nestes casos, há confusão patrimonial, indicativa de intuito fraudulento. Assim, a formulação
objetiva facilita a prova em juízo do intuito fraudulento, já que, muitas vezes, o pressuposto
subjetivo (intuito fraudulento) é quase que impossível de ser demonstrado.
A teoria subjetiva exige o pressuposto intenção de lesar, aplicando-se nos casos de desvio
de finalidade. Neste caso há a intenção de fraudar os credores.
A teoria menor aceita a desconsideração em outros casos, além dos de abuso da
personalidade jurídica da pessoa jurídica. É a utilizada pelo CDC, por exemplo (art. 28, CDC).
A teoria inversa serve para os casos em que se busca responsabilizar a pessoa jurídica por
obrigações de seus sócios, nas situações em que ele abusa da pessoa jurídica, transferindo bens,
visando ocultá-los. Assim, essa desconsideração inversa visa coibir a fraude do desvio de bens,
quando o sócio desvia patrimônio particular para a empresa na qual detém o controle absoluto.
64
Dessa forma, seus credores pessoais não podem executar tais bens por dívidas da pessoa física.
Os casos mais típicos de desconsideração inversa são os de família (alimentos e partilha de bens
do casal). Se um dos cônjuges adquire bens de maior valor e os registra em nome da pessoa
jurídica, estes bens não são partilhados.

4.8 Grupos despersonalizados ou entes de capacidade reduzida


Existem entidades que não podem ser consideradas pessoas jurídicas por lhe faltarem
requisitos para subjetivação. São entres que se formam independentemente da vontade dos
seus membros, sem que exista o affectio societatis.
São sujeitos de direitos, de forma que gozem de personalidade, embora não possam ser
classificados como pessoas jurídicas, nem como pessoas naturais. Possuem a capacidade de
direito reduzida, se comparado com outras categorias. Possuem capacidade de atuar em juízo.
Dentre os grupos despersonalizados, pode-se destacar:
a) Família: o agrupamento familiar, constituído pelo conjunto de pessoas que a compõe
(Mãe, Pai e filhos, p.ex.) e a massa comum de bens, não possui personalidade jurídica.
Não há responsabilidade da família por eventuais débitos, mas só de seus membros.
b) Massa falida: trata-se do acervo de bens deixados pelo falido após a sentença
declaratória de falência. A massa falida exerce os direitos do falido, podendo agir,
inclusive, contra ele. É representada pelo síndico.
c) Herança jacente e vacante: art. 1.819 a 1.823, CC: conjunto de bens deixados pelo de
cujus enquanto não entregues para o sucessor devidamente habilitado. Quando abre-
se a sucessão (com a morte do indivíduo), sem que deixe testamento conhecido ou
herdeiros conhecidos, diz-se que a herança é jacente. É um acervo de bens
administrado por um curador até a habilitação dos herdeiros. A herança é considerada
vacante após a declaração de jacência, arrecadação e praticadas todas as exigências
legais, caso não apareçam herdeiros.
d) Espólio: complexo de direitos e obrigações do falecido (bens de toda a natureza).
Surge com a abertura da sucessão (morte), sendo representada pelo administrador
provisório até a nomeação do inventariante. Após o julgamento da partilha desaparece
o espólio, sendo substituído pelo herdeiro a quem coube o direito ou a coisa.
e) Condomínio: duas pessoas são co-proprietárias de um mesmo bem. Cada co-
proprietário tem direito sobre o todo e cada uma das partes. É administrado pelo
síndico, que é eleito e age em nome dos condôminos. O condomínio é registrado e
possui CNPJ. Não é pessoa jurídica, mas possui personalidade, podendo atuar, efetuar
contratos.

65
4.5 Domicílio
Domicílio tem a ver com morada, residência, local onde se localiza. Pode ser civil (local de
residência) ou político (local de votação). Os arts. 70 a 78 tratam do domicílio, tanto da pessoa
natural, quanto da pessoa jurídica.

4.5.1 Domicílio da pessoa natural


Domicílio é o lugar onde a pessoa natural estabelece sua residência com ânimo definitivo,
bem como o centro de suas atividades. Como o Direito vive de obrigações, para que se possa
dar cumprimento às obrigações é necessário que as pessoas tenham um local no qual possam
ser encontradas. Trata-se do domicílio civil das pessoas naturais.
O domicílio tem uma importância ímpar no direito brasileiro, pois é a partir dele que se
definem as competências para a proposição das ações (o foro comum é o do domicílio do réu –
art. 46, CPC/2015; o domicílio do autor da herança é o competente para o inventário e a partilha
– art. 48, CPC/2015, etc).
Mas, afinal, o que pode ser considerado domicílio da pessoa natural? O lugar onde ela
estabelece sua residência de modo definitivo ou o centro da sua atividade laboral.
Segundo Gagliano e Pamplona Filho (p. 291), o domicílio da pessoa natural é “o lugar onde
estabelece residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de
seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional”.
Nesse sentido, os arts. 70 e 72, CC definem o domicílio da pessoa natural:
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua
residência com ânimo definitivo.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações
concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.

* Para todos verem: esquema

Então, DOMICÍLIO ≠ MORADA ≠ RESIDÊNCIA.


MORADA = lugar onde a pessoa se estabelece provisoriamente. Ex.; aluno contemplado
com uma bolsa de estudos no exterior. Permanece lá por 6 meses ou 1 ano. Trata-se de morada
e não de domicílio.

66
RESIDÊNCIA = há uma estabilidade maior, sendo considerado como local onde ela se
estabelece habitualmente. Ex.: sujeito que mora em uma cidade, sendo ali encontrado
habitualmente. É a residência do indivíduo.
DOMICÍLIO = é mais complexo. Abrange a noção de residência (e, por consequência, de
morada), adicionando o propósito de ali permanecer com âmbito definitivo.
Assim, para que se configure o domicílio, necessária a presença de dois elementos: o
objetivo (residência) e o subjetivo (ânimo definitivo, de fixar-se permanentemente). É a
conjunção desses elementos que forma o domicílio.
Nesse sentido, a residência é um dos elementos do domicílio, mas não é o reflexo dele.
Residência indica a radicação do indivíduo em determinado lugar. O domicílio, por sua vez,
estabelece uma situação jurídica.

Uma mesma pessoa pode ter um só domicílio, mas mais de uma residência (domiciliada
em Santa Cruz do Sul, mas com casa na praia), mas também pode ter mais de um domicílio.
Dessa forma, o Direito Civil admite a pluralidade de domicílios, quando o indivíduo tenha
diversas residências, vivendo nelas de forma alternada (art. 71, CC):
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde,
alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.

Ou, ainda, prevê o § único do art. 72 que havendo diversos locais de trabalho, também
haverá a pluralidade de domicílios:
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos,
cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe
corresponderem.

Ex.: João mora com a família em Santa Cruz do Sul. Tem escritório profissional em Santa
Cruz, Venâncio e Rio Pardo, comparecendo neles em dias alternados. Qualquer um desses
locais será considerado domicílio de João, podendo ser citado em qualquer deles (art. 46, § 1.º,
CPC/2015).
Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens
móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.
§ 1o Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de
qualquer deles.

Se, contudo, a pessoa não tem residência habitual, será considerado seu domicílio o local
onde for encontrada (art. 73, CC). Ex.: ciganos, viajantes.

67
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha
residência habitual, o lugar onde for encontrada.

As pessoas podem mudar de domicílio e, para tanto, não basta alterar o endereço, mas
deve haver a intenção manifesta de mudar – art. 74, CC
Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção
manifesta de o mudar.
Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a pessoa
às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais
declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a
acompanharem.

4.5.2 Domicílio das pessoas jurídicas


O domicílio da pessoa jurídica de direito privado é a sua sede, que está indicada no ato
constitutivo. Trata-se do domicílio especial da pessoa jurídica. Não havendo tal fixação, será
domicílio da pessoa jurídica onde funcionarem as diretorias ou administrações. Caso a pessoa
jurídica possua filiais em diferentes localidades, cada um deles será o domicílio da pessoa
jurídica, para os atos nele praticados (art. 75, IV e § 1.º, CC).
Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I - da União, o Distrito Federal;
II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as
respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio
especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
§ 1o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares
diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele
praticados.
§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-
se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas
por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no
Brasil, a que ela corresponder.

Nesse sentido, o STF sumulou (súmula 363), a questão do domicílio da pessoa jurídica: “a
pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência ou do
estabelecimento em que se praticou o ato”.

68
Se a administração for no exterior, o domicílio será o lugar do estabelecimento situado no
Brasil (§ 2.º).

4.5.3 Espécies de domicílio


O domicílio é classificado em voluntário e necessário.
O domicílio voluntário divide-se em: geral e de eleição.
O domicílio voluntário é aquele que depende da vontade exclusiva do interessado (local
onde se escolhe para ser a residência com ânimo definitivo).
O domicílio geral é o relativamente aos atos praticados pela pessoa em geral.
O domicílio de eleição é o derivado de contrato (art. 78, CC) – foro de eleição escolhido
pelas partes para propor ações relativas a obrigações (art. 62, CPC/2015).
CC, Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar
domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles
resultantes.

Art. 62. A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou


da função é inderrogável por convenção das partes.

O domicílio necessário divide-se em: de origem e legal.


O primeiro domicílio das pessoas – domicílio de origem – é o de seus pais, à época do seu
nascimento.
O domicílio necessário ou legal é o decorrente de determinação normativa, como, por
exemplo, o domicílio do servidor público (art. 76, CC):
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o
marítimo e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou
assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer
permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da
Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar
imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver
matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.

Por fim, há o domicílio do agente diplomático do Brasil. Havendo citação do agente


diplomático no exterior, se alegar a extraterritorialidade, deverá indicar seu domicílio no Brasil.
Em não indicando, poderá ser acionado tanto no Distrito Federal, quanto no último lugar onde
teve domicílio no Brasil.

69
* Para todos verem: mapa mental sobre pessoa jurídica e esquema sobre domicílio

70
05. Bens jurídicos e bem de família
5.1 Bens Jurídicos
Bem é tudo aquilo que possa corresponder às solicitações de nossos desejos. Assim, na
relação jurídica, o bem é o objeto sobre o qual desenvolve-se o poder de fruição da pessoa.
Assim, bem jurídico, segundo Gagliano e Pamplona Filho (p. 301) podem ser conceituados
como “toda a utilidade física ou ideal, que seja objeto de um direito subjetivo”.
Dessa forma, todo bem econômico é jurídico, mas nem todo bem jurídico é econômico
(personalidade – direito à imagem, por exemplo). Isto porque, existem bens jurídicos que não
podem ser avaliados pecuniariamente.

5.1.1 Bem x coisa


Não há consenso na doutrina para diferenciar coisas e bens. Para alguns, coisas são
gêneros e bens, espécies. Para outros, bens são gênero e coisas, espécie. Para outros, ainda,
tratam-se de sinônimos, havendo coincidência na significação.
Entende-se, com base em Gagliano e Pamplona Filho (p. 304) que coisas são os bens
corpóreos, materiais e, portanto, suscetíveis de valoração econômica. Ex.: casa, carro. Os bens,
por sua vez, são tanto os objetos corpóreos e materiais (coisas) quanto os ideais e imateriais, de
forma a justificar que a liberdade, a honra, a imagem, a vida de alguém possa ser considerado
como bem jurídico (ainda que não seja uma coisa).

5.2 Patrimônio jurídico


Patrimônio é o conjunto de bens, dívidas e obrigações pertencentes a um titular, ou seja, o
complexo de relações jurídicas de uma pessoa que tenham valor econômico. Ficam, dessa
forma, excluídos os chamados “direitos extrapatrimoniais”, ou seja, aqueles que, por não terem
valor pecuniário, não podem ser cedidos.
A ideia de patrimônio envolve toda a gama de relações jurídicas, ou seja, tanto os direitos,
quanto as obrigações (crédito e débito).

5.2.1 Classificação dos bens jurídicos


A classificação dos bens jurídicos é feita a partir de critérios de importância. O Código Civil
de 2002 traz uma classificação diferente da que existia no CC/1916. Dessa forma, o bem de
família, por exemplo, foi deslocado da Parte Geral, para a parte relativa ao direito de família.

71
* Para todos verem: esquema

5.2.2 Dos Bens Considerados em si mesmos – art. 79 a 91, CC


a) CORPÓREOS E INCORPÓREOS
Embora esta classificação não esteja prevista, é de grande utilidade. Dessa forma, existem
bens com existência material (corpóreos), quando são perceptíveis aos nossos sentidos – bens
móveis (livros, joias) e imóveis (terrenos, casas). Existem outros bens – os incorpóreos – que são
bens abstratos, não tangíveis, de forma que possuem apenas existência jurídicas, mas não
corpórea (física) – ex.: os direitos sobre o produto do intelecto (direitos autorais), que possuem
valor econômico, mas não são palpáveis.
A diferença mais marcante entre eles, enquanto relações jurídicas, é que, no caso dos
primeiros – corpóreos – a transmissão se dá via compra e venda e, no caso dos segundos –
incorpóreos – através da cessão.

72
b) BENS MÓVEIS E IMÓVEIS
BENS IMÓVEIS são aqueles que não podem ser transportados de um lugar para outro,
sem que sua substância se altere. Ex.: terreno urbano. Há a necessidade de uma solenidade para
sua transmissão/tradição (contrato), que se perfectibiliza com o registro.
BENS MÓVEIS são passíveis de deslocamento, quebra, fratura. Ex.: livros, computador. Há,
ainda, os bens que possuem movimento próprio. Neste caso, ainda que se enquadrem na
classificação de bens móveis, são chamados de semoventes (animais – bovinos, equinos, ovinos,
caprinos, etc). Não há necessidade de solenidade para sua transferência, bastando a tradição.

* Para todos verem: quadro

Escritura pública – art. 108 + registro – Tradição – art. 1.226


TRANSMISSÃO
art. 1227

Acessão, usucapião e direito Usucapião, ocupação, achado de


AQUISIÇÃO hereditário – arts. 1.238 a 1.244, 1.248 e tesouro, especificação, confusão, etc
1.784 – arts. 1.260 a 1.274

Anuência do cônjuge, exceto no Independem de


ALIENAÇÃO/
regime de Separação Absoluta autorização/anuência.
HIPOTECA
(convencional) – art. 1.647, I

Prazos mais dilatados – de 5 a 15 Prazos mais exíguos – 3 e 5 anos.


USUCAPIÃO anos. Art. 1.260 e 1.261, CC
Art. 183, 191, CF; arts. 1.238 a 1.242, CC.

GARANTIA Hipoteca – art. 1.473 Penhor – art. 1.431

EMPRÉSTIMO/ Concessão de superfície – art. 1.369 Apenas contrato de mútuo – art. 586
CONCESSÃO

ITBI ou ITCMD ICM – Imposto sobre circulação de


TRIBUTÁRIO mercadorias – produtos
industrializados

DIREITO PENAL Não são objeto de furto ou roubo São objeto de furto ou roubo.

Os BENS IMÓVEIS classificam-se em:


• Imóveis por sua própria natureza – art. 79, CC, 1.ª parte + art. 2.229, CC
A rigor, apenas o solo, com sua superfície, subsolo e espaço aéreo é imóvel por natureza,
pois o que a ele adere será imóvel, mas por acessão.

73
• Imóveis por acessão natural, artificial ou industrial – art. 79, CC, 2.ª parte, CC
Acessão significa aderência a outra coisa.
Trata-se da hipótese em que árvores e todas as adjacências naturais se integrarem ao solo,
como pedras, fontes, cursos de água, que corram naturalmente.
Deve-se considerar, contudo, que, quando as árvores são plantadas para corte (acácia e
eucalipto, por exemplo) são consideradas móveis por antecipação e independem, para
alienação, de outorga uxória ou marital.
Há também a possibilidade de formação de ilhas, quando a natureza faz acréscimos ao
solo, de forma que insto se incorpora ao patrimônio do proprietário (art. 1.248, CC), de forma que
predomina a ideia de que o acessório segue o principal.
Além disso, o homem pode fazer com que móveis (materiais de construção, sementes) se
integrem ao solo, dando origem às acessões artificiais ou industriais. São acessões artificiais
porque dependem do trabalho humano. Ainda assim, integram o patrimônio do proprietário,
pois presume-se que toda plantação existente sobre o terreno foi feita pelo proprietário (art.
1.253, CC).
O art. 81 ainda faz a previsão de que as edificações, ainda que separadas do solo, mas
considerando sua unidade, se forem removidas para outro local, conservam o caráter de
imóveis (ex.: chalé/casa pré-fabricada, que pode ser transportada de um terreno para outro).

• Imóveis por determinação legal – art. 80, CC


Os direitos reais sobre imóveis (garantia, penhor, hipoteca, servidão, usufruto, etc) e as
ações que os asseguram, assim como o direito à sucessão aberta são considerados bens imóveis
por determinação legal.
Em ambas as situações previstas no art. 80 se tratam de bens imateriais (direitos, apenas),
que a lei lhe atribui condição de imóveis em razão de terem um caráter especial.
Dessa maneira, quando se trata de direitos reais, se houver qualquer transação quanto a
usufruto, p. ex., exige o registro competente – art. 1.227, CC, assim como a autorização do
cônjuge (art. 1.747, I, CC).
Quanto ao direito à sucessão aberta, ainda que os bens deixados pelo de cujus sejam
todos móveis (carros, tratores, caminhões, p.ex.), a sucessão em si, é considerada bem imóvel.
Isto porque, em primeiro lugar, o direito à sucessão é a ela como um todo e não quanto a
determinado (ou determinados) bem. Somente depois de realizada a partilha é se fala em bens
individualizados. Antes dela, a herança é um todo unitário. Nesse sentido, renúncia à herança ou
cessão de direitos hereditários deve ser feita através de escritura pública, não admitindo a forma
particular.

74
Classificação dos BENS MÓVEIS:
Os arts. 82 a 84, CC trazem a referência sobre os bens móveis.
• Móveis por sua própria natureza – art. 82, CC
Aqueles que podem ser transportados, através da força alheia, de um lugar para outro
sem que se altere sua substância – livro, carteira, bolsa, etc.
Aqui inclui-se a casa pré-fabricada antes de ser incorporada a algum terreno (enquanto
esteja a venda). Após ser assentada sobre o terreno, passará a ser imóvel.
Também são considerados móveis os materiais de construção, enquanto não forem
empregados na construção, enquanto estiverem a venda. Contudo, ainda que retirados da
construção, se houver a pretensão de reempregá-los, serão considerados como imóveis – ex.:
retirada de telhas para reforma das tesouras/madeiramento interno do telhado.

• Semoventes – art. 82, CC


Aqueles que se movimentam de forma própria – animais.

• Móveis por antecipação


São aqueles que, embora incorporados ao solo, não são considerados imóveis por se
destinarem a retirada, como, por exemplo, o caso das árvores destinadas a corte (mato de
acácia e eucalipto).
• Móveis por determinação legal – art. 83, CC
São bens imateriais que acabam por adquirir essa qualidade jurídica em razão da lei.
Podem ser cedidos independentemente de outorga uxória ou marital.
Neste caso incluem-se o fundo de comércio, quotas e ações de sociedades, direitos do
autor, créditos em geral.

c) BENS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS


Esta classificação está prevista no art. 85 do CC.
BENS FUNGÍVEIS são os que podem ser substituídos por outros de mesma espécie,
qualidade e quantidade. É uma classificação de bens móveis. Ex.: sofá, carteira, soja, dinheiro,
gêneros alimentícios.
BENS INFUNGÍVEIS são aqueles que em razão de sua natureza são insubstituíveis. Ex.:
quadro de um pintor famoso, escultura famosa, etc.
Normalmente a fungibilidade resulta da natureza do bem, que pode ser substituído por
outra de mesma espécie, quantidade e qualidade. Mas isto não é regra. A fungibilidade também
pode advir da vontade das partes, que poderão tornar um bem fungível em infungível.
Ex.: o dinheiro é um bem fungível, mas pode se tornar infungível para um colecionador.

75
Ex.: um boi é fungível, mas, emprestado ao vizinho para a lavoura, passa a ser infungível,
devendo ser devolvido, sem ser substituído por outro.
A importância da diferenciação entre bens fungíveis e infungíveis ocorre em razão dos
contratos de mútuo e comodato. O mútuo é o contrato para empréstimo de bens fungíveis. O
comodato, por sua vez, de bens infungíveis.
Empréstimo de dinheiro – mútuo – art. 586, CC – mútuo para a construção da casa própria,
p.ex. – Caixa Federal.
Empréstimo de aparelho de celular – comodato – art. 579, CC.

d) BENS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS


O art. 86 traz a diferenciação dos bens consumíveis e dos inconsumíveis.
BENS CONSUMÍVEIS são aqueles bens móveis cujo uso importa na destruição imediata
da coisa. Se destrói no primeiro uso. Ex.: alimentos.
BENS INCONSUMÍVEIS são aqueles que suportam o uso continuado, sem prejuízo do
perecimento natural e progressivo. Ex.: automóvel, roupa. (há o desgaste natural, mas não a
destruição no primeiro uso).
Interessante é a situação dos livros. Se estiverem nas prateleiras de uma livraria – para
serem vendidos – serão bens consumíveis. Já, se estiverem nas prateleiras de uma biblioteca –
apenas para serem usados, lidos e devolvidos – serão inconsumíveis.
Existem determinados direitos que não podem recair sobre bens consumíveis. É o caso do
usufruto (direito de uso), pois, neste caso, com o uso, haveria o perecimento do objeto e o
próprio usufruto desapareceria.

e) BENS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS


BENS DIVISÍVEIS são aqueles que podem ser fracionados, sem alteração na sua
substância, diminuição de valor ou prejuízo do uso, nos termos do art. 87, CC. Podem, portanto,
ser partidos em porções reais e distintas, formando, cada uma delas, um todo perfeito.
BENS INDIVISÍVEIS são aqueles que não podem ser fracionados, sob pena de se perder
sua substância e ter seu uso alterado. Ex.: relógio. Se for desmanchado, suas partes existirão,
mas não mais como um relógio.
Assim, podem ser indivisíveis:
- por sua natureza: os que não podem fracionar sem alteração na sua substancia,
diminuição de valor ou prejuízo do uso. Ex.: o animal, o relógio, um quadro, um brilhante.
- por determinação legal: a lei impede o fracionamento – servidões prediais (art. 1.386,
CC), hipoteca (art. 1.421), direito dos coerdeiros quanto à propriedade e posse da herança, até a
partilha (art. 1.791).

76
- por vontade das partes: o acordo entre as partes torna indivisa a coisa, por prazo não
maior que 5 anos, suscetível de prorrogação posterior (art. 1.320, § 1.º).

Se o bem for divisível, o proprietário pode alienar a terceiro, sem dar preferência aos
demais comunheiros. Se, contudo, o bem for indivisível, deverá dar preferência aos
comunheiros.
Ex.: área de terras em condomínio – deve dar preferência aos demais.
Ex.: apartamento em um edifício – não precisa dar preferência aos demais.

f) BENS SINGULARES E COLETIVOS


BENS SINGULARES são coisas consideradas em sua individualidade, representadas por
uma unidade autônoma e, por isto, distinta das outras. Podem ser simples, quando os
componentes (partes) estão ligadas naturalmente (cavalo, árvore) ou compostas, quando as
partes são ligadas em razão da ação humana (avião, relógio). Art. 89, CC
BENS COLETIVOS são os compostos de várias coisas singulares, mas considerados em
conjunto, como um todo homogêneo. Ex.: floresta, biblioteca. Compreende a universalidade de
fato, quando o agrupamento se dá pela vontade da pessoa (rebanho ou biblioteca) – art. 90, CC
– e a universalidade de direito, quando o agrupamento se dá pela lei (herança, massa falida) –
art. 91.

5.2.3 Dos Bens reciprocamente considerados


Leva em conta o liame jurídico entre o bem jurídico principal e o acessório.
Art. 92, CC.
a) Bem principal
É o que possui autonomia estrutural, que existe por si próprio, de forma autônoma. Ex.:
solo.

b) Bens acessórios
Pressupõe a existência do principal. Não existe por si próprio. Ex.: árvore (só existe se
houver o solo onde foi plantada).
A regra é o que a natureza do principal é a mesma do acessório. Ex.: se o principal é imóvel
(solo), o acessório também será (árvore). O acessório sempre segue o principal em seu destino.
Ex.: se for extinta a obrigação principal, a cláusula penal (acessória) também o será. O
proprietário do principal também o é do acessório.
Os bens acessórios classificam-se em: frutos, produtos, rendimentos e benfeitorias.

77
FRUTOS – são utilidades que a coisa principal produz periodicamente, cuja percepção
(uso) não diminui a sua substância. Nascem e renascem da coisa, sem acarretar-lhe a destruição
no todo ou em parte. Ex.: soja, maçã, terneiro, juros, aluguel. Se o uso/percepção inutilizar a coisa
principal, não há que se falar em frutos.
Caracterizam-se pela a) periodicidade; b) inalterabilidade da substância da coisa principal;
c) separabilidade desta.
A percepção dos frutos é importante, especialmente, quanto aos direitos reais, pois o
possuidor de boa fé (aquele que detém a posse de algo de boa fé) tem direito aos frutos
colhidos e percebidos, devendo restituir os pendentes ao tempo em que cessar a boa fé.
Os frutos podem ser:
Naturais: gerados pelo bem principal, sem a necessidade da intervenção humana direta.
Decorrem do desenvolvimento orgânico vegetal ou animal. Ex.: laranja, soja, crias de um
rebanho
Industriais: são decorrentes da atividade humana, surgem em razão da atuação ou
indústria do homem sobre a natureza. Ex.: produção de uma fábrica.
Civis: rendimentos produzidos pela coisa em virtude de sua utilização por outra pessoa
que não seja o proprietário. Ex.: juros ou aluguel.
Os frutos ainda podem ser: colhidos ou percebidos (se já foram retirados da coisa, mais
ainda existentes); pendentes (ainda estão ligados à coisa); percipiendos (deveriam ter sido
colhidos e não o foram); estantes (já destacados, mas que estão armazenados para a venda);
consumidos (não mais existem).

PRODUTOS – são utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, porque


não se reproduzem periodicamente. Ex.: pedras e metais que são extraídos das pedreiras e
minas. O que diferencia frutos e produtos é a alterabilidade da substancia principal.

RENDIMENTOS – tratam-se dos frutos civis. Ex.: alugueis e juros.

PERTENÇAS – são coisas acessórias que se destinam a conservar ou facilitar o uso das
coisas principais, sem que delas sejam parte integrante. Ex.,: máquinas utilizadas na fábrica,
implementos agrícolas, aparelhos de ar condicionado. Art. 93, CC.

BENFEITORIAS – são obras artificiais, realizadas pelo homem, na estrutura da coisa


principal – já existente – com o propósito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Ex.: cercas,
açudes, galpões, etc. Art. 96, CC.
São necessárias as benfeitorias realizadas para evitar um estrago iminente ou
deterioração da coisa principal (reparos realizados na viga; troca do telhado). São úteis aquelas
78
realizadas com o objetivo de facilitar a utilização da coisa (abertura de uma nova entrada para
servir de garagem para a casa). São voluptuárias aquelas feitas para o mero prazer, sem
aumento da utilidade da coisa (decoração do jardim). Art. 96, CC.
O problema das benfeitorias é que sua natureza não é de fácil percepção. Uma piscina
pode ser uma benfeitoria voluptuária em uma mansão; útil em uma escola ou necessária em
uma escola de natação.
O possuidor de boa-fé pode levantar as benfeitorias voluptuárias (se houver condições,
sem diminuir a coisa principal), e de ser indenizado pelas úteis e necessárias. Arts. 1.219 e 1.220,
CC.

5.2.4 Dos Bens Públicos e Particulares


Referem-se a titularidade do domínio.
São PARTICULARES os bens que são da iniciativa privada, cuja disciplina interessa ao
direito civil.
São PÚBLICOS são os pertencentes à União, Estados ou Municípios (art. 98, CC).
- Bens de uso comum do povo: bens públicos cuja utilização não se submete a qualquer
tipo de discriminação. São inalienáveis. O povo só tem direito de usar, mas não tem seu
domínio. Ex.: praias, ruas, estradas, praças.
- Bens de uso especial: bens públicos cuja fruição, por título especial, e na forma da lei é
atribuída a determinada pessoa. Normalmente destinam-se a prestação/execução de serviços
públicos (repartições públicas, secretarias, escolas, etc). São utilizados exclusivamente pelo
Poder Público.
- Bens dominicais: constituem-se do patrimônio das pessoas jurídicas de direito público,
como objeto de direito pessoal ou real de cada entidade. O Poder Público é o proprietário. Ex.:
terras devolutas, estradas de ferro, fazendas pertencentes ao Estado, etc. Caso não estejam
afetados a finalidade pública, poderão ser alienados (compra e venda, por exemplo).

5.2.5 Das Coisas que estão fora do comércio


Os bens que estão fora do comércio são todos aqueles que não podem ser vendidos,
trocados, doados, alugados, ou seja, que não podem ser objeto de relações jurídicas. Nesse
sentido, estão fora do comércio:
a) por serem naturalmente inapropriáveis, a luz solar, o ar atmosférico, a água do mar,
etc.
b) aqueles que a lei prevê como inalienáveis: bens público de uso comum e especial,
bens de incapazes, bens das fundações, bem de família, bens tombados, terras
ocupadas pelos indígenas, etc.

79
c) aqueles indisponíveis pela vontade humana: deixados em testamento ou doados,
com cláusula de inalienabilidade (arts. 1.848, 1.911).
d) os valores e direitos da personalidade – honra, liberdade, vida, órgãos do corpo
humano, etc.

5.2.6 Do Bem de Família


O direito à moradia é um direito fundamental social, garantido constitucionalmente,
através do art. 6.º, CF. A instituição de bem de família visa afetar bens para o destino especial de
abrigar a família, protegendo-os. Depois de instituído, o bem torna-se impenhorável por dívidas
posteriores a sua constituição, salvo as relativas aos impostos devidos pelo próprio prédio (IPTU
e ITR, p.ex.).
Tem por objetivo assegurar um lar à família, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos
posteriores a sua instituição, salvo os que provierem de tributos relativos ao próprio prédio ou
de despesas condominiais (IPTU, ITR, etc).

A. Espécies:
Existem duas espécies de bem de família: voluntário (decorre da vontade do instituidor,
devendo obedecer certos requisitos) e o legal (independe da vontade do instituidor, de forma
que a lei torna impenhorável o imóvel simplesmente pelo fato de o devedor residir nele).

a) Convencional/voluntário:
A instituição do bem de família voluntário pode ser feita pelo proprietário ou pela
entidade familiar (art. 1.711, CC). Uma vez que seja instituído um imóvel como bem de família,
não responde mais por dívidas futuras (mas responde pelas pretéritas), pois a
impenhorabilidade não possui efeito retroativo (1.715, CC).
O bem de família poderá ser instituído pelos cônjuges, companheiros, integrante-chefe da
família monoparental ou por terceiro, por ato inter vivos ou causa mortis (testamento), desde
que ambos os cônjuges beneficiados ou membros da família contemplada aceitem
expressamente a liberalidade (art. 1.711, parágrafo único). Deve haver o assento no Registro de
imóveis (art. 1.714), para que tenha oponibilidade erga omnes.
O bem de família pode constituir de prédio urbano ou rural, bem como seus pertenças
(mobília), que a família destina para ser o abrigo ou domicílio familiar (art. 1.712).
Existem limites à instituição do bem de família: só pode usar 1/3 do patrimônio líquido do
instituidor, existente ao tempo da instituição. Dessa forma, o proprietário, para poder instituir o
bem de família, deve ter, no mínimo 3 imóveis (art. 1.711). Trata-se de uma medida legal protetiva
dos credores, ante a possibilidade de má-fé do instituidor. Além disto, apenas pessoas mais
abastadas podem se utilizar deste instrumento, tornando-o de pouco uso.
80
Essa isenção dura enquanto viverem os cônjuges (ou companheiros) ou enquanto os
filhos forem menores de idade. Somente depois de finda a cláusula é que o bem ficará sujeito
ao pagamento dos credores e o prédio será levado a inventário. Ademais, deve ser lembrado
que o bem não fica isento de responsabilidade quanto aos débitos de condomínio e IPTU, por
exemplo.

REQUISITOS:
- institui-se por Escritura Pública.
- não ultrapassar 1/3 do patrimônio.
- constitui-se por registro no Cartório de Registro de Imóveis.
- se na família existirem menores ou incapazes (interditos) não pode ser eliminada a
cláusula que institui o bem de família, salvo se houver sub-rogação (art. 1.719).
Só pode haver alienação do prédio no qual foi instituído o bem de família se houver a
concordância do interessado (instituidor ou filhos menores) e ouvido o MP (art. 1.717). No caso de
falecerem os cônjuges e deixarem filhos menores, o tutor é que será responsável por gerir o
bem de família. Se houver necessidade de vendê-lo, poderá fazê-lo desde que com autorização
judicial e ouvido o MP.
Se restar comprovada a impossibilidade de manter o bem de família, como por exemplo,
para pagar despesas com UTI, poderá haver requerimento ao juiz que extinga o bem de família,
ouvido o MP e o interessado (instituidor ou filhos menores). Neste caso poderá haver a sub-
rogação de outro bem no lugar, quando ficará gravado como bem de família ou o produto da
venda será depositado judicialmente, sendo o valor liberado para o pagamento da UTI, por
exemplo (art. 1.719).
A administração do bem de família caberá a ambos os cônjuges, em igualdade de
condições (art. 1.720). Se ambos os cônjuges falecerem, a administração passa ao filho mais
velho ou ao seu tutor, se menor.
A cláusula de bem de família só poderá ser levantada por mandado judicial.
Só haverá a partilha quando for eliminada a cláusula que o institui, pela morte dos
cônjuges e maioridade de todos os filhos, por exemplo.

b) Legal:
A lei 8.009/90 institui o bem de família legal, impedindo a penhora do único bem imóvel
rural ou urbano da família, destinado a moradia permanente, excluindo casas na praia ou casas
de campo. Tais bens não responderão pelos débitos contraídos pela entidade familiar. Contudo,
se o devedor oferecer este bem à penhora, não poderá, depois, pleitear a exclusão.
O bem de família legal não responde por qualquer tipo de dívida (civil, comercial, fiscal,
previdenciária, ou qualquer natureza) (art. 1.º, lei 8.009/90), podendo ser oposta a
81
impenhorabilidade em qualquer tempo ou grau de jurisdição. A lei 13.144/2015, alterou o art. 3.º,
III da lei 8.009/90, de forma que pode ocorrer a penhora do bem de família para pagamento de
débito alimentar, resguardado o direito do coproprietário.
Para que essa impenhorabilidade seja reconhecida, o único imóvel do devedor deve estar
sendo habitado por ele e sua família. PODE ESTAR LOCADO, mas a renda deve reverter para a
subsistência da família:
Súmula 486, STJ: É impenhorável o único imóvel residencial do devedor
que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação
seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.

O fato de o devedor possuir mais bens não impede que seja declarada a
impenhorabilidade sobre o imóvel de residência da família.
A execução da dívida alimentar afasta a impenhorabilidade do bem de família.
Cuidar que a vaga de garagem, que possui matrícula própria, pode ser penhorada!
Súmula 449 - A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não
constitui bem de família para efeito de penhora. (Súmula 449, CORTE ESPECIAL, julgado em
02/06/2010, DJe 21/06/2010)
Lembrar, também, da súmula 549 - É válida a penhora de bem de família pertencente a
fiador de contrato de locação.(Súmula 549, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe
19/10/2015)

82
* Para todos verem: esquemas sobre Bens

83
06. Fato jurídico. Planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico

6.1 FATOS JURÍDICOS


As relações jurídicas são baseadas em fatos, atos e negócios jurídicos. Sendo assim,
necessário, para que se compreenda o direito civil como um todo, a compreensão e
diferenciação desses conceitos.
Fato é um acontecimento. É qualquer ocorrência que interesse ou não ao direito. Existem
fatos que não importam ao meio jurídico. A chuva, por exemplo. Trata-se de um fato que ocorre
e segue ocorrendo seguidamente, mas que não possui qualquer efeito jurídico. Não importa
para o direito.
Existem também atos ou ações humanas, que são comportamentos e condutas, como,
por exemplo o vestir-se, o alimentar-se, etc., que também não importam para o direito.
Interessam para o direito todos aqueles fatos que produzam efeitos.
* Para todos verem: esquema

Só se considera fato jurídico aquele acontecimento que produz efeitos jurídicos. Daí
chamarmos de fatos jurídicos em sentido amplo.

6.2 Conceito de fatos jurídicos em sentido amplo


Sendo assim, considera-se como fato jurídico todo acontecimento ou evento que de
forma direta ou indireta acarrete efeitos jurídicos.

84
* Para todos verem: esquema

Considera-se fato jurídico em sentido amplo todo acontecimento, natural ou humano,


que gere efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de obrigações no âmbito do direito 4.
Estes são relevantes para o campo do direito. Então, o fato, para ser jurídico, deve passar por um
juízo de valoração, ou seja, deve provocar a aquisição, perda ou modificação de um direito.

6.3 Efeitos aquisitivos, modificativos, conservativos e extintivos do fato jurídico


Antes de se verificar a classificação dos fatos jurídicos em sentido amplo, considerando
que sua conceituação leva em conta atos ou ações que geram efeitos constitutivos,
modificativos ou extintivos de obrigações das relações jurídicas, necessária a compreensão
destes efeitos de criação, modificação, conservação e extinção.
6.3.1 Aquisição de direitos
Adquire-se direitos quando há sua incorporação ao patrimônio e à personalidade do
titular.
A forma de aquisição de direitos pode ser:
a) Originária: não há qualquer interferência de anterior titular. Ex.: art. 1.251 – avulsão
(quando uma porção de terras se solta de um terreno e une-se a outro, por ação
natural).
b) Derivada: quando há interferência do titular anterior, que transfere o direito. Nestes
casos, o direito é adquirido nas mesmas condições que o antecessor possuía.
Estabelece-se uma relação entre sucessor e sucedido. A transferência ocorre com
todos os vícios e ônus que existem. Ex.: contrato de compra e venda.

A aquisição pode, ainda, envolver contraprestação ou não:

4
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 368.
85
a) Gratuita: só o adquirente obtém vantagem. Ex.: sucessão hereditária.
b) Onerosa: quando o adquirente efetua uma contraprestação ao outro contratante. Ex.:
compra e venda, locação.

No que se refere à extensão, a aquisição pode ser:


a) A título singular: ocorre no tocante a bens determinados. Ex.: legado, compra e venda
de imóvel.
b) A título universal: quando o sucessor sucede na totalidade dos direitos. Ex.: herdeiro,
que recebe do falecido a herança como um todo unitário e indivisível (sucede em
direitos e deveres).

A aquisição de direitos pode ser:


a) Atual: direito subjetivo já formado e incorporado ao patrimônio do titular e possível de
ser exercido.
b) Futuro: ainda não se constituiu. Pode ser deferido, quando a aquisição depende
apenas da vontade do sujeito (ex.: registro da compra e venda) ou não deferido,
quando a aquisição depender de fatos ou condições falíveis (ex.: doação que dependa
do casamento do donatário ou de produção em uma safra).

Existem situações em que há expectativa de que o direito seja adquirido. Nestas situações,
chama-se de expectativa de direito, que consiste na mera possibilidade de se adquirir um
direito. Ex.: os filhos têm expectativa de sucederem aos pais quando de seu óbito. Enquanto os
pais forem vivos os filhos não possuem qualquer direito.
Contudo, quando já está parcialmente cumprido, ou seja, quando o interesse do titular
não está completo, têm-se o direito eventual, pois não foram realizados todos os elementos
básicos exigidos pela norma. Trata-se de um direito concebido, mas ainda não concretizado,
pois depende, para efetivação, do interesse do adquirente. Ex.: aceitação de proposta de compra
e venda ou exercício do direito de preferência.
Há, ainda, o direito condicional, que é aquele que se completa ou perfectibiliza se ocorrer
fato ou acontecimento futuro e incerto. Ex.: cessão de direitos autorais se o livro chegar à 10.ª
edição.
Venosa5 destaca a diferença entre direito eventual e direito condicional:
Tanto nos direitos eventuais como nos condicionais existe subordinação
a evento futuro e incerto. Há numerosas coincidências nessas duas
categorias. Os direitos eventuais, contudo, trazem elemento futuro e

5
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 341.
86
incerto inerente e essencial ao próprio negócio jurídico, enquanto nos
direitos condicionais o fato dito condicional é externo ao ato. Nem todo
elemento futuro e incerto deve ser considerado condição. O negócio
jurídico eventual é negócio jurídico ainda incompleto que necessita que
algo ocorra para completar-se. É de índole interna. Quem vende, por
exemplo, coisa que ainda não tem, depende de obtê-la para poder
transmiti-la.
Nos direitos condicionais o direito já se perfez. Apenas se agregou um
elemento externo, uma condição, para ser exercido, uma vez que sua
existência jurídica depende desse elemento condicional. A condição
aposta a um direito é acessório.

6.3.2 Modificação de direitos


As relações jurídicas podem ser modificadas, tanto no conteúdo ou no objeto, em razão da
manifestação da vontade das partes.
A modificação dos direitos pode ser:
a) Objetiva: quanto ao objeto.
a. Qualitativa: quando o conteúdo do direito se converte em outra espécie, sem
aumentar ou diminuir as faculdades do sujeito. Ex.: credor de dívida em
dinheiro que aceita receber objeto em pagamento.
b. Quantitativa: quando há a modificação do objeto, que aumenta ou diminui de
volume ou extensão, sem alterar a qualidade do direito. Ex.: quando há a
aquisição de 30 hectares de terras, através de escritura pública e, na medição,
verifica-se existir apenas 28 hectares.
b) Subjetiva: quanto aos titulares. Ex.: assunção de dívida (João assume dívida do filho
Pedro, responsabilizando-se em seu lugar). Alguns direitos (os de personalidade, p. ex.)
não admitem modificação subjetiva, como, por exemplo, os relativos ao direito de
família.

6.3.3 Conservação de direitos


Os atos jurídicos podem ser destinados ao resguardo ou defesa de direitos, caso sejam
ameaçados por quem quer que seja. Nestes casos, o titular do direito pode necessitar tomar
providências preventivas ou repressivas, judiciais ou extrajudiciais.
As medidas podem ser classificadas da seguinte forma:
a) Atos de conservação: praticados pelo titular para evitar o perecimento, turbação ou
esbulho. ex.: tutela de urgência de arresto (art. 301, CPC/2015).

87
b) Atos de defesa do direito lesado: ajuizamento de ações cognitivas ou executivas,
quando houver violação a direito.

6.3.4 Extinção de direitos


Os direitos também podem extinguir-se. São razão de extinção o perecimento do objeto, a
alienação, a renúncia, o abandono, o falecimento do titular do direito personalíssimo, etc.
As causas de extinção podem ser:
a) Subjetivas: quando o direito é personalíssimo e morre o titular.
b) Objetivas: quando perece o objeto sobre o qual recaem.
A extinção pode ocorrer por fatos humanos ou forças da natureza.

6.4 Classificação dos fatos jurídicos em sentido amplo


O fatos jurídicos em sentido amplo dividem-se em:
a) Fato jurídico em sentido estrito ou Fatos naturais (também denominados de fatos
jurídicos em sentido estrito) – independem da atuação humana. Também podem ser
chamados de fato jurídico em stricto sensu. Ocorre pela simples manifestação da
natureza e produzem efeitos jurídicos com o objetivo de criação, alteração ou extinção
de direitos e deveres. Subdividem-se em:
a. Ordinários – trata-se de evento natural, previsível e comum de ocorrer. Sofre
influência do elemento tempo. Ex.: nascimento, morte, maioridade, decurso do
tempo, etc.
b. Extraordinários – evento decorrente da natureza. Ex.: caso fortuito e força
maior: tempestade, raio, terremoto, etc. O caso fortuito e a força maior são fatos
cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
b) Fatos humanos (também denominados de atos jurídicos em sentido amplo) –
decorrem da atividade humana. Dividem-se em:
a. Lícitos – atos humanos que a lei autoriza a praticar. Produzem efeitos jurídicos
voluntários. Dividem-se em:
i. Ato jurídico em sentido estrito ou meramente lícito: o efeito da
manifestação da vontade está predeterminado na lei. Não exige
vontade qualificada, mas simples intenção. Ex.: notificação, que constitui
em mora o devedor; reconhecimento de filho; tradição; percepção dos
frutos; intimação; fixação de domicílio; pagamento de uma obrigação;
etc.
ii. Negócio jurídico: deve haver uma vontade qualificada, sem vício, ou
seja, a ação humana objetiva um fim permitido na lei. Diante de uma
composição de vontade das partes, estabelecendo a existência de
88
efeitos, cria-se um instituto jurídico próprio, visando a regulação dos
direitos e deveres. O negócio jurídico “constitui o principal exercício da
autonomia privada, da liberdade negocial” 6. Ex.: contrato de compra e
venda, testamento.
b. Ilícitos – atos praticados em desacordo com o ordenamento jurídico. Produzem
efeitos jurídicos involuntários. Criam deveres e obrigações (ao invés de direitos).
Ex.: dever de reparar o dano. Art. 186, CC.

6.4 FATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO


Fato jurídico em sentido estrito é o acontecimento da natureza ou natural que gere
efeitos jurídicos. Nem todos os fatos naturais serão considerados fatos jurídicos em sentido
estrito. Apenas os que gerarem efeitos jurídicos. Ex.: uma tempestade. Via de regra, não é fato
jurídico. Contudo, será um caso ela cause danos ao imóvel de alguém que tenha seguro. Nestes
casos, a tempestade deixa de ser um fato natural para ser um fato jurídico, visto que gera uma
relação obrigacional entre o proprietário do imóvel e a seguradora (que terá de indenizar os
danos cobertos pelo seguro).

* Para todos verem: esquema

Os fatos jurídicos em sentido estrito podem ser:


a) Ordinários: fatos de ocorrência comum: nascimento, morte, decurso do tempo.
b) Extraordinários: são imprevisíveis: terremoto, enchente.

6
TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. v.1. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016, p. 339.
89
6.5 ATO- FATO JURÍDICO
Os atos-fatos jurídicos são uma categoria especial e que possui características
inconfundíveis. Não existe previsão legal para esta categoria, mas não se pode deixar de
reconhecer sua existência e efeitos jurídicos.
* Para todos verem: esquema

É uma categoria intermediária, porque está entre o fato da natureza e a ação humana.
A categoria do ato-fato refere-se a aquele comportamento que, embora derive do
homem, é desprovido de vontade consciente em face do resultado jurídico produzido.
Trata-se de um fato jurídico qualificado pela atuação humana7, pois a atuação é
substancia deste fato jurídico. Contudo, não importa para a norma se existiu ou não a intenção
da prática da conduta.
Importa a consequência do ato, o fato resultante, sem se levar em consideração a vontade
de praticá-lo. O efeito pode não ser o buscado pelo agente, mas decorre de conduta e é previsto
pela lei. A vontade está presente, mas o direito a desconsidera e apenas atribui juridicidade ao
fato resultante – existe ação humana, mas é valorado o resultado prático.
Ex.: pessoa que encontra um tesouro. A lei, neste caso, determina que caberá àquele que
encontrou o tesouro, a metade dele (art. 1.264, CC).
Para ficar mais claro, utilize-se o exemplo da união estável. Trata-se de um ato-fato
jurídico. Não importa a vontade das partes, pois o fato humano é que gera importância jurídica
e social. Significa dizer que o fato de viverem juntos, de forma pública, contínua, duradoura e
com o intuito de constituir família basta para a qualificação da união estável. Não importa se o
casal quer ou se não quer o reconhecimento ou a configuração da união. Basta que estejam
presentes os requisitos legais.
Outro exemplo, utilizado pela doutrina é a compra e venda feita por crianças. Se uma
criança compra um chocolate em um boteco, ela não tem a vontade direcionada a contratar
formalmente. Não pode ser considerado um negócio jurídico porque falta o elemento da
capacidade do agente. Assim, melhor enquadrar como um ato-fato jurídico, aceito socialmente.

7
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 375.
90
O enunciado 138 do CJF dispõe que: “A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese
do inc. I do art. 3º é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles
concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto”.
Os atos-fatos jurídico podem ser classificados em:
a) Atos reais: denominados de atos materiais. Decorrem de certos acontecimentos em
que importa o fato resultante, independentemente da existência ou não de vontade
de obtê-lo. Ex.: a criança que descobre um tesouro enterrado adquire a propriedade,
independentemente de intencionar achá-lo.
b) Atos-fatos indenizativos: casos de indenização sem que haja ilicitude, ou seja, as
situações em que um ato humano, não contrário ao direito, cause prejuízo a outrem e
o dever de indenizar. Ex.: casos de estado de necessidade – para salvar uma pessoa de
um incêndio, alguém quebra a porta da casa onde está a pessoa.
c) Atos-fatos caducificantes: situações que, independentemente do ato humano,
trazem efeito que seja a extinção de determinado direito e, com isto, da pretensão, da
ação e da exceção decorrente. Ex.: prescrição e decadência.

6.6 ATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO


No ato jurídico em sentido estrito o efeito da manifestação da vontade está previsto na lei,
não havendo escolha da categoria jurídica. A ação humana baseia-se na intenção.
* Para todos verem: esquema

Talvez o melhor exemplo para explicar o ato jurídico em sentido estrito é o


reconhecimento do filho. Isto porque não há escolha da “modalidade” de filiação ou dos direitos
daí decorrentes. O fato do reconhecimento surgem efeitos legais: direito de usar o nome do pai,
dever de prestar alimentos, direitos sucessórios, dever de apoio moral, etc. Os efeitos não
dependem da vontade daquele que reconhece, mas sim da própria lei.

91
Ex.: uma criança torna-se proprietário dos peixes pelo fato de pescar (instituto da
ocupação), de forma que a incapacidade não torna nulo o ato.
Ex.: fixação de domicílio (quando a pessoa fixa residência em determinado local
estabelece seu domicílio, independentemente de emitir manifestação de vontade neste
sentido).
O ato jurídico em sentido estrito trata-se de um simples comportamento humano
voluntário e consciente, cujo efeitos estão previamente determinados na lei. Vale dizer, no ato
em sentido estrito não existe autonomia privada e liberdade na escolha dos efeitos jurídicos
produzidos, ou seja, o ato em sentido estrito é uma simples ação humana prevista em lei.
Trata-se, pois, de “simples manifestação de vontade, sem conteúdo negocial, que
determina a produção de efeitos legalmente previstos”8.
No ato jurídico em sentido estrito o agente não tem a liberdade de escolha na
determinação dos efeitos resultantes do seu comportamento. Deve haver a manifestação da
vontade, mas ela não é qualificada. Ex.: confissão de dívida.
Os efeitos jurídicos derivados da praticado do ato não têm como determinar os efeitos,
porque este vem determinado em lei, uma vez que os atos jurídicos em sentido estrito são
desprovidos em escolha dos efeitos. Ex.: a percepção de um fruto, a caça, a pesca, o
reconhecimento de filho, a fixação do domicílio voluntário.
Estão previstos no art. 185, CC: Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos,
aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior.
Classificam-se em:
a) Atos materiais (reais): simples atuação humana, baseada em uma vontade
consciente, tendente a produzir efeitos jurídicos previstos em lei9. Embora haja
vontade, ela não é voltada ao alcance dos efeitos. Eles se produzem
independentemente do “querer produzi-los”. Ex.: ocupação, percepção de frutos,
fixação de domicílio, etc.
b) Participações: trata-se de ato de comunicação, dirigidos a alguém e sem conteúdo de
negócio. Ex.: notificação, oposição, aviso, intimação.

6.7 Planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico


O negócio jurídico deve ser analisado sob três planos: existência, validade e eficácia
(tricotomia existência-validade-eficácia ou “escala Ponteana”)

8
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 377
9
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 379.
92
a) Existência: o negócio jurídico, para ser considerado como tal, deve cumprir certos
requisitos mínimos. Os elementos estruturais estão presentes. São o suporte fático do
negócio jurídico. Existem apenas substantivos, s/em qualquer qualificação. Esses
substantivos são: partes (ou agentes), vontade, objeto e forma. Na falta de algum
desses elementos estruturais ou pressupostos, o negócio é inexistente.
b) Validade: o fato de existir, não significa que seja considerado perfeito, ou seja, com
condições legais para produzir efeitos. Uma vez que o negócio seja existente, deve-se
analisar se está perfeito ou se contém algum vício ou defeito inviabilizante. Os
requisitos devem estar presentes. Na escala da validade, os substantivos são
qualificados, ou seja, ganham adjetivos, ou seja: partes ou agentes capazes; vontade
livre e não viciada; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita
ou não defesa em lei (art. 104, CC).
c) Eficácia: o fato de existir e ser válido não significa que esteja apto a produzir efeitos
imediatos, pois a produção de efeitos pode estar limitada por elementos acidentais. O
negócio pode produzir efeitos só a partir do momento em que for implementada uma
condição. São os efeitos gerados entre as partes e em ralação a terceiros.
* Para todos verem: esquema

Chama-se de Escala Ponteana e pode ser representada através de degraus, onde o plano
da existência representa o primeiro degrau, o plano da validade, o segundo e, o plano da
eficácia, o terceiro degrau da Escala Ponteana.
Pela representação do esquema, percebe-se que, para que um negócio jurídico seja
válido, precisa existir. Para que produza efeitos, precisa ser válido. Contudo, nem sempre isto
ocorre, pois pode ocorrer de um negócio ser existente, inválido e eficaz. Então, antes de se
analisar cada um dos planos, deve-se destacar que um negócio jurídico pode ser:
a) existente, válido e eficaz. Ex.: casamento - capazes, sem impedimentos, realizado por
autoridade competente.

93
b) existente, válido e ineficaz. Ex.: testamento de pessoa capaz, formalmente legal, antes
da morte do testador. Ex.: contrato celebrado sob condição suspensiva e que não esteja, ainda,
gerando efeitos jurídicos e práticos.
c) existente, inválido e eficaz. Ex.: casamento putativo - negócio jurídico anulável, antes da
decretação da anulabilidade. Da celebração até a anulação produz todos os efeitos.
d) existente, inválido e ineficaz. Ex.: doação feita pessoalmente por pessoas absolutamente
incapazes (menor de 16 anos).
e) existente e eficaz. Ex.: nascimento com vida, pintura, dano causado a bem alheio.
f) inexistente. Neste caso, não se analisa os demais planos, pois todos dependem da
existência do negócio jurídico. Ex.: casamento celebrado sem a manifestação da vontade.

6.8 Plano da existência do negócio jurídico


O negócio jurídico, para que seja válido e eficaz, precisa existir. Para tanto, alguns
requisitos (ou elementos essenciais ou elementos constitutivos) precisam estar presentes. Se
não estiverem, o negócio não existe e, portanto, sequer se questiona ser válido e eficaz.
Mas quais seriam, então, os elementos constitutivos ou essenciais dos negócios jurídicos?
Sãos os seguintes: a) agente emissor da vontade; b) manifestação de vontade; c) objeto; d)
forma.

6.8.1 Agente emissor da vontade


Para que exista um negócio jurídico deve haver um agente, ou seja, um sujeito. Sem ele,
não há ato, mas tão somente um fato jurídico em sentido estrito. A participação do sujeito é
indispensável para a configuração/existência do negócio jurídico.

6.8.2 Manifestação (ou declaração) da vontade


A vontade é pressuposto do negócio jurídico. Esta vontade deve ser exteriorizada para que
o negócio exista.
A vontade é um elemento subjetivo, que se configura através de uma declaração.
Princípio da autonomia da vontade. Em razão deste princípio, as pessoas têm liberdade
de celebrar negócios jurídicos de acordo com a lei. Contudo, esse princípio tem limitações em
razão da supremacia da ordem pública, ou seja, situações em que, em nome da ordem pública
e do interesse social, o Estado interfere na manifestação da vontade da pessoa, especialmente
para evitar que o indivíduo seja economicamente oprimido pelo mais forte.
Princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda). Segundo este
princípio, uma vez manifestada a vontade, esta torna-se de obrigatório cumprimento e faz lei
entre as partes. Trata-se de uma forma de estabelecer segurança aos negócios. A este princípio
(pacta sunt servanda) opõe-se o princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade
94
excessiva, que se baseiam na cláusula rebus sic stantibus e na teoria da imprevisão. Estes
princípios autorizam o Judiciário a revisar contratos em casos extraordinários e em razão da
ocorrência de fatos imprevisíveis.
A manifestação da vontade pode ser: tácita, expressa ou presumida.
a) Expressa. A manifestação expressa é a manifestada através da palavra falada ou
escrita ou, ainda, através de gestos, sinais ou mímicas. Significa dizer que é
manifestada de forma expressa, possibilitando o conhecimento imediato da intenção
do agente. Ex.: contratos verbais ou expressos, emissão de título de crédito, etc.
b) Tácita. Verifica-se pelo comportamento do agente, ou seja, deduz-se da conduta do
indivíduo sua intenção. Ex.: aceitação da herança através de uma cessão de direitos
hereditários. Contudo, nos contratos, a manifestação tácita só é admitida quando a lei
não exigir forma expressa.
c) Presumida. É estabelecida pela lei. Quando a lei deduz a manifestação através de
certos comportamentos do agente. Ex.: aceitação presumida da herança (a lei
determina que, caso o herdeiro não se manifeste dentro de certo tempo – 30 dias –
entender-se-á pela aceitação da herança).

As declarações de vontade devem ser receptícias, ou seja, as que se dirigem a uma


pessoa determinada, com o objetivo de levar ao conhecimento do agente a intenção do
declarante, sob pena de ineficácia. Só tem eficácia se o outro tiver conhecimento. Ex.: revogação
de mandato. Declarações não receptícias são as que se efetivam independentemente do
conhecimento do destinatário. Ex.: promessa de recompensa, revogação do testamento, etc.
Silêncio como manifestação da vontade. Via de regra, quem cala, não diz coisa
nenhuma. O silêncio nada significa, por ausência de manifestação da vontade.
Excepcionalmente, admite-se o silêncio como manifestação da vontade (art. 111, CC): “o silêncio
importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a
declaração de vontade expressa”. Assim, admite-se o silêncio como manifestação da vontade
quando a lei autorizar. Ex.: doação, quando o doador fixa prazo para o donatário se manifestar.
Caso não se manifesta dentro do prazo, entende-se pela aceitação (art. 539, CC).
Reserva mental. Situações em que um dos declarantes oculta sua verdadeira intenção, ou
seja, quando não quer um efeito jurídico que declara querer. Trata-se de uma enganação ao
outro contratante. Se o outro declarante, no entanto, não souber da reserva, o ato subsiste e
produz efeitos que o declarante não desejava. Art. 110, CC: “a manifestação de vontade subsiste
ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela
o destinatário tinha conhecimento”. A reserva mental desconhecida do outro contratante não
importa para o direito, pois a vontade produzirá todos os efeitos. Ex.: promessa de emprestar
dinheiro a amigo que pretende se matar em razão de dívidas.
95
6.8.3 Objeto
Todo negócio pressupõe a existência de um objeto.
Se o contrato é de mútuo, o objeto deve ser coisa fungível (coisa que pode ser substituída
por outra). Se for contrato de comodato, a coisa deve ser infungível (não pode ser substituída).
Para a constituição de uma hipoteca, deve ser um imóvel a garantia.

6.8.4 Forma
Forma é o meio pelo qual a declaração de vontade é exteriorizada, ou seja, se oral, escrita,
silêncio, sinais, etc. A vontade sempre deve ser manifestada de alguma forma.
Não se deve confundir a forma (elemento existencial) com a forma legalmente prescrita
(pressuposto de validade). Ex.: João compra 30ha de terras de Pedro. Paga a quantia e recebe
de Pedro um recibo. Não fazem escritura pública de compra e venda. Neste caso, apesar de não
ser válido o negócio jurídico por não se revestir da formalidade legal, é necessário reconhecer
que o ato negocial de compra e venda existiu, pois Pedro, inclusive, passou recibo. Neste caso
temos os elementos existenciais: manifestação da vontade (vender e comprar), agentes
(sujeitos de direitos), objeto (bem imóvel) e forma (escrita).

6.9 Plano da validade do negócio jurídico


Uma vez que o plano da existência esteja completo, deve-se verificar o plano da validade.
Os pressupostos de validade (ou a inexistência deles) conduz às causas de nulidade e
anulabilidade.
O art. 104, CC prevê os requisitos ou pressupostos de validade dos negócios jurídicos:
agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não
defesa em lei.
Gagliano e Pamplona Filho10 adicionam um quarto pressuposto, que é a manifestação de
vontade livre e de boa-fé. Além disto, defendem que o agente emissor da vontade deve ser
capaz e legitimado para o negócio. Afirmam que sabendo-se os elementos constitutivos do
negócio jurídico, basta qualificá-los para que se saiba os pressupostos de validade. Pois bem,
passa-se a análise de cada um deles.

10
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 406.
96
6.9.1 Manifestação da vontade livre e de boa-fé
A manifestação da vontade deve ser livre e de boa-fé (não impregnada de malícia). Os
vícios do negócio jurídico atacam a liberdade de manifestação da vontade ou a boa-fé, de forma
que o ordenamento jurídico tende a reagir, anulando ou declarando nulos tais negócios. (Os
defeitos dos negócios jurídicos serão tratados adiante).
Para que a manifestação da vontade seja válida, dois princípios surgem: a autonomia da
vontade e a boa-fé.
Princípio da autonomia da vontade. Trata-se da liberdade negocial, que, contudo, não é
plena, pois sofre limitações da lei, da moral e da ordem pública.
Princípio da boa-fé. Trata-se de princípio ético formador da vontade negocial válida.
Assim, se uma das partes conseguiu a manifestação da vontade da outra através da coação, há
a violação deste princípio. A boa-fé deve ser tanto a subjetiva (estado psicológico, subjetivo do
indivíduo), quanto a objetiva (que as partes comportem-se segundo um padrão ético objetivo
de confiança recíproca).

6.9.2 Agente emissor da vontade capaz e legitimado para o negócio


O agente emissor da vontade deve ser capaz e detentor de legitimidade para o negócio.
Agente capaz = pessoa física/natural plenamente capaz para prática dos atos da vida civil.
São absolutamente incapazes os menores de 16 anos (art. 3.º, CC, com redação dada pelo
Estatuto da pessoa portadora de deficiência).
Art. 3.º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da
vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

São relativamente incapazes:


Art. 4.º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os
exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.

Os absolutamente incapazes devem ser representados e os relativamente incapazes,


assistidos. Contudo, há negócios que o relativamente incapaz pode celebrar: fazer testamento,
aceitar mandato e ser testemunha. O negócio celebrado pelo absolutamente incapaz sem a
devida representação é nulo (art. 166, I, CC). O negócio celebrado pelo relativamente incapaz
sem a devida assistência é anulável (art. 171, I, CC).
97
Além da capacidade, o agente deve ser legitimado. Assim, embora plenamente capaz, não
podem dois irmãos contraírem matrimônio entre si. Também não podem suceder aquele que
tiver sido excluído da sucessão. A pessoa maior e casada também não pode vender imóvel sem
a outorga conjugal. Tudo isto indica a falta de legitimidade destas pessoas.
Este agente emissor da vontade, capaz e legitimado, pode praticar o ato por si próprio ou
através de representante. O Código Civil estabelece um capítulo próprio para a representação, o
que será abordado mais adiante. Pode, nestes casos, ocorrer o chamado autocontrato,
situações em que o representante (procurador) celebra negócio consigo mesmo. Ex.: João
outorga procuração para Carlos, para que este venda o bem X a quem quer que seja. Neste
caso, se a procuração prever expressamente (art. 117, CC), pode Carlos vender o bem X para si
próprio. Assinará a escritura como comprador e como representante do vendedor.

6.9.3 Objeto lícito, possível, determinado ou determinável


Objeto lícito é aquele que não é proibido pelo direito e pela moral. Ex.: contrato de
prestação de serviços advocatícios. É ilícito, contudo, um contrato de prestação de serviços para
o cometimento de um crime. Também é ilícito o contrato de prestação de serviços sexuais, com
a cobrança judicial pelo inadimplemento da prestação pecuniária, em razão da imoralidade do
objeto. Também é ilícito a compra e venda de uma praça (bem de uso comum do povo).
Objeto fisicamente possível é aquele naturalmente possível de se realizar. Significa dizer
que o objeto é impossível quando o contrato visa a compra e venda de um imóvel na lua.
Objeto determinável ou determinado, ou seja, deve haver a descrição mínima do objeto,
individualizações que permitam caracterizar o objeto. Ex.: compra e venda do bem x
(determinado) ou compra e venda de x soja (determinável).

6.9.4 Forma adequada


Por fim, o negócio deve ser revestido da forma prescrita ou não proibida pela lei. Via de
regra, os negócios não dependem de forma especial, de forma que o direito brasileiro adota a
liberdade da forma (art. 107, CC). Contudo, existem situações em que a lei prevê a forma e, para
a validade do negócio, esta deverá ser obedecida.
Ex.11: o humilde camponês, por meio de uma compra e venda, adquire alguns hectares de
terras do vizinho e, sem saber que a aquisição da propriedade imobiliária exige a lavratura da
escritura de compra e venda e o registro imobiliário, aceita, apenas, a documentação do ato em
recibo simples, firmado pelo vendedor. Neste caso, não se discute que o negócio existe
(elemento constitutivo presente), mas não será válido o negócio, por não respeitar a forma
prevista na lei (art. 108 c/c art. 166, CC).

11
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 418.
98
6.10 Plano da eficácia do negócio jurídico
Analisados os planos da existência e da validade, necessário se faz considerar sobre a
eficácia do negócio jurídico.
Eficácia é a potencialidade, ou seja, a capacidade dos negócios jurídicos gerarem efeitos.
É eficaz o negócio jurídico quando repercute juridicamente no plano social, ou seja, se não
depender de nenhum acontecimento futuro para ser exigível. Ex.: compra e venda. Uma vez
celebrada e registrada, produz efeitos.
Este acontecimento futuro é tratado pela doutrina como “elementos acidentais do
negócio jurídico”, que são: condição, termo e modo ou encargo. Nestas situações, a produção de
efeitos do negócio só se perfectibiliza com a ocorrência do elemento acidental.

6.10.1 Condição
É um elemento acidental que consiste em um evento futuro e incerto, por meio do qual
subordina-se ou resolve a produção de efeitos jurídicos.
Ex.: indivíduo que se obriga a doar o imóvel X para João quando ele se casar. O casamento,
no caso, é uma condição acessória suspensiva.
Ex.: indivíduo que adquire o usufruto do bem X, para auferir renda, até que cole grau no
ensino superior. No momento da colação, extingue-se o usufruto, tratando-se, neste caso, de
uma condição resolutiva.
A condição é caracterizada pela incerteza e futuridade. Art. 121, CC.
a) Incerteza
Se o fato que subordina a vontade for certo, estaremos diante de um termo. A condição é
sempre incerta.
A incerteza é com relação a própria ocorrência do fato e não com relação ao tempo de sua
ocorrência. A morte, neste sentido, é sempre certa. O que não se sabe é quando irá acontecer.
Trata-se, portanto, de um termo incerto.
b) Futuridade
Acontecimento já ocorrido não pode caracterizar condição. A condição deve ser futura. Ex.:
prometo doar 10mil reais se meu bilhete de loteria for premiado.

As condições podem ser suspensivas ou resolutivas.


a) Condição suspensiva
Subordina a produção de efeitos (aquisição de direitos) à ocorrência de fato futuro e
incerto (art. 125, CC). Enquanto elas não se verificarem, não produz efeitos o negócio jurídico.
Ex.: doarei um terreno a João se ele formar-se em Direito.

99
b) Condição resolutiva
Neste caso, enquanto não se realizar a condição vigorará o negócio jurídico. Assim que se
operar a condição ocorrerá a conclusão do negócio extinguindo-se o direito (art. 127, CC).
Ex.: enquanto João cursar a faculdade de Direito poderá utilizar o valor dos alugueis do
imóvel X para custear suas despesas. Com a conclusão do curso, extingue-se o direito de uso
dos alugueis.
Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os
efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de
execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em
contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que
compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos
ditames de boa-fé.

O art. 128 refere-se a negócios continuados. Ex.: concedo o usufruto sobre imóvel a João
enquanto cursar Direito, beneficiando-se de toda a renda proveniente da venda de gado até a
colação de grau. Neste caso, se João tiver pactuado venda de gado a terceiro e, neste meio
tempo, tiver colado grau, a condição resolutiva não prejudicará a venda já pactuada. Deverá ser
concluída e João receberá o dinheiro do pagamento.
As condições podem ser positivas (verificação de um fato – auferir renda até colação de
grau) ou negativas (inocorrência de um fato – empréstimo da casa até que a enchente deixe de
assolar sua cidade).
As condições devem ser lícitas, pois as ilícitas invalidam o negócio jurídico, eivando-o de
nulidade absoluta (art. 123, II e 166, VII, CC).
O art. 122, CC repudia as condições perplexas (incompreensíveis ou contraditórias – são
aquelas que privam de efeitos o negócio jurídico. Ex.: empresto o imóvel, desde que você não
more e não o alugue) e as puramente potestativas (são as que derivam do arbítrio de uma das
partes. Ex.: se eu quiser, caso seja do meu interesse, etc).
No que diz respeito à possibilidade, as condições devem ser física e juridicamente
possíveis. São ilícitas as condições fisicamente impossíveis, que são aquelas irrealizáveis, em
razão de exigência de esforço sobrenatural. Ex.: dar a volta no Beira Rio em 2 segundos
(impossível! O Beira Rio é Giganteeeeee). Se a condição fisicamente impossível tiver natureza
suspensiva, invalida o negócio (nulidade absoluta). Se tiver natureza resolutiva, será reputada
inexistente. Também são ilícitas as condições juridicamente impossíveis, pois contrariam o
direito (ex.: doação condicionada à alienação de bem de uso comum do povo – praça). Neste
caso, existindo uma condição dessa natureza, será inválido o negócio jurídico.

6.10.2 Termo
100
O termo é o “acontecimento futuro e certo que subordina o início ou o término da
eficácia jurídica de determinado ato negocial”12. As características, são, então, a certeza e a
futuridade.
O termo pode ser inicial ou final. Ex.: contrato de arrendamento que se inicia em 05 de
janeiro de 2017. Trata-se do termo inicial da produção de efeitos do contrato. Antes desta data,
não produz efeitos. Ex.: arrendamento com término em 05 de janeiro de 2017. Até esta data
produz efeitos. A partir dela, não mais.
Mesmo quando se tem termo inicial, apesar da exigibilidade do negócio ser só a partir da
data acordada, já há a aquisição de direitos (art. 131, CC). A exigibilidade está suspensa até a
ocorrência do termo inicial, mas os direitos e deveres decorrentes do ato são adquiridos de
imediato. No exemplo do contrato de arrendamento, cujo termo inicial é 05 de janeiro de 2017,
desde logo estão as partes ligadas pelo vínculo contratual. Contudo, a exigibilidade das
obrigações definidas no contrato só serão exigíveis a partir de 05 de janeiro de 2017. Mas, se o
arrendatário, por exemplo, quiser efetuar o pagamento pactuado antes desta data, não há
impedimento. Contudo, o que não pode é o arrendante/arrendador exigir tal pagamento antes
do termo inicial previsto.
O termo pode ser certo ou incerto. Será certo quando a data estiver estipulada (05 de
janeiro de 2017). Será incerto quando, apesar de ser certa a ocorrência, não se puder precisar a
data (quando João morrer).
O período de tempo entre o termo inicial e o final é denominado de prazo (art. 132, CC). O
prazo é contado excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento. Ex.: contrato
de 30 dias13. Termo inicial: 24/08/2016. O prazo será = 23/08/2016.
Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-
se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento.
§ 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o
prazo até o seguinte dia útil.
§ 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§ 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de
início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.
§ 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.

Quando no negócio jurídico não houver a fixação de prazo, entende-se exigíveis de


imediato (art. 134, CC).
O termo classifica-se em:

12
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 489.
13
A contagem de prazos processuais é diferente. Verificar art. 219, CPC/2015.
101
a) Convencional: fixado pelas partes.
b) Legal: determinado pela lei.
c) De graça: fixado por decisão judicial (prazo determinado pelo juiz para que o
devedor de boa-fé cumpra sua obrigação

6.10.3 Modo ou encargo


O encargo é uma determinação acessória ao negócio jurídico principal, que impõe um
dever ou ônus ao beneficiário, que deverá cumpri-lo em prol de uma liberalidade maior. Trata-
se de uma espécie de restrição imposta ao beneficiário no momento da liberalidade, ou um
“peso atrelado a uma vantagem”14. Ex.: doação de um terreno com o encargo de cuidar do
doador.
O encargo não suspende a aquisição ou o exercício do direito, salvo se o encargo for
condição suspensiva (art. 136, CC).
Identifica-se o encargo pelas expressões “com a obrigação de”, “com o encargo de”, “para
que”.
Se o encargo não for cumprido, não há a invalidação do negócio jurídico. O que ocorre é
que poderá ser cobrado judicialmente este encargo ou, então, poderá ser revogado o negócio,
como no caso da doação (art. 562, CC) ou do legado (art. 1.938, CC).
O encargo ilícito ou impossível é considerado como não escrito (art. 137, CC). Ex.: doação
que estabelecesse como encargo uma viagem turística a Saturno. Por ser impossível o encargo,
entende-se como não escrito. Contudo, se o encargo ilícito ou impossível for motivo
determinante da liberalidade, torna o negócio jurídico inválido. Ex.: doação de um valioso imóvel
com a condição de que o donatário utilize-o para implantar nele uma casa de prostituição
(encargo ilícito). Neste caso, inválido todo o negócio jurídico.

14
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 493.
102
* Para todos verem: esquemas

103
07. Aspectos gerais do negócio jurídico
7.1 NEGÓCIO JURÍDICO
O negócio jurídico envolve uma declaração de vontade que objetiva a produção de certos
efeitos jurídicos admitidos pela lei.
* Para todos verem: esquema

Trata-se de uma declaração de vontade, emitida segundo o ditame da autonomia privada,


nos limites da função social e da boa-fé objetiva, pela qual a parte autodisciplina os efeitos
jurídicos que escolheu, ou seja, quando se celebra um negócio sempre há uma margem de
autonomia privada e liberdade na escolha dos possíveis efeitos jurídicos. Caso contrário, não
existe negócio jurídico. Exemplos: contrato, testamento, etc.
Pode-se dizer que o negócio jurídico é uma manifestação de vontade unilateral ou
bilateral, ou seja, um ato jurídico pelo qual uma ou mais pessoas, em virtude de uma declaração

104
de vontade, instauram uma relação jurídica, cujos efeitos, quanto a elas e às demais, se
subordina à vontade declarada, nos limites consentidos pela lei.
O negócio jurídico é o principal instrumento que as pessoas possuem para realizar seus
interesses, sendo relevante para a concepção de contrato. O estudo dos negócios jurídicos
também é um estudo sobre os contratos, envolvendo os elementos, vícios, casos de nulidade e
anulação15. Também é um negócio jurídico o casamento, o testamento.

7.2 Teorias explicativas do negócio jurídico


O direito brasileiro adota a teoria voluntarista, conforme se verifica do art. 112 CC:
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Significa dizer que vale mais a intenção das partes ou a vontade real dirigida a
determinado fim permitido em lei.
Contudo, existe, também a teoria objetivista ou da declaração, segundo a qual a
vontade declarada é essencial para o negócio jurídico, ou seja, o negócio jurídico é o meio para
a produção de efeitos jurídicos.
* Para todos verem: esquema

TEORIA DA DECLARAÇÃO
VOLUNTARISTA OU TEORIA DA VONTADE

Para esta teoria, o núcleo essencial do Para esta teoria, o núcleo essencial do
negócio jurídico seria a vontade interna ou negócio não seria a intenção do declarante,
a intenção do declarante. mas sim, própria vontade externa ou
declarada.

Não há razão prática para a diferenciação entre vontade interna (intenção) e vontade
declarada, pois negócio jurídico seria a “declaração de vontade, emitida em obediência aos
seus pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos
admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente”16.

7.3 Classificação do negócio jurídico


Quanto ao número de declarantes:

15
TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. v.1. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016, p. 342.
16
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 389.
105
a) Unilaterais: apenas a manifestação da vontade de uma pessoa (testamento, renúncia,
etc)
a. Receptícios: a declaração de vontade deve se tornar conhecida do destinatário
para produzir efeitos. Ex.: revogação de mandato.
b. Não receptícios: o conhecimento, por parte de outras pessoas, é irrelevante.
Ex.: testamento, confissão de dívida.
b) Bilaterais: manifestação de vontade de duas partes, formadoras do consenso (compra
e venda, locação, prestação de serviços, etc).
a. Bilaterais simples: somente uma das partes percebe vantagem e a outra
detém o ônus. Ex.: doação, comodato.
b. Sinalagmático: há a reciprocidade de direitos e obrigações, ou seja, existem
ônus e vantagens recíprocos. Ex.: locação, compra e venda.
c) Plurilaterais: envolvem mais de duas partes, quando, então, as deliberações não
decorrem de um intercâmbio de declarações convergentes, mas sim, por decisões de
maioria (contrato de uma sociedade, etc).

Quanto ao exercício de direitos:


a) Negócios de disposição: autorizam o exercício de amplos direitos, inclusive a
alienação. Geralmente, negócios translativos. Ex.: doação.
b) Negócios de administração: autorizam apenas a administração e uso do objeto. Ex.:
comodato.

Quanto às vantagens patrimoniais:


a) Gratuitos: atos de liberalidade, onde apenas uma das partes é beneficiada. Não há
contraprestação. Ex.: doação pura (sem encargo), testamento.
b) Onerosos: ambas as partes recebem benefícios e sacrifícios patrimoniais. Ex.:
empreitada, compra e venda, etc.
a. Comutativos: há um equilíbrio subjetivo entre as prestações pactuadas, de
forma que as vantagens equivalem-se entre si (locação, p. ex.)
b. Aleatórios: a prestação de uma das partes está condicionada a um
acontecimento exterior, não havendo equilíbrio subjetivo. Ex.: compra e venda
de coisa futura (safra de soja, p. ex. – pode não colher ou colher pouco, etc, mas
o preço ajustado deve ser pago).
c) Neutro: destituídos de atribuição patrimonial específica. Ex.: instituição do bem de
família, imposição das cláusulas de inalienabilidade ou impenhorabilidade – não é nem
gratuito, nem oneroso.

106
d) Bifrontes: negócios que tanto podem ser gratuitos, quanto onerosos. Tudo depende
da intenção das partes. Ex.: contrato de depósito (geralmente gratuito, podendo ser
oneroso).

Quanto à forma:
a) Formais ou solenes: exigem a observância de formas legais para aperfeiçoamento. Ex.:
casamento e testamento.
b) Não formais ou forma livre: a forma é livre, sem interferência legal. Podem ser até
verbais. Ex.: doação de um móvel. Trata-se da regra geral (art. 107, CC).

Quanto ao momento da produção de efeitos:


a) Inter vivos: produzem efeitos desde logo, estando as partes ainda em vida. Ex.: compra
e venda.
b) Causa mortis: os efeitos serão produzidos após a morte do declarante. Ex.:
testamento.

Quanto à existência:
a) Principais: existem por si mesmos (compra e venda), não dependendo de qualquer
outro para que tenham existência e validade. Ex.: contrato de locação.
b) Acessórios: a existência pressupõe a do principal. Ex.: contrato de fiança que se
relaciona com o contrato principal (financiamento, locação).

Quanto ao conteúdo:
a) Patrimoniais: relacionados com bens ou direitos aferíveis pecuniariamente (negócios
reais, obrigacionais, etc).
b) Extrapatrimoniais: referentes a direitos sem conteúdo econômico (direitos de família,
personalidade, etc).

Quanto às condições pessoais dos negociantes:


a) Impessoais: não dependem de qualquer condição especial dos envolvidos. A obrigação
pode ser cumprida por qualquer pessoa. Ex.: compra e venda.
b) Personalíssimos ou intuito personae: dependem da condição pessoal de um dos
negociantes, onde apenas a própria pessoa pode cumprir com o contrato. Ex.: fiança,
contratação de um pintor famoso.

Quanto à eficácia do negócio jurídico:


107
a) Constitutivos: eficácia opera-se ex nunc, ou seja, a partir do momento da celebração.
Ex.: compra e venda
b) Declaratórios: os efeitos retroagem ao momento da ocorrência fática a que se vincula
a declaração de vontade. Ex.: reconhecimento de paternidade → retroage ao
nascimento.

7.4 Interpretação do negócio jurídico


Muitas vezes o contrato necessita de interpretação, em razão de uma redação obscura e
ambígua. Interpretar é dar sentido para a declaração de vontade, ou seja, busca-se a real
vontade das partes. Em razão disto, a regra da interpretação é a transcrita no art. 112, CC:
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Significa dizer que a noção de que a manifestação da vontade é o elemento mais


importante na interpretação dos negócios jurídicos, inclusive, sendo superior à forma.
Ex.: um cliente, em uma barraca de pastel, faz o seguinte pedido: “três queijos, para levar,
por favor”. A atendente providencia um pastel com 3 queijos e entrega o pedido. ESTA ERA A
INTENÇÃO? Ou seriam 3 pasteis de queijo????
Leva-se em conta, então, a boa-fé objetiva na interpretação de qualquer negócio jurídico
(art. 113, CC). Deve-se presumir que os contratantes agiram de boa-fé. A má-fé deve ser provada.
Além disto, o enunciado 409 das Jornadas de Direito Civil determina que:
Enunciado 409. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados
não só conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração, mas
também de acordo com as práticas habitualmente adotadas entre as
partes.

Ex.: arrendamento de pastagem para engorda do gado. Precisa-se verificar o que é


costumeiro e usual no lugar – contrato (geralmente) verbal, por 100 dias.
Além disto, prescreve o art. 114, CC que os negócios benéficos e a renúncia devem ser
interpretados estritamente. Benéficos ou gratuitos são os que envolvem uma liberalidade:
doação, por exemplo.

7.5 Representação
A manifestação da vontade pode se dar por si próprio ou por representante. O Código Civil
disciplina a representação nos arts. 115 a 120. Assim, a manifestação da vontade através da
representação produz todos os efeitos.

108
Se o negócio jurídico é praticado por representação, quem o pratica é o representante,
que o faz em nome do representado.
Assim, representação é a atuação jurídica em nome de outra pessoa, que pode ocorrer em
razão da vontade ou da lei.

7.5.1 Espécies de representação


A representação pode ser legal (pais, tutores, curadores, administradores, síndicos) ou
convencional/voluntária (em razão de mandato).
a) Legal: trata-se de um múnus. O representante exerce uma atividade obrigatória,
determinada pela lei. Se institui em razão da necessidade de se atribuir a alguém a
função de cuidar dos interesses de pessoas incapazes. Supre a falta de capacidade do
representado. Tem caráter personalíssimo. Não pode ser delegado seu exercício. Não
pode ser revogada pelo representado. Também pode ocorrer em caso de pessoas
capazes: sindicatos, para a celebração de acordos coletivos; síndico de condomínio;
inventariante, etc.
b) Voluntária: trata-se de uma espécie de cooperação, em que alguém nomeia outrem
como seu representante, a fim de atuar em seu nome. Se perfectibiliza através de
acordo de vontades, representado pela procuração, que é instrumento do mandato –
art. 653. Através dela, uma pessoa investe outra de poderes para agir em seu nome.
Pode ser revogada a qualquer tempo pelo representado. A procuração deve ser feita
por instrumento público ou particular, assinado pelo mandante (art. 654).

7.5.2 Espécies de representantes


O representante deve ter capacidade de fato para praticar atos em nome do
representado. O maior de 16 anos pode ser mandatário, mas o mandante só pode reclamar
contra menor na medida do seu enriquecimento (art. 666, CC).
Representante legal é o que decorre da lei. Pais que administram os interesses dos filhos
menores de idade, por exemplo (art. 115, CC).
Representante judicial é o nomeado pelo juiz para representar no processo. Ex.:
inventariante.
Representante convencional é o que recebe mandato, com poderes para atuar em nome
de outrem. Ex.: advogado, procurador para compra e venda, etc.

7.5.3 Regras da representação


O mandato leva à substituição de uma pessoa por outra na realização de negócios
jurídicos. Nestes casos, o que for assumido pelo representante deve ser cumprido pelo
representado (arts. 116 e 675, CC). Ex.: se João outorgou procuração para Carlos vender o imóvel
109
“X” e este o fez, João deverá cumprir com o contrato de compra e venda. Pode ocorrer, contudo,
que, se o mandatário não observar as instruções do mandante (quanto ao preço, por exemplo),
o mandante terá direito a ação cobrando as perdas e danos. Assim, o representante deve provar
às pessoas com quem contrata, sua qualidade e extensão de seus poderes, sob pena de
responder pelos atos que praticar excedendo tais poderes (art. 118, CC).
a) Os efeitos do negócio jurídico praticado pelo representante se produzem entre o
representado e a outra parte.
b) O representante é estranho ao negócio jurídico.
c) O representante deve assumir obrigações dentro dos limites permitidos pelo
mandato.
d) Quem deve cumprir com as obrigações é o representado (salvo se o representante
assumiu responsabilidades não autorizadas pelo mandato).
e) Se o representante praticou negócio em conflito de interesses com o representado e o
terceiro com quem negociou sabia de tal fato, há prazo de 180 dias para anulação do
negócio (art. 119, CC). Se, contudo, estiver de boa-fé o terceiro, não haverá anulação.

7.5.4 Autocontratação
Pode ocorrer situações em que o representante seja a outra parte no negócio jurídico. A
isto chama-se de autocontratação. Para que isto seja lícito e possível, deverá haver a previsão no
mandato desta cláusula (mandato em causa própria). Ex.: “podendo alienar tal bem a terceiro
ou a si próprio”.
Neste sentido, o art. 117, CC, determina que a autocontratação deve estar prevista no
instrumento de mandato.

08. Defeitos do negócio jurídico: erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo, fraude contra
credores e simulação
8.6 Defeitos do negócio jurídico
A manifestação da vontade, nos negócios jurídicos deve ser livre e de boa-fé. Os negócios
jurídicos podem, contudo, sofrer com vícios de consentimento, ou seja, aqueles que impedem
que a vontade seja manifestada de forma pura e de boa fé. Estes vícios atingem o segundo
degrau da Escala Ponteana, ou seja, o plano da validade, pois maculam a manifestação da
vontade. E, ainda, com vícios sociais, que são a simulação e a fraude contra credores.
Vícios de consentimento: erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo.
Vícios sociais: simulação e fraude contra credores.

110
8.6.1 Erro ou ignorância
O erro é uma falsa representação da realidade. Trata-se de um engano fático, ou uma falsa
noção sobre a pessoa, objeto do negócio ou a um direito. Significa dizer que o agente atua de
modo que não seria sua vontade, se conhecesse a verdade. Ex.: Homem que reconhece o filho
da esposa, acreditando ser seu (se soubesse que o filho não era seu, não o reconheceria).
Erro e ignorância são coisas distintas, mas levam à anulabilidade do negócio jurídico.
Erro = ideia falsa da realidade.
Ignorância = total desconhecimento da realidade.
Para que o erro seja passível de anulação, deve ser essencial (substancial) e escusável
(perdoável).
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de
vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por
pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Essencial é o erro que incide sobre a essência ou substância do ato praticado. Se tal erro
não estivesse presente, o ato não seria realizado. Ex.: colecionador que, pretendendo comprar
uma peça de marfim, compra uma de material sintético.
Contudo, o enunciado 12 do CJF determina que:
Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro,
porque o dispositivo adota o princípio da confiança.

Neste aspecto, o art. 139, CC enumera as hipóteses de erro substancial:


Art. 139. O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou
a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se
refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo
relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o
motivo único ou principal do negócio jurídico.

Tanto no erro quanto na ignorância, a pessoa engana-se sozinha, de forma que o erro
pode incidir, então, sobre:
a) A natureza do negócio = art. 139, I, CC. Ocorre quando se troca a natureza do negócio,
trocando-se uma causa jurídica por outra. Ex.: comodato com doação.

111
b) A identidade da pessoa = art. 139, II, CC. O que diz respeito a qualidade ou
características de determinada pessoa. Ex.: erro essencial sobre a pessoa do outro
cônjuge (arts. 1.556 e 1.557, CC).
c) A identidade do objeto = art. 139, I, CC. Quando se declara querer comprar o cavalo
“X” e acaba levando o cavalo “y”, sem querer.
d) A essência do objeto = art. 139, I, CC. Erro sobre as propriedades essenciais do objeto.
Erro quanto a qualidade. Ex.: compra um anel, imaginando ser de ouro, não sabendo
que se trata de cobre. Ex.: comprar bijuteria ao invés de ouro. Ex.: comprar um modelo
intermediário achando tratar-se de um luxuoso.
Neste aspecto, no que diz respeito ao erro quanto a essência do objeto, tem-se decisão
do STJ que envolve a possibilidade de anulação de negócio jurídico de compra e venda
de veículo automotor onde a parte adquire carro de modelo intermediário pensando
tratar-se de modelo luxuoso.
Processo civil. Direito do consumidor. Aquisição de veículo automotor.
Alegação do consumidor de que comprou determinado modelo,
pensando ser o mais luxuoso, e de posterior constatação de que se
tratava do modelo intermediário. Ação proposta um ano após a
aquisição. Decadência. Desnecessidade de se aguardar o término do
prazo de garantia. Alegado inadimplemento do dever de informação,
pelo vendedor, que se insere no âmbito do contrato de compra e venda.
- O início da contagem do prazo de decadência para a reclamação de
vícios do produto (art. 26 do CDC) se dá após o encerramento da garantia
contratual. Precedentes.
- A postergação do início da contagem desse prazo, contudo, justifica-se
pela possibilidade, contratualmente estabelecida, de que seja sanado o
defeito apresentado durante a garantia.
- Na hipótese em que o consumidor não adquire bem propriamente
defeituoso, mas alega ter se enganado quanto ao objeto adquirido,
comprando o automóvel intermediário em vez do mais luxuoso, não há,
necessariamente, qualquer defeito a ser corrigido durante o prazo de
garantia. A decadência para pleitear a devolução da mercadoria, a troca
do produto ou o abatimento do preço, portanto, conta-se, sendo
aparente a diferença entre os modelos, da data da compra.
- A inversão do ônus da prova pressupõe hipossuficiência (técnica,
jurídica ou econômica) ou verossimilhança das alegações feitas pelo
consumidor. Os costumes comerciais indicam que a parte interessada na
aquisição de um automóvel de luxo costuma buscar, ao menos, as
112
informações quanto aos modelos existentes. A prática também indica
que todos os modelos disponíveis, notadamente os mais caros, sejam
apresentados ao comprador. Não há, portanto, verossimilhança na
alegação de que a concessionária omitiu do consumidor a informação
sobre o modelo luxuoso. Também não há hipossuficiência do
consumidor uma vez que: (i) não é economicamente fraca a parte que
adquire automóvel de luxo; (ii) não há desequilíbrio técnico ou jurídico se
o comprador adquire o automóvel pelo convênio mantido entre a
montadora e Associação de Magistrados. Recurso especial conhecido e
improvido. (REsp 1021261/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 06/05/2010)

O erro deve, ainda, ser escusável, ou seja, perdoável, dentro do que se espera do homem
médio. Assim, não se admite erro daquele que agiu com acentuado grau de displicência e
negligência. Ex.: a compra de uma joia falsa, pelo homem médio, é um erro escusável. Contudo,
por um especialista, não é.
Também pode ocorrer nos casos de registro de nascimento, no qual o pai é induzido a
erro pela Mãe da criança e acaba registrando filho que não é seu.
Admite-se, ainda, o erro de direito, desde que não traduza oposição ou recusa à aplicação
da lei, o que não se confunde com ignorância da lei. Ex.: alguém que contratou a importação de
determinado produto, sem saber que foi, recentemente, proibida por decreto a entrada de tal
produto no país. Neste caso, deve-se admitir o erro de direito e permitir a anulação do contrato.
O art. 140, CC trata do falso motivo, o que, em regra, não invalida o negócio. Motivo é de
ordem pessoal: bom preço, boa localização, presentear alguém. Assim tem-se o exemplo do pai
que compra veículo para presentear a filha que está de aniversário. Contudo, ao chegar na data,
o pai se dá conta de que, em verdade, é o filho quem está de aniversário. Esse erro não é capaz
de anular o negócio de compra e venda do veículo.
Deve-se destacar que o erro deve ser substancial, pois o erro acidental não pode ser
objeto de anulabilidade do negócio jurídico. O erro, neste caso, pode ser suprido pelas
circunstâncias. Nestes casos, convalece o ato.
Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a
declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e
pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.

Também é erro acidental convalidável, o caso de a pessoa a quem a manifestação de


vontade se dirige, se oferecer para executá-la de acordo com a vontade real. Assim, toma-se
como exemplo a pessoa que pensa ter comprado o lote 4, da quadra X, quando, em verdade,
113
está comprando o lote 4, da quadra Y. Se o vendedor vier a entregar-lhe o lote 4, da quadra X,
não haverá invalidade do negócio jurídico.
Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a
pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para
executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.

Erro ≠ vício redibitório.


O erro atinge a vontade da pessoa, que se engana sozinha. O vício redibitório atinge o
objeto do contrato, onde a pessoa toma conhecimento do vício após a celebração do negócio.

* Para todos verem: esquema

Erro Vício redibitório

Equivocada representação da realidade ou Atinge o objeto do negócio jurídico, ao passo


opinião não verdadeira sobre o negócio, que a coisa negociada é entregue, mas com
objeto ou pessoa com quem se efetiva. algum vício ou defeito oculto que lhe diminua
Ex.: pretendia comprar o cavalo X, mas o valor.
acabou, por erro de objeto, levando para casa Ex.: comprou o cavalo X, mas, ao chegar em
o cavalo Y casa, verificou que o mesmo estava com a
mão machucada gravemente.

Estão no plano da validade Estão no plano da eficácia

O prazo para buscar a anulação do negócio jurídico eivado de erro é de 4 nos, a contar da
celebração do negócio, nos termos do art. 178, II, CC.

8.6.2 Dolo
O dolo é erro provocado por terceiro e não pelo sujeito enganado. Trata-se de um artifício
malicioso pelo qual uma das partes, visando prejudicar o outro, induz-lhe a celebração de
negócio jurídico. Ex.: vender caneta de cobre como se fosse de ouro. Neste caso, caberá
anulação do negócio.

114
Trata-se de dolo essencial, onde “uma das partes do negócio utiliza artifícios maliciosos,
para levar a outra a praticar um ato que não praticaria normalmente, visando a obter vantagem,
geralmente com vistas ao enriquecimento sem causa”17. É a arma do estelionatário.
Este dolo é maligno, ou seja, visa enganar o outro. É diferente do dolus bonus, onde
alguém realça demais as vantagens e qualidades do produto, induzindo o outro a contratar.
O dolo deve ser provado por quem alega, independendo de prova de efetivo prejuízo para
sua caracterização, ou seja, basta que indivíduo tenha sido induzido a efetuar negócio jurídico.
Não é só o dolo do negociante que gera a anulabilidade. O dolo de terceiro também tem
o condão de anular o negócio jurídico. Nesse sentido, o art. 148, CC prevê que:
Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de
terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter
conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico,
o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem
ludibriou.

Neste sentido, se o terceiro, a quem beneficia o negócio jurídico tinha conhecimento,


haverá dolo essencial e anulará o negócio. Não havendo conhecimento, o dolo é acidental,
respondendo, então, o terceiro, por perdas e danos da parte a quem ludibriou.
* Para todos verem: esquema

Tinha ciência... ... o negócio é anulável

No dolo de terceiro, se a ... o negócio não é anulável,


parte a quem aproveite dele mas o lesado pode pedir
Não tinha ciência...
perdas e danos ao autor do
dolo.

O art. 149, CC trata do dolo do representante da parte, de forma que o dolo do


representante legal obriga o representado a responder civilmente até a importância do
proveito que teve. Se o dolo for do representante convencional, caberá a ambos
(representante e representado) a obrigatoriedade de devolver aquilo que indevidamente
receberam e, ainda, responderão solidariamente por perdas e danos. Se o representante atuou
extrapolando os poderes do mandato, neste caso, a responsabilidade será apenas sua.

Por fim, cabe classificar o dolo. Quanto à extensão, o dolo pode ser:

TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. v.1. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense,
17

2016, p. 391.
115
a) Principal – essencial, determinante ou causal – ataca a causa do negócio em si.
Invalida o negócio. O negócio, sem a presença do dolo, não seria praticado.
b) Acidental – não invalida o negócio, mas só dá direito a eventual perdas e danos a favor
do prejudicado. Nestes casos, o negócio seria praticado do mesmo jeito, havendo ou
não a presença do dolo. Art. 146, CC. Ex.: os promitentes compradores afirmam que a
promitente compradora entrará na posse do imóvel dentro de 30 dias, mesmo
sabedores de que o atual inquilino só desocupará o imóvel dentro de 60 dias.
Neste sentido, Tartuce18 traz o seguinte quadro comparativo:
* Para todos verem: esquema

DOLO – responsabilidade civil DOLO – vício do negócio

Está relacionado com um negócio


Não está relacionado com um negócio
jurídico, sendo a única causa da sua
jurídico, não gerando qualquer
celebração (dolo essencial).
anulabilidade.
Sendo o dolo essencial ao ato, causará a
Se eventualmente atingir um negócio,
sua anulabilidade, nos termos do art. 171,
gera somente o dever de pagar perdas e
II, CC, desde que proposta ação no prazo
danos, devendo ser tratado como dolo
de 4 anos da celebração do negócio, pelo
acidental (art. 146, CC).
interessado (art. 178, CC).

Plano da eficácia Plano da validade

Quanto ao conteúdo, o dolo pode ser:


a) Dolus bonus (dolo bom) – é o dolo tolerável. Trata-se de exageros do comerciante ou
vendedor sobre o produto a ser vendido, mas sem a finalidade de prejudicar o
comprador. O negócio não é passível de anulação. Ex.: compra e venda de um carro.
Dizer que o carro é o melhor da categoria, que faz 17 km/L, quando, em verdade, faz 13
a 14km/L. Todavia, se o vendedor se utilizar de artifícios de má-fé para enganar o
consumidor o dolo se transforma em mau e poderá haver a anulação.
b) Dolus malus (dolo mau) – trata-se de ações malignas que visam enganar ao
consumidor, trazendo-lhe prejuízo. Ex.: compra e venda de veículo. Dizer que o veículo
nunca foi batido, quando sabe que foi. Dizer que o veículo faz 15km/L, quando faz, em
verdade, 7km/L.

18
TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. v.1. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016, p. 392.
116
Quanto à conduta das partes, o dolo pode ser:
a) Dolo positivo (ou comissivo) – dolo praticado por ação. Ex.: publicidade enganosa por
ação. Vendo carro completo: ar condicionado, direção hidráulica, pneus zero. Após a
aquisição o comprador verifica que não tem ar condicionado e os pneus estão carecas.
b) Dolo negativo (ou omissivo) – praticado por omissão. Ex.: venda de apartamento
decorado, em que não se revela ao comprador que os móveis são feitos sob medida,
induzindo-o a erro. Art. 147, CC. O prejudicado deve provar que se soubesse não
celebraria o negócio.
c) Dolo recíproco (ou bilateral) – ambas as partes agem dolosamente, um tentando
prejudicar o outro. Via de regra, há compensação dos dolos, não havendo a anulação
do negócio jurídico.
Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-
lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.

8.6.3 Coação
A coação é uma pressão física ou moral exercida sobre o negociante, obrigando-o a
assumir uma obrigação que não quer.
Coator – quem coage
Coacto, coagido ou paciente – quem sofre a coação.
Segundo o art. 151, CC, para que a coação seja capaz de invalidar o negócio jurídico, deverá
ser relevante, fundada em temor de dano iminente e considerável ao paciente, seus familiares
ou seus bens.
Classifica-se a coação em:
a) Coação física – constrangimento corporal capaz de retirar totalmente o
consentimento da pessoa. Em razão disto, é causa de nulidade. Ex.: venda celebrada a
pessoa hipnotizada. São de pouca aplicabilidade prática!!!
b) Coação moral ou psicológica – esta é a mais utilizada. Quando alguém obriga outrem
a realizar negócio jurídico sob a ameaça fundada de dano a si próprio, sua família ou
seus bens. Gera a anulabilidade do ato. Art. 151, CC.

A análise da coação deve ocorrer caso a caso, pois a idade, sexo e condição do paciente
influencia na configuração ou não desde defeito do negócio jurídico. Art. 152, CC.
O prazo para pleitear a anulação é de 4 aos, a contar de quando cessar a coação (art. 178, I,
CC).
O art. 154, CC prevê que a coação praticada por terceiro também gera a anulabilidade do
negócio jurídico, se o beneficiado pela coação dela tinha conhecimento. Permanece válido, se o
beneficiado não tinha conhecimento da coação (art. 155, CC).
117
O art. 153, CC, por sua vez, prevê situações que não configuram coação:
Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um
direito, nem o simples temor reverencial.

Assim, não constitui coação:


a) A ameaça relacionada com o exercício regular de um direito reconhecido. Ex.: ameaça
de protesto de um título em cartório.
b) Mero temor reverencial ou receio de desagradar de pessoa queria ou a quem se deve
obediência. Ex.: casar-se com alguém com medo de desapontar seu pai.

8.6.4 Estado de perigo


O estado de perigo configura-se “quando o agente, diante de situação de perigo
conhecido pela outra parte, emite declaração de vontade para salvaguardar direito seu, ou de
pessoa próxima, assumindo obrigação excessivamente onerosa”19.
O negociante, temeroso por sua vida ou de alguém próximo a si, efetua o negócio,
mediante uma prestação exorbitante. Está presente, neste caso, a onerosidade excessiva
(elemento objetivo). Ex.: João tem sua família sequestrada. De resgate, pedem o valor de
R$10.000,00. Sabendo da situação, Carlos propõe-se a comprar um valioso anel que João possui
pelos R$10.000,00. Contudo, tal anel vale R$50.000,00. Temeroso pela situação de sua família,
João celebra o negócio.
Para que esteja presente o defeito, a outra parte deve ter conhecimento da situação de
risco que atinge o primeiro (elemento subjetivo).
Sendo assim, a coação é diferente do estado de perigo, pois:

ESTADO DE PERIGO = situação de perigo conhecida da outra parte (elemento subjetivo) +


onerosidade excessiva (elemento objetivo).

Trata-se de ato anulável (art. 171, II + art. 178, II, CC), que pode ser pleiteada em 4 anos a
contar da celebração.
O negócio jurídico pode ser mantido, no caso do estado de perigo, desde que possa ser
revisado pelo juiz. Art. 156 + art. 157, CC. É o que dispõe o enunciado 148 do CJF/STJ (Conselho da
Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça): “Ao ‘estado de perigo’ (art. 156) aplica-se, por
analogia, o disposto no § 2.º do art. 157”.

19
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 442.
118
8.6.5 Lesão
A lesão está prevista no art. 157 e pode ser conceituada como sendo “o prejuízo resultante
da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico, em face
do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes”.
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade,
ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente
desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores
vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento
suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

Sendo assim, lesão é:

LESÃO = premente necessidade ou inexperiência (elemento subjetivo) + onerosidade excessiva


(elemento objetivo).

a) Necessidade premente = precisar de algo, que leva a inevitável celebração do negócio


prejudicial (aquisição da casa própria x financiamento habitacional, necessidade de
dinheiro x financiamento bancário, etc).
b) Inexperiência = pode ser econômica, financeira, política, social ou técnica, no momento
da intepretação, constituindo a hipossuficiência do consumidor.
Neste aspecto o enunciado 410, CJF/STJ: A inexperiência a que se refere o art. 157 não
deve necessariamente significar imaturidade ou desconhecimento em relação à prática
de negócios jurídicos em geral, podendo ocorrer também quando o lesado, ainda que
estipule contratos costumeiramente, não tenha conhecimento específico sobre o
negócio em causa.

Destaca-se, ainda, que a base estrutural do vício é o fato de que essa onerosidade
excessiva atinge a vontade, enquanto elemento subjetivo.
Segundo o § 2.º do art. 157, não haverá anulação do negócio se as partes fizerem acerto e
houver um aumento da prestação ou diminuição do preço, conforme o caso de onerosidade
excessiva.

8.6.6 Fraude contra credores


Fraude contra credores é um vício social que se configura na “atuação maliciosa do
devedor, em estado de insolvência ou na iminência de assim tornar-se, ou dispõe de maneira

119
gratuita ou onerosa o seu patrimônio, para afastar a possibilidade de responderem os seus bens
por obrigações assumidas em momento anterior à transmissão”20.
Exemplo: João, na iminência do vencimento de uma dívida que não terá condições de
pagar, vende a Maria imóvel de seu patrimônio. Maria sabe deste estado de insolvência.
Configura-se, assim, o vício social que pode levar à anulação do negócio jurídico (art. 158,
CC), desde que proposta ação anulatória, pelo credor, no prazo de 4 anos a contar da celebração
do negócio fraudulento (art. 178, II, CC). Esta ação é denominada de ação revocatória ou ação
pauliana. Somente os credores que já o eram no momento da disposição fraudulenta terão
legitimidade para propor a ação pauliana (art. 158, § 2.º, CC). No polo passivo devem figurar o
devedor fraudulento e o terceiro que haja atuado de má-fé (art. 161, CC).
Os fundamentos da ação pauliana são:
a) Negócios de transmissão gratuita de bens – art. 158, CC (doação);
b) Remissão de dívidas – art. 158, CC (devedor insolvente perdoa dívida de terceiro);
c) Contratos onerosos do devedor insolvente:
a. Quando a insolvência for notória
b. Quando houver motivo para ser conhecida do outro contratante (a pessoa que
adquire o bem do devedor é um parente próximo, que deveria presumir o seu
estado de insolvência);
d) Antecipação de pagamento feita a um dos credores em detrimento dos demais – art.
162, CC (neste caso, a ação é proposta também contra o beneficiário do pagamento da
dívida não vencida, que deverá repor aquilo que recebeu);
e) Outorga de garantia de dívida dada a um dos credores, em detrimento dos demais –
art. 163, CC (presunção de fraude. Caso da constituição de hipoteca sobre bem do
devedor insolvente, em benefício de um dos credores).
Anulado o negócio fraudulento, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo
sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores (art. 165, CC).
Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante
reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o
concurso de credores.
Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir
direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua
invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada.

20
TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. v.1. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2016, p. 406.
120
Na fraude contra credores há um elemento objetivo, ou seja, a atuação prejudicial do
devedor e de terceiro, bem como um elemento subjetivo, ou seja, a vontade, a intenção de
prejudicar os credores.

FRAUDE CONTRA CREDORES = intenção de prejudicar credores (elemento subjetivo) + atuação


em prejuízo aos credores (elemento objetivo).

Para que possa haver a anulação, deve haver a colusão, ou seja, atuação fraudulenta entre
aquele que dispõe do bem e quem adquire, além do prejuízo causado ao credor. Não havendo
tais requisitos, não há que se falar em anulação.
Quando houver disposição gratuita de bens ou remissão de dívidas, há a dispensa do
elemento subjetivo (art. 158, CC). Assim:
* Para todos verem: esquema

Disposição onerosa de bens com intuito de


Conluio fraudulento + evento danoso
fraude

Disposição gratuita de bens ou remissão de


Basta o evento danoso
dívida

Deve-se destacar que a fraude contra credores é diferente da fraude à execução. A fraude
à execução está prevista no art. 792, CPC/2015:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à
execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com
pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha
sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do
processo de execução, na forma do art. 828;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária
ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi
arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o
devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V - nos demais casos expressos em lei.
§ 1o A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao
exequente.
121
§ 2o No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro
adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias
para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas
no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
§ 3o Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à
execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se
pretende desconsiderar.
§ 4o Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o
terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no
prazo de 15 (quinze) dias.

O momento de ocorrência de ambas é diferente. Na fraude contra credores o devedor


aliena bens antecipadamente, em detrimento de seus credores, antes que estes ingressem com
qualquer ação. Na fraude à execução já há ação e, neste caso, o devedor atua fraudulentamente
e aliena bens, fraudando os credores e a execução. Embora fale-se em fraude à execução, deve-
se destacar que o ato ilícito ocorre mesmo quando a alienação de patrimônio ocorre após
ajuizamento e citação de ação ordinária que visa gerar o título executivo judicial.
* Para todos verem: esquema

FRAUDE À EXECUÇÃO FRAUDE A CREDORES

Instituto de direito processual Instituto de direito material

O executado já citado em ação de execução


O devedor tem várias obrigações assumidas
ou condenatória aliena bens. Ainda, aliena
perante credores e aliena de forma gratuita
bem constrito, com o registro da demanda
ou onerosa seus bens, visando prejudicar tais
ou de hipoteca judiciária na matrícula do
credores.
imóvel, nos termos do art. 792, CPC/2015.

Má-fé presumida Ônus da prova do credor

Interesse do credor e do Estado, sendo


Interesse somente do credor, como particular
considerados atos atentatórios à dignidade
prejudicado
da Justiça (art. 774, I, CPC/2015)

Atos declarados ineficazes Atos anuláveis

Objeto de ação anulatória, autônoma e


Declarável incidentalmente
específica

Tipifica ilícito penal (CP, art. 179) Interesse puramente particular

122
8.6.7 Simulação
Simulação é uma declaração enganosa, que vida produzir efeito diverso daquele indicado.
Segundo Gagliano e Pamplona Filho21, “na simulação celebra-se um negócio jurídico que tem
aparência normal, mas que, na verdade, não pretende atingir o efeito que juridicamente
deveria produzir”.
Não é vício de vontade, mas sim um vício social.
Na simulação há um desacordo entre a vontade declarada e a vontade interna, ou seja,
uma discrepância entre a vontade real e a declarada, entre a essência e a aparência. As duas
partes negociantes estão mancomunadas e objetivam iludir a terceiros.
A simulação pode ser:
a) Absoluta: o negócio forma-se a partir de uma declaração de vontade ou confissão de
dívidas emitida para não gerar efeito jurídico algum. É criada uma situação jurídica
irreal, lesiva ao interesse de terceiro.
Ex.: para livrar bens da partilha imposta pelo regime, um dos cônjuge simula negócio
com amigo, contraindo falsa dívida, visando transferir bens para efetivar o pagamento
e prejudicar o outro cônjuge.
Neste caso, o negócio foi praticado para não produzir qualquer efeito. É, portanto, uma
simulação.
b) Relativa: também chamada de dissimulação. Há uma emissão de declaração volitiva
ou confissão falsa visando encobrir ato de natureza diversa, cujos efeitos são proibidos
por lei. Também ocorre quando a declaração de vontade é emitida aparentando
conferir direitos a uma pessoa, mas transferindo-os, em verdade, para terceiro, não
integrante da relação jurídica. Aqui, diferente da simulação absoluta, as partes
pretendem atingir o resultado ou efeitos jurídicos concretos, embora vedados por lei.
Ex.: homem casado que pretende doar bem à concubina. Como a lei veda essa doação,
o homem simula uma compra e venda que, em seu bojo, encobre o ato que
efetivamente se quer praticar: doação de bem à concubina.
Ex.: na mesma situação, o homem transfere a um terceiro o bem, que, em seguida, doa
o mesmo à concubina do homem casado.
Ex.: quando as partes de um negócio pós-datam ou antedatam documento,
objetivando situá-lo cronologicamente em período de tempo diverso do qual
realmente foi celebrado.

21
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 445.
123
A simulação gera a nulidade do negócio praticado. Sendo simulação absoluta, é nulo todo
o ato. Caso seja simulação relativa, será nulo o negócio, mas subsistirá o que se dissimulou se for
válido na substância e na forma.
Ex.: um proprietário cede um imóvel a outrem celebrando contrato de comodato.
Contudo, por detrás dos panos é cobrado aluguel. O comodato, neste caso é inválido, mas a
locação é válida, desde que não ofenda a lei ou direitos de terceiros.
Ex.: alguém que faz contrato de prestação de serviços pelo CC. Contudo, estão previstos
todos os requisitos de contrato de trabalho regido pela CLT. Neste caso, será nulo o contrato de
prestação de servidos, mas válido o contrato regido pela CLT.
É o que prevê o art. 167, CC:
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se
dissimulou, se válido for na substância e na forma.

A alegação da simulação pode ser feita por terceiro, alheio ao negócio e, também, pelos
próprios negociantes, um contra o outro. Neste aspecto o enunciado 294, CJF/STJ: “Sendo a
simulação uma causa de nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes
contra a outra”. Não há necessidade de ação específica para a nulidade do negócio simulado.
Pode haver o reconhecimento incidental e de ofício pelo juiz em demanda que tenha outro
objeto.
A simulação pode ocorrer em três hipóteses, previstas no art. 167, § 1.º, CC. Trata-se de rol
exemplificativo, podendo ocorrer outros casos de simulação, sempre que houver uma
disparidade entre a vontade manifestada e a oculta.
a) De negócios jurídicos que visem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas
daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem (simulação subjetiva);
b) De negócios jurídicos que contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não
verdadeira (simulação objetiva);
c) De negócios jurídicos cujos instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-
datados (simulação objetiva).

É inoponível a terceiros de boa-fé os negócios jurídicos simulados.


§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos
contraentes do negócio jurídico simulado.

Para encerrar, deve-se considerar a questão da reserva mental, que está prevista no art.
110, CC e quando ilícita e conhecida do destinatário é vício social capaz de gerar a nulidade do
negócio jurídico. A reserva mental constitui-se de situações em que um dos declarantes oculta
sua verdadeira intenção, ou seja, quando não quer um efeito jurídico que declara querer. Trata-
124
se de uma enganação ao outro contratante. Se o outro negociante souber da reserva mental, o
negócio é nulo. Se o outro declarante, no entanto, não souber da reserva, o ato subsiste e
produz efeitos que o declarante não desejava.
- se a outra parte não tem conhecimento da reserva mental ➔ negócio válido.
- se a outra parte sabe da reserva metal ➔ negócio nulo, pois similar à simulação.
Exemplos de reserva mental:
a) Declaração de uma obra literária que anuncia que o produto da venda de seus livros
será destinado a uma instituição de caridade, quando, em verdade, não pretende nada
dito. Seu único objetivo é aumentar a venda dos livros. Caso os compradores tenham
conhecimento da reserva, a venda pode ser nulificada.
b) Declaração do testador que, com o objetivo de prejudicar herdeiro, faz disposição em
benefício de quem se diz devedor, o que não é verdade.
c) Homem que, visando relação sexual com uma mulher, promete toma-la como esposa.

* Para todos verem: esquema

125
09. Invalidade do negócio jurídico. Prescrição e decadência
9.1 Invalidade do negócio jurídico
A expressão invalidade é utilizada para definir o negócio que não produz os efeitos
desejados pelas partes envolvidas. A invalidade do negócio jurídico abrange: a) a inexistência do
negócio; b) a nulidade absoluta (negócio nulo); a nulidade relativa ou anulabilidade (negócio
anulável).
O art. 183, CC prevê que a invalidade do instrumento não induz a invalidade do negócio
jurídico celebrado, desde que possa ser provada a celebração do mesmo por outra forma. Ex.:
contrato preliminar não pode ser anulado, se puder ser provado pelas testemunhas (a forma é
dispensada nos contratos preliminares – art. 462, CC).
Além disto, a invalidação de parte de um negócio jurídico não impede a validade da outra
parte, se esta for separável (art. 184, CC). Ocorrerá, neste caso, a redução do negócio jurídico para
a parte válida. Ex.: negócio jurídico cuja multa ou cláusula penal tenha sido celebrada com lesão
(art. 157, CC). Neste caso, somente a multa é anulável, permanecendo o restante como válido.

9.1.1 Inexistência do negócio jurídico


Negócio inexistente é aquele que não produz efeitos porque lhe faltam requisitos
mínimos, no plano da existência, ou seja, partes, vontade, objeto e forma.
Não há, nestes casos, necessidade de uma declaração judicial, pois o ato inexistente é um
nada jurídico. Eventualmente, pode ser necessária a propositura de uma ação para a declaração
de inexistência de um negócio celebrado (ex., um casamento). Nestes casos, aplicam-se as
regras previstas para a nulidade absoluta.

9.1.2 Nulidade
Nulidade é a sanção imposta pela lei aos negócios jurídicos, através da privação de efeitos
jurídicos, em razão de desobediência à prescrição da norma jurídica. Trata-se da consequência
imposta aos negócios jurídicos quando não estiverem preenchidos os requisitos básicos para a
existência válida do negócio.
A nulidade pode ser: absoluta (trata-se da nulidade propriamente dita) ou relativa (trata-
se das questões de anulabilidade do negócio). Neste tópico será tratada a nulidade absoluta. A
nulidade relativa será abordada em tópico próprio.
Na nulidade, o negócio não produz efeitos pois faltam a ele os requisitos de validade
previstos no art. 104, CC. Há uma ofensa às normas de ordem pública, sendo o negócio
absolutamente inválido.
O art. 166, CC estabelece as hipóteses de nulidade:
a) Negócio celebrado por absolutamente incapaz, sem representação (art. 3.º, CC);
b) Objeto ilícito, impossível, indeterminado ou indeterminável.
126
c) Motivo determinante do negócio for ilícito (intenção das partes). O objeto em si não é
ilícito, mas houve conluio entre as partes para alcançar fim ilegítimo ou criminoso (ex.:
venda de automóvel para utilizar num sequestro; aluguel de casa para abertura de
uma casa de prostituição – a venda e o aluguel não são ilícitos, mas o motivo
determinante dela sim).
d) Quando o negócio não obedecer a forma prevista na lei ou alguma solenidade exigida
não for obedecida (incisos IV e V). Ex.: compra e venda de imóvel de valor superior a 30
salários mínimos celebrado por escritura particular (art. 108, CC) (salário de 880,00 =
R$26.400,00).
e) Negócio que tiver como objetivo fraudar a lei imperativa. Ex.: retrovenda cujo objetivo
é dar aparência de legalidade a um contrato de mútuo em que foram cobrados juros
abusivos. “Trata-se de manobra engendrada pelo fraudador para violar dispositivo
expresso de lei, objetivando esquivar-se de obrigação legal ou obter proveito ilícito. As
legislações fiscal e trabalhista costumeiramente são atingidas por esta espécie de
fraude, realizada sob diferentes formas”22.
f) Quando a lei expressamente o declarar nulo ou proibir a prática, sem cominar sanção.
Ex.: vedação de doação de todos os bens sem reserva de mínimo para sobrevivência
do doador (art. 548, CC). Ex.: é nulo o contrato que tenha por objeto herança de pessoa
viva.
Além dessas hipóteses, também é nulo o negócio simulado, subsistindo, apenas o que se
dissimulou (art. 167, CC).
Também é nulo o negócio jurídico viciado em razão de coação física, em razão da
ausência de vontade livre e de boa-fé.

Procedimento da nulidade. Para a declaração da nulidade, necessária a proposição de


ação declaratória de nulidade. Esta ação é imprescritível, por envolver preceitos de ordem
pública (art. 169, CC).

Efeitos da nulidade. Em razão de envolverem preceitos de ordem pública e interesse de


todos, podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo Ministério Público (quando lhe
couber intervir) (art. 168, CC).
As nulidades devem ser pronunciados pelo juiz, quando conhecer do negócio ou de seus
efeitos – declarada de ofício (art. 168, § único).
O art. 169, CC prevê que a nulidade não pode ser confirmada pelas partes, nem convalesce
em razão do decurso do tempo (imprescritibilidade da ação declaratória de nulidade).

22
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral.
v.1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 463.
127
Via de regra, a nulidade liquida totalmente o negócio jurídico. Contudo, prevê o art. 170,
CC que, se o negócio jurídico contiver requisitos de outro, subsiste o negócio quando o fim a
que visavam as partes permitir supor que teriam querido este outro negócio se soubessem da
nulidade. Assim, poderá o juiz fazer a conversão a este novo negócio, sem decretar a nulidade.
Ex.: compra e venda de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos celebrado por escritura
particular. É nulo o negócio. Contudo, pode ser convertido em compromisso de compra e venda
(que pode ser feito por escrito particular). Para que isto ocorra, o negócio nulo deve conter todos
os requisitos do negócio a ser convertido.
A sentença que declara a nulidade tem efeitos erga omnes (contra todos). Os efeitos
declaratórios têm efeitos ex tunc, ou seja, retroagem ao momento da celebração do negócio.
Contudo, os interesses de terceiros de boa-fé devem ser preservados. Neste sentido, o
enunciado 537, CFJ/STJ, determina: “A previsão contida no art. 169 não impossibilita que,
excepcionalmente, negócios jurídicos nulos produzam efeitos a serem reservados quando
justificados por interesses merecedores de tutela”. Ex.: casamento entre irmãos. Produz todos os
efeitos até a declaração de nulidade. Os efeitos retroagem à data da celebração, sendo o
casamento considerado como se jamais tivesse existido. Contudo, os efeitos são aproveitados às
partes que estiverem de boa-fé.

9.1.3 Anulabilidade
A nulidade relativa ou anulabilidade envolve preceitos de ordem privada, de interesse das
partes.
As hipóteses de anulabilidade constam no art. 171, CC:
a) Negócio celebrado por relativamente incapaz, sem a devida assistência (art. 4.º, CC);
b) Existência de vício no negócio jurídico: erro, dolo, coação moral ou psicológica, lesão,
estado de perigo ou fraude a credores.
c) Casos especificados pela lei como de anulabilidade. Ex.: venda de imóvel exige outorga
conjugal (art. 1.647 e 1.649). Se não houver tal outorga, o negócio jurídico celebrado é
anulável.
Procedimento da anulabilidade. Para que um negócio seja anulado, deve haver a
propositura de ação anulatória. Esta ação tem natureza constitutiva negativa, o que significa
dizer que possui prazos decadenciais, os quais estão previstos nos arts. 178 e 179, CC:
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a
anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do
dia em que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.
128
Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem
estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a
contar da data da conclusão do ato.

No caso da coação, o prazo de 4 anos inicia do momento em que cessa a coação.


Nas situações de erro, dolo, fraude a credores, estado de perigo ou lesão, o prazo de 4 anos
inicia da celebração do negócio jurídico.
Nos atos praticados por incapazes, os 4 anos iniciam no momento em que cessar a
incapacidade.
Quando não houver prazo especificado na legislação, o prazo para pleitear a anulação é de
2 anos, a contar da conclusão do negócio.
Estes prazos, previstos nos arts. 178 e 179 valem para as partes celebrantes. Quanto a
terceiros interessados (ou prejudicados) com o negócio celebrado, a contagem do prazo inicia-
se da sua ciência. É a previsão do enunciado 538, CJF/STJ: “No que diz respeito a terceiros
eventualmente prejudicados, o prazo decadencial de que trata o art. 179 do Código Civil não se
conta da celebração do negócio jurídico, mas da ciência que dele tiveram”.
Neste sentido a decisão do STJ:
Direito civil. Agravo no recurso especial. Ação pauliana. Prazo
Decadencial. Termo inicial. Registro Imobiliário. - A decadência é causa
extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado em lei, cujo
termo inicial deve coincidir com o conhecimento do fato gerador do
direito a ser pleiteado. - O termo inicial do prazo decadencial de quatro
anos para propositura da ação pauliana é o da data do registro do título
aquisitivo no Cartório Imobiliário, ocasião em que o ato registrado passa a
ter validade contra terceiros. Precedentes. Agravo no recurso especial
não provido. (AgRg no REsp 743.890/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 20/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 250)

Direito civil. Agravo no recurso especial. Ação pauliana. Prazo


Decadencial. Termo inicial. Registro Imobiliário. - A decadência é causa
extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado em lei, cujo
termo inicial deve coincidir com o conhecimento do fato gerador do
direito a ser pleiteado. - O termo inicial do prazo decadencial de quatro
anos para propositura da ação pauliana é o da data do registro do título
aquisitivo no Cartório Imobiliário, ocasião em que o ato registrado passa a
ter validade contra terceiros. Precedentes. Agravo no recurso especial

129
não provido. (AgRg no REsp 743.890/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 20/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 250)

Efeitos da anulabilidade. A anulabilidade não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz.
Deve ser alegada pelo interessado, através da ação de anulação (arts 177 e 178, CC). Também
não cabe ao Ministério Público propor a ação.
O art. 172, CC prevê que o negócio jurídico anulável pode ser confirmado (convalidado)
pelas partes, salvo o direito de terceiro. Trata-se da valorização a boa-fé. A convalidação deve
conter uma confirmação expressa do negócio jurídico, com manifestação expressa da vontade
(art. 173, CC). Se o negócio já tiver sido cumprido em parte pelo devedor, mesmo ciente do vício,
há a dispensa da convalidação expressa (art. 174, CC). Neste caso, trata-se de uma convalidação
tácita. O art. 175, CC prevê que uma vez tendo sido confirmado o negócio, não há mais como
revogar o negócio, não cabendo qualquer requerimento de anulação posterior.
O art. 176, CC prevê que: “quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de
terceiro, será validado se este a der posteriormente”. Assim, o negócio celebrado por menor
púbere (16 a 18 anos) pode ser validado se houver autorização do pai ou tutor posteriormente.
O menor púbere (16 a 18 anos) não pode se valer da própria torpeza, beneficiando-se de
ato malicioso. Assim, não cabe a alegação da idade, para eximir-se da obrigação, quando, na
celebração do negócio, omitiu a informação de ser relativamente incapaz. Neste caso, reputa-se
válido o negócio (art. 180, CC).
Além disto, o art. 181, CC prevê que “Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação
anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga”.
Em razão da vedação do enriquecimento sem causa, permite-se que, havendo prova de que o
menor se beneficiou, a pessoa reveja o dinheiro pago.
A sentença anulatória produz efeitos inter partes. Os efeitos são ex nunc (não retroagem),
ou seja, só produz efeitos a sentença a partir do seu trânsito em julgado (art. 177, CC). Contudo,
há o desfazimento do negócio, voltando ao estado anterior. Ex.: casamento anulável (volta ao
status de solteiro).

130
* Para todos verem: esquema

Nulidade e anulabilidade. Quadro comparativo.


* Para todos verem: esquema

Negócio nulo (ordem pública) Negócio anulável (ordem privada)

• Negócio celebrado por • Negócio celebrado por relativamente


absolutamente incapaz, sem a devida incapaz, sem a devida assistência
representação (art. 3.º, CC) (art. 4.º, CC)
• Objeto ilícito, impossível, • Quando houver vício acometendo o
indeterminado ou indeterminável negócio jurídico: erro, dolo, coação
• Motivo a ambas as partes for ilícito moral/psicológica, estado de perigo,
• Desrespeito à forma ou preterida lesão e fraude contra credores
alguma solenidade • Lei prevê a anulabilidade

131
• Objetivo do negócio de fraude à lei
imperativa
• Lei prevê a nulidade absoluta
(nulidade textual) ou proibir o ato sem
cominar sanção (nulidade virtual)
• Negócio simulado, incluída a reserva
mental
• Presença de coação física

• Nulidade absoluta (nulidade) • Nulidade relativa (anulabilidade)


• Ação declaratória de nulidade – • Ação anulatória, com previsão de
imprescritível prazos decadenciais
• Não pode ser suprida nem sanada, • Pode ser suprida, sanada, inclusive
inclusive pelo juiz. Exceção: conversão pelas partes (convalidação livre)
do negócio jurídico (art. 170, CC) • Ministério Público não pode intervir
• Ministério Público pode intervir na na ação anulatória
ação de nulidade absoluta. • Não cabe decretação de ofício pelo
• Cabe decretação de ofício pelo juiz. juiz.
• Sentença da ação declaratória tem • Sentença da ação anulatória tem
efeitos erga omnes (contra todos). efeitos inter partes (entre as partes).
• Sentença tem efeitos ex tunc - • Sentença da ação anulatória tem
retroativos efeitos ex nunc – não retroagem

9.2 Prova do negócio jurídico


Uma vez que o negócio jurídico tenha sido aperfeiçoado, pode necessitar, por algum
motivo, de prova. A prova é, então, o meio empregado para demonstrar e comprovar a
existência de negócios jurídicos.
Via de regra, a prova encontra-se no terceiro degrau da escala ponteana, ou seja, no plano
da eficácia, pois mantém relação com as consequências do negócio.
As provas são tratadas tanto pelo Código Civil quanto pelo Código de Processo Civil.
9.2.1 Meios de prova previstos no Código Civil
O art. 212, CC prevê as formas de provas (salvo casos em que a lei prever forma especial):
confissão, documento, testemunha, presunção e perícia.
Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico
pode ser provado mediante:
I - confissão;
132
II - documento;
III - testemunha;
IV - presunção;
V - perícia.

Esse rol é exemplificativo, pois existindo outras formas, elas não serão excluídas. Neste
aspecto, o art. 369, CPC/2015, dispõe:
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem
como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a
defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

Sendo assim, cabe, por exemplo, provas obtidas através de meio eletrônico. A prova
digital, obtida pela internet, não pode ser classificada como documento. Os Enunciados 297 e
298, CJF/STJ já previam:
297 – Art. 212. O documento eletrônico tem valor probante, desde que
seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar
sua autoria, independentemente da tecnologia empregada.

298 – Arts. 212 e 225. Os arquivos eletrônicos incluem -se no conceito de


“reproduções eletrônicas de fatos ou de coisas”, do art. 225 do Código
Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental.

O CPC/2015 prevê a possibilidade de utilização desse meio de prova. O art. 422 faz essa
previsão.
Art. 422. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a
cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para
fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade
com o documento original não for impugnada por aquele contra quem
foi produzida.
§ 1o As fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de
computadores fazem prova das imagens que reproduzem, devendo, se
impugnadas, ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou,
não sendo possível, realizada perícia.
§ 2o Se se tratar de fotografia publicada em jornal ou revista, será exigido
um exemplar original do periódico, caso impugnada a veracidade pela
outra parte.
133
§ 3o Aplica-se o disposto neste artigo à forma impressa de mensagem
eletrônica.

Outros dispositivos, também do CPC/2015 fazem a previsão da possibilidade de utilização


dos meios eletrônicos como prova:
Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo
convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da
verificação de sua autenticidade, na forma da lei.
Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não
convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e
conservados com a observância da legislação específica.

As publicações em redes sociais também vêm sendo admitidas como meio de prova. A
partir daí, necessário que se analise cada um dos meios de prova contidos no art. 212, CC:
confissão, documento, testemunha, presunção e perícia.

Confissão.
A confissão é uma declaração feita por alguém, contra quem se pretende provar fato ou
negócio jurídico. Neste aspecto é a previsão do art. 389, CPC/2015:
Art. 389. Há confissão, judicial ou extrajudicial, quando a parte admite a
verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário.

Assim, a confissão é ato pelo qual a parte, espontaneamente ou não, judicial ou


extrajudicialmente, admite a verdade de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao
adversário.
A confissão também pode ser tácita ou expressa. Expressa é quando há manifestação.
Tácita é a confissão quando há o silêncio. Ex.: os fatos contidos na inicial e não contestados serão
presumidos como verdadeiros (art. 341, CPC/2015) (Art. 341. Incumbe também ao réu
manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial,
presumindo-se verdadeiras as não impugnadas).
A confissão não tem eficácia se provém de alguém que não tem capacidade de dispor do
direito a que se referem os fatos confessados (art. 213, CC; 392, § 1.º, CPC/2015).
Também não é eficaz a confissão feita por absolutamente incapaz.
Não servem de prova a confissão de fatos relativos a direitos indisponíveis. Ex.: Art. 1.600.
Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da
paternidade.
134
A confissão pode ser feita por mandatário (representante) (art. 213, § único). Assim, a
confissão é ato não personalíssimo e impessoal. Contudo, sua eficácia limita-se aos poderes da
representação. Os poderes para tanto devem ser especiais, ou seja, deve contar no instrumento
de mandato os poderes para confessar.
A confissão é irrevogável e irretratável. Contudo, poderá ser anulada se for produzida com
base em erro ou coação (art. 214, CC; art. 393, CPC/2015).

Documentos.
Representam um fato, destinando-se a conservá-lo para prová-lo no futuro.
Os documentos podem ser: públicos e particulares.
Particulares – feitos mediante atividade privada, ou seja, documentos firmados por
particulares. Ex.: cartas, telegramas.
Públicos – documentos elaborados por autoridade pública no exercício de suas funções.
Ex.: escritura pública, certidões, traslados, etc.
O art. 215, CC dispõe que a escritura púbica é documento dotado de fé pública. Assim, não
cabe provar com testemunhas contra a escritura, pois ela é documento fidedigno, em razão da
fé púbica do tabelião.
O art. 215, § 1.º, CC estabelece os requisitos que devem constar na escritura pública:
§ 1o Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública
deve conter:
I - data e local de sua realização;
II - reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos
hajam comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes
ou testemunhas;
III - nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das
partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do
regime de bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação;
IV - manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes;
V - referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à
legitimidade do ato;
VI - declaração de ter sido lida na presença das partes e demais
comparecentes, ou de que todos a leram;
VII - assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do
tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato.

Se esses requisitos não forem observados pelo Tabelião de Notas, fará com que a escritura
pública seja nula.
135
A escritura pode ser lavrada em qualquer Tabelionato de Notas do território nacional. Não
é obrigatório lavrar a escritura no local onde se reside ou onde está localizado o imóvel.
Contudo, o registro imobiliário deve ser feito no local onde está localizado o bem. Segundo o art.
108, CC, só se exige escritura pública para lavratura de atos de disposição de imóveis acima de
30 salários mínimos.
O § 2.º do art. 215, CC prevê que se algum comparecente não puder ou não souber
escrever, outra pessoa capaz assinará por ele, a seu rogo. O ato, ainda assim, será válido.
A escritura é redigida em língua nacional (§ 3.º). Se não o for, será nula.
(§ 4.º) Se qualquer dos comparecentes não souber a língua nacional e o tabelião não
entender o idioma em que se expressa, deverá comparecer tradutor público para servir de
intérprete, ou, não o havendo na localidade, outra pessoa capaz que, a juízo do tabelião, tenha
idoneidade e conhecimento bastantes.
(§ 5.º) Se algum dos comparecentes não for conhecido do tabelião, nem puder identificar-
se por documento, deverão participar do ato pelo menos duas testemunhas que o conheçam e
atestem sua identidade. Sendo assim, primeiro o Tabelião deve identificar os comparecentes
documentalmente (documento com foto).
Assim, quando a lei exigir instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial
que seja, pode substituir sua falta (art. 406, CPC/2015).
O documento deve ser exibido, como prova, no formato original. Contudo, também
servirão de prova, as certidões judiciais. Art. 216, CC:
Art. 216. Farão a mesma prova que os originais as certidões textuais de
qualquer peça judicial, do protocolo das audiências, ou de outro qualquer
livro a cargo do escrivão, sendo extraídas por ele, ou sob a sua vigilância, e
por ele subscritas, assim como os traslados de autos, quando por outro
escrivão consertados.

Também servem de prova os traslados e certidões do tabelião. Art. 217, CC:


Art. 217. Terão a mesma força probante os traslados e as certidões,
extraídos por tabelião ou oficial de registro, de instrumentos ou
documentos lançados em suas notas.

Neste mesmo sentido é o art. 425, CPC/2015:


Art. 425. Fazem a mesma prova que os originais:
I - as certidões textuais de qualquer peça dos autos, do protocolo das
audiências ou de outro livro a cargo do escrivão ou do chefe de
secretaria, se extraídas por ele ou sob sua vigilância e por ele subscritas;

136
II - os traslados e as certidões extraídas por oficial público de
instrumentos ou documentos lançados em suas notas;
III - as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas
por oficial público ou conferidas em cartório com os respectivos originais;
IV - as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial
declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal,
se não lhes for impugnada a autenticidade;
V - os extratos digitais de bancos de dados públicos e privados, desde
que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações
conferem com o que consta na origem;
VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou
particular, quando juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus
auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela Defensoria
Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas
em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e
fundamentada de adulteração.
§ 1o Os originais dos documentos digitalizados mencionados no inciso VI
deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para
propositura de ação rescisória.
§ 2o Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou de
documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar
seu depósito em cartório ou secretaria.

Certidão é reprodução do que se encontra expresso em livro ou documento.


Traslado é cópia do que está lançado no livro ou nos autos.

Ainda sobre documentos, o art. 219 dispõe:


Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados presumem-
se verdadeiras em relação aos signatários.
Parágrafo único. Não tendo relação direta, porém, com as disposições
principais ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas
não eximem os interessados em sua veracidade do ônus de prová-las.

Significa dizer que os documentos assinados, públicos ou particulares, tem eficácia (são
verdadeiros) entre as partes que neles lançaram suas assinaturas (art. 408, CPC/2015). Trata-se
de presunção relativa, podendo ser afastada por outro meio de prova. Ex.: cartão ponto no

137
direito do trabalho faz prova da jornada de trabalho. Cabe, contudo, ao trabalhador fazer prova,
por outros meios da existência de horas extras não registradas e não pagas.
Declarações enunciativa – qualificação das partes, por exemplo.
Existem situações que a lei determina que o cônjuge outorgue anuência ao outro, para
que possa celebrar negócio jurídico (ex.: art. 1.647, CC). Nestes casos, o art. 220 dispõe que:
Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de
um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que
se possa, do próprio instrumento.

Assim, só por instrumento público poderá ser a procuração outorgada pelos cônjuges, um
ao outro, para a outorga marital, para a venda de bens imóveis, essencial a validade da escritura
pública.

Com relação aos instrumentos particulares, o art. 221, CC dispõe que:


Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado
por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova
as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem
como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de
registrado no registro público.
Parágrafo único. A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas
outras de caráter legal.

Diferente do instrumento público, o particular não tem força probante absoluta. O que
consta em instrumento particular pode ser provado de outra forma (testemunhas, por
exemplo). O instrumento particular gera efeitos apenas entre as partes que o firmaram. Para
valer contra terceiros, deve ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos.

O art. 222, CC trata do telegrama, prevendo que quando houver contestação de sua
autenticidade, a prova poderá ser feita mediante conferencia com o original assinado.
Art. 222. O telegrama, quando lhe for contestada a autenticidade, faz
prova mediante conferência com o original assinado.

Com relação ao correio eletrônico (e-mail), o Enunciado 18, CJF/STJ, dispõe:


A "quitação regular" referida no art. 319 do novo Código Civil engloba a
quitação dada por meios eletrônicos ou por quaisquer formas de
"comunicação a distância", assim entendida aquela que permite ajustar

138
negócios jurídicos e praticar atos jurídicos sem a presença corpórea
simultânea das partes ou de seus representantes.

A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá como prova da
declaração de vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser exibido o original (art.
223, CC). Trata-se das cópias autenticadas.

O art. 225 dispõe:


Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros
fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou
eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte,
contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.

Em termos de fotografia digital, publicada na internet, deve-se comprovar sua veracidade


através de sua autenticação eletrônica ou através de perícia que lhe prove a veracidade. Em se
tratando de foto publicada em jornal, deve ser apresentado exemplar do jornal para efetivar a
prova. Art. 422, CPC/2015.
Art. 422. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a
cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para
fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade
com o documento original não for impugnada por aquele contra quem
foi produzida.
§ 1o As fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de
computadores fazem prova das imagens que reproduzem, devendo, se
impugnadas, ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou,
não sendo possível, realizada perícia.
§ 2o Se se tratar de fotografia publicada em jornal ou revista, será exigido
um exemplar original do periódico, caso impugnada a veracidade pela
outra parte.
§ 3o Aplica-se o disposto neste artigo à forma impressa de mensagem
eletrônica.

Por fim, o art. 226, determina:


Art. 226. Os livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra as
pessoas a que pertencem, e, em seu favor, quando, escriturados sem
vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios.

139
Parágrafo único. A prova resultante dos livros e fichas não é bastante nos
casos em que a lei exige escritura pública, ou escrito particular revestido
de requisitos especiais, e pode ser ilidida pela comprovação da falsidade
ou inexatidão dos lançamentos.

Não se trata de prova absoluta, pois pode ser afastada a presunção de veracidade, através
da comprovação da falsidade, por perícia técnica.

Testemunhas.
Testemunhas são pessoas chamadas a depor sobre determinados fatos, visando a
comprovação ou elucidação dos mesmos. As testemunhas podem ser:
Judiciárias. Aquelas convocadas para depor em juízo.
Instrumentárias. São as que se pronunciam extrajudicialmente, sobre determinado
documento.
A prova testemunhal é sempre admissível, desde que a lei não exija prova de modo
diverso (art. 442, CPC/2015).
As pessoas que depuserem em juízo como testemunhas deverão prestar compromisso de
dizer a verdade. Caso não digam a verdade, poderão incorrer no crime de falso testemunho. O
juiz esclarece isto às testemunhas e, se aceitarem, estarão compromissadas com o juízo.
Contudo, não podem ser testemunhas (art. 228, CC + art. 447, CPC/2015):
Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I - os menores de dezesseis anos;
II - (Revogado);
III - (Revogado);
IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das
partes;
V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o
terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade.
§ 1o Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o
depoimento das pessoas a que se refere este artigo.
§ 2o A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de
condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os
recursos de tecnologia assistiva.

Tecnologia assistiva – recursos ou sistemas computadorizados especiais, capazes de


contemplar a acessibilidade, uso de roupas adaptadas, enfim, tudo o que possa auxiliar a pessoa
com deficiência, promovendo sua inclusão social.
140
O art. 447, CPC/2015 dispõe que qualquer pessoa pode ser testemunha, salvo as incapazes,
impedidas ou suspeitas, definindo quem são elas:
Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as
incapazes, impedidas ou suspeitas.
§ 1o São incapazes:
I - o interdito por enfermidade ou deficiência mental;
II - o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao
tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo
em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;
III - o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;
IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos
que lhes faltam.
§ 2o São impedidos:
I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em
qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por
consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou,
tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de
outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do
mérito;
II - o que é parte na causa;
III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o
representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que
assistam ou tenham assistido as partes.
§ 3o São suspeitos:
I - o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo;
II - o que tiver interesse no litígio.
§ 4o Sendo necessário, pode o juiz admitir o depoimento das
testemunhas menores, impedidas ou suspeitas.
§ 5o Os depoimentos referidos no § 4o serão prestados
independentemente de compromisso, e o juiz lhes atribuirá o valor que
possam merecer.

Pode, excepcionalmente o juiz permitir o depoimento de pessoas incapazes, impedidas


ou suspeitas. Contudo, serão ouvidas como informantes do juízo e não como testemunhas.
Neste caso, não prestarão compromisso de dizer a verdade.
Por fim, ninguém será obrigado a depor sobre fato – art. 448, CPC/2015:
Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:
141
I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou
companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta
ou colateral, até o terceiro grau;
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

Trata-se do sigilo profissional e proteção aos interesses pessoais da testemunha.

Presunção.
É a dedução de um fato conhecido para demonstrar outro desconhecido. Consequência
que tem como ponto de partida um fato conhecido para chegar ao ignorado.
Exemplo de presunção: como é conhecido o fato de que o credor só entrega o título
(promissória) ao devedor com o pagamento, presume-se que se o devedor está de posse da
promissória, houve pagamento.
As presunções podem ser: legais (decorrentes da lei. Ex.: presunção de paternidade) ou
comuns (que se baseiam no que ordinariamente ocorre, na experiência da vida. Ex.: presume-se
que as dívidas do marido sejam contraídas em benefício da família).
Neste aspecto, deve-se destacar os arts. 231 e 232, CC:
Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário
não poderá aproveitar-se de sua recusa.
Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a
prova que se pretendia obter com o exame.

Situação mais comum é nos casos de investigações de paternidade em que o suposto pai
nega-se a fazer o exame de DNA. Neste caso, cabe a presunção de paternidade, não sendo mais
necessária a prova da paternidade através do exame, em razão da recusa. No mesmo sentido é
a previsão da súmula 301, STJ:
“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame
de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”

Trata-se de uma presunção relativa, pois pode ser afastada através da realização posterior
do exame de DNA.
Aliás, as presunções podem ser: absolutas (que não admitem prova em contrário. Ex.:
vulnerabilidade do consumidor) ou relativas (que admitem prova em contrário. Ex.: presunção
de paternidade).

Perícias.
Perícia é o exame ou vistoria.
142
Exame é a apreciação de alguma coisa, por peritos, para auxiliar o juiz a formar sua
convicção. Ex.: exame grafotécnico, exame de sangue
Vistoria é uma perícia restrita à inspeção ocular. É diligencia frequente nas ações
imobiliárias, possessórias ou demarcatórias.
Também é prova pericial a avaliação, ou seja, atribuição de valor de mercado a algum
bem.

9.2 ATO ILÍCITO


O ato jurídico em sentido amplo é toda ação humana lícita que crie, modifique ou extinga
direitos e obrigações. Contudo, nem todo ato jurídico é lícito, pois é possível que a pessoa atue
em contrariedade ao direito, violando normas jurídicas e causando prejuízo a alguém. Nestas
situações, tem-se os atos ilícitos. Assim, ato ilícito é todo ato praticado com infração ao dever
legal de não lesar a outra pessoa.
* Para todos verem: esquema

São elementos componentes do ato ilícito:


a) Ação humana (positiva ou negativa)
b) Contrariedade ao direito ou ilicitude (violação de dever jurídico preexistente)
c) Prejuízo (material ou moral)

O ato ilícito é um só, mas pode atingir várias esferas do direito: civil, administrativo e penal.
Ex.: um homem atravessa o sinal vermelho, bate de carro em outra pessoa, causando prejuízos
financeiros (danos ao veículo) e danos físicos na pessoa que está no carro. Neste caso, as três
esferas foram violadas. Haverá multa de trânsito, por passar o sinal vermelho; indenização por
danos materiais, por ter estragado o carro; e privação da liberdade, em razão do crime
cometido.
O ato ilícito é, portanto, um ato consciente e voluntário do ser humano que transgride
dever jurídico.
143
Neste aspecto é a previsão do art. 186, CC:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Sendo assim, havendo o dano, causado pelo ato ilícito, haverá a responsabilidade.
Mas para que exista a responsabilidade, deve haver a presença de três elementos:
a) Fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência;
b) Ocorrência de um dano patrimonial ou moral;
c) Nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente.

Quanto a responsabilidade civil, observar o conteúdo trabalhado diretamente na


disciplina.

9.2.1 Abuso de direito


O art. 187, CC reconhece a teoria do abuso de direito:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-
lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico
ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

O abuso de direito são situações em que alguém abusa de seu direito e prejudica outrem.
Não há que se provar a culpa para que surja o dever de indenizar os danos causados.

9.2.2 Causas excludentes de ilicitude


O direito prevê como causas de exclusão da ilicitude o exercício regular do direito, a
legítima defesa e o estado de necessidade.
Neste sentido, prevê o art. 188, CC:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim
de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando
as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo
os limites do indispensável para a remoção do perigo.
144
Assim, a legítima defesa constitui-se de reação proporcional a uma injusta agressão, atual
ou iminente, utilizando-se moderadamente dos meios de defesa postos à disposição do
ofendido. Se os meios forem desnecessários ou imoderados pode caracterizar o excesso,
proibido pelo direito. Se o ato foi praticado contra o próprio agressor, e em legítima defesa, não
há que se falar em responsabilidade civil pelos danos causados. Contudo, se terceira pessoa
tiver sido atingida, por engano, haverá o dever de reparar o dano, mas existirá, também, o
direito de ação regressiva contra o agressor (art. 930, § único, CC).
O exercício regular do direito significa que se alguém, no uso normal de um direito lesar
outrem, não terá qualquer responsabilidade pelo dano, por não ser um procedimento ilícito.
O inciso II, do art. 188, CC, trata do estado de necessidade e prevê que se alguém, para
remover perigo iminente destruir alguma coisa alheia ou agredir a outrem, deverá indenizar o
outro, cabendo ação regressiva contra o verdadeiro agressor (arts. 929 e 930, CC). O estado de
necessidade consiste, então, em situação de agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual
ou inferior àquele que se pretende proteger, para remover perigo iminente, quando as
circunstâncias do fato não autorizarem outra forma de atuação. Só será legítimo o estado de
necessidade quando as circunstâncias o torarem absolutamente necessário.
Estado de necessidade e legítima defesa são distintos, pois no primeiro, o agente não
reage a uma situação injusta, mas age ara subtrair um direito seu ou de outrem de uma
situação de perigo concreto. Ex.: alguém que desvia o carro do bebê, para não atropelá-lo, mas
atinge o muro da casa, causando danos materiais. Agiu em estado de necessidade. Terá o dever
de indenizar os prejuízos materiais causados, embora não seja ato ilícito.
Sendo assim, em situações excepcionais, os atos lícitos poderão impor a obrigação de
indenizar. Ex.: art. 1.285, CC.

9.3 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA


O exercício de um direito não pode ficar pendente, indefinidamente, no tempo. O titular
do direito deve exercê-lo dentro do prazo.
Sendo assim, com base na certeza e na segurança da ordem jurídica, surge a matéria da
prescrição e da decadência, pois não é razoável que sejam estabelecidas relações jurídicas
perpétuas, capazes de obrigar sem limitação temporal.

9.3.1 O tempo como fato jurídico


O tempo não para e é, justamente, os efeitos jurídicos do decurso do tempo, que trata a
prescrição e a decadência.
O tempo é um fato jurídico natural e traz repercussões no nascimento, exercício e
extinção de direitos.
145
O decurso de tempo pode ser fato gerador de aquisição de direitos. Ex.: usucapião, onde a
posse mansa e pacífica por certo período de tempo possibilita a aquisição da propriedade de
imóvel.
O tempo tem força modificativa. Ex.: situação das capacidades. Alguém com 15 anos é
incapaz, mas com o decurso do tempo deixará de sê-lo.
O tempo também pode, também determinar a morte de certos direitos ou pretensões
decorrentes de sua violação, que é o caso da prescrição e da decadência.

9.3.2 Prescrição
A prescrição é a perda da pretensão de reparação do direito violado, em razão da inércia
do titular, dentro do prazo previsto pela lei. Neste aspecto, o art. 189, CC, determina:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

Assim, se o titular permanecer inerte, a pena será a perda da pretensão judicial de


cobrança que teria.
A prescrição, é, com isto, um benefício para o devedor, pela regra de que o direito não
socorre àqueles que dormem.
A prescrição pode ser:
a) Extintiva: é a perda da pretensão.
b) Aquisitiva: relativa ao direito das coisas – usucapião.
c) Intercorrente: quando o autor de processo já iniciado permanece inerte, de forma
continuada e ininterrupta, durante lapso temporal suficiente para a perda da
pretensão. Interrompida a prescrição o prazo voltará a fluir do último ato do processo
que a interrompeu.

A prescrição extintiva é um fato jurídico stricto sensu, relacionado ao decurso do tempo e,


portanto, a fatos naturais.
Na prescrição, o que ocorre é a extinção da pretensão. O direito, contudo, permanece
incólume, mas sem a proteção jurídica para solucioná-lo.

Pretensões imprescritíveis
Apesar de a prescrição ser a regra, existem pretensões que são imprescritíveis (exceção):
a) Que protegem os direitos da personalidade: vida, honra, liberdade, integridade física
ou moral, imagem, nome, obras literárias, artísticas ou científicas.

146
b) As que se prendam ao estado das pessoas: filiação (prescreve, contudo, a ação de
petição de herança – 10 anos a contar do óbito), qualidade de cidadania (interdição),
condição conjugal (separação, divórcio)
c) As de exercício facultativo ou potestativo: não existe direito violado, como as
destinadas a extinguir o condomínio (ação de divisão – Art. 1.320, CC), pedir a meação
no muro do vizinho;
d) As referentes a bens públicos de qualquer natureza;
e) As que protegem o direito de propriedade, que é perpétuo;
f) As pretensões de reaver bens confiados à guarda de outrem, a título de depósito, penhor
ou mandato.
g) As destinadas a anular inscrição do nome empresarial feita com violação de lei ou
contrato (Art. 1.167, CC).
h) Pretensões de ressarcimento do erário por danos decorrentes de atos de improbidade
administrativa (segundo o STJ)

Prescrição e institutos afins


Alguns institutos, por também sofrerem a ação do tempo, são semelhantes à prescrição,
mas com ela não se confundem:
Preclusão – perda de uma faculdade processual, por não ter sido exercida no tempo certo.
Ex.: não juntou documentos com a inicial, precluiu o prazo para juntar.
Perempção – também de natureza processual, consiste na perda do direito de ação pelo
autor contumaz, que tenha dado causa a três arquivamentos sucessivos. Passa a poder alegar o
direito apenas como matéria de defesa (não pode ingressar com nova ação).

Disposições gerais sobre prescrição


A prescrição é a perda ou extinção da pretensão, por relacionar-se com um direito
subjetivo.
Os arts. 205 e 206, CC tratam dos prazos de prescrição.
O prazo de prescrição inicia sua contagem, segundo o enunciado 14 do CJF/STJ, do
surgimento da pretensão – violação do direito subjetivo:

Enunciado 14: Art. 189: 1) O início do prazo prescricional ocorre com o


surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito
subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce
imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de
não fazer.

147
Assim, no caso de uma dívida, a prescrição começa a correr no momento em que não há o
pagamento (vencimento + inadimplemento). No caso de um ato ilícito, inicia a prescrição com a
ocorrência do evento danoso.
Em havendo uma condição ou prazo, a contagem da prescrição inicia com a
implementação
Mas para que se configure a prescrição, necessária a presença de três elementos:
a) Existência de uma pretensão exercitável;
b) Inércia do titular pelo seu não exercício;
c) Decurso de tempo fixado em lei.

O art. 190 estabelece que a exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão. A
exceção é a alegação de uma pretensão como defesa.

Renúncia da prescrição.
Art. 191 – não cabe renúncia prévia da prescrição. Só é cabível quando já consumada a
prescrição. Assim, são dois os requisitos para a validade da renúncia à prescrição: a) que já tenha
sido consumada; b) que não prejudique terceiros (credores que poderão ser prejudicados com a
renúncia da prescrição).
A renúncia pode ser:
a) Expressa – manifestação taxativa, inequívoca, escrita ou verbal, por parte do devedor,
de que não pretende se utilizar da prescrição.
b) Tácita – art. 191, CC, é a que se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a
prescrição. Ex.: uma vez consumada a prescrição, ato de reconhecimento da dívida por
parte do devedor, como, por exemplo, o pagamento parcial da dívida ou composição
visando a solução futura do débito.
Sendo assim, mesmo havendo dívida prescrita, não há óbice ao fato de o devedor quitar
tal dívida. Contudo, o art. 882, CC determina que não cabe repetição do indébito quando feito
pagamento para quitar dívida prescrita.
Prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo entre as partes
Art. 192 – os prazos prescricionais não podem ser alterados por acordo entre as partes.

Prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição


Art. 193 – a parte a quem aproveite a prescrição pode ser alegada em qualquer fase ou
estado da causa, em primeira ou segunda instância, ou seja, em qualquer fase do processo de
conhecimento (mesmo que não tenha sido alegada em contestação).
Não cabe alegar prescrição em fase de cumprimento de sentença, salvo a superveniente,
ou seja, aquela que surja após a sentença.
148
Se a prescrição não foi arguida na primeira ou segunda instância, não cabe sua alegação
perante os Tribunais Superiores (STJ ou STF), por falta de prequestionamento.

Prescrição pode ser alegada pela parte a quem aproveita


Art. 193 – A alegação da prescrição não cabe apenas ao devedor, mas a quem possa
interessar seu reconhecimento. Ex.: credores do devedor (ou prescribente) insolvente.
Também pode alegar a prescrição o representante do Ministério Público.

A prescrição pode ser suprida de ofício pelo juiz.


Com a revogação do art. 194, CC, verifica-se da possibilidade de que o juiz, de ofício,
reconheça a prescrição, até mesmo em razão da celeridade processual. Contudo, o
reconhecimento, de ofício, pelo juiz, da prescrição, não retira a possibilidade de renúncia da
prescrição por parte do devedor (enunciado 295, CJF/STJ).

Cabe ação contra os representantes que deram causa à prescrição


Art. 195 – Segundo o art. 195, CC, os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm
ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não
a alegarem oportunamente. Cabe, portanto, indenização pelos prejuízos sofridos. Ex.: tutelado
tem direito a receber indenização do tutor que tiver lhe causado prejuízo em razão da
prescrição.

Prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o sucessor


Art. 196 – Uma vez que se inicie a correr a prescrição, segue a contagem contra o herdeiro,
de forma que o sucessor terá apenas o prazo faltante para exercer a pretensão, quando do óbito
do autor da herança. Tanto o prazo contra, como o a favor do sucessor não inicia nova
contagem (prossegue, mesmo com o óbito).

Causas que impedem ou suspendem a prescrição


Os arts. 197 a 201, CC tratam das causas que impedem ou suspendem a prescrição, de
acordo com o momento em que surgem.
Quando se fala em suspensão da prescrição, se trata de situações em que o prazo iniciou a
contagem e, por algum fato previsto em lei, há a suspensão. Cessada a causa de suspensão, o
prazo volta a correr de onde tinha parado, ou seja, apenas pelo tempo restante.
Não corre prescrição (suspende ou impede):
Art. 197. Não corre a prescrição:
I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

149
Aqui incluem-se, não só os cônjuges, durante o matrimônio, mas também os conviventes,
durante a união estável (enunciado 296, CJF/STJ).

II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;


O poder familiar cessa quando o filho completar 18 anos.

III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a


tutela ou curatela.

Art. 198. Também não corre a prescrição:


I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados
ou dos Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo
de guerra.

Quanto a situação dos arts. 197, II e art. 198, I, CC, deve-se destacar a questão dos
alimentos. Em se tratando de suspensão ou impedimento de início da contagem do prazo
prescricional, deve-se considerar que, no caso de alguém com 17 anos não corre prescrição,
podendo cobrar todo o débito alimentar (de 1999 até 2014, por exemplo). Contudo, mesmo que
complete 18 anos, só a partir dali é que começa a correr o prazo prescricional de 2 anos. Significa
dizer que até os 20 anos cabe cobrar todo o período devido.
* Para todos verem: esquema

Relativamente incapazes Corre contra ou a favor

PRESCRIÇÃO

Se contra: a prescrição não corre


Absolutamente incapazes

Se a favor: a prescrição corre

Aqui, cabe mencionar a situação do art. 198, II, enquadrando-se os representantes


diplomáticos do Brasil junto aos países estrangeiros, os agentes consulares brasileiros no
exterior, os que estiverem a serviço do governo federal, estadual ou municipal, para estudos
técnicos em países estrangeiros, militar em missão de paz fora do Brasil, etc.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:

150
I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção.

Nas duas primeiras situações, o direito ainda não se tornou exigível, não sendo possível,
portanto, falar-se em prescrição. Se terceiro propor ação de evicção, a prescrição só corre após o
desfecho final.
Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo
criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

No caso de reparação civil, só inicia a contagem do prazo quando houver sentença penal
condenatória definitiva.
Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só
aproveitam os outros se a obrigação for indivisível.
A prescrição é benefício pessoal e só aproveita as pessoas mencionadas, mesmo em caso
de solidariedade. Para que a suspensão da prescrição que favoreça um dos credores solidários
beneficie aos demais, a obrigação deve ser indivisível.
Ex.: a obrigação de entrega de animal é indivisível. Se forem três credores de devedor
comum. Um dos credores é absolutamente incapaz. Contra ele não corre prescrição. Como a
obrigação é indivisível, beneficia a todos a prescrição. neste caso, só iniciaria o prazo de
contagem a partir do momento em que fizesse 16 anos.
Ex.: obrigação de pagar importância em dinheiro. Se forem três credores de devedor
comum. Um dos credores é absolutamente incapaz. Contra ele não corre prescrição. Como a
obrigação é divisível, não haverá benefício aos demais.

Causas que interrompem a prescrição


A interrupção depende de um comportamento ativo do credor. Diferentemente da
suspensão, que decorre de fatos previstos em lei, a interrupção demanda um ato de exercício
ou proteção do direito. Nestes casos, extingue o tempo já decorrido, que volta a correr por
inteiro (diferente da suspensão, quando o prazo volta a fluir pelo tempo restante).
O efeito da interrupção é instantâneo, pois, segundo o art. 202, § único, CC, a prescrição
interrompida começa a correr da data do ato que a interrompeu.
Contudo, a interrupção só pode ocorrer uma vez (art. 202, CC)
As causas que interrompem a prescrição são:
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma
vez, dar-se-á:

151
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se
o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

Esse despacho deve ser seguido da citação válida. Uma vez operada a citação, a
interrupção retroage a data da propositura da ação (art. 240, § 1.º, CPC/2015). Com isto, mesmo
que a citação demore, não haverá a prescrição.
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;

Estes dois incisos tratam de protesto (judicial e cambiário).


IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em
concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

A notificação extrajudicial, feita pelo Cartório de Títulos e Documentos não é capaz de


interromper a prescrição.
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe
reconhecimento do direito pelo devedor.

Ex.: pagamento parcial da dívida, envio de carta reconhecendo a dívida, etc.

A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado (art. 203, CC)
Os efeitos da prescrição são pessoais. O efeito da interrupção da prescrição por um credor
não aproveita aos demais, assim como aquela promovida contra um devedor ou seu herdeiro,
não prejudica aos demais coobrigados (art. 204, CC). Esta regra, contudo, admite exceção: a
interrupção por um dos credores solidários aproveita aos demais.

Prazos prescricionais
Os prazos prescricionais podem ser:
a) Ordinários: quando não houver prazo especial, o prazo prescricional é de 10 anos,
tanto para ações reais, quanto para pessoais (art. 205, CC).
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja
fixado prazo menor.

b) Especiais: são prazos mais exíguos, previstos especificiamente no art. 206, CC e podem
ser de 1, 2, 3, 4 ou 5 anos.
Art. 206. Prescreve:
152
§ 1o Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a
consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da
hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra
aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data
em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo
terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do
segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais,
árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram
para a formação do capital de sociedade anônima, contado da
publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e
os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da
liquidação da sociedade.
§ 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a
partir da data em que se vencerem.
§ 3o Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias
ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações
acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com
capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-
fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da
lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade
anônima;

153
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do
balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou
da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à
violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar
do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro
prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da
aprovação das contas.
§ 5o Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de
instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais,
curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da
conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou
mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em
juízo.

9.3.3 Decadência
Decadência é a perda do direito potestativo pela inércia de seu titular no período
determinado pela lei. O objeto são os direitos potestativos de qualquer espécie, disponíveis ou
indisponíveis, direitos que conferem ao titular o poder de influir ou determinar mudanças na
esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenas uma
sujeição.
Na decadência o prazo começa a correr no momento em que o direito nasce. O prazo
prescricional, por sua vez, inicia no momento em que há a violação do direito.
A decadência pode resultar e lei, do testamento ou do contrato. A prescrição deriva
apenas da lei.
Os prazos de prescrição são taxativos (apenas as hipóteses dos arts. 205 e 206, CC). Os
demais prazos são decadenciais.
Na decadência há a perda de um direito previsto em lei. A lei estabelece que determinado
ato deva ser exercido dentro de um prazo determinado. Em não o sendo, não mais poderá
efetivar-se, pois seu titular decaiu do direito. A decadência é o não exercício de um direito

154
potestativo dentro do prazo. Ex.: direito de pleitear a anulação de um negócio jurídico (prazo de
180 dias a contar da celebração).
A decadência pode ser legal ou convencional. No caso da decadência convencional,
estabelece o art. 211, CC, que a parte a quem aproveita pode alega-la em qualquer grau de
jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação. O juiz deve, de ofício, reconhecer a decadência,
quando for legal (art. 210, CC).
Em princípio, os prazos decadenciais são fatais e peremptórios, o que significa dizer que
não se aplica à decadência as situações de interrupção e suspensão da prescrição (art. 207, CC)
(salvo disposição em contrário).
Aplica-se à decadência as situações dos arts. 195 e 198, I, CC (art. 208, CC), que dizem
respeito a incapazes. Assim, não flui o prazo de decadência contra absolutamente incapazes,
sendo uma exceção ao disposto no art. 207.
Segundo o art. 209, CC, a decadência legal é irrenunciável. Isto ocorre em razão do
interesse geral. Contudo, os prazos decadenciais convencionais podem ser renunciados.

Prazos de decadência
Os prazos decadenciais estão previstos em locais esparsos na legislação. Tem-se como
alguns exemplos:
- 30 dias: para o comprador propor ação em que pretenda rescindir o contrato e reaver o
preço pago pela coisa móvel (art. 445, CC)
- 60 dias: para o exercício do direito de preferência, caso inexista prazo estipulado, na coisa
imóvel, contado da data em que o comprador tiver notificado o vendedor (art. 516, CC).
- 180 dias: para o exercício do direito de preferência do condômino a quem não tenha sido
dado tal direito e o imóvel tenha sido vendido a terceiro.
- 1 ano: para revogação da doação por ingratidão ou diante da inexecução do encargo.
- 1 ano e 1 dia: para desfazer janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio, em face
do vizinho. Prazo conta-se da conclusão da obra (art. 1.302, CC).
- 3 anos: anulação de casamento celebrado com erro essencial quanto à pessoa do outro,
contado da data da celebração
- 4 anos: para anular negócio jurídico celebrado com vício do consentimento
- 5 anos: para impugnar a validade de testamento, contado da data do seu registro.

155
* Para todos verem: esquema

156
02. DIREITO DAS COISAS
01. Coisas e direitos reais: noções gerais. Posse: conceito e classificação
I – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E CONCEITUAIS
1. Direito das Coisas – conceito e noções introdutórias
O Direito das Coisas é um ramo do direito civil – direito privado, portanto – que se
preocupa em estudar as relações jurídicas que se estabelecem entre as pessoas e coisas
determinadas, no que diz respeito a apropriação destas coisas. Trata, pois, do domínio e do
pertencimento de um determinado bem a uma pessoa. Para Penteado23 o Direito das Coisas
disciplina “as normas jurídicas que dispõem sobre situações jurídicas que desencadeiam
direitos que têm por objeto coisas”. Tartuce24 afirma que “o Direito das Coisas é o ramo do
Direito Civil que tem como conteúdo relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas
determinadas, ou mesmo determináveis”. Assim, o Direito das Coisas estuda os direitos
subjetivos que incidem sobre coisas.
Quando se estudam os bens jurídicos (parte geral) percebe-se que existem bens jurídicos
materiais e bens jurídicos imateriais. Entende-se, com base em Gagliano e Pamplona Filho25
que coisas são os bens corpóreos, materiais e, segundo Tartuce26, coisas é tudo aquilo que não é
humano. Os bens, por sua vez, são tanto os objetos corpóreos e materiais (coisas) quanto os
ideais e imateriais, de forma a justificar que a liberdade, a honra, a imagem, a vida de alguém
possa ser considerado como bem jurídico (ainda que não seja uma coisa).
É preciso que se esclareça que o Direito das Coisas estuda os bens jurídicos corpóreos, ou
seja, as coisas, pois somente elas podem ser objeto de direitos de posse e de direitos subjetivos
reais. A coisa possui três características que lhe identificam: o caráter corpóreo, material; a
possibilidade de apropriação; a utilidade ou valor econômico.
O caráter corpóreo da coisa refere-se a sua existência física, material. Como regra, o
Direito das Coisas aplica-se somente às coisas materiais. Contudo, havendo previsão expressa
em lei pode ser, também, aplicado aos bens incorpóreos ou direitos, como nos casos dos

23
PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. E-
book. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com. Acesso em 02 out. 2020.
24
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
25
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: parte geral.
18. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 329-330.
26
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
157
direitos autorais (propriedade intelectual), em que é admitido falar em propriedade sobre bens
intelectuais (obra artística, literária, científica, programa de computador, etc).
Diante das inovações impostas ao Código Civil pela lei da liberdade econômica, Tartuce 27
apresenta a seguinte crítica:

A propósito, como o Código Civil de 2002 trata, no livro do Direito das


Coisas, de bens corpóreos ou materiais, merece críticas o novo
tratamento dos fundos de investimentos, incluídos na codificação
privada por força da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), entre
os seus arts. 1.368-C a 1.368-F. Como é notório, tais fundos são compostos
por bens incorpóreos ou imateriais e, como advertimos quando dos
debates para a conversão da originária MP 881 em lei, esse tratamento
deveria estar em lei especial. Todavia, nossas ressalvas, e também de
outros doutrinadores, não foram ouvidas e, agora, o Código Privado tem
uma impropriedade e falta de coerência nesse tratamento.

As coisas podem ser apropriadas pela pessoa, ou seja, podem tomar posse da coisa,
tornar a coisa como sua, adquirir a propriedade. Ademais, possuem utilidade ou valor
econômico, ou seja, a coisa é capaz de satisfazer as necessidades.

2. Direitos Reais x Direitos Pessoais – distinções conceituais preliminares


Existem discussões sobre a nomenclatura mais adequada: direito das coisas ou direitos
reais. A partir do momento em que se compreende que o direito das coisas, enquanto ramo do
direito civil, preocupa-se, metodologicamente, em estudar as relações estabelecidas entre
pessoas e coisas determinadas, no que diz respeito a apropriação destas coisas, necessário,
agora, conceituar os direitos reais e, então, diferenciá-los dos direitos pessoais.
Tartuce28 estabelece os direitos reais como sendo “as relações jurídicas estabelecidas
entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis, tendo como fundamento principal o
conceito de propriedade, seja ela plena ou restrita”.
De certa forma, pode-se dizer que Direito das Coisas é o campo de estudo dos Direitos
Reais, mas não só deles (também se estuda a posse).

27
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
28
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 5.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
158
Importante observar que o Direito Civil estuda os direitos patrimoniais e os não
patrimoniais (direitos de personalidade, por exemplo). Os direitos patrimoniais se dividem em
direitos pessoais e direitos reais.
Os direitos patrimoniais pessoais são previstos pelo direito de obrigações, pelo direito
dos contratos, pelo direito empresarial. Já os direitos pessoais patrimoniais são disciplinados
pelo direito de família e sucessório. Nestas relações o sujeito ativo pode exigir apenas do sujeito
passivo a prestação sobre a qual estão vinculados. Ex.: no contrato de locação, o proprietário do
imóvel pode exigir do locatário o pagamento do aluguel, assim como o locatário pode exigir do
locador o respeito aos direitos originários do contrato de locação. Os efeitos são, portanto, inter
partes. Neste caso, havendo inadimplemento do negócio (da locação, por exemplo), a
vinculação será da pessoa e não incidirá sobre a coisa.
Por sua vez, os direitos patrimoniais reais são disciplinados pelo Direito das Coisas e
refere-se as situações que podem incidir sobre um bem corpóreo determinado, sobre o qual o
titular poderá exercer seu direito, exigindo-o contra qualquer pessoa que se oponha. Neste caso,
partindo do mesmo exemplo do contrato de locação, o locatário pode exigir de qualquer pessoa
o respeito a posse direta que exerce sobre o imóvel locado, inclusive sobre o proprietário do
imóvel. Os direitos reais tem efeito, portanto, erga omnes. Neste caso, havendo o
inadimplemento do negócio (tomando-se como exemplo uma hipoteca, onde tem-se um bem
em garantia, caso o valor não seja pago, o bem ofertado em garantia, fica vinculado a esse
empréstimo.

3. Direitos Reais – teorias justificadoras


De forma clássica, existem duas teorias que explicam o conceito de direitos reais: teoria
personalista e teoria realista.
a) Teoria personalista: segundo tal teoria, os direitos reais seriam as relações jurídicas
que se estabelecem entre sujeitos, mas intermediadas por coisas. O sujeito ativo seria
o titular e o sujeito passivo seria indeterminado (contra quem poderia ser exigido o
respeito ao direito do titular).
b) Teoria realista ou clássica: para esta teoria, o direito real consistira em um poder
imediato que o titular exerce sobre a coisa, com eficácia erga omnes. Para esta teoria a
relação seria sujeito/titular – coisa (e a oposição seria erga omnes).

Deve-se destacar que ambas as teorias possuem doutrinadores de renome a elas filiados e
esta diferenciação é mais no âmbito conceitual do que, propriamente, prático.

4. Direitos Reais – características


Os direitos reais possuem como características mais marcantes:
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a) Oponibilidade erga omnes: produzem efeitos diretos contra todas as pessoas
(coletividade). Toda e qualquer pessoa deve se abster de molestar bem alheio 29.
b) Direito de sequela: os direitos reais aderem a coisa, concedendo ao titular do direito
real “o direito de perseguir a coisa no local em que ela se encontrar e com quem
estiver indevidamente o bem alheio”30.
c) Publicidade: é dar visibilidade para o titular do direito sobre o bem. A partir daí, em se
tratando de direito real sobre bem móvel, a transmissão se dá pela entrega/tradição
(art. 1.226, CC). Contudo, se o direito real incidir sobre bem imóvel, a transmissão
somente ocorre pelo registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.227, CC). Estes
atos (tradição e registro) é que dão publicidade.
d) Rol taxativo: o rol de direitos reais no Brasil é taxativo e está previsto no art. 1.225, CC31,
de forma que, como regra, não se admite interpretação extensiva, mas apenas aqueles
previstos legislativamente (numerus clausus), embora não exclua, de forma absoluta, a
possibilidade de inclusão de novos direitos reais. Trata-se de uma característica e não
de uma definição absoluta, pois já existem decisões como no caso da
multipropriedade imobiliária32 em que restou reconhecido direito real.

29
MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito Civil: coisas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 4. E-
book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530986216/cfi/6/20!/4/34/2/2@0:0. Acesso em 16
out. 2020.
30
MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito Civil: coisas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 5. E-
book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530986216/cfi/6/20!/4/34/2/2@0:0. Acesso em 16
out. 2020.
31
Art. 1.225. São direitos reais:
I - a propriedade;
II - a superfície;
III - as servidões;
IV - o usufruto;
V - o uso;
VI - a habitação;
VII - o direito do promitente comprador do imóvel;
VIII - o penhor;
IX - a hipoteca;
X - a anticrese.
XI - a concessão de uso especial para fins de moradia;
XII - a concessão de direito real de uso; e
XIII - a laje.
32
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO.
MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO
REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO
ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO. PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO
ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O sistema time-sharing ou multipropriedade
imobiliária, conforme ensina Gustavo Tepedino, é uma espécie de condomínio relativo a
locais de lazer no qual se divide o aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé,
apartamento) entre os cotitulares em unidades fixas de tempo, assegurando-se a cada
160
e) Perpetuidade: os direitos reais permanecem enquanto existir o objeto, ou seja, sua
existência não se extingue pelo não uso.
f) Preferência: o titular de um direito real tem direito de preferência. Ex.: no recebimento
de créditos, aquele que tiver um direito real de garantia, como a hipoteca, por
exemplo, tem preferência sobre os credores quirografários, “porque nos direitos reais
de garantia o bem dado em garantia fica afetado ao cumprimento da obrigação”33.
g) Possibilidade de abandono: é possível a renúncia a direitos reais.
h) Incorporação da coisa pela posse: pelo exercício do domínio fático da coisa por certo
tempo.
i) Aquisição via usucapião: em razão do exercício da posse, o direito real pode ser
adquirido via usucapião (bens imóveis, móveis ou servidões).

um o uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano. 2. Extremamente acobertada


por princípios que encerram os direitos reais, a multipropriedade imobiliária, nada obstante ter
feição obrigacional aferida por muitos, detém forte liame com o instituto da propriedade, se não
for sua própria expressão, como já vem proclamando a doutrina contemporânea, inclusive num
contexto de não se reprimir a autonomia da vontade nem a liberdade contratual diante da
preponderância da tipicidade dos direitos reais e do sistema de numerus clausus. 3. No
contexto do Código Civil de 2002, não há óbice a se dotar o instituto da multipropriedade
imobiliária de caráter real, especialmente sob a ótica da taxatividade e imutabilidade dos
direitos reais inscritos no art. 1.225. 4. O vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil
anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência à inviabilidade de consagrar novos
direitos reais. Além disso, com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto,
que, circunscrito a um vínculo jurídico de aproveitamento econômico e de imediata aderência
ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que
objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo. 5. A
multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de
direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225
do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de
compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o
instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição. 6. É
insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao regime de
multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta de
cessão de direitos em que figurou como cessionária. 7. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1546165/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 06/09/2016)
33
MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito Civil: coisas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 10.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530986216/cfi/6/20!/4/34/2/2@0:0. Acesso em 16
out. 2020.
161
II – POSSE
1. Posse – conceito
Existe muita discussão acerca do conceito de posse. Alguns entendem ser um mero fato
e, outros, entendem ser um direito (é o que a maioria da doutrina entende). Neste sentido,
Tartuce34 afirma que:
Nessa linha igualmente me posiciono doutrinariamente. Isso porque a
posse pode ser conceituada como sendo o domínio fático que a pessoa
exerce sobre a coisa. A partir dessa ideia, levando-se em conta a teoria
tridimensional de Miguel Reale, pode-se afirmar que a posse constitui
um direito, com natureza jurídica especial. Como dito no capítulo
anterior, a posse é um conceito intermediário, entre os direitos pessoais e
os direitos reais. Mas esse caráter híbrido não tem o condão de gerar a
conclusão de que não constitui um direito propriamente dito.

A posse é, pois, o domínio físico que alguém tem sobre a coisa, que vem a ser protegido
pelo Direito, sendo, portanto, concedido efeitos jurídicos a este domínio. Segundo Loureiro35,
posse “é o exercício, em nome próprio, das prerrogativas inerentes a um direito real”, “é o
exercício de fato de um dos poderes inerentes à propriedade”. Assim, é domínio físico/fático
sobre a coisa, mas também direito, pois assim a lei reconhece.

2. Posse – teorias justificadoras


O conceito de posse vem explicado por duas grandes teorias justificadoras: a teoria
subjetivista de Savigny e a teoria objetivista de Jhering.
Teoria subjetivista ou subjetiva – corpus + animus domni: para esta teoria, a posse seria
o poder físico sobre a coisa (corpus) e a vontade de ser dono desta coisa (animus domni), ou
seja, de ter a coisa para si próprio. No exemplo da locação, o locatário de um imóvel tem o poder
físico sobre a coisa, mas não a intenção de tê-la para si.
Teoria objetivista – corpus: para esta teoria, a posse seria a disposição física da coisa, ou
seja, o poder físico/fático sobre a coisa, dispensando o “animus domni”, mas agindo, o agente,
com o intuito de explorar a coisa de forma econômica. Esta é a teoria adotada pelo Brasil, pois o
art. 1.196, CC, ao tratar da posse, prevê: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

34
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 32.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
35
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 761.
162
3. Posse x detenção
Necessário se faz, compreender o conceito de detenção, pois ele difere-se do conceito de
posse. Na posse, o sujeito que possui o domínio físico da coisa age como se dono fosse, pois
objetiva ter a coisa para si. Já na detenção, embora tenha o domínio físico da coisa, o sujeito
sabe que a coisa não é sua e pretende devolvê-la após o uso (objeto da locação, livro da
biblioteca, etc).
O art. 1.198, CC prevê que “considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de
dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens
ou instruções suas”. Assim o detentor tem a coisa em razão de uma situação de dependência
econômica ou de subordinação. Ex.: o capataz da fazenda tem a detenção do imóvel,
conservando a posse em nome do proprietário, em cumprimento de suas obrigações.
Tartuce36 ainda traz como exemplo de detenção, a situação de alguém que deixa seu carro
em um estacionamento. Nesta situação, a empresa, proprietária do estacionamento detém a
posse do veículo, em razão do contrato firmado entre o proprietário e o estacionamento
(mesmo que verbal). Já o manobrista (funcionário do estacionamento), este tem detenção do
veículo, pois exerce a posse em nome do estacionamento.
O detentor exerce a posse em nome de outrem. A ele, em nome próprio, não é permitido
exercer as ações possessórias, mas ele pode exercer o direito de defesa da posse alheira, por
meio da autotutela37, nos termos do enunciado 493 das Jornadas de Direito Civil: “O detentor
(art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu
poder” (Enunciado n. 493).
Mas é possível transformar a detenção em posse, desde que rompida a subordinação,
conforme entendimento do enunciado n. 301 das Jornadas de Direito Civil: “É possível a
conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício
em nome próprio dos atos possessórios”.
O STJ tem entendimento firmado de que a ocupação indevida de bem público também
se configura em detenção: “Súmula 619, STJ. A ocupação indevida de bem público configura
mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e
benfeitorias”.
O mesmo Tribunal decidiu que no caso de um proprietário que deixa seu veículo na
concessionária para a realização de reparos, que a concessionária é detentora do bem, não

36
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 40.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
37
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 37.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
163
detendo sua posse e, com isto, não podendo retê-lo em caso de falta de pagamento pelo
serviço prestado. O STJ entendeu que a concessionária tem a detenção do veículo, que “ficou
sob sua custódia por determinação e liberalidade da proprietária, em uma espécie de vínculo de
subordinação” (STJ, REsp 1.628.385/ES, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.
22.08.2017, DJe 29.08.2017).

4. Posse – classificação
Estudar a classificação da posse é importante em razão dos efeitos desta posse, pois,
conforme for ela de boa ou má-fé, justa ou injusta, direta ou indireta, serão os efeitos advindos
daí.

4.1. Posse direta e posse indireta – art. 1.197, CC


Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a
indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto
defender a sua posse contra o indireto.

A posse direta é aquela em que o sujeito tem o controle material, físico e imediato do
bem. Ex.: o locatário, no contrato de locação, exerce a posse direta do imóvel, com autorização
do locador.
A posse indireta é aquela exercida através de outra pessoa. Trata-se de uma concessão,
geralmente por parte do proprietário, para que terceiro exerça a posse direta. Ex.: o locador, no
contrato de locação, exerce a posse indireta do imóvel, e o locatário, a posse direta.
Essas duas posses são coexistentes, ou seja, uma não anula a outra (art. 1.197, CC) e ambas
podem ser tuteladas. Ex.: possuidor indireto (locador) pode utilizar-se dos interditos proibitórios
para defesa de seu direito contra terceiros, mas não pode exercer contra o possuidor direto
(locatário), pois este último exerce a posse em razão de um contrato (uma relação pessoal)38. Ex.:
o possuidor direto (locatário) pode exercer sua posse contra terceiros e, também, contra o
possuidor indireto, mesmo que este seja proprietário do imóvel.
4.2. Composse – art. 1.199, CC
Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada
uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os
dos outros compossuidores.

38
No caso de inadimplemento dos valores de aluguel, por exemplo, a ação cabível não é
reintegração de posse, mas sim, ação de despejo por falta de pagamento. Lembre-se que a
posse direta é oriunda de um contrato de locação.
164
A composse ocorre quando existir uma posse comum sobre uma coisa, isto é, quando
duas ou mais pessoas possuírem o domínio fático da coisa. Neste caso, há um condomínio de
posse e este pode ser derivado da herança ou de ato inter vivos (contrato).
Cada compossuidor pode usar a coisa e exercer direitos possessórios contra terceiros, mas
não pode impedir que os demais compossuidores também a utilizem. Assim, tem-se como
exemplo a situação dos herdeiros, que, pela transmissão da herança (princípio da saisine)
recebem os bens que compõe o acervo hereditário como um todo unitário e indivisível (art.
1.791, CC). Os herdeiros são compossuidores dos bens da herança. Podem usá-los durante o
período da indivisão (do óbito até a efetivação a partilha), mas não podem impedir que os
outros herdeiros também os usem.
O STJ decidiu em 2010 que os herdeiros podem manejar as possessórias, uns contra os
outros, sempre que houver turbação ou esbulho da posse de um dos herdeiros por parte dos
outros.
Princípio saisine. Reintegração. Composse. Cinge-se a questão em
saber se o compossuidor que recebe a posse em razão do
princípio saisine tem direito à proteção possessória contra outro
compossuidor. Inicialmente, esclareceu o Min. Relator que, entre os
modos de aquisição de posse, encontra-se o ex lege, visto que, não
obstante a caracterização da posse como poder fático sobre a coisa, o
ordenamento jurídico reconhece, também, a obtenção desse direito pela
ocorrência de fato jurídico – a morte do autor da herança –, em virtude do
princípio da saisine, que confere a transmissão da posse, ainda que
indireta, aos herdeiros independentemente de qualquer outra
circunstância. Desse modo, pelo mencionado princípio, verifica-se a
transmissão da posse (seja ela direta ou indireta) aos autores e aos réus
da demanda, caracterizando, assim, a titularidade do direito possessório
a ambas as partes. No caso, há composse do bem em litígio, motivo
pelo qual a posse de qualquer um deles pode ser defendida todas as
vezes em que for molestada por estranhos à relação possessória ou,
ainda, contra ataques advindos de outros compossuidores. In casu, a
posse transmitida é a civil (art. 1.572 do CC/1916), e não a posse natural (art.
485 do CC/1916). Existindo composse sobre o bem litigioso em razão
do droit de saisine é direito do compossuidor esbulhado o manejo de
ação de reintegração de posse, uma vez que a proteção à posse
molestada não exige o efetivo exercício do poder fático – requisito
exigido pelo tribunal de origem. O exercício fático da posse não encontra
amparo no ordenamento jurídico, pois é indubitável que o herdeiro tem
165
posse (mesmo que indireta) dos bens da herança, independentemente
da prática de qualquer outro ato, visto que a transmissão da posse dá-
se ope legis, motivo pelo qual lhe assiste o direito à proteção possessória
contra eventuais atos de turbação ou esbulho. Isso posto, a Turma deu
provimento ao recurso para julgar procedente a ação de
reintegração de posse, a fim de restituir aos autores da ação a
composse da área recebida por herança. Precedente citado: REsp
136.922-TO, DJ 16.03.1998” (STJ, REsp 537.363/RS, Rel. Min. Vasco Della
Giustina (Desembargador convocado do TJRS), j. 20.04.2010).

A composse pode ser pro diviso ou pro indiviso. Quando os compossuidores possuírem
apenas uma fração ideal da posse, esta composse será pro indiviso, como no caso dos herdeiros
sobre os bens da herança, onde todos os herdeiros são detentores da posse sobre uma fração
ideal da coisa. No caso em que os compossuidores sabem, no plano fático, a parte da coisa
sobre a qual exercem a posse, está-se diante da composse pro diviso, como no caso de dois
sujeitos que exercem a posse sobre um terreno grande, um deles, na parte da frente e, o outro,
na parte dos fundos, havendo uma cerca que divide o terreno ao meio. Neste caso, embora
ambos exerçam a posse sobre o terreno, cada um está sobre uma porção real do imóvel.

4.3. Posse justa e injusta – art. 1.200, CC


Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

A posse justa, conforme a redação do art. 1200, CC é aquela que não for violenta,
clandestina ou precária, ou seja, ela não ofende a previsão legal, tendo sido adquirida de forma
legítima e merecendo proteção legal. Trata-se de uma posse limpa.
A posse injusta, é aquela obtida de forma violenta, clandestina ou precária, de forma que
sua aquisição tenha sido ilícita, ou seja, viciada por ter sido adquirida por violação da lei. Assim, a
posse violenta é a retirada da coisa do antigo possuidor contra a sua vontade, “obtida por meio
de esbulho, for força física ou violência moral” 39. A posse precária é aquela adquirida a partir do
abuso de confiança ou do abuso de direito, que resulta da “retenção indevida da coisa que deve
ser devolvida ao seu possuidor indireto”40. Por fim, a posse clandestina é aquela obtida de
forma oculta, às escondidas (não pública).

39
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 45.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
40
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 771.
166
Os vícios (posse injusta) estão ligados ao momento de sua aquisição, de forma que até
podem deixar de existir.
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância
assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou
clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Contudo, há entendimento que, mesmo nestes casos, a posse não deixa de ser injusta,
pois sua origem derivou de uma forma contrária a lei.

4.4. Posse de boa e má-fé – art. 1.201, CC


Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo
que impede a aquisição da coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de
boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não
admite esta presunção.

A posse de boa-fé é aquela na qual o possuidor acredita ser proprietário da coisa, por
ignorar existência de vício que impeça a aquisição da mesma. A boa-fé é do possuidor que, no
momento da aquisição da coisa não sabia que estava lesando o direito de alguém, ou seja, o
possuidor não tinha ideia de que existisse algum obstáculo que impedisse que ele viesse a
adquirir a propriedade da coisa.
A doutrina afirma que a boa-fé implica um “desconhecimento não culposo”, isto é, se o
indivíduo, na aquisição, recebeu a posse por um justo título, sem saber da existência de um
defeito que impedisse a aquisição da propriedade. Neste aspecto, Tartuce41 afirma que:
[...] o possuidor de boa-fé é aquele que ignora os vícios que inquinam sua
posse. Esses vícios podem ser os da violência, os da clandestinidade ou os
da precariedade, mas não necessariamente, ou seja, os vícios estão
presentes, mas são por ele desconhecidos. Daí, sua ausência de
consciência significar boa-fé subjetiva.

Assim, a existência de um justo título, pela redação do art. 1.201, parágrafo único, presume
a boa-fé (um contrato de promessa de compra e venda, uma cessão de direitos possessórios,
etc.). O enunciado 312 das Jornadas de Direito Civil traduz esta situação: “Pode ser considerado

41
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 53.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
167
justo título para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse ad usucapionem,
observado o disposto no art. 113 do Código Civil”. Ainda, o enunciado 313 das Jornadas de Direito
Civil traz a previsão do instrumento de cessão de direitos como sendo justo título, embora não
exista a necessidade de estar a transmissão materializada por instrumento:
Considera-se justo título, para a presunção relativa da boa-fé do
possuidor, o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse,
esteja ou não materializado em instrumento público ou particular.
Compreensão na perspectiva da função social da posse.

Contudo, se ele não observou os deveres de cuidado que uma pessoa normal deveria ter,
se ele foi negligente quanto a aquisição da coisa, equipara-se a posse de má-fé. De má-fé é,
também, a posse em que o indivíduo sabia que sua conduta, ao adquirir a coisa, violava direito
de outrem, pois ele tinha consciência de sua conduta.
A posse de boa-fé pode transformar-se em posse de má-fé a partir do momento em que o
possuidor toma ciência do vício ou que possui a coisa indevidamente.
Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o
momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não
ignora que possui indevidamente.

Assim, se o indivíduo sabe da existência de vício ou obstáculo à aquisição da propriedade


da coisa, sua posse torna-se de má-fé.
De se observar que a boa-fé é presumida, cabendo a parte contrária fazer prova da
existência de má-fé por parte do possuidor.
Por fim, pode-se dizer que a posse de má-fé é aquela em que o indivíduo sabe da
existência do vício, mas, ainda assim, toma a coisa para si, passando a exercer o domínio fático
sobre esta. Este possuidor não tem um justo título.

4.5. Posse com título e sem título


A posse com título é aquela na qual a transmissão da posse se deu, de um indivíduo para
outro, baseada em uma causa representativa, especialmente por um documento. De se
observar que não se exige a formalização deste documento, mas sim a existência de uma causa
representativa da transmissão da posse.
A posse sem título é quando inexiste (ou aparentemente não existe) esta causa
representativa de transmissão do domínio. Ex.: alguém que encontra uma faca com cabo de
prata e ouro no meio do campo e toma posse dela. O indivíduo não tinha a intenção de
encontrar a faca, e, neste caso, não havendo uma vontade relevante para que se perfectibilize o

168
ato, torna este como um ato-fato jurídico (não há uma vontade juridicamente relevante para a
existência do ato).

4.6. Posse nova e posse velha


Esta classificação da posse, em razão do tempo de exercício, traz efeitos processuais, pelo
uso ou não, do procedimento previsto no art. 558 e seguintes do CPC/2015.
Art. 558. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de
posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta
dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição
inicial.
Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput , será comum o
procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.

A posse nova é aquela que conta com menos de ano e dia, ou seja, é a posse de até um
ano.
A posse velha é que possui, pelo menos, um ano e um dia.

169
EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

170
02. Posse: aquisição, efeitos, ações possessórias, perda da posse

1. Aquisição e transmissão da posse


Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível
o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à
propriedade.

A aquisição da posse ocorre no momento em que os poderes inerentes à propriedade


passam a ser exercidos pelo possuidor. Esta aquisição pode se dar de forma originária, quando
não houver qualquer vinculação entre a posse atual e a anterior, ou derivada, quando existir
uma transmissão da posse pelo antigo possuidor ao atual.
Importante observar que na aquisição derivada, a posse é transmitida nos mesmos
moldes em que foi adquirida pelo antigo possuidor:
Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor
com os mesmos caracteres.

171
Significa dizer, então, que se a aquisição da posse se deu de forma viciada, os vícios
também são transmitidos ao atual possuidor, mesmo que ele esteja de boa-fé. Donizetti e
Quintella42 apresentam o seguinte exemplo:
Silvio, que havia furtado a coisa, vende-a a Helena. A posse de Silvio era
injusta (clandestina) e, por mais que Helena se torne possuidora de boa-
fé, por desconhecer o defeito da posse que lhe foi transmitida, terá posse
injusta.

Assim, salvo prova em contrário, a posse mantém o mesmo caráter com o qual foi
adquirida (art. 1.203, CC).

a. Apossamento
A aquisição originária ocorre pelo apossamento ou ocupação, quando o sujeito assume o
controle, o domínio fático da coisa.
Ex.: alguém que encontra um celular no lixo. Trata-se de um apossamento, pois o sujeito
adquire a posse daquela coisa de forma originária.
O apossamento também pode ocorrer pelo esbulho, quando alguém toma para si a coisa,
apoderando-se dela e retirando do domínio fático de outrem.

b. Tradição
A aquisição derivada ocorre pela tradição, ou seja, quando o antigo possuidor transmite
ao atual possuidor o domínio fático da coisa. A tradição independe de existência de documento
escrito transferindo a coisa, bastando a conduta de entregar (antigo possuidor) e receber (atual
possuidor) a coisa.
A tradição pode ser real – quando há a efetiva entrega da coisa pelo antigo possuidor –,
simbólica – quando a transmissão não é da coisa em si, mas de algo que represente a coisa
(chaves de um imóvel, por exemplo) – ou ficta – é a que ocorre por presunção, pela transmissão
de um documento, sem que exista qualquer contato com a coisa (inquilino que adquire, por
compra e venda, a propriedade do imóvel em que reside).

c. Constituto possessório
Trata-se de uma forma de aquisição derivada, pelo modo simbólico, pois a coisa não é
entregue de forma física, apenas simbólica, mas a posse é transmitida. Ocorre o constituto
possessório quando houver uma cláusula de convenção, pela qual o cedente, ainda que
transmita a coisa, permanece na posse dela, como possuidor, em nome do adquirente.

42DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2017, p.
696.
172
Ex.: o proprietário de um apartamento vende o imóvel, mas segue alugando o mesmo do
novo proprietário.

d. Quem pode adquirir a posse


Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:
I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;
II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.

A posse pode ser adquirida: pela própria pessoa e, neste caso, ocorrer diretamente ou por
seu representante; ou por terceiro, sem mandato de representação, dependendo, neste último
caso, de ratificação do ato por parte da pessoa em nome de quem se adquire.
A partir daí, verifica-se que o representante legal ou convencional da parte não é
possuidor da coisa, mas mero detentor (art. 1.198, CC).

e. Transmissão sucessória da posse


Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor
com os mesmos caracteres.
Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu
antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do
antecessor, para os efeitos legais.

Uma vez que tenha ocorrido a morte, abre-se a sucessão e a herança é transmitida aos
herdeiros como um todo unitário e indivisível (princípio da saisine). Assim, na sucessão, quando
se está diante de uma sucessão a título universal, existe uma continuidade na posse, por parte
dos sucessores com relação ao falecido43. A posse é a mesma, transmitindo-se com todos os
vícios ou qualidades, ou seja, não se trata de nova posse, mas a mesma exercida pelo
antecessor.
Já na aquisição a título singular, o novo possuidor pode escolher entre continuar o
tempo da posse do antecessor ou iniciar nova posse. Ex.: aquele que adquire um imóvel por
compra e venda pode optar por somar sua posse à posse do antecessor/vendedor ou, então,
zerar a contagem e iniciar novo prazo de posse. De toda forma, a transmissão da posse ocorre
com as mesmas características anteriores.

f. Atos que não induzem posse

43
Aqui vale observar que, tanto na sucessão legítima, quanto na sucessão testamentária
(mesmo no caso do legado que é sucessão a título singular), o sucessor continua a posse do
falecido.
173
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância
assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou
clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Os atos de permissão ou tolerância não induzem posse. Este é o caso do detentor, que
conserva a posse em nome do dono (art. 1.198, CC).
De igual forma, os atos clandestinos ou violentos não autorizam a aquisição da posse.
Significa que nos casos de conflitos de terra, por exemplo, em que haja a tomada violenta da
posse da área, estes não poderão adquirir a posse, em razão da violência do ato. Contudo,
depois que cessar a violência ou a clandestinidade poderão eles adquirir a posse.
Assim, a proteção liminar nas ações possessórias, havendo violência e clandestinidade, só
ocorre quando estas datarem de menos de ano e dia, nos termos do art. 558, CPC/2015.

2. Efeitos da posse
O Código Civil estabelece, dos arts. 1.210 ao 1.222 os efeitos da posse. Tais efeitos podem ser
de ordem material ou processual.
Os efeitos materiais dizem respeito a percepção dos frutos e suas consequências, ao
direito a indenização e retenção das benfeitorias, as responsabilidades e ao direito de usucapião.
Já os efeitos processuais dizem respeito a possibilidade de utilização dos interditos
possessórios, as ações possessórias e a legítima defesa da posse e do desforço imediato.

a. Percepção dos frutos


Quanto a percepção dos frutos, deve-se, por primeiro, considerar se a posse é de boa ou
má-fé. Assim, o Código Civil prevê os seguintes dispositivos quanto ao recebimento (ou não) dos
frutos.
Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos
frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé
devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e
custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com
antecipação.
Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e
percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia
por dia.
Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e
percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber,

174
desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às
despesas da produção e custeio.

O possuidor de boa-fé tem direito aos frutos percebidos (colhidos). Já os frutos pendentes
(ainda não colhidos) devem ser restituídos, assim como aqueles que tenham sido colhidos por
antecipação. Já o possuidor de má-fé deve devolver todos os frutos colhidos ou pendentes, bem
como aqueles que deixou de colher por culpa sua (art. 1.216, CC), devendo, neste último caso, ser
responsabilizado no caso de perecimento do frutos não colhidos por sua culpa (reparação de
danos – responsabilidade civil). Mas tem direito, o possuidor de má-fé a ser indenizado pelas
despesas de produção e custeio.
Os frutos naturais são aqueles provenientes da coisa principal (frutas, por exemplo). Estes,
tão logo sejam separados da coisa principal consideram-se colhidos.
Os frutos industriais são aqueles que derivam de uma atividade humana (tudo o que
venha a ser produzido em uma fábrica, por exemplo). Estes, assim, como os naturais, logo após
separados consideram-se colhidos.
Os frutos civis derivam de uma relação jurídica ou econômica (rendimentos de aplicações
financeiras, aluguel de imóveis, por exemplo). Estes são percebidos na data prevista para
vencimento do aluguel ou do “aniversário” da aplicação financeira.

b. Retenção e indenização das benfeitorias


Conforme estudado na parte geral, as benfeitorias são acessórios que se agregam a coisa
principal, ou seja, obras artificiais, realizadas pelo homem, na estrutura da coisa principal – já
existente – com o propósito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Estas benfeitorias
podem ser classificadas em necessárias, úteis e voluptuárias 44.
Quanto a relação entre o exercício da posse e as benfeitorias, os arts. 1.219 a 1.222, CC
também consideram a existência de uma posse de boa ou má-fé para autorizar (ou não) a
indenização e a retenção das benfeitorias:

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das


benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se
não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da
coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias
necessárias e úteis.

44
São necessárias as benfeitorias realizadas para evitar um estrago iminente ou deterioração
da coisa principal (reparos realizados na viga; troca do telhado). São úteis aquelas realizadas
com o objetivo de facilitar a utilização da coisa (abertura de uma nova entrada para servir de
garagem para a casa). São voluptuárias aquelas feitas para o mero prazer, sem aumento da
utilidade da coisa (decoração do jardim). Art. 96, CC.
175
Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as
benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela
importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.
Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao
ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.
Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao
possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu
custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.

Abaixo, um resumo, da relação entre as benfeitorias e a posse:


Benfeitorias necessárias. O possuidor de boa-fé tem direito a ser indenizado quanto a
estas benfeitorias (pelo valor atual) ou exercer o direito de retenção pelo valor delas. O possuidor
de má-fé tem direito de ser ressarcido apenas quanto a estas benfeitorias (aquele que tiver o
dever de indenizar tem direito de optar entre o valor atual da coisa e o custo dela), não
possuindo direito de retenção.
Benfeitorias úteis. O possuidor de boa-fé tem direito a ser indenizado quanto a estas
benfeitorias (pelo valor atual) ou exercer o direito de retenção pelo valor delas.
Benfeitorias voluptuárias. O possuidor de boa-fé tem direito a ser indenizado quanto a
estas benfeitorias ou de retirá-las, desde que não haja detrimento da coisa (que não haja a
desvalorização do imóvel, por exemplo), caso não lhes sejam pagas. O possuidor de má-fé não
tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias.

c. Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa


Os arts. 1.217 e 1.218, CC tratam da responsabilidade do possuidor com relação a perda ou
deterioração da coisa:
Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração
da coisa, a que não der causa.
Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da
coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam
dado, estando ela na posse do reivindicante.

Pela redação dos dispositivos, percebe-se que essa responsabilidade é somente do


possuidor de má-fé, que deverá indenizar o proprietário em razão da perda ou da deterioração
da coisa, mesmo que acidentais. Essa responsabilidade somente será afastada havendo prova
de que a perda ou deterioração ocorreria mesmo que a coisa estivesse na posse do
reivindicante (art. 1.218, 2ª parte).

176
Ex.: João se apossa do cavalo de Pedro. Neste caso, se o cavalo morrer na posse de João
por ter ingerido veneno, ele deverá indenizar a Pedro. Contudo, se a morte do animal ocorrer
por uma doença cardíaca grave, ou seja, mesmo que estivesse na posse de Pedro ele morreria,
não terá João o dever de indenizar. CUIDADO, pois, neste caso, depende de PROVA!

d. Usucapião
O principal efeito da posse é o direito de usucapião, ou seja, o exercício de posse de uma
coisa por certo tempo gera a chamada prescrição aquisitiva, que dá direito ao titular a pleitear a
propriedade da coisa através da pretensão de usucapião.

e. Proteção possessória
Dentro dos efeitos da posse encontra-se a possibilidade que o possuidor tem de se utilizar
das ações possessórias (ou interditos possessórios) para proteção e defesa de sua posse.
Importante observar que as ações possessórias tanto podem ser exercidas pelo proprietário
detentor da posse, como também por aquele que, embora não tenha a propriedade, se
encontra na posse da coisa.
Quanto a proteção possessória, o CC prevê os seguintes dispositivos:
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de
turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se
tiver justo receio de ser molestado.
§ 1 o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se
por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de
desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou
restituição da posse.
§ 2 o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de
propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á
provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a
obteve de alguma das outras por modo vicioso.
Art. 1.212. O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de
indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo
que o era.
Art. 1.213. O disposto nos artigos antecedentes não se aplica às servidões
não aparentes, salvo quando os respectivos títulos provierem do
possuidor do prédio serviente, ou daqueles de quem este o houve.

177
De se observar, contudo, que, em se tratando de ações, a parte de procedimento está
tratada no CPC (art. 554 e seguintes).
Assim, conforme a situação, é permitido ao possuidor defender sua posse, derivando daí
os nomes defesa em sentido estrito (evitar o incômodo da posse – turbação) e desforço
imediato (para recuperar a posse – esbulho). Assim, nascem as três principais ações
possessórias:

• Interdito proibitório – caso de ameaça ou risco ao exercício da posse do titular. Proteção de


perigo iminente.
• Ação de manutenção de posse – caso de turbação ou perturbação à posse, ou seja, houve
um atentado à posse, mas sem retirá-la do possuidor. Preservação da posse.
• Ação de reintegração de posse – caso de esbulho ou retirada da posse, quando o atentado
se concretiza e o possuidor é destituído da sua posse. Devolução da posse. Cabível sempre que
houver invasão, mesmo que parcial, do imóvel. 45

Estas diferenciações são fundamentais para fins de exame da OAB, mas, processualmente
falando, existe o princípio da fungibilidade e da instrumentalidade das formas, ou seja, mesmo
que se ingresse com uma ação de manutenção e a ação adequada seja a de reintegração, será
processada (art. 554, CPC).
Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não
obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal
correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.
§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande
número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que
forem encontrados no local e a citação por edital dos demais,
determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver
pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria
Pública.
§ 2º Para fim da citação pessoal prevista no § 1º, o oficial de justiça
procurará os ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os
que não forem encontrados.
§ 3º O juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência
da ação prevista no § 1º e dos respectivos prazos processuais, podendo,

45
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 72.
E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
178
para tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação
de cartazes na região do conflito e de outros meios.

Havendo várias pessoas no polo passivo das possessórias, será procedida citação pessoal
dos ocupantes encontrados no local e por edital dos demais. Haverá intimação do Ministério
Público e, caso envolva pessoas em situação de hipossuficiência econômica (como nos casos de
invasões de terras). Nestes casos, ainda, o juiz determinará a publicidade da existência da ação e
dos prazos processuais através de jornais, rádios, publicação em meio digital (no site do
Tribunal, por exemplo).
Importante, ainda, considerar que as ações possessórias adotarão o procedimento
especial, previsto no art. 554 e seguintes do CPC sempre que se tratar de ação de força nova (art.
558, CPC). Considera-se de força nova as possessórias ingressadas dentro do prazo de ano e dia
(lembre-se da diferença entre posse nova e posse velha), cabendo medida liminar. Se a posse for
de mais de ano e dia, considera-se a possessória de força velha e, neste caso, não cabe a
respectiva liminar e deve-se utilizar o procedimento comum. Merece, ainda, destaque, a
previsão do art. 565, CPC, que permite a concessão de medida liminar, nas ações possessórias
coletivas, desde que realizada previamente uma audiência de conciliação.
Nas ações possessórias que tramitem pelo procedimento especial (de força nova), é
admitido cumulação de pedidos (art. 555, CPC) e, ainda, que seja imposta medida para evitar
nova turbação ou esbulho ou cumprir a tutela provisória ou final (podendo ser requerida multa,
portanto):
Art. 555. É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:
I - condenação em perdas e danos;
II - indenização dos frutos.
Parágrafo único. Pode o autor requerer, ainda, imposição de medida
necessária e adequada para:
I - evitar nova turbação ou esbulho;
II - cumprir-se a tutela provisória ou final.

As possessórias de força nova, que adotam o procedimento especial, possuem natureza


dúplice, permitindo ao réu de qualquer ação possessória que, em contestação, apresente
pedido contraposto, alegando que sofreu ofensa a sua posse, demandar a proteção desta e
indenização pelos prejuízos sofridos. Tartuce 46 entende ser desnecessária a propositura de
reconvenção neste caso:

46
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
80. E-book. Disponível em:
179
Esse pedido contraposto pode ser de proibição, de manutenção ou
mesmo de reintegração da posse em seu favor. Portanto, está
totalmente dispensada a necessidade de uma reconvenção para a
aplicação das medidas previstas no art. 555 do Estatuto Processual em
vigor, entendimento que sempre prevaleceu quanto ao art. 922 do
CPC/1973.

Nas ações possessórias não se permite propor ação de reconhecimento de domínio, salvo
contra terceira pessoa (art. 557, CPC). Se o réu provar a falta de idoneidade financeira do autor
para eventual sucumbência ou responsabilidade pelos danos, nos casos de manutenção ou
reintegração de posse, o juiz lhe concederá prazo de 5 dias para prestar caução, sob pena de
depósito da coisa litigiosa, ressalvada a impossibilidade da parte hipossuficiente (art. 559, CPC).
Ainda, importante é a possibilidade prevista no art. 1.210, § 1º, CC, que permite a legítima
defesa da posse e o desforço imediato, como formas de autotutela ou autodefesa. Quando
houver ameaça ou turbação viável a legítima defesa da posse. Havendo esbulho, cabe o
desforço imediato. Para que esses institutos possam ser utilizados, deve-se ter uma defesa
imediata, que o possuidor, ao agir, deve fazer dentro do limite do indispensável para
retomar/recuperar sua posse, evitando-se qualquer tipo de abuso. São considerados como
parâmetro o fim social e econômico, a boa fé objetiva e os bons costumes.
Contudo, sendo o caso de judicializar a demanda que discute a posse, o CPC, além das
disposições gerais quanto as ações possessórias, ainda apresenta disposições específicas para
cada as ações de manutenção e reintegração de posse e interdito proibitório.

3. Ações possessórias
Além das três típicas ações possessórias: manutenção e reintegração de posse e interdito
proibitório, existem outras formas de proteção da posse, o que será discutido neste item.

a. Reintegração de posse
A ação de reintegração de posse tem lugar quando a posse de alguém for esbulhada, ou
seja, quando de forma violenta, precária ou clandestina alguém retira a posse de outrem.
Os arts. 560 a 566, CPC fundamentam a ação de manutenção e reintegração de posse
para as ações de posse nova, ou seja, com menos de ano e dia. As ações de posse velha, com
mais de ano e dia, devem ser propostas pelo procedimento comum.
Segundo o art. 561, CPC o autor, na inicial, deve provar sua posse, o esbulho ou turbação
praticados, bem como a data em que ocorreu e a perda ou continuação da posse, embora

https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.


2020.
180
turbada. Recebendo a inicial e estando devidamente instruída, o juiz deferirá a liminar de
manutenção ou reintegração de posse independentemente da oitiva do réu. Não havendo a
devida instrução, o réu será citado para a audiência de justificação da posse, onde o autor
deverá prove/justifique a alegação de turbação ou esbulho (art. 562, CPC) e, considerando
suficiente, expedirá o mandado de manutenção ou reintegração (art. 563, CPC). Contra as
pessoas jurídicas de direito público não serão deferidas as liminares de reintegração e
manutenção sem prévia audiência.
Independentemente de concessão da liminar, o autor deverá promover a citação do réu
no prazo de 5 dias, com prazo de contestação de 15 dias. No caso de audiência de justificação
prévia, o prazo de contestação conta da intimação da decisão que defere ou não a liminar.
Nos litígios coletivos de posse, quando a turbação ou o esbulho tiver ocorrido há mais de
ano e dia, o juiz deverá, primeiro, designar audiência de mediação, a ser realizada no prazo de
30 dias.
Além destas disposições específicas, devem ser observadas as disposições gerais sobre as
ações possessórias, previstas nos arts. 554 a 559, CPC.

b. Manutenção de posse
A ação de manutenção de posse tem lugar quando a posse de alguém for turbada, ou
seja, quando há um incômodo da posse. Significa que o possuidor segue exercendo a posse,
mas alguém está lhe importunando, incomodando no exercício desta posse.
Em termos de procedimento, devem ser analisados, tanto os arts. 560 a 566, CPC, os quais
fundamentam tanto a ação de manutenção, quanto a de reintegração de posse, para as ações
de posse nova (neste sentido, observar o que foi descrito no item relativo a reintegração de
posse). Além destas disposições específicas, devem ser observadas as disposições gerais sobre
as ações possessórias, previstas nos arts. 554 a 559, CPC.

c. Interdito proibitório
O interdito proibitório visa impedir a turbação ou o esbulho da posse. Utilizada quando
houver uma ameaça a posse, tendo como pedido principal uma abstenção (não atentar contra
a posse), ou seja, uma obrigação de não fazer, sob pena de incidência de multa (art. 567, CPC).

d. Nunciação de obra nova


A nunciação de obra nova, apesar de não prevista no CPC/2015 é uma ação que visa
impedir a continuação de obras no terreno vizinho que prejudiquem o possuidor ou
proprietário de uma coisa. Ex.: vizinho que inicia a construção de um muro fora do lugar,
invadindo o terreno alheio em alguns metros.

181
Trata-se de ação possessória que adota o procedimento comum e, portanto, eventual
liminar deve observar os requisitos de concessão de tutela de urgência.

e. Ação de dano infecto


A ação de dano infecto visa prevenir que o vizinho que está demolindo seu prédio ou em
que haja um vício de construção, cause prejuízo ao autor. Visa uma espécie de caução por
eventuais danos futuros. Pouco usada na prática.
Segue o procedimento comum.

f. Embargos de terceiro
Os embargos de terceiro podem ser utilizados para a defesa da posse ou da propriedade
naquelas situações de turbação ou esbulho ocorridos via judicial (arresto, sequestro, penhora,
etc) e manejados por aqueles que não sejam parte no processo. Esta ação é de procedimento
especial dos arts. 674 a 681, CPC (neste aspecto, sugere-se a análise específica deste
procedimento especial).

g. Ação de imissão de posse


A ação de imissão de posse deve ser manejada por aquele que pretenda ingressar na
posse de um bem que nunca teve. Trata-se de uma ação petitória e não possessória.
Geralmente, decorre do direito de propriedade. Ex.: alguém que adquire em uma alienação
judicial um imóvel e não consegue tomar posse.

h. Ação publiciana
A ação publiciana também é uma ação petitória, que se fundamenta no domínio.
Também segue procedimento comum do CPC.
4. Perda da posse
A perda da posse ocorre quando alguém deixa de agir como se dono/proprietário fosse.
Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do
possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.
Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o
esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou,
tentando recuperá-la, é violentamente repelido.

A perda pode ocorrer de várias formas, mas quatro delas são as principais: derrelicção, ou
abandono voluntário da coisa; tradição, que é quando há a transmissão voluntária da posse a
terceiro; esbulho, que é quando a posse é tomada/subtraída do seu possuidor, contra sua
vontade; destruição da coisa, ou seja, quando a coisa deixa de existir.
182
EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

183
03. Direitos reais. Propriedade: disposições gerais, descoberta, formas de aquisição da
propriedade imóvel

I – DIREITOS REAIS
Loureiro47 conceitua os direitos reais como sendo aquele que “refere-se habitualmente
sobre um bem corpóreo determinado, em face do qual o titular exerce diretamente seu direito”.
O Código Civil estabelece, nos arts. 1.225 a 1.227 as disposições sobre os direitos reais.

Art. 1.225. São direitos reais:


I - a propriedade;
II - a superfície;
III - as servidões;
IV - o usufruto;
V - o uso;
VI - a habitação;
VII - o direito do promitente comprador do imóvel;
VIII - o penhor;
IX - a hipoteca;
X - a anticrese.
XI - a concessão de uso especial para fins de moradia;
XII - a concessão de direito real de uso; e
XIII - a laje.
Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou
transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por
atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro
de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos
expressos neste Código.

Possuem algumas características, as quais já foram mencionadas no item I (noções


introdutórias e conceituais), pelo que não será retomado. Traz-se, novamente esta referência
aos direitos reais, para fins de observar a ordem disciplinada pelo Código Civil e para que, a
partir daqui, sejam analisados de forma específica, os direitos reais previstos no art. 1.225, CC.
Importante observar que os direitos reais sobre coisas móveis são constituídos ou transmitidos

47
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 792.
184
pela tradição (art. 1.226) e os direitos reais sobre bens imóveis através do registro do título
aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.227).
II – PROPRIEDADE
1. Propriedade – conceito
O direito de propriedade é um direito real que determina que uma coisa fica submetida a
vontade de uma pessoa, limitada pela lei e pela função social ou cláusulas derivadas da vontade
impostas sobre a coisa. Seu conceito está mais direcionado aos atributos do direito de
propriedade do que, propriamente, a uma definição. Este direito consiste em poder usar, gozar
e dispor do bem, podendo, também, reaver contra aquele que injustamente detenha ou
possua. Apenas para ilustrar, dos vários conceitos apresentados pela doutrina, Tartuce48
entende que a propriedade é
o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Trata-
se de um direito fundamental, protegido no art. 5.º, inc. XXII, da
Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função
social, em prol de toda a coletividade. A propriedade é preenchida a
partir dos atributos que constam do Código Civil de 2002 (art. 1.228), sem
perder de vista outros direitos, sobretudo aqueles com substrato
constitucional.

Como visto o direito de propriedade é direito fundamental, inscrito no art. 5.º, XXII, da CF
que pode ser oponível contra todos os membros da sociedade (direito erga omnes). Deve
atender a uma função social, em benefício da coletividade. Por fim, seu conceito/definição está
diretamente ligado aos atributos ou faculdades relativas à propriedade: usar, gozar, dispor e
reaver (art. 1.228, CC), sendo, portanto, um direito exclusivo do titular e complexo.

2. Atributos (poderes) da propriedade


Direito de uso, ou seja, utilização da coisa conforme as permissões legislativas, ou seja,
existem limites ao uso como, por exemplo, o direito de vizinhança, a desapropriação ou o
tombamento.
Direito de gozo ou fruição, ou seja, a possibilidade de retirar da coisa os frutos que ela
produz (sejam eles naturais ou civis), como, por exemplo, a locação de um imóvel.

48
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
133. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
185
Direito de disposição, ou seja, sendo o proprietário da coisa, poder transmiti-la a terceiro,
seja por ato entre vivos (compra e venda) ou causa mortis (testamento), seja de forma onerosa
(mediante pagamento) ou gratuita (negócio benéfico, sem pagamento).
Direito de reinvindicação, ou seja, possibilidade de, através de ação petitória, com
fundamento na propriedade, reivindicar a coisa de quem a detenha injustamente. A ação
reivindicatória é a ação petitória mais comum, tratando-se de ação real fundada no domínio.
Tartuce49 afirma que pode-se “afirmar que proteção da propriedade é obtida por meio dessa
demanda, aquela em que se discute a propriedade visando à retomada da coisa, quando
terceira pessoa, de forma injustificada, a tenha, dizendo-se dono”. Existe discussão acerca do
prazo prescricional da ação reivindicatória. Pela previsão do CC o prazo seria o do art. 205, CC, ou
seja, 10 anos a contar da violação do direito de propriedade. O STJ, contudo, tem entendido ser
imprescritível tal ação, tendo em vista seu caráter declaratório. Neste sentido, Tartuce50 afirma:
Na realidade, deve-se entender que a ação reivindicatória não é sujeita à
prescrição ou à decadência, embora se trate de ação real, porque o
domínio é perpétuo e somente se extingue nos casos previstos em lei e
que serão estudados oportunamente. O efeito da ação reivindicatória é
de fazer com que o possuidor ou detentor restitua o bem com todos os
seus acessórios. Porém, se no caso concreto for impossível essa
devolução, como nos casos de perecimento da coisa, o proprietário terá o
direito de receber o valor da coisa se o possuidor estiver de má-fé, sem
prejuízo de eventuais perdas e danos.
A ação reivindicatória é, pois, uma ação real, que visa a restituição da coisa, provando-se
que o proprietário tinha a posse e injustamente a perdeu. Esta ação segue o procedimento
comum.
Estes quatro atributos da propriedade: Gozar, Reivindicar, Usar e Dispor, são resumidos na
expressão GRUD. Se uma pessoa tiver todos estes atributos terá a propriedade plena. Contudo,
faltando algum deles ou, caso esses atributos sejam divididos entre duas ou mais pessoas,
haverá a propriedade restrita.

3. Propriedade – disposições preliminares


Os arts. 1.228 a 1.232, CC estabelecem as disposições preliminares acerca da propriedade.

49
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
135. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
50
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
136. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
186
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa,
e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a
possua ou detenha.
§ 1 o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados,
de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e
artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2 o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer
comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar
outrem.
§ 3 o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de
desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social,
bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4 o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel
reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé,
por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela
houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5 o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização
devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o
registro do imóvel em nome dos possuidores.
Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo
correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não
podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por
terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse
legítimo em impedi-las.
Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais
recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos
arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais.
Parágrafo único. O proprietário do solo tem o direito de explorar os
recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que
não submetidos a transformação industrial, obedecido o disposto em lei
especial.
Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em
contrário.

187
Art. 1.232. Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando
separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial,
couberem a outrem.

O art. 1.228, caput traz os atributos da propriedade, os quais já foram estudados


anteriormente.
Já o § 1º determina que o direito de propriedade deve ser exercido conforme sua função
social, e o § 2.º proíbe a prática de atos que não tragam ao proprietário qualquer utilidade ou
comodidade e visem apenas prejudicar outrem, ou seja, o exercício da propriedade deve
permitir benefícios para o titular, mas, também, para a sociedade em geral. Diante disto,
quando se fala em função social da propriedade, deve-se pensar no “para que” da propriedade
e, a partir daí exercê-la observando os limites impostos pela lei como, por exemplo, a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou, ainda, por interesse social.
Em outras palavras, a propriedade deve servir para que a sociedade se
mantenha saudável, para que as pessoas tenham acesso aos bens de que
necessitam e para que a economia seja impulsionada, gerando
empregos e renda. Em termos específicos, será necessário analisar cada
bem, para então descobrir qual é a sua função social51.

Assim, ao mesmo tempo em que uma fazenda de 1000 hectares pode se prestar para o
cultivo de lavouras de soja, consorciada com a criação de gado, estando, com isto, cumprindo
com sua função social; uma mesma fazenda de 1000 hectares pode encontrar-se abandonada,
com sua casa em ruínas e tomada pelo mato, de forma a não cumprir com sua função social.
Em termos do § 2.º, poderia ser usado como exemplo a demolição de um casarão histórico
devidamente tombado. Este ato traz prejuízos a sociedade. Tartuce52 ainda apresenta um
exemplo, tratando do § 2.º, onde um proprietário de apartamento faz festas em seu imóvel
todas as noites, e o excesso de barulho prejudica aos vizinhos. Esta situação envolve uma
responsabilidade civil objetiva.
O § 3.º do art. 1.228, CC trata das sanções pela inobservância da função social da
propriedade, através da desapropriação da coisa por necessidade ou utilidade pública ou
interesse social e da requisição no caso de perigo. A própria CF prevê no art. 5.º, XXV, a
possibilidade da desapropriação e da requisição de bens particulares.

51
DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. 6.ed. São Paulo: Atlas,
2017, p. 725.
52
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
153. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
188
Os §§ 4.º e 5.º do art. 1.228, CC tratam da chamada desapropriação privada por posse
trabalho, que, na realidade é a possibilidade de desapropriação de imóvel, quando se
configurar em área extensa que esteja sendo ocupada por um considerado número de pessoas,
que exerçam posse ininterrupta e de boa-fé por mais de 5 anos, tendo nela realizado obras e
serviços de interesse social e econômico relevante. Em situações como esta será o imóvel
desapropriado, fixada indenização justa, a ser paga ao proprietário pelos possuidores, que só
adquirem a propriedade com o pagamento e o registro da sentença no Cartório de Registro de
Imóveis (ver julgamento do STJ no caso conhecido como Favela Pullman).
Importante mencionar alguns enunciados das Jornadas de Direito Civil sobre essa
temática.
Enunciado 82 - É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade
imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil.
Enunciado 83 - Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público,
não são aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do
novo Código Civil.
Enunciado 84 - A defesa fundada no direito de aquisição com base no
interesse social (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser
argüida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis
pelo pagamento da indenização.
Enunciado 240 - A justa indenização a que alude o § 5º do art. 1.228 não
tem como critério valorativo, necessariamente, a avaliação técnica
lastreada no mercado imobiliário, sendo indevidos os juros
compensatórios.
Enunciado 241 - O registro da sentença em ação reivindicatória, que
opera a transferência da propriedade para o nome dos possuidores, com
fundamento no interesse social (art. 1.228, § 5º), é condicionada ao
pagamento da respectiva indenização, cujo prazo será fixado pelo juiz.
Enunciado 304 - São aplicáveis as disposições dos §§ 4º e 5º do art. 1.228
do Código Civil às ações reivindicatórias relativas a bens públicos
dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de
Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos.
Enunciado 305 - Tendo em vista as disposições dos §§ 3º e 4º do art. 1.228
do Código Civil, o Ministério Público tem o poder-dever de atuar nas
hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta, que encerrem relevante
interesse público, determinado pela natureza dos bens jurídicos
envolvidos.

189
Enunciado 306 - A situação descrita no § 4º do art. 1.228 do Código Civil
enseja a improcedência do pedido reivindicatório.
Enunciado 307 - Na desapropriação judicial (art. 1.228, § 4º), poderá o juiz
determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o
licenciamento ambiental e urbanístico.
Enunciado 308 - A justa indenização devida ao proprietário em caso de
desapropriação judicial (art. 1.228, § 5º) somente deverá ser suportada
pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma
urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde
que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não
sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do
Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil.
Enunciado 309 - O conceito de posse de boa-fé de que trata o art. 1.201
do Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228.
Enunciado 310 - Interpreta-se extensivamente a expressão "imóvel
reivindicado" (art. 1.228, § 4º), abrangendo pretensões tanto no juízo
petitório quanto no possessório.
Enunciado 496 - O conteúdo do art. 1.228, §§ 4º e 5º, pode ser objeto de
ação autônoma, não se restringindo à defesa em pretensões
reivindicatórias.

Já o art. 1.229, CC trata da extensão do direito de propriedade ou conteúdo da


propriedade, que abrange o solo e projeta-se tanto para o espaço aéreo, como, também, para o
solo, em altura e profundidade que sejam úteis ao exercício. Assim, embora possa construir
tantos andares quantos necessário ao uso do solo, não pode o proprietário, por exemplo,
impedir aviões de voarem sobre sua propriedade em altura que não lhe interesse.
O art. 1.230, CC determina que a propriedade do solo não abrange os recursos minerais,
potenciais de energia elétrica, etc. Estes, nos termos do art. 20, IX VIII e X, CF, pertencem à
União, permitindo ao proprietário do solo o uso dos recursos minerais de emprego imediato na
construção civil, desde que não se submetam à transformação industrial. Ex.: possibilidade de
extração de areia para construção civil, não podendo causar danos ambientais. Ex.: extração de
pedras para utilização em alicerce.

4. Propriedade plena e propriedade limitada


O art. 1.231, CC diz que se presume ser plena a propriedade, até que seja provada sua
limitação.

190
Propriedade plena – o proprietário da coisa reúne os atributos de usar, gozar, dispor e
reivindicar.
Propriedade restrita – o proprietário possui alguns atributos, mas, em razão da incidência
de algum ônus, como, por exemplo, a hipoteca, a servidão, o usufruto (direito real sobre coisa
alheia), não é plena sua propriedade ou, então, nos casos de ser resolúvel a propriedade, em
face de condição ou termo. Nestes dois casos (existência de ônus ou propriedade resolúvel), um
ou alguns atributos estão em mãos de terceiros (direito real sobre coisa alheia). Ex.: João é
proprietário do imóvel X. Paulo é usufrutuário do imóvel X.
A partir daí, pode-se dividir a propriedade em nua-propriedade e domínio útil. A nua-
propriedade pertence ao titular do domínio, ou seja, o proprietário, aquele que tem o bem
registrado em seu nome. Não possui os atributos do uso e fruição. Já o domínio útil refere-se
aos atributos de usar, gozar e dispor da coisa. Quando estes dois elementos estiverem sendo
titularizados pela mesma pessoa, haverá a propriedade plena.

5. Características do direito de propriedade


A propriedade tem características muito próximas das características dos direitos reais. A
propriedade possui características de ser um direito fundamental, constante no art. 5.º, XXII e
XXIII da CF, determinando sua proteção e sua função social. Como qualquer direito real é
oponível contra todos, ou seja, é erga omnes. O proprietário pode usar da coisa conforme seu
interesse, desde que não se oponha ao direito de terceiro e nem viole a lei. Assim, o proprietário
não deve tolerar a intromissão de terceiros em sua propriedade. É um direito exclusivo,
complexo, absoluto e perpétuo. A propriedade é o direito real mais complexo. Embora se fale
em direito absoluto, é certo que a propriedade pode ser relativizada em algumas situações,
como nos casos de desapropriação em razão do não cumprimento da função social. É um
direito exclusivo, pois uma coisa, por regra, pertence a uma pessoa, salvo nos casos de
condomínio ou copropriedade. O direito de propriedade é perpétuo, ou seja, independente do
exercício, ou seja, não sendo extinta pelo não uso, somente quando houver causa modificativa
ou extintiva do direito deixará de existir a propriedade (usucapião, por exemplo).

6. Descoberta
Os arts. 1.233 a 1.237 do CC tratam da descoberta, que nada mais é do que o achado de
uma coisa alheia que esteja perdida.
Art. 1.233. Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao
dono ou legítimo possuidor.
Parágrafo único. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo,
e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.

191
Art. 1.234. Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo
antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por
cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com
a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.
Parágrafo único. Na determinação do montante da recompensa,
considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o
dono, ou o legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de
encontrar a coisa e a situação econômica de ambos.
Art. 1.235. O descobridor responde pelos prejuízos causados ao
proprietário ou possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo.
Art. 1.236. A autoridade competente dará conhecimento da descoberta
através da imprensa e outros meios de informação, somente expedindo
editais se o seu valor os comportar.
Art. 1.237. Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela
imprensa, ou do edital, não se apresentando quem comprove a
propriedade sobre a coisa, será esta vendida em hasta pública e,
deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor,
pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se
deparou o objeto perdido.
Parágrafo único. Sendo de diminuto valor, poderá o Município abandonar
a coisa em favor de quem a achou.

Assim, quem encontrar, deverá restituí-la ao dono e a não devolução constitui crime de
“apropriação de coisa achada”. Se não souber quem é o dono, deverá entregar à autoridade
competente, que deverá dar conhecimento da descoberta através da imprensa. Se passados 60
dias da publicação da notícia ou do edital não aparecer o proprietário, o bem deverá ser levado
a hasta pública, deduzidos o valor da recompensa e despesas do descobridor e o saldo
pertencerá ao Município onde a coisa foi descoberta. Deve ser observado que aquela máxima
de que “achado não é roubado” não é de todo verdade, pois o descobridor, aquele que encontra
a coisa perdida, não se torna proprietário da coisa, pois lembre-se que o direito de propriedade
não se extingue pelo não uso.
Contudo, o descobridor tem direito a receber uma recompensa que não pode ser inferior
a 5% o valor da coisa, além do reembolso das despesas para a conservação da coisa e localização
do proprietário. Caso não haja o pagamento, o proprietário pode abandonar a coisa e, neste
caso, o descobridor pode adquirir a propriedade pela ocupação.

192
O descobridor não tem responsabilidade quanto aos danos sofridos pela coisa, salvo se
proceder com dolo, ou seja, se intencionalmente causar dano, devendo, neste caso, indenizar o
proprietário.

7. Formas de aquisição da propriedade imóvel


Assim como ocorre na posse, a propriedade pode ser adquirida de forma originária ou de
forma derivada. Tartuce53 apresenta um esquema sobre a aquisição da propriedade no qual é
possível se ter a visualização das formas:
* Para todos verem: esquema

A aquisição originária ocorre sem que a


propriedade venha com as características anteriores, sem que
haja manifestação de vontade do antigo dono. Nesta modalidade, não existe transmissão.
A aquisição derivada ocorre quando há manifestação de vontade do antigo dono,
transmitindo a propriedade a outra pessoa. Neste caso, a propriedade segue com as
características anteriores.

7.1. Formas Originárias


7.1.1. Acessão
Enquanto forma de aquisição originária refere-se ao direito do proprietário sobre tudo o
que for incorporado ao bem, ou seja,
[...] a acessão pode ser conceituada como um modo originário de
aquisição do domínio pelo aumento do volume ou do valor da coisa, de
modo que ficará pertencendo ao proprietário tudo aquilo que a ela aderir

53
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
190. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
193
ou incorporar, tendo em vista o princípio geral do direito que “o acessório
segue o principal”. Destarte, o dono do principal também será dono do
acessório54.

Acessão é, pois, uma anexação de um bem acessório novo a um bem principal já


existente55. Pode ocorrer por formação de ilhas, aluvião, avulsão, abandono de álveo, plantações
e construções (art. 1.248, CC).

Formação de ilhas
Para fins do direito civil, as ilhas que se formarem em rios não navegáveis ou particulares,
pertencem ao domínio particular.
Art. 1.249. As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares
pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros, observadas as regras
seguintes:
I - as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos
sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na
proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes
iguais;
II - as que se formarem entre a referida linha e uma das margens
consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse
mesmo lado;
III - as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio
continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais
se constituíram.

Para explicar esse dispositivo, Donizetti e Quintella56 apresentam esquemas bastante


representativos:
No caso do inciso I, a divisão das ilhas que se formarem no meio dos rios, serão divididas
de forma proporcional aos proprietários ribeirinhos de ambas as margens, conforme esboço
abaixo.

54
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 817.
55
DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 756.
56
DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 758-759.
194
No caso do inciso II, as ilhas formadas do meio para uma margem, pertencerão aos
proprietários daquela margem, proporcionalmente a sua testada, conforme esboço abaixo:

Por fim, no caso do inciso III, as ilhas que se formarem em razão de um “novo braço do rio”
continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos da margem em que se constituíram,
conforme representação:

195
Aluvião
Aluvião são acréscimos formados por depósitos e aterros naturais de forma quase
imperceptível.
Art. 1.250. Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por
depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo
desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais,
sem indenização.
Parágrafo único. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de
proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada
de cada um sobre a antiga margem.

Estes acréscimos formam-se em razão do desvio natural do leito de rios ou por depósito
de sedimentos e adere a propriedade do terreno em que houve o acréscimo, sem que haja o
dever de indenização por parte deste proprietário.

Avulsão
Ocorre avulsão quando há um deslocamento natural, mas brusco de terras de um terreno,
que acaba se unindo a outro. Para que ocorra avulsão o deslocamento deve se dar por FORÇA
NATURAL VIOLENTA, ou seja, sem culpa do proprietário do imóvel de onde se desloca a terra.
Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se
destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a
propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem
indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.

196
Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do
prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se
remova a parte acrescida.

Neste caso, a propriedade pode ser adquirida de duas formas:


a) Se o proprietário do imóvel em que o deslocamento de terras se
unir indenizar o dono do imóvel do qual a porção de terras se deslocou;
b) Se, embora não indenizando, passar mais de um ano e ninguém
reclamar;
Pela redação do parágrafo único, se o proprietário do imóvel em que as terras se uniram
não concordar em indenizar, mas concordar na retirada da parte acrescida, ele não adquire a
propriedade.

Abandono do álveo
Álveo abandonado ocorre quando um curso d’água muda seu curso, de forma natural.
Assim, o curso anterior (álveo) acaba sendo abandonado.
Art. 1.252. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários
ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos
dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que
os prédios marginais se estendem até o meio do álveo.

O álveo abandonado é dividido entre os terrenos marginais, através de uma linha


imaginária.

197
Plantações e construções
Como regra geral, a respeito das plantações e construções, que são bens móveis que
acedem ao imóvel por conduta humana, o art. 1.253, CC estabelece que elas se presumam feitas
pelo proprietário do terreno e a sua custa, salvo prova em contrário.
Art. 1.253. Toda construção ou plantação existente em um terreno
presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o
contrário.
Art. 1.254. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com
sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes;
mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e
danos, se agiu de má-fé.
Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde,
em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se
procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder
consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou
edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da
indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.
Art. 1.256. Se de ambas as partes houve má-fé, adquirirá o proprietário as
sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões.
Parágrafo único. Presume-se má-fé no proprietário, quando o trabalho
de construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação
sua.
Art. 1.257. O disposto no artigo antecedente aplica-se ao caso de não
pertencerem as sementes, plantas ou materiais a quem de boa-fé os
empregou em solo alheio.
Parágrafo único. O proprietário das sementes, plantas ou materiais
poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida, quando não
puder havê-la do plantador ou construtor.
Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo
alheio em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o
construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor
da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que
represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área
remanescente.
Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste
artigo, o construtor de má-fé adquire a propriedade da parte do solo que
198
invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção
exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a
porção invasora sem grave prejuízo para a construção.
Art. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio
exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo
invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a
invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da
desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir
o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão
devidos em dobro.

Plantações e construções sempre acedem ao solo, ou seja, são bens acessórias, que não
vivem sem o principal. Desta forma, o art. 1.254, CC, estabelece que aquele que planta ou
constrói em terreno próprio, com materiais ou sementes alheias, tem o dever de indenizar o
dono pelo seu valor, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, no caso de ter agido de má-fé.
O art. 1.255, CC determina que aquele que usar suas sementes e materiais na plantação ou
construção em terreno alheio, perde estes para o proprietário do solo, podendo receber
indenização pelo valor respectivo se tiver agido de boa-fé. Ademais, se a plantação ou a
construção exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que plantou ou construiu
adquire a propriedade do solo, devendo indenizar o proprietário pelo valor ajustado ou, caso não
haja acordo, pelo valor fixado judicialmente.
O art. 1.256, CC determina que se ambas as partes (aquele que planta ou edifica em
terreno alheio e, também, o proprietário do solo) estiverem de má-fé, o proprietário do solo
adquire a propriedade das acessões, mas deverá ressarcir o valor das mesmas. Considera-se de
má-fé o proprietário quando a atuação se deu em sua presença e sem impugnação.
Quando a construção invade o prédio vizinho em porção igual ou inferior a vigésima parte
deste, o art. 1.258, CC, prevê duas situações. Quando a construção for feita por o construtor de
boa-fé, este adquire a propriedade do solo invadido quando o valor da construção exceder o
valor do solo, devendo indenizar o valor da área e a desvalorização a remanescente. Ex.: Terreno
invadido que vale R$200.000,00; construção que vale R$50.000,00 e não ultrapassa a vigésima
parte do terreno invadido (10.000,00). Neste caso, deverá indenizar em R$10.000,00 e pela
desvalorização da área remanescente.
Neste mesmo caso, se o construtor estiver de má-fé e a construção ultrapassar
consideravelmente o valor da fração invadida, adquirirá a propriedade se pagar 10 vezes o valor
da área perdida e da desvalorização e, ainda, não for possível demolir a porção invasora sem
grave prejuízo para a construção. Ex.: Terreno invadido que vale R$200.000,00; construção que

199
vale R$500.000,00 e não ultrapassa a vigésima parte do terreno invadido (10.000,00). Neste
caso, deverá indenizar em R$10.000,00 + desvalorização da área remanescente = total x 10.
Quando a construção invade o prédio vizinho em porção superior a vigésima parte.
Também, neste caso, há a previsão de boa-fé e má-fé. Se o construtor age de boa-fé, ele adquire
a propriedade da porção invadida e indenizará o proprietário do terreno invadido em quantia
que corresponda a valorização que a construção terá pela invasão + indenização pelo valor da
porção invadida + desvalorização da área remanescente. Ex.: Terreno invadido que vale
R$200.000,00. Invasão foi de 50% do terreno (100.000,00). A área remanescente passou a valer
(80.000,00), tendo havido desvalorização da área remanescente de R$20.000,00. Construção
que invadiu valorizou R$80.000,00 a mais. Assim, o valor a ser pago é: 80.000 (valorização da
construção) + 100.000 (área invadida) + 20.000 (desvalorização da área invadida) = 200.000. Se o
construtor estiver de má-fé, deverá demolir o que construiu e pagar perdas e danos em dobro.

7.1.2. Usucapião de bens imóveis


A usucapião é a forma mais comum de aquisição originária de propriedade. Quanto a ser
feminina ou masculina a palavra, isto não altera o instituto (o Código Civil de 2002 trata como “a
usucapião” e o Código Civil de 1916 tratava como “o usucapião”. Trata-se de forma de aquisição
de propriedade ou outros direitos reais em face do decurso do tempo, condicionada a existência
de posse justa e com a observância dos requisitos de lei57.
Para que se configure o/a usucapião deve-se ter posse com a intenção de ser dono (posse
ad usucapionem), ou seja, não é somente comportar-se como se dono fosse, mas ter a
intenção de tornar-se proprietário. Esta posse deve ser mansa e pacífica, ou seja, sem oposição,
deve ser contínua (pelo prazo determinado pela lei, conforme a modalidade), nem pode conter
vícios (precária, clandestina ou violenta). Além da posse ad usucapionem, para a configuração
da usucapião, há que se ter o transcurso do lapso temporal prescrito em lei, o qual somente
começa a transcorrer quando houver posse mansa e pacífica (sem contestação e sem
interrupção). Necessário lembrar que, se a posse for violenta ou clandestina, após ano e dia dela,
convalesce o vício.

7.1.3. Usucapião extraordinária (art. 1.238 do CC)


Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade,
independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que
assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no
Cartório de Registro de Imóveis.

57
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 820.
200
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez
anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia
habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Requisitos: posse ad usucapionem e lapso temporal de 15 anos. Dispensa a existência de


justo título e boa-fé.
REDUÇÃO DE PRAZO: O prazo poderá ser reduzido para 10 anos se o imóvel for utilizado
para moradia habitual ou se tiver sido realizado obra ou serviço de caráter produtivo.

7.1.4. Usucapião ordinária (art. 1.242 do CC)


Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que,
contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por
dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o
imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro
constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que
os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado
investimentos de interesse social e econômico.

Requisitos: posse ad usucapionem, lapso temporal de 10 anos, justo título e boa-fé.


REDUÇÃO DE PRAZO: O prazo reduz-se para 5 anos se o imóvel tiver sido adquirido, de
forma onerosa, devidamente registrado e, posteriormente, tiver o registro cancelado e desde
que os possuidores tenham estabelecido lá sua moradia ou realizado investimentos de
interesse social e econômico.
Justo título. É um título hábil a transferir a propriedade. Não precisa ser, necessariamente,
um documento escrito, pois a sucessão hereditária é considerada justo título. STJ entende que a
promessa de compra e venda, mesmo não levada a registro, constitui-se de justo título.
Enunciado 86, Jornadas de Direito Civil - A expressão "justo título" contida nos arts. 1.242 e
1.260 do Código Civil abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a
propriedade, independentemente de registro. Enunciado 302, Jornadas de Direito Civil - Pode
ser considerado justo título para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse ad
usucapionem, observado o disposto no art. 113 do Código Civil.
Boa-fé. Quando o possuidor desconhece eventuais vícios que maculam sua posse ou
quando não há vícios.

201
7.1.5. Usucapião especial rural
Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,
possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de
terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a
produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia,
adquirir-lhe-á a propriedade.

Esta modalidade de usucapião também é conhecida como usucapião constitucional, por


ter previsão no art. 191 da CF ou, ainda, de usucapião pro labore, por exigir produtividade.
REQUISITOS: posse ad usucapionem, lapso temporal incontestado e ininterrupto de 5
anos, área rural de até 50hectares, produtividade ou moradia, não ser proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.

7.1.6. Usucapião especial urbana


Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á
o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural.
§ 1 o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2 o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido
ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Também chamado de usucapião constitucional, por estar previsto na Constituição


Federal, no art. 183.
REQUISITOS: posse ad usucapionem, lapso temporal incontestado e ininterrupto de 5
anos, área urbana de até 250m², usada para moradia, não ser proprietário de outro imóvel
urbano ou rural.

7.1.7. Usucapião especial urbana por abandono do lar conjugal


Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e
sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de
até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade
divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar,
utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio

202
integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
(Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1 o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez.

Introduzido no CC pela lei que institui o programa Minha Casa Minha Vida
REQUISITOS: posse ad usucapionem exercida de forma direta; lapso temporal
incontestado e ininterrupto de 2 anos; área urbana de até 250m², usada para moradia (posse
direta); do qual o usucapiente seja proprietário em conjunto com ex-cônjuge ou companheiro
que tenha abandonado o lar; não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

7.1.8. Usucapião especial urbana coletiva


Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais
de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja
inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são
suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou
rural. (Redação dada pela lei nº 13.465, de 2017)
§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este
artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas
sejam contínuas.
§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo
juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório
de registro de imóveis.
§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada
possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um
ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,
estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível
de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois
terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à
constituição do condomínio.
§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial
serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes,
obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

203
O Estatuto das Cidades – lei 10.257/2001 – prevê a possibilidade da usucapião especial
urbana coletiva.
REQUISITOS: núcleos urbanos informais (aquele clandestino, irregular ou no qual não foi
possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a
legislação vigente à época de sua implantação ou regularização); posse ad usucapionem; lapso
temporal de 5 anos; área por possuidor, inferior a 250m²; não serem os possuidores proprietários
de outro imóvel urbano ou rural.
A pretensão de usucapião dos possuidores deve ser julgada por sentença, onde o juiz irá
determinar a formação de um condomínio indivisível entre os possuidores, e a cada um caberá
uma fração ideal igual na área do terreno, independentemente da área ocupada.

7.2. Aquisição derivada


7.2.1. Do registro do título
A primeira forma e, talvez, mais corriqueira de aquisição derivada de propriedade seja o
registro do título. Para que a transmissão se efetive, não basta a celebração do contrato. É
necessário, também, o registro do título aquisitivo.
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do
título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a
ser havido como dono do imóvel.
§ 2 o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação
de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente
continua a ser havido como dono do imóvel.
Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o
título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.
Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o
interessado reclamar que se retifique ou anule.
Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o
imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro
adquirente.

Daí deriva a máxima de que “quem não registra não é dono”, pois somente o registro do
título translativo é que a propriedade será adquirida. Enquanto não houver o registro, o imóvel
continua em nome do alienante e, caso ele, agindo de má-fé, aliene o imóvel a outra pessoa e
esta leve o título ao registro, esta adquirirá a propriedade e, o primeiro adquirente apenas
poderá demandar a responsabilização civil do alienante.

204
7.2.2. Da sucessão hereditária de bens imóveis
Segundo o art. 1.784, CC, no exato instante da morte do proprietário, seus bens, sua
herança, transmite-se aos herdeiros. Esta transmissão ocorre como um todo, unitário e
indivisível (art. 1.791, CC), e há a necessidade de realização da partilha da herança entre os
herdeiros e o registro dos formais de partilha para que se efetive a transmissão da propriedade
no Registro de Imóveis e reste regularizada a propriedade. Contudo, desde a morte do autor da
herança, seus bens já são de propriedade dos sucessores (embora não tenha havido, ainda, a
individualização dos bens ou quotas parte).

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

205
04. Propriedade: formas de aquisição da propriedade móvel, perda da propriedade. Direito
de vizinhança.

1. Formas de aquisição da propriedade móvel. Formas originárias e derivadas


A aquisição da propriedade móvel pode se dar, assim como da propriedade imóvel, por
aquisição originária e derivada. São formas de aquisição da propriedade móvel: usucapião,
ocupação, achado de tesouro, tradição, especificação, confusão, comissão (comistão) e
adjunção.

a. Usucapião de bens móveis (arts. 1.260 a 1.262 do CC).


Os bens móveis também são sujeitos a aquisição originária através da usucapião. Existem
duas formas de usucapião: ordinária e extraordinária.
Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e
incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-
lhe-á a propriedade.
Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos,
produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
Art. 1.262. Aplica-se à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts.
1.243 e 1.244.

206
Usucapião ordinária.
Prevista no art. 1.260, CC, exige posse ad usucapionem, lapso temporal de 3 anos, justo
título e boa-fé.
Usucapião extraordinária.
Prevista no art. 1.261, CC, exige posse ad usucapionem, lapso temporal de 5 anos. Não
exige justo título e nem boa-fé.

b. Ocupação
Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire
a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.

É quando alguém toma para si coisa que não tem dono, adquirindo, assim, sua
propriedade. Tanto pode ser objeto da ocupação uma coisa sem dono, como, também, uma
coisa abandonada. O requisito mais importante desta forma aquisitiva é a “coisa sem dono”. Ex.:
alguém que pesca um peixe no rio, adquire-lhe a propriedade.
Havendo dono, é coisa perdida. Ex.: alguém que encontra um livro e pega para si. Neste
caso, alguém esqueceu ou perdeu.
Se a coisa é sem dono, há justo título. Se a coisa é perdida ou esquecida (tem dono), não
há justo título (achado de coisa perdida = descoberta – art. 1.233, CC).

c. Achado do tesouro (arts. 1.264 a 1.266 do CC).


Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono
não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e
o que achar o tesouro casualmente.
Art. 1.265. O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se
for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não
autorizado.
Art. 1.266. Achando-se em terreno aforado, o tesouro será dividido por
igual entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando
ele mesmo seja o descobridor.

Aquele que achar coisas de valor, preciosas, tesouros, que estejam ocultas e que não se
sabe ou não se tem memória de quem seja seu dono, adquire metade dos bens, pois a outra
metade é do proprietário do prédio onde o tesouro foi encontrado. Ex.: um pedreiro que está
demolindo uma parede e encontra uma pepita de ouro no meio dos tijolos.

207
Se o próprio proprietário do terreno ou prédio encontrar o tesouro (ou alguém a seu
mando), adquirirá a propriedade de todo o achado.
Por fim, o art. 1.266, CC regula o achado em terreno aforado. O aforamento refere-se a
enfiteuse, instituto que passou a ser proibido pelo CC/2002. Contudo, ainda existem enfiteuses
de Marinha, em terras na costa brasileira. Nestas situações há a divisão em domínio direto e
domínio útil. O domínio direito fica nas mãos do proprietário das terras e o domínio útil nas
mãos do enfiteuta. Este último poderá usar, fruir, dispor e reivindicar o bem, pagando um foro
ou laudêmio. O tesouro será dividido por igual entre o descobridor e o enfiteuta ou
integralmente deste último se ele for o descobridor.

d. Da especificação (arts. 1.269 a 1.271 do CC)


Art. 1.269. Aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte alheia,
obtiver espécie nova, desta será proprietário, se não se puder restituir à
forma anterior.
Art. 1.270. Se toda a matéria for alheia, e não se puder reduzir à forma
precedente, será do especificador de boa-fé a espécie nova.
§ 1 o Sendo praticável a redução, ou quando impraticável, se a espécie
nova se obteve de má-fé, pertencerá ao dono da matéria-prima.
§ 2 o Em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da
escultura, escritura e outro qualquer trabalho gráfico em relação à
matéria-prima, a espécie nova será do especificador, se o seu valor
exceder consideravelmente o da matéria-prima.
Art. 1.271. Aos prejudicados, nas hipóteses dos arts. 1.269 e 1.270, se
ressarcirá o dano que sofrerem, menos ao especificador de má-fé, no
caso do § 1 o do artigo antecedente, quando irredutível a especificação.

Ocorre especificação quando alguém, por seu trabalho, altera a coisa, transformando-a
em outra. Ex.: artista que transforma mármore em obra de arte.
Assim, se a matéria-prima (mármore) pertence ao artista (chamado de especificador), a
obra de arte (escultura) por ele desenvolvida lhe pertence.
A questão é saber quando a matéria-prima não pertence total ou parcialmente ao
especificador.
O art. 1269 estabelece que se a matéria-prima pertence parcialmente a terceiro, o
especificador adquire a propriedade.
Se a matéria-prima for totalmente alheia, o art. 1270 determina que o especificador de
boa-fé adquire a propriedade da espécie nova, desde que não possa desfazê-la, reconstituindo a
matéria ao estado anterior. Se for possível desfazer, o dono da matéria a reaverá. Não sendo
208
possível e tendo o especificador agido de má-fé, o dono da matéria adquire a propriedade da
espécie nova. Contudo, se o valor da espécie nova ultrapassar consideravelmente o valor da
matéria-prima, o especificador adquire a propriedade.
O proprietário da matéria-prima tem direito a ser indenizado pelos prejuízos sofridos.

e. Da confusão, da comistão/comissão e da adjunção (arts. 1.272 a 1.274 do CC)


Art. 1.272. As coisas pertencentes a diversos donos, confundidas,
misturadas ou adjuntadas sem o consentimento deles, continuam a
pertencer-lhes, sendo possível separá-las sem deterioração.
§ 1 o Não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio
excessivo, subsiste indiviso o todo, cabendo a cada um dos donos
quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou para a mistura ou
agregado.
§ 2 o Se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono sê-lo-á do
todo, indenizando os outros.
Art. 1.273. Se a confusão, comissão ou adjunção se operou de má-fé, à
outra parte caberá escolher entre adquirir a propriedade do todo,
pagando o que não for seu, abatida a indenização que lhe for devida, ou
renunciar ao que lhe pertencer, caso em que será indenizado.
Art. 1.274. Se da união de matérias de natureza diversa se formar espécie
nova, à confusão, comissão ou adjunção aplicam-se as normas dos arts.
1.272 e 1.273.

Confusão é a mistura de substâncias, formando um líquido homogêneo. Comistão é a


mistura que forma um sólido homogêneo. Adjunção é a justaposição entre duas susbstâncias 58.
Quando estas substâncias pertencem ao manipulador, lhes pertence o resultado/produto,
mas quando não lhes pertence, necessário considerar que:
Sendo possível a separação das substâncias, sem deterioração, cada uma segue
pertencendo ao seu dono. Se a separação não for possível ou ainda que seja, torne-se
dispendiosa, o produto – considerado indivisível – pertencerá aos donos das substâncias, em
condomínio, em fração proporcional ao valor da substância que lhe pertence.
Podendo-se considerar uma das coisas como principal, seu dono adquire a propriedade,
indenizando os demais. Ex.: cola e madeira para montar uma estante. A madeira é considerada
a matéria-prima principal e, portanto o dono da madeira adquire a propriedade da coisa,
devendo indenizar o proprietário da cola.

58
DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. 6.ed. São Paulo: Atlas,
2017, p. 771.
209
Havendo má-fé por parte daquele que mistura as substâncias alheias, o prejudicado pode
escolher entre adquirir a propriedade da coisa, pagando o que não for seu, deduzido do valor
que lhe pertence ou, então, renunciar ao bem que lhe pertencia e passou a formar um novo.
Neste último caso, receberá indenização do valor do bem móvel cuja propriedade renunciou.

f. Da tradição
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios
jurídicos antes da tradição.
Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente
continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao
adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de
terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do
negócio jurídico.
Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a
propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou
estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao
adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar
dono.
§ 1 o Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a
propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento
em que ocorreu a tradição.
§ 2 o Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um
negócio jurídico nulo.

A propriedade de coisas móveis transfere-se pela tradição/entrega da coisa, que pode ser
real (entrega da própria coisa), simbólica (entrega de algo que simbolize a coisa) ou ficta (que se
dá por presunção, por possuir a coisa em nome alheio e passar a pertencer em nome próprio).
Quanto ao art. 1267, Tartuce59 afirma que entende-se por tradição:
–Quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório
(tradição ficta).
–Quando o transmitente cede ao adquirente o direito à restituição da
coisa, que se encontra em poder de terceiro (tradição simbólica – traditio
longa manu).

59
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
279. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020
210
–Quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio
jurídico (tradição ficta – tradição brevi manu).

O art. 1268 determina que a tradição feita por terceiro que detém a coisa, mas não é
proprietário, não aliena a propriedade (traditio a non domino). Seria ineficaz tal alienação
(terceiro degrau da escala ponteana). Existe a exceção, prevista na parte final do caput, que se
refere as situações em que a coisa é ofertada em leilão, aparentando que o alienante seja o
dono.

g. Da sucessão hereditária de bens móveis


Como a herança é transmitida como um todo unitário e indivisível, desde o óbito, não
importando se trata-se de bens móveis ou imóveis, deve-se considerar que a sucessão
hereditária é forma de aquisição derivada de bens móveis.

2. Perda da propriedade imóvel e móvel


Embora considere-se perpétuo o direito de propriedade, transmitindo-se com a morte do
titular aos seus herdeiros, existem modos de perder a propriedade, previstos no art. 1275, CC.
Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a
propriedade:
I - por alienação;
II - pela renúncia;
III - por abandono;
IV - por perecimento da coisa;
V - por desapropriação.
Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da
propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo
ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis.
Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção
de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na
posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três
anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se
achar nas respectivas circunscrições.
§ 1 o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas
circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três
anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

211
§ 2 o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este
artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de
satisfazer os ônus fiscais.

a. Alienação
Por esta forma, ao mesmo tempo em que a propriedade é adquirida (por aquisição
derivada) por aquele que “compra”, é perdida por aquele que “vende”. Ex.: contrato de compra e
venda; troca/permuta; doação.
No caso de imóveis, há a necessidade de registro no Cartório de Registro de Imóveis para
efetivar a transmissão e, no caso de móveis, há a necessidade da tradição.

b. Renúncia
Ocorre quando o proprietário abre mão do seu direito. Ex.: renúncia da herança – art. 1804
e seguintes do CC. Para a eficácia da renúncia de bem imóveis, há que se ter o registro do título
renunciativo.

c. Abandono
Ocorre quando o dono abandona a coisa, deixa ela com a intenção de não tê-la mais para
si. Também chamada de derrelicção, ou seja, ato praticado com a intenção de perder a
propriedade. A propriedade originária da coisa abandonada pode ser adquirida por ocupação
(móveis) ou por usucapião (móveis ou imóveis).
O art. 1276, § 2.º, CC estabelece, quanto aos bens imóveis, que haverá presunção do
abandono quando o proprietário, além da derrelicção, parar de pagar os impostos referentes ao
imóvel.

d. Perecimento da coisa
Ocorre quando a coisa, o bem, é perdido, ou seja, quando algum fenômeno excluir o
objeto do direito de propriedade do mundo fático. Ex.: uma casa que é demolida; um quadro
que pega fogo; o colar da Rose, jogado em alto mar em Titanic. Os direitos de propriedade sobre
esses bens são perdidos.

e. Desapropriação
Ocorre quando o poder público, por necessidade, finalidade púbica ou interesse social
adquire a propriedade através do pagamento de justa e prévia indenização. A desapropriação é
revista no art. 5.º, XXIV, da CF. A desapropriação independe da vontade do proprietário,
podendo, apenas, discutir o valor da indenização.
212
II – DIREITO DE VIZINHANÇA

1. Direito de vizinhança – conceito


Os direitos de vizinhança são limites impostos ao exercício da propriedade, tendo em vista
a convivência social e que se relacionam aos limites, as linhas que separam os prédios vizinhos.
A vizinhança pode causar conflitos, assim, o exercício de um direito sobre o próprio prédio pode
refletir no prédio vizinho, como, por exemplo, a abertura de uma janela.

2. Uso da propriedade
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de
fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à
saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade
vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a
natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que
distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância
dos moradores da vizinhança.
Art. 1.278. O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece
quando as interferências forem justificadas por interesse público, caso
em que o proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho
indenização cabal.

O proprietário de uma coisa/prédio não pode usar de sua propriedade de forma a impedir
ou limitar o exercício da propriedade por parte do prédio vizinho. Desta forma, o art. 1.277, CC
permite que o proprietário de um prédio faça cessar as interferências prejudiciais a utilização da
sua propriedade.
Existe, portanto, uma proibição ao uso nocivo da propriedade, que importa em
perturbação da segurança, do sossego ou da saúde dos vizinhos 60. Pode-se usar como exemplos
deste uso nocivo da propriedade: um prédio encravado, onde o prédio vizinho impeça a
passagem para a via pública; a construção realizada no prédio vizinho que impeça o acesso a
água em uma propriedade rural; construção no prédio vizinho que impeça o acesso a luz solar;
terreno ou imóvel em que mantém água parada e verifica-se a proliferação de mosquito da
dengue; enfim, são situações que a realização de obras – ou o próprio exercício da propriedade –
em um imóvel provocam danos ao prédio vizinho.

60
DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. 6.ed. São Paulo: Atlas,
2017, p. 799.
213
De se observar que essa proteção trazida pelo art. 1.277, CC é conferida tanto ao
proprietário como, também, ao possuidor que podem se utilizar de medidas variadas
(responsabilidade civil, obrigação de não fazer, nunciação de obra nova, etc) para fazer cessar a
interferência. Estas proibições de interferências levarão em conta a utilização e localização do
prédio, limites ordinários e tolerância dos moradores da vizinhança.
O art. 1.278, CC, por sua vez, determina que não prevalece o direito de fazer cessar a
interferência, se as mesmas forem justificadas por interesse público. Em uma situação como
esta, haverá o dever, por parte do proprietário do prédio que causa o dano, de indenizar o
vizinho. Ex.: construção de açudes que invadem parte da propriedade vizinha, passagem de
rede elétrica.
Sempre que for possível, o vizinho poderá exigir a redução ou eliminação das
interferências, ainda que por decisão judicial devam ser toleradas – art. 1.279, CC. Ex.: foi tolerada
a construção do açude, mas o mesmo secou e, neste caso, o proprietário pode recuperar o uso
da sua propriedade.
Quando o prédio ameaçar ruína, o proprietário o prédio vizinho pode exigir demolição ou
reparação, além de poder exigir caução pelo dano iminente. Art. 1.280, CC. Sempre que houver
iminência de dano, na construção sobre o prédio vizinho, poderá o outro exigir garantia de
eventual prejuízo (art. 1.281, CC).

3. Árvores limítrofes
Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se
pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.
Art. 1.283. As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do
prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo
proprietário do terreno invadido.
Art. 1.284. Os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao
dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.

Havendo árvores sobre a linha divisória entre duas propriedades, presume-se que as
mesmas pertençam a ambos os prédios. Há casos, inclusive de que as árvores são utilizadas
como delimitação entre os terrenos. Trata-se de um condomínio necessário, de forma que
nenhum dos condôminos pode cortar a árvore sem a anuência do outro, salvo se houver perigo
de dano iminente. Art. 1.282, CC.
Toda raiz ou ramo que ultrapassar o limite da divisão, podem ser cortados pelo dono do
terreno invadido, no limite da linha divisória. Art. 1.283, CC. Trata-se do direito de corte do
proprietário do terreno que sofre a invasão dos galhos e raízes da árvore do terreno vizinho.

214
Obviamente que o corte não pode comprometer a vida da árvore e, ainda, devem ser
observadas as questões e legislação ambiental.
Quanto aos frutos, os que caírem para dentro do terreno vizinho e estiverem no solo,
pertencerão a este. Se os frutos caírem em uma praça, por exemplo, que é solo público,
consideram-se coisas sem dono e sua propriedade pode ser adquirida pela ocupação. Art. 1.283,
CC.

4. Passagem forçada
Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente
ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger
o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se
necessário.
§ 1 o Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e
facilmente se prestar à passagem.
§ 2 o Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes
perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra
deve tolerar a passagem.
§ 3 o Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes
da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o
proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

Todo imóvel deve ser acessível e, em razão disto, o dono do prédio encravado – sem
acesso – pode exigir do vizinho a passagem forçada. Essa passagem será concedida pelo imóvel
mais natural e que mais facilmente se preste a passagem, mediante indenização cabal
(conforme o valor da área da passagem + a desvalorização) e o rumo (localização da passagem)
será fixado judicialmente quando não houver acordo entre as partes.
O enunciado 88 das Jornadas de Direito Civil prevê que esse direito a passagem forçada
“também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado,
consideradas, inclusive, as necessidades de exploração econômica”.
De se observar que a passagem forçada é diferente da servidão de passagem. Esta última
é direito real e se constitui por acordo entre os proprietários de prédios vizinhos, quando um
deles seja encravado. Ademais, deve ser levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis. A
passagem forçada é obrigatória e a servidão é facultativa.

5. Passagem de cabos e tubulações


Art. 1.286. Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à
desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar
215
a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros
condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de
proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou
excessivamente onerosa.
Parágrafo único. O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação
seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como, depois,
seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel.
Art. 1.287. Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao
proprietário do prédio onerado exigir a realização de obras de segurança.

Ainda dentro do direito de vizinhança, existe a previsão da possibilidade de passagem


forçada de cabos e tubulações referentes a serviços de utilidade pública, pelo imóvel vizinho
quando tal passagem foi impossível ou excessivamente onerosa por outra forma. Quando da
realização dessas instalações, se houver risco grave, o proprietário do prédio serviente poderá
exigir a realização de obras de segurança.

6. Águas
Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber
as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar
obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior
do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou
possuidor do prédio superior.
Art. 1.289. Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior, ou
aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar
que se desviem, ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer.
Parágrafo único. Da indenização será deduzido o valor do benefício
obtido.
Art. 1.290. O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas
pluviais, satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impedir,
ou desviar o curso natural das águas remanescentes pelos prédios
inferiores.
Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas
indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos
imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os
danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio
do curso artificial das águas.

216
Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou
outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas
represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado
pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido.
Art. 1.293. É permitido a quem quer que seja, mediante prévia
indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de
prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis
às primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo
considerável à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de
águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos.
§ 1 o Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a
ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou
irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a
canalizá-las.
§ 2 o O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a
canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou
quintais.
§ 3 o O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo
aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem
incumbem também as despesas de conservação.
Art. 1.294. Aplica-se ao direito de aqueduto o disposto nos arts. 1.286 e
1.287.
Art. 1.295. O aqueduto não impedirá que os proprietários cerquem os
imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo para a sua segurança e
conservação; os proprietários dos imóveis poderão usar das águas do
aqueduto para as primeiras necessidades da vida.
Art. 1.296. Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros poderão
canalizá-las, para os fins previstos no art. 1.293, mediante pagamento de
indenização aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto, de
importância equivalente às despesas que então seriam necessárias para
a condução das águas até o ponto de derivação.
Parágrafo único. Têm preferência os proprietários dos imóveis
atravessados pelo aqueduto.

Toda propriedade, para que possa cumprir com sua função social necessita ser servida de
água. Assim, considerando as situações ambientais pertinentes, o direito de vizinhança dispõe

217
acerca da passagem das águas. Quanto as águas, deve-se, sempre considerar, também, as
disposições ambientais respectivas.
A primeira disposição acerca das águas – art. 1.288 – diz respeito a obrigatoriedade do
prédio inferior a receber as águas naturais que correm do superior, sendo vedadas obras que
impeçam o fluxo das águas naturais. Neste caso, havendo obstrução, o proprietário do prédio
superior poderá ajuizar ações para afastar as obstruções, independentemente de eventuais
perdas e danos. Contudo, o prédio inferior também não pode ser prejudicado – com infiltrações,
por exemplo – por conta das obras feitas pelo prédio superior.
Em se tratando de águas artificiais, ou seja, colhidas pelo prédio superior e escoadas
artificialmente para o inferior, o dono do prédio inferior pode requerer que sejam elas desviadas
ou que lhe seja indenizado o prejuízo que eventualmente sofre. Desta indenização será
deduzido eventual benefício obtido (art. 1.289). Não se pode esquecer, contudo, da viabilidade
da passagem forçada de tubulações prevista nos arts. 1.286 e 1.287, CC.
O art. 1.290 prevê a situação das nascentes e do escoamento das águas pluviais entre
prédios limítrofes, determinando que o proprietário do terreno onde há a nascente pode
abastecer-se dela para consumo, mas não pode impedir que ela corra naturalmente para os
prédios inferiores. Também não pode o proprietário poluir as águas indispensáveis aos imóveis
inferiores devendo, se for o caso, recuperá-las e, caso não seja possível deverá desviá-las ou
indenizar o proprietário dos imóveis inferiores para onde correrem as águas poluídas (art. 1.291).
O direito de vizinhança permite que o proprietário possa represar águas pela construção
de açudes e barragens. Isto, contudo, não autoriza que impeça o fluxo das águas, prejudicando
o prédio inferior com a escassez de água. Mais. Prevê o art. 1.292 que, se houver danos no prédio
inferior, este poderá exigir indenização pelos danos causados por eventual vazamento,
deduzido o valor do benefício.
O art. 1.293 regula os aquedutos, ou servidão de aquedutos, ou seja, a construção de canais
de irrigação, que passem por prédios vizinhos. O custo dessa construção será sempre do
proprietário do aqueduto. Tal possibilidade prevê, contudo, a necessidade de indenização dos
proprietários prejudicados pela passagem do canal, os quais poderão exigir que a passagem
seja subterrânea, canalizada, nas áreas edificadas e nas de pastos, hortas, jardins ou quintais.
Prevê, também, o direito dos terrenos prejudicados com eventuais infiltrações ou interrupções
provenientes do aqueduto.
Os proprietários dos imóveis por onde passarem os aquedutos poderão deles se utilizar,
podendo, também, sobre eles – quando subterrâneos – construir, devendo, contudo, observar
sua conservação. Art. 1.295, CC.
Por fim, prevê o art. 1.296 a possibilidade que outros proprietários canalizem o aqueduto
para servir suas próprias necessidades. Havendo canalização, os proprietários prejudicados
deverão ser indenizados, assim como o dono do aqueduto.
218
7. Limites entre prédios e do direito de tapagem
Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de
qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu
confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a
aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados,
repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas
despesas.
§ 1 o Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como sebes
vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se,
até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes,
sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade,
a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e
conservação.
§ 2 o As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de
marco divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum
acordo entre proprietários.
§ 3 o A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de
animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem
provocou a necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a
concorrer para as despesas.
Art. 1.298. Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio, se
determinarão de conformidade com a posse justa; e, não se achando ela
provada, o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os
prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um
deles, mediante indenização ao outro.

Os proprietários dos prédios vizinhos devem repartir as despesas referentes as divisas,


sendo permitida a construção, para fins de demarcação entre os imóveis, de cercas, muros,
valas ou qualquer forma de separação. Cada proprietário deve concorrer em partes iguais para a
realização dos tapumes. A divisão também pode se dar por sebe vivas (cercas vivas), árvores ou
plantas, as quais só podem ser cortadas ou arrancadas de comum acordo entre os proprietários
dos imóveis limítrofes.
Havendo a necessidade de construção de tapume para impedir a passagem de animais
de pequeno porte, as despesas correrão por conta de quem deu causa a necessidade. Ex.:
imóveis divididos por cerca viva e a necessidade de evitar que o cachorro ingresse na
propriedade do vizinho.

219
Se os limites forem confusos, a divisão será feita pela posse justa, conforme art. 1.298, CC
ou, então, será o terreno divido em partes iguais ou, então, adjudicado a um, mediante
indenização ao outro.
Não sendo possível estabelecer a demarcação entre os prédios vizinhos de forma
consensual entre os proprietários, qualquer deles tem legitimidade para promover Ação
Demarcatória, conforme procedimento especial previsto nos termos do art. 574 e seguintes do
CPC.

8. Direito de construir
Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções
que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos
administrativos.
Art. 1.300. O proprietário construirá de maneira que o seu prédio não
despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho.
Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a
menos de metro e meio do terreno vizinho.
§ 1 o As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as
perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco
centímetros.
§ 2 o As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou
ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de
comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.
Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da
obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu
prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao
disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o
escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.
Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual
for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo,
levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade.
Art. 1.303. Na zona rural, não será permitido levantar edificações a menos
de três metros do terreno vizinho.
Art. 1.304. Nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a
alinhamento, o dono de um terreno pode nele edificar, madeirando na
parede divisória do prédio contíguo, se ela suportar a nova construção;
mas terá de embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do chão
correspondentes.
220
Art. 1.305. O confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede
divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o
direito a haver meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o
primeiro fixará a largura e a profundidade do alicerce.
Parágrafo único. Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não
tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este fazer-lhe
alicerce ao pé sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a
construção anterior.
Art. 1.306. O condômino da parede-meia pode utilizá-la até ao meio da
espessura, não pondo em risco a segurança ou a separação dos dois
prédios, e avisando previamente o outro condômino das obras que ali
tenciona fazer; não pode sem consentimento do outro, fazer, na parede-
meia, armários, ou obras semelhantes, correspondendo a outras, da
mesma natureza, já feitas do lado oposto.
Art. 1.307. Qualquer dos confinantes pode altear a parede divisória, se
necessário reconstruindo-a, para suportar o alteamento; arcará com
todas as despesas, inclusive de conservação, ou com metade, se o vizinho
adquirir meação também na parte aumentada.
Art. 1.308. Não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos
ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações
ou interferências prejudiciais ao vizinho.
Parágrafo único. A disposição anterior não abrange as chaminés
ordinárias e os fogões de cozinha.
Art. 1.309. São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar, para
uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes.
Art. 1.310. Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que tirem
ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas
necessidades normais.
Art. 1.311. Não é permitida a execução de qualquer obra ou serviço
suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que
comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido
feitas as obras acautelatórias.
Parágrafo único. O proprietário do prédio vizinho tem direito a
ressarcimento pelos prejuízos que sofrer, não obstante haverem sido
realizadas as obras acautelatórias.

221
Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta Seção
é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e
danos.
Art. 1.313. O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o
vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para:
I - dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação,
construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório;
II - apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem
casualmente.
§ 1 o O disposto neste artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação
de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo
de cerca viva.
§ 2 o Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo
vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.
§ 3 o Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano, terá
o prejudicado direito a ressarcimento.

O proprietário tem o direito de construir sobre seu terreno devendo, contudo, respeitar os
direitos de vizinhanças e as normas relativas a edificação e ocupação do solo (plano diretor do
município). Nesta construção, não poderá despejar água no terreno vizinho. Qualquer
construção que extrapole os limites do direito de vizinhança poderá ser atacada através de
ação demolitória, através de procedimento comum ou nunciação de obra nova, por exemplo.
As construções de janelas, terraços, varandas devem observar a distância mínima de 1,5m
da divisa do terreno vizinho, para respeitar a privacidade entre os confinantes. Se a janela não
for voltada para a linha divisória, a distância será de 0,75m (75cm) 61. Este regramento não se
aplica a aberturas de luz ou ventilação com tamanho entre 10cm largura e 20cm de
comprimento, que sejam construídas a mais de 2m de altura do piso. Esse regramento visa a
proteção do direito a intimidade e vida privada das pessoas, tratando-se de uma espécie de
limitação, restrição legal ao direito de propriedade.
É permitida, pela súmula 120 do STF a construção de parede de tijolo de vidro, pois não
viola a privacidade do vizinho.
O vizinho que se incomodar com a construção de janela, terraço, sacada, tem prazo
decadencial de ano e dia para o desfazimento da mesma, contado da conclusão da obra (art.
1.302, CC). Caso de ação demolitória.
Na zona rural, a exigência de distância é de 3 metros para qualquer construção.

61
A doutrina entende que não se aplica a súmula 414, STF diante desta redação do CC.
222
O art. 1.304, CC refere-se a possibilidade de utilizar-se da parede divisória do vizinho para
dar início a sua construção, nos casos em que as construções utilizam-se de toda a largura do
terreno, podendo o prédio vizinho, desde que a parede já existente suporte, apoiar a sua, desde
que indenize metade do valor da parede e do chão correspondente. Ex.: casarios coloniais
brasileiros. Segundo Tartuce62 é o “que se denomina como direito de travejamento ou
de madeiramento, ou seja, de colocar uma trave, viga ou madeira no prédio vizinho nos casos
em que há o referido alinhamento”.
Na mesma linha, o art. 1.305, CC prevê a situação da “parede meia”, ou seja, paredes
divisórias, quando a construção é feita no limite dos terrenos, podendo o que primeiro construir,
utilizar-se de 50% do alicerce e construção da profundidade da parede para dentro do terreno
vizinho (meia espessura). Neste caso, o dono do outro terreno, pretendendo travejá-la, deverá
indenizar o que primeiro construiu em metade do valor da parede. As chamadas meia-paredes
podem ser utilizadas por cada condômino no limite da metade da espessura (art. 1.306, CC). Ex.:
fixação de armários.
Se, contudo, não pretender travejá-la, não poderá o dono do segundo prédio a ser
construído, “fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a
construção anterior. Eventualmente, caberá a ação de dano infecto para se exigir a caução”63.
A parede divisória pode ser elevada em altura por qualquer dos condôminos e a sua custa,
a não ser que o vizinho pretenda adquirir meação da parte aumentada (art. 1.307, CC).
O art. 1.308 proíbe encostar na parede divisória lareiras, fogões, fornos ou chaminés
capazes de produzir infiltrações para o vizinho, podendo utilizar-se sempre de nunciação ou
demolição para evitar. Aqui, entende-se casos de fogões a lenha e não os fogões tradicionais de
cozinha, pela leitura do parágrafo único. Também são vedadas construções que possam poluir
ou inutilizar águas de poço ou nascente preexistentes a construção (art. 1.309, CC), bem como a
realização de escavações ou obras que retirem de poço ou nascente alheia a água para suas
necessidades (art. 1.310, CC).
Qualquer obra realizada no terreno vizinho deve observar as normas de segurança e,
sendo necessário, antes de realizar qualquer obra ou escavação no próprio terreno, necessário
realizar obras acautelatórias, a fim de evitar dano ao prédio vizinho. De toda forma, se realizada
a obra não observando-se estas cautelas, o prejudicado poderá utilizar-se de nunciação de obra

62
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
352. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020
63
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
353. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020
223
nova, ação de dano infecto ou demolitória, sem prejuízo do direito de ser indenizado, havendo
danos ao seu prédio.
O art. 1.312, CC prevê que as violações aos direitos de vizinhança através de construções
que não observem as normativas, podem ser objeto de ação de demolição, sem prejuízo das
perdas e danos.
Por fim, o art. 1.313 estabelece as situações em que o acesso de um vizinho no prédio do
outro deve ser tolerado, mediante aviso prévio: a) dele temporariamente usar, quando
indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro
divisório, corte de árvores ou cercas vivas, reparo e limpeza de esgotos, goteiras, poços, etc; b)
apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente (exemplo: bola
de futebol dos filhos que “teima” em passar para o pátio do vizinho). Neste caso, o vizinho pode
autorizar a entrada ou, então, devolver o objeto.

EM RESUMO

224
05. Condomínio.
I – CONDOMÍNIO
1. Condomínio – conceito
Quando houver mais de um titular sobre o mesmo direito de propriedade, cada um com
uma fração ideal sobre a mesma coisa, haverá condomínio ou copropriedade. São três as
espécies de condomínio: voluntário (decorrente da vontade dos proprietários), necessário
(decorrente da lei, em função da indivisibilidade da coisa) e edilício (condomínio de unidades
autônomas, com partes comuns).

2. Condomínio voluntário ou convencional


O condomínio voluntário ou convencional decorre de instituição das partes, por contrato,
quando duas pessoas adquirem juntos um imóvel; ou por negócio unilateral, através de doação
ou herança, quando os herdeiros recebem de herança do pai uma Fazenda. Na instituição do
condomínio voluntário é possível a determinação de que a coisa permaneça em comum por
prazo não superior a 5 anos, podendo haver prorrogação (art. 1.320, § 1.º, CC), ocorrendo da
mesma maneira a instituição do condomínio através de doação (§ 2.º). O § 3.º prevê a
possibilidade de que o juiz determine a extinção/divisão deste condomínio a qualquer, sempre
que houverem razões graves para determiná-la.
Cada condômino tem direito a uma parte ideal do bem, sem localização (parcela ideal e
não parcela material). Significa dizer que cada condômino terá uma fração determinada (50%,
30%, 5%, etc) do bem. Não havendo estabelecimento, presume-se que cada condômino seja
titular de uma porção igual a dos demais. Ex.: 3 condôminos, onde cada um tem 33,3333% de
titularidade. Mas esta presunção é relativa. Art. 1.315, CC. E cada condômino pode usar e gozar da
coisa, mas não pode excluir o igual direito dos demais condôminos. Tartuce64 afirma que “fica
claro que cada condômino tem a propriedade plena e total sobre a coisa, o que é limitado pelos
direitos dos demais”. Pode, inclusive reaver a coisa que esteja em poder de terceiro. Art. 1.314, CC.
É possível que um condômino utilize a coisa sozinho, mas neste caso deverá pagar uma
“indenização pela utilização exclusiva do bem”, como se fosse um aluguel (embora não seja a
expressão mais apropriada). Além disto, tanto no uso comum ou individual, a destinação da
coisa deve ser observada, de forma que não pode um imóvel residencial ser utilizado para fins
comerciais.
Entre os condôminos existe o direito de preferência, previsto pelo art. 504, CC:

64
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
370. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
225
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte
a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a
quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço,
haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de
cento e oitenta dias, sob pena de decadência.
Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver
benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior.
Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários,
que a quiserem, depositando previamente o preço.

Também nesse sentido é a determinação do art. 1.322, CC, referindo-se ao condomínio


indivisível o direito de preferência dos condôminos, em iguais condições de oferta, a terceiros.
Havendo vários condôminos, o que tiver realizado benfeitorias de maior valor ou, então, tiver
maior parte terá preferência na aquisição. Se nenhum dos condôminos estiver nessa situação,
será feita a licitação da coisa, com oferta de propostas sigilosas, adquirindo aquela que ofertar
maior valor.
Sobre a questão do direito de preferência no condomínio, necessário deixar claro que
embora a previsão dos dispositivos diga respeito a condomínio indivisível, a posição do STJ é no
sentido de aplicação da preferência, também ao condomínio de bem divisível. Nesse sentido,
Tartuce65 manifesta-se que:
Assim, a jurisprudência superior acabou por acompanhar posição
contrária daqueles que participaram da IV Jornada de Direito Civil,
inclusive a deste autor, honrosamente citado no último decisum. Desse
modo, para os devidos fins práticos, no caso de o condomínio ser pro
indiviso e o bem indivisível ou mesmo divisível, cada condômino só pode
vender sua parte a estranhos se antes oferecer aos outros condôminos.
Tal situação poderá abranger tanto os bens móveis quanto os imóveis.

Em caso de alienação a terceiro, sem ser dado o exercício do direito de preferência, esse
direito deve ser exercido dentro do prazo de 180 dia, a contar da ciência da venda, requerendo a
adjudicação para si da quota alienada a terceiro.
Quando houverem dívidas provenientes do condomínio, cada um dos condôminos
responde por sua quota-parte, podendo eximir-se do pagamento, desde que renuncie a sua

65
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
389. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
226
fração (art. 1.316, CC). Contudo, se algum dos condôminos contrair dívida sozinho, em nome do
condomínio, este é que responderá pelas mesmas. Terá ele, contudo, direito de regresso contra
os demais.
Cada condômino tem direito a participação quanto aos frutos da coisa comum, em
percentual que equivalha a sua quota-parte. Não pode um condômino locar a coisa a terceiro
sem a anuência dos demais.
Os arts. 1.323 a 1.326, CC estabelecem a forma de administração do condomínio voluntário,
que será exercida por um dos condôminos, havendo consenso ou, então, por administrador,
que poderá ser estranho ao condomínio, mas que dependerá de deliberação por maioria. O
cálculo da maioria é realizada pelo quinhão dos condôminos e a deliberação deve ser realizada
por maioria absoluta, ou seja, da totalidade dos condôminos e não dos presentes na
deliberação.
O condomínio voluntário pode ser desfeito a qualquer tempo. Nos termos do art. 1.319, CC
é lícito que o condômino exija a divisão da coisa comum sempre que for possível tal intento (há
condomínios que são indivisíveis por natureza), e cada condômino deverá responder pelas
despesas de divisão de sua parte.
Para a extinção/dissolução/divisão do condomínio, devem ser aplicadas as regras de
partilha de herança, previstas nos arts. 2.013 a 2.022 do CC (art. 1.321, CC) à ação de divisão de
condomínio. Esta ação de divisão está prevista no CPC nos procedimentos especiais, art. 569 e
seguintes.
Neste caso, sendo a coisa divisível ela será dividida e, para tanto, poderá ser necessária
realização de perícia para determinar/propor a forma de divisão. Não sendo possível a divisão,
deverá haver a alienação da coisa e repartido entre os condôminos o valor, sempre que um
deles não pretender adquirir a parte do outro.

3. Condomínio legal ou necessário


O condomínio necessário é o que deriva de determinação legal, sendo chamado, então, de
condomínio forçado. Sua caracterização mais corriqueira se dá pelas paredes, cercas, muros e
valas divisórias das propriedades, remetendo, portanto, às normas do direito de vizinhança (art.
1.327, CC).
Assim, pode o proprietário de um imóvel realizar a obra de divisão, mas deverá cientificar o
proprietário lindeiro. Neste caso, deverão dividir as despesas e, caso não haja consenso, será
arbitrado o valor por peritos (art. 1.329, CC). Também pode o proprietário do terreno vizinho
adquirir a meação da cerca ou muro divisório, pagado àquele que fez a obra, a metade do valor
atual dela (art. 1.328, CC) e, enquanto não pagar, não poderá fazer uso da parede ou muro
divisório (art. 1.330, CC).

227
4. Condomínio edilício
O condomínio edilício é tratado pelo CC do art. 1.331 a 1358 e é assim considerado aquele
condomínio formado por unidades autônomas, pois existem condomínios considerados
edilícios e que são apenas loteamentos e não edifícios. Nesta modalidade, a propriedade é
dividida em planos horizontais, utilizando-se o solo e subindo para o “céu”.
O condomínio edilício é composto de partes comuns e partes individuais (art. 1.331, CC). As
partes individuais, são as unidades autônomas (apartamentos, salas, escritórios, lojas, etc). No
caso de um edifício de apartamentos, cada unidade, cada apartamento, é considerado a fração
real, ou seja, pode esta fração ser alienada independentemente do exercício do direito de
preferência previsto no art. 504, CC. Significa dizer que se o proprietário de um apartamento em
um condomínio edilício resolver alienar seu imóvel, não necessitará notificar os demais
condôminos.
Contudo, o box de garagem só pode ser alienado ou alugado a pessoa estranha ao
condomínio se houver autorização da convenção de condomínio. Neste sentido, prevê o art.
1.339, CC:
Art. 1.339. Os direitos de cada condômino às partes comuns são
inseparáveis de sua propriedade exclusiva; são também inseparáveis das
frações ideais correspondentes as unidades imobiliárias, com as suas
partes acessórias.
§ 1 o Nos casos deste artigo é proibido alienar ou gravar os bens em
separado.
§ 2 o É permitido ao condômino alienar parte acessória de sua unidade
imobiliária a outro condômino, só podendo fazê-lo a terceiro se essa
faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se
opuser a respectiva assembléia geral.

O box acaba sendo considerado como acessória, sendo possível a alienação a outro
condômino, desde que não haja vedação pela assembleia geral.
Com relação a área comum: solo, telhado, áreas comuns do condomínio (garagem,
saguão, etc), estas não podem ser alienadas em separado, pois constituem o todo condominial,
havendo fixação de uma fração ideal, em percentual para cada unidade autônoma, quanto ao
solo e quanto as áreas comuns edificadas. Estas são objeto, portanto, de copropriedade. O
terraço entende-se, como regra, sendo de área comum, salvo existência de disposição
condominial que estabeleça pertencer a apenas uma ou alguma das unidades. Nenhuma
unidade autônoma pode ficar sem acesso a via pública, nem sem elevador, mesmo que
inadimplentes com o condomínio.

228
Há que se destacar o entendimento do STJ, firmado na jurisprudência em teses (edição
68, n.16 – TESE DO STJ), no sentido de que é possível a reforma e utilização exclusiva de área
comum do condomínio, desde que haja autorização da assembleia geral. Tartuce 66 usa como
exemplo “nos prédios com um apartamento por andar, o uso do hall do elevador privativo da
unidade”.
Também importante mencionar que outra TESE DO STJ é no sentido de que na relação
entre condomínio e condôminos não se aplicam as normas do CDC (edição 68, n.10): “10) Nas
relações jurídicas estabelecidas entre condomínio e condôminos não incide o Código de Defesa
do Consumidor – CDC”.
Embora existam discussões doutrinárias e jurisprudenciais, o condomínio é considerado
um ente despersonalizado, ou seja, não é uma pessoa jurídica.

4.1. Instituição, constituição e regulamentação do condomínio edilício


O art. 1.332, CC estabelece que o condomínio edilício pode ser instituído por ato inter vivos
ou por testamento, devendo ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, onde deverá
constar: a) a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva,
estremadas uma das outras e das partes comuns; b) a determinação da fração ideal atribuída a
cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; c) o fim a que as unidades se
destinam.
Já a regulamentação do condomínio, que estabelecerá seu funcionamento, direitos e
obrigações, ocorrerá através da convenção de condomínio, a qual deve ser subscrita por, no
mínimo 2/3 dos titulares das frações ideais, tornando-se de observância obrigatória tanto pelos
proprietários, quanto daquelas pessoas que apenas tenham detenção ou posse das unidades
(art. 1.333, CC). Assim como o ato de instituição, o ato de regulamentação – convenção de
condomínio – também deve ser registrada no CRI, para que produza efeitos perante terceiros.
De se observar, contudo, que a súmula 260, do STJ prevê que mesmo não havendo registro da
convenção de condomínio, entre os condôminos ela é de observância obrigatória: “A convenção
de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre os
condôminos”.
Essa convenção de condomínio não pode fazer a previsão de proibições excessivas:
vedação de animais de estimação que não causem embaraço aos demais condôminos; vedação
de uso das áreas comuns pelos inadimplentes de condomínio, etc.
A convenção deve estabelecer, além das cláusulas do art. 1.332, CC:

66
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
398. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
229
a) a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos
para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio. Estas despesas se
constituem de obrigações propter rem, ou seja, próprias da coisa, de forma que seguem o bem
esteja ele com quem estiver. Neste sentido, a convenção deve fixar a forma de rateio dessas
despesas e a TESE DO STJ (Edição 68, n.9) é no sentido de que possa ser “de maneira diversa da
regra da fração ideal pertencente a cada unidade”.
b) sua forma de administração, com previsão de reeleição ou não, duração dos
mandatos de síndico e sub-síndico;
c) a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as
deliberações, observando-se as determinações do art. 1.350, CC que prevê que a primeira
assembleia anual deve aprovar o orçamento, prestar contas e determinar o valor das
contribuições anuais. Além disto, as assembleias extraordinárias podem ser convocadas pelo
síndico ou por ¼ dos condôminos, nos termos do art. 1355, CC.
d) as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores, como nos casos de
multas por importunação, por violação do silêncio, etc.;
e) o regimento interno, que seria o estabelecimento de regras de convivência no
condomínio, horários de funcionamento, proibições e permissões, etc.

4.2. Direitos e deveres dos condôminos. Estudo das penalidades no condomínio


edilício. O condômino antissocial
O art. 1.355 estabelece os direitos dos condôminos, os quais poderão usar, fruir e
livremente dispor de suas unidades; usar as partes comuns, conforme a destinação e
obedecendo o regramento do condomínio, não podendo excluir a utilização dos demais
condôminos; votar nas deliberações, desde que esteja quite com suas obrigações.
Por sua vez, o art. 1.336, CC estabelece os deveres do condômino e, a primeira delas é a
contribuição para as despesas do condomínio, ficando sujeito a juros e multa de até 2% sobre o
débito. Além disto, não pode o condômino realizar obras que comprometam a segurança do
prédio, nem alterar a forma ou cor da fachada, partes e esquadrias externas. Por fim, deve o
condômino utilizar a edificação para o fim a que se destina, não prejudicando o sossego dos
demais. Nestes dois últimos casos (realização de obras que comprometam a segurança ou
alteração da fachada e, ainda, que perturbar o sossego), prevê o § 2.º do art. 1.336 a possibilidade
de que 2/3 dos condôminos restantes imponham multa ao violador, que será de até 5 vezes o
valor da sua quota condominial.
O descumprimento reiterado das obrigações permite que seja imposta multa de até 5
vezes o valor das contribuições mensais, por deliberação de ¾ do restante dos condôminos. Se

230
o condômino apresentar comportamento antissocial, com perturbação permanente do
sossego, a multa pode chegar a 10 vezes o valor de suas contribuições mensais (art. 1.337, CC).
O art. 1.338, CC prevê a preferência dos condôminos para alugar o abrigo de veículos
(garagem).
No caso de uso de área comum com exclusividade – saguão do elevador em edifício de
um apartamento por andar por exemplo ou, então, uso do terraço – cabe ao condômino pagar
as despesas relativas a tal parte. Art. 1.340, CC.
Deve-se observar que as obrigações condominiais são consideradas propter rem, ou seja,
seguem com a coisa. Assim, a aquisição da propriedade, traz consigo os débitos do condomínio,
inclusive quando há compromisso de compra e venda (mesmo não registrado), havendo TESE
DO STJ (Edição 68, n. 4) definindo que a obrigação é tanto do proprietário, quanto do
promitente comprador: “Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a
responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor
quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto.
(Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 - Tema 886)”.
Ainda. Importante mencionar a possibilidade de penhora do imóvel – ainda que seja o
único (art. 3º, IV, lei 8009/90) – para a garantia do pagamento das despesas de condomínio,
havendo, neste sentido TESE DO STJ (Edição 68, n.1): “É possível a penhora do bem de família
para assegurar o pagamento de dívidas oriundas de despesas condominiais do próprio bem”.
Por fim, ao tratar da regulamentação do condomínio, o CC determina a necessidade de
contratação de seguro contra incêndio, destruição parcial ou total. Art. 1.346, CC.

4.3. Realização de obras


O art. 1.341 e seguintes prevê a possibilidade e o regramento para a realização de obras no
condomínio. Sendo obras necessárias as mesmas podem ser realizadas pelo síndico
independentemente de autorização. Se forem úteis necessário o voto da maioria absoluta dos
condôminos. Se forem voluptuárias necessário o voto de 2/3 dos condôminos. Sempre que
possível, deve-se buscar a autorização da assembleia para a realização das obras necessárias,
mas sendo urgentes, poderão ser feitas, comunicando-se posteriormente. A construção de novo
pavimento no edifício depende de autorização por unanimidade dos condôminos.

4.4. Administração do condomínio


A administração do condomínio é exercida pelo síndico, o qual pode ser condômino ou
terceiro, inclusive pessoa jurídica. Deverá ser eleito em assembleia, por prazo não superior a 2
anos, permitindo-se reconduções. É possível que seja eleito um conselho fiscal, por igual
período, composto por 3 membros, para fiscalizar as contas. O síndico pode ser remunerado ou
não, conforme previsão na convenção de condomínio e votação da assembleia.
231
O art. 1348, CC estabelece as atribuições do síndico, que poderá transferir a terceiro, parcial
ou totalmente, as funções administrativas, desde que com a aprovação da assembleia:
Art. 1.348. Compete ao síndico:
I - convocar a assembléia dos condôminos;
II - representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo
ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;
III - dar imediato conhecimento à assembléia da existência de
procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;
IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as
determinações da assembléia;
V - diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela
prestação dos serviços que interessem aos possuidores;
VI - elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
VII - cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e
cobrar as multas devidas;
VIII - prestar contas à assembléia, anualmente e quando exigidas;
IX - realizar o seguro da edificação.
§ 1 o Poderá a assembléia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em
poderes de representação.
§ 2 o O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os
poderes de representação ou as funções administrativas, mediante
aprovação da assembléia, salvo disposição em contrário da convenção.

Anualmente, o síndico deve convocar assembleia ordinária, para aprovação do orçamento


e da contribuição mensal. Se não o fizer, poderão convocar tal assembleia a representação de ¼
dos condôminos. Art. 1.350.
Havendo irregularidades, praticadas pelo síndico, a assembleia poderá destituí-lo, com
voto da maioria absoluta (metade mais um) dos condôminos. Art. 1.349, CC.
As deliberações da assembleia, salvo quando houver exigência de quórum especial, serão
tomadas por maioria dos votos dos presentes (art. 1.352, CC), desde que haja a representação de,
pelo menos, metade das frações ideais. Além disto, os votos são contabilizados conforme a
fração ideal que representam, ou seja, terão pesos diferenciados.
Qualquer alteração da convenção de condomínio exige aprovação de 2/3 dos votos dos
condôminos e a mudança da destinação do prédio exige a unanimidade.
Nessa votações, admite-se o voto do locatário.

4.5. Extinção do condomínio


232
O condomínio pode ser extinto em três hipóteses: venda de todas as unidades a um único
condômino (neste caso a propriedade passa a ser individual); destruição parcial ou total do
condomínio; desapropriação.

5. Condomínio de lotes
A lei 13.465/2017 inseriu o art. 1.358-A no CC, passando a dispor a respeito do condomínio
de lotes, que seria uma forma de condomínio edilício, mas sem construção, onde existem partes
de propriedade exclusiva e partes comuns. Seria a regulamentação dos chamados
“condomínios fechados”.
Aplica-se a esta espécie, as disposições acerca do condomínio edilício e toda infraestrutura
necessária ao empreendimento deve ser realizada pelo empreendedor.

6. Multipropriedade ou time sharing


A multipropriedade foi inserida no CC através dos arts. 1.358-B a 1.358-U, CC. Deve-se
observar a possibilidade de incidências das regras do CDC, por força do art. 1.358-B.
Trata-se de uma forma de condomínio, geralmente utilizada para locais de lazer, em que
se divide a utilização do imóvel em tempo fixo, ou seja, é estabelecido o tempo/período de
utilização de cada condômino e, durante aquele período, ele exerce com exclusividade (art.
1.358-C). Ex.: aquisição de um apartamento/casa na praia por 3 pessoas. Elas dividirão o período
de tempo de utilização e este tempo não pode ser inferior a 7 dias, podendo ser em períodos
fixos do ano ou de forma “flutuante” ou alternada (art. 1.358-E). Além disto, as frações de tempo
são indivisíveis, não podendo desdobrar seu período de tempo em porções menores 67. Como
regra, os multiproprietários dividem o tempo em frações iguais, mas nada impede que possa
um deles ter maior período de tempo, conforme a contribuição para a aquisição (art. 1.358-E).
A multipropriedade não se extingue nem mesmo se todas as frações de tempo forem do
mesmo multiproprietário (art. 1.358-C, parágrafo único).
O art. 1.358-D traz as características da multipropriedade: imóvel indivisível (não cabe ação
de divisão) e móveis e equipamentos domésticos.
A instituição se dá por ato intervivos ou por testamento, devendo ser registrado no
Cartório de Registro de Imóvel, com a fixação dos períodos de tempo (art. 1.358-F). Além disto,
deve ser feita uma convenção de condomínio, que poderá fixar regramento estabelecido pelos
multiproprietários e, ainda (art. 1.358-G): I - os poderes e deveres dos multiproprietários,
especialmente em matéria de instalações, equipamentos e mobiliário do imóvel, de

67
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 4. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
460. E-book. Disponível em:
https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788530989354/cfi/6/10!/4/8/2@0:0. Acesso em 16 out.
2020.
233
manutenção ordinária e extraordinária, de conservação e limpeza e de pagamento da
contribuição condominial; II - o número máximo de pessoas que podem ocupar
simultaneamente o imóvel no período correspondente a cada fração de tempo; III - as regras de
acesso do administrador condominial ao imóvel para cumprimento do dever de manutenção,
conservação e limpeza; IV - a criação de fundo de reserva para reposição e manutenção dos
equipamentos, instalações e mobiliário; V - o regime aplicável em caso de perda ou destruição
parcial ou total do imóvel, inclusive para efeitos de participação no risco ou no valor do seguro,
da indenização ou da parte restante; VI - as multas aplicáveis ao multiproprietário nas hipóteses
de descumprimento de deveres.
O art. 1.358-I estabelece que o instrumento de instituição da multipropriedade e a
convecção de condomínio poderão estabelecer os direitos multiproprietário, mas garante ainda
que este poderá: I - usar e gozar, durante o período correspondente à sua fração de tempo, do
imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário; II - ceder a fração de tempo em
locação ou comodato; III - alienar a fração de tempo, por ato entre vivos ou por causa de morte,
a título oneroso ou gratuito, ou onerá-la, devendo a alienação e a qualificação do sucessor, ou a
oneração, ser informadas ao administrador; IV - participar e votar, pessoalmente ou por
intermédio de representante ou procurador, desde que esteja quite com as obrigações
condominiais, em: a) assembleia geral do condomínio em multipropriedade, e o voto do
multiproprietário corresponderá à quota de sua fração de tempo no imóvel; b) assembleia geral
do condomínio edilício, quando for o caso, e o voto do multiproprietário corresponderá à quota
de sua fração de tempo em relação à quota de poder político atribuído à unidade autônoma na
respectiva convenção de condomínio edilício.
O art. 1.358-J traz as obrigações do multiproprietário: I - pagar a contribuição condominial
do condomínio em multipropriedade e, quando for o caso, do condomínio edilício, ainda que
renuncie ao uso e gozo, total ou parcial, do imóvel, das áreas comuns ou das respectivas
instalações, equipamentos e mobiliário; II - responder por danos causados ao imóvel, às
instalações, aos equipamentos e ao mobiliário por si, por qualquer de seus acompanhantes,
convidados ou prepostos ou por pessoas por ele autorizadas; III - comunicar imediatamente ao
administrador os defeitos, avarias e vícios no imóvel dos quais tiver ciência durante a utilização;
IV - não modificar, alterar ou substituir o mobiliário, os equipamentos e as instalações do imóvel;
V - manter o imóvel em estado de conservação e limpeza condizente com os fins a que se
destina e com a natureza da respectiva construção; VI - usar o imóvel, bem como suas
instalações, equipamentos e mobiliário, conforme seu destino e natureza; VII - usar o imóvel
exclusivamente durante o período correspondente à sua fração de tempo; VIII - desocupar o
imóvel, impreterivelmente, até o dia e hora fixados no instrumento de instituição ou na
convenção de condomínio em multipropriedade, sob pena de multa diária, conforme

234
convencionado no instrumento pertinente; IX - permitir a realização de obras ou reparos
urgentes.
O § 1.º do mesmo dispositivo traz as sanções por descumprimento das obrigações, as quais
deverão constar da respectiva convenção de condomínio em multipropriedade: I - multa, no
caso de descumprimento de qualquer de seus deveres; II - multa progressiva e perda
temporária do direito de utilização do imóvel no período correspondente à sua fração de tempo,
no caso de descumprimento reiterado de deveres.
As despesas decorrentes de reparos no imóvel serão divididas entre os multiproprietários,
quando derivadas do uso normal, ou, então, suportadas pelo multiproprietário que deu causa ao
estrago, sem prejuízo da multa (§ 2º, art. 1.358-J).
Alienações da fração de tempo/propriedade do multiproprietário não dependerão de
anuência dos demais. (§ 2º, art. 1.358-L), de forma a não existir, neste caso de condomínio, o
direito de preferência (como regra, podendo estar estabelecido em convenção esta preferência).
A multipropriedade será administrada pela pessoa indicada no instrumento de instituição
ou convenção de condomínio ou, não havendo, pela pessoa escolhida na assembleia (art. 1.358-
M). As atribuições são as mesmas do síndico: I - coordenação da utilização do imóvel pelos
multiproprietários durante o período correspondente a suas respectivas frações de tempo; II -
determinação, no caso dos sistemas flutuante ou misto, dos períodos concretos de uso e gozo
exclusivos de cada multiproprietário em cada ano; III - manutenção, conservação e limpeza do
imóvel; IV - troca ou substituição de instalações, equipamentos ou mobiliário, inclusive: a)
determinar a necessidade da troca ou substituição; b) providenciar os orçamentos necessários
para a troca ou substituição; c) submeter os orçamentos à aprovação pela maioria simples dos
condôminos em assembleia; V - elaboração do orçamento anual, com previsão das receitas e
despesas; VI - cobrança das quotas de custeio de responsabilidade dos multiproprietários; VII -
pagamento, por conta do condomínio edilício ou voluntário, com os fundos comuns
arrecadados, de todas as despesas comuns.
Os arts. 1.358-O até 1.358-U estabelecem as disposições gerais acerca das unidades
autônomas de condomínios edilícios. O condomínio edilício pode adotar a modalidade
multipropriedade através de previsão no instrumento de instituição ou deliberação da maioria
absoluta dos condôminos.

II – PROPRIEDADES TEMPORÁRIAS
Como regra geral, a propriedade é perpétua, perene, mas a lei prevê algumas formas de
propriedade especial que são temporárias: a propriedade resolúvel e a propriedade fiduciária.

235
1. Propriedade resolúvel
Entende-se por propriedade resolúvel aquela que pode ser resolvida pelo implemento de
uma condição resolutiva ou pelo termo final (lembre-se da escala ponteana, degrau da eficácia
e subordinação dos efeitos a elementos acidentais). Uma vez resolvida a propriedade, o
proprietário a quem beneficia da resolução pode reivindicar a coisa em poder de quem ela
esteja.
Ex.: compra e venda com cláusula de retrovenda (vendedor se reserva o direito de
recomprar dentro de certo prazo – até 3 anos). Neste caso, a propriedade do comprador é
resolúvel até se operar o prazo de 3 anos.
Ex.: venda com reserva de domínio. Até o pagamento final das parcelas, a propriedade do
comprador é resolúvel.
Ex.: disposição testamentária com cláusula de fideicomisso e o direito do fiduciário – art.
1.953, CC
Deve-se observar que a propriedade resolúvel deve estar inscrita no Cartório de Registro
de Imóveis para que produza efeitos perante terceiros.
Se a resolução da propriedade se deu por fato superveniente – no caso da doação com
encargo, havendo descumprimento do encargo, é possível a resolução da doação pela
ingratidão – e tiver havido a alienação da propriedade – o donatário tiver alienado – o doador
(antigo proprietário) não poderá se valer da reivindicação contra o terceiro adquirente, mas
poderá se utilizar de ação contra o ingrato, para reembolso do valor do bem.

2. Propriedade fiduciária
Propriedade fiduciária é “a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível, que o
devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. Trata-se, portanto, do contrato de
alienação fiduciária de bens móveis” 68.
No caso da alienação fiduciária, a propriedade é resolúvel por uma causa contida no
próprio título de propriedade, que se fundamenta em um contrato de alienação fiduciária em
garantia. Geralmente utilizado com relação a veículos. O devedor (fiduciante), embora
mantenha a posse direta do bem, transfere a propriedade do mesmo ao credor (fiduciário). Art.
1.361, CC + Decreto-lei 911/1969. O devedor pode se utilizar da coisa, mas deve guardá-la com
diligência (art. 1.363, CC).
A propriedade fiduciária configura-se pelo registro do título no Registro de Títulos e
documentos ou, no caso de veículos, junto ao DETRAN e no ato constitutivo/contrato, deve
constar o valor da dívida, o prazo para pagamento, a taxa de juros, descrição da coisa, etc. (art.
1.362, CC).

68
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 883.
236
Com a quitação da dívida a propriedade transfere-se das mãos do credor para o devedor
(fiduciante) (art. 1.361, §3.º). Se não for quitada, o credor deve alienar judicial ou
extrajudicialmente o bem e, com o produto, pagar seu crédito e entregar o saldo ao devedor
(art. 1.364, CC), sendo vedado o pacto comissório (art. 1.365,CC), ou seja, ficar com a coisa se a
dívida não for paga. Se a venda não for suficiente para saldar a dívida, fica o devedor obrigado
com relação ao restante (art. 1.366, CC).
A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis, segundo o art. 1.367, CC:
“sujeita-se às disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e,
no que for específico, à legislação especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer
efeitos, à propriedade plena de que trata o art. 1.231”. As disposições do CC indicadas são as
constantes nos arts. 1.419 a 1.430, CC.
No que diz respeito a bens imóveis, aplica-se a lei 9.514/97, art. 22 e seguintes. Se a dívida
vencer e não for paga total ou parcialmente, tendo sido constituído em mora o fiduciante,
consolida-se a propriedade do imóvel em nome do fiduciário (art. 26). Neste caso, o devedor será
intimado para em 15 dias pagar a dívida. Caso seja purgada a mora, o contrato de alienação
fiduciária convalesce. Não sendo purgada, haverá a consolidação da plena propriedade nas
mãos do fiduciário, comprovando-se a quitação do imposto de transmissão. Em seguida, o
fiduciário, no prazo de 30 dias, a contar da averbação na matrícula da consolidação da
propriedade, deve promover leilão do imóvel. Não havendo oferta ou se esta for menor que o
valor do imóvel, realizar-se-á segundo leilão em 15 dias. Se mesmo vendido o bem, o valor
apurado não for suficiente para saldar a dívida, o devedor segue responsável pelo restante.
Prevê o §5.º do art. 27 que se após duas tentativas, em dois leilões, o maior lance não for igual ou
superior ao valor da dívida, despesas, prêmios de seguro e encargos, a dívida considera-se
extinta e o credor exonerado de indenizar benfeitorias.

VIII – FUNDO DE INVESTIMENTO


A lei 13.874/2019 acrescentou os artigos 1.368-C a1.368-F no CC. Tratam estes dispositivos
do fundo de investimento, que é um condomínio destinado a aplicação de ativos financeiros.
Cabe à Comissão de Valores Mobiliários as regulações acerca destes fundos. O registro dos
regulamentos dos fundos junto à CVM é suficiente para oponibilidade perante terceiros. Este
regulamento deverá conter: a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas
cotas; a limitação da responsabilidade, bem como parâmetros de sua aferição, dos prestadores
de serviços do fundo de investimento, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos
deveres particulares de cada um, sem solidariedade; classes de cotas com direitos e obrigações
distintos, com possibilidade de constituir patrimônio segregado para cada classe.
A responsabilidade limitada pelo fundo de investimento só tem validade para fatos
ocorridos após a mudança do regulamento.
237
Os fundos respondem de forma direta pelas obrigações assumidas e os prestadores de
serviço não respondem por estas obrigações, mas pelos prejuízos que causarem quando
procederem com dolo ou má-fé.

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

238
06. Direitos reais sobre coisa alheia. Direito real de aquisição. Direitos reais de garantia.

I – DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA


Além da propriedade, existem outros direitos reais, conforme previsão do art. 1.225, CC e
esses direitos podem vincular um sujeito a uma coisa que pertença a terceiro. São os chamados
direitos reais sobre coisa alheia e o CC traz essas previsões entre os arts. 1.369 a 1.510.
Classificam-se em direitos reais de uso e fruição; direito real de aquisição; direitos reais de
garantia.

1. Direitos reais de uso e fruição


Nos direitos reais de uso e fruição, o titular do domínio não concentra em suas mãos todos
os atributos da propriedade (art. 1.228, CC). Neste caso, os atributos de gozar e fruir da coisa são
transmitidos a outra pessoa. Acaba se concretizando, nas hipóteses a serem apresentadas,
direitos reais sobre coisa alheia.
Assim, dos direitos reais previstos no art. 1.225, CC consideram-se direitos de uso e fruição:
II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a habitação; XI - a concessão de uso
especial para fins de moradia; XII - a concessão de direito real de uso; e XIII - a laje.

1.1. Superfície
Pelo direito de superfície, o proprietário do imóvel concede a outrem, por tempo
determinado ou indeterminado, o direito de construir sobre seu terreno. Essa autorização pode
se dar de forma gratuita ou onerosa, mas sempre por escritura pública, que deve ser registrada
no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.369, CC) e autoriza apenas o uso do solo para cima, não
autorizando o uso do subsolo.
No direito de superfície, estão presentes as seguintes figuras: fundieiro ou concedente,
que é o proprietário do imóvel; superficiário, que recebe a coisa, podendo nela plantar ou
construir, além de poder usar e gozar do imóvel pelo período previsto na escritura pública. Essa
transmissão do direito de uso e gozo, pode ser de forma gratuita ou onerosa, permanente ou
temporária, sendo o superficiário responsável pelo pagamento dos tributos relativos ao imóvel.
O direito de superfície pode ser transmitido a terceiros ou a herdeiros, em caso de morte
do superficiário. Em qualquer caso, o concedente (fundieiro) não tem direito a receber
pagamento pela transferência. Contudo, em caso de alienação do terreno ou do direito de
superfície, terão direito de preferência o superficiário e o concedente, respectivamente.
Ocorre a extinção do direito real de superfície pelo advento do termo previsto (quando por
prazo determinado), podendo, também, ocorrer a extinção pela destinação diversa para a qual
foi concedida. Havendo extinção, o direito de uso e gozo retorna para o proprietário do terreno.
Consolida-se a plena propriedade, inclusive sobre as obras, benfeitorias e acessões realizadas
239
sobre o terreno, independentemente de indenização, salvo se pactuada na escritura pública
(art. 1.375, CC).

1.2. Servidão
A servidão é o direito real pelo qual os proprietários de dois imóveis estabelecem, através
de escritura pública ou por testamento, devidamente registrada no Cartório de Registro de
Imóveis, a concessão de benefícios de um imóvel para o outro. Geralmente a servidão é de
passagem, que beneficia o prédio encravado, gravando o prédio serviente, com o direito de
usar/passar pelo prédio de outra pessoa.
A servidão pode se constituir, também, através de usucapião, pois, nos termos do art. 1.379,
CC, o exercício inconstestado de uma servidão aparente por 10 anos, autoriza a registrar a
servidão no Registro de Imóveis, valendo a sentença como título. Se não houver título, o prazo
de usucapião será de 20 anos.
Na servidão, estão presentes as seguintes figuras: prédio serviente, que é o imóvel sobre o
qual se institui a servidão, para beneficiar ao prédio dominante, que é aquele que tem a
servidão a seu favor.
A doutrina traz as seguintes características para a servidão: predialidade, pois as servidões
incidem sobre imóveis; acessoriedade, pois elas dependem da existência do prédio sobre o
qual recaem para existir (não existem sozinhas); ambulatoriedade, pois em caso de alienação
do imóvel serviente, a servidão acompanha a transmissão; indivisibilidade, não podendo se
adquirir ou perder por partes; perpetuidade, não se estabelece por tempo determinado,
embora possa ser extinta a servidão.
A ação confessória é o meio através do qual se reconhece o direito à servidão e a ação
negatória é o meio de afastar a pretensão do proprietário do prédio serviente de estabelecer
servidão.
A servidão é diferente da passagem forçada. A primeira é facultativa, enquanto a segunda
é compulsória e exige pagamento de indenização. A servidão é direito real de gozo ou fruição e
a passagem forçada, instituto do direito de vizinhança. A passagem forçada aplica-se a casos de
prédio que não tem acesso a via pública. A servidão pode ser instituída para melhorar o uso do
imóvel dominante.
A servidão classifica-se em: urbana ou rústica; positiva ou negativa; contínua ou
descontínua; aparente ou não aparente.
Urbana é a servidão de imóvel urbano. Rústica é a servidão que incide sobre imóvel rural.
Positiva é a servidão que concede um direito de ação, como, por exemplo, a passagem.
Negativa é a servidão que determina um dever de abstenção, como por exemplo, não plantar
árvores para não gerar sombra no canteiro vizinho (pouco usada) ou não construir sobre o
terreno.
240
Contínua é a servidão quando seu exercício independe da ação, ocorrendo por fato da
natureza, como é o caso passagem de luz ou de som. Descontínua é a servidão que depende
de ação, como no caso da servidão de trânsito/passagem.
Aparente é a servidão que se manifesta por obras visíveis, como o caminho traçado pelo
trânsito, o aqueduto, etc. Não aparente é a servidão que não tem visibilidade, que é a que
ocorre quando há trânsito, mas sem caminho marcado.
Somente pode haver posse de servidão aparente, sendo possível sua aquisição por
usucapião e proteção possessória. Neste sentido é a súmula 415 do STF: “Servidão de trânsito
não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas,
considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”.
O art. 1.381, CC prevê que o dono do prédio dominante pode realizar as obras necessárias a
conservação e ao uso da servidão. As despesas, neste caso, serão do(s) proprietário(s) do(s)
prédio(s) dominante(s).
O dono do prédio serviente não pode embaraçar o uso da servidão (art. 1.383, CC), de
forma que em se tratando de servidão de passagem, não poderá impedir o exercício regular.
Contudo, poderá impedir a passagem de veículos se o convencionado for passagem a pé. O
prédio serviente deve sofrer a menor restrição, assim, o uso da servidão deve limitar-se a
necessidade do prédio dominante. Mas se a servidão por de passagem de caminhões, por
exemplo, entende-se abrangida a passagem de carros e a pé. Mais, o exercício da servidão deve
ocorrer no local estipulado e não em local diverso, admitindo-se a alteração de local, conforme o
art. 1.384,CC, nas hipóteses de ser realizada pelo dono do prédio serviente e à sua custa, se em
nada diminuir as vantagens do prédio dominante; ou pelo dono do prédio dominante e à sua
custa, se houver considerável incremento da utilidade e não prejudicar o prédio serviente.
Por natureza a servidão é indivisível e, havendo divisão do prédio serviente, ambos
responderão pela servidão e, se a divisão for do prédio dominante, ambas as partes seguem se
beneficiando da servidão (art. 1.386, CC).
Segundo o art. 1.387, CC, a servidão pode ser extinta pelo cancelamento no Cartório de
Registro de Imóveis, em razão de determinação legal ou desapropriação. O art. 1.388, CC prevê
as hipóteses que autorizam que o dono do prédio serviente peça o cancelamento judicial do
registro da servidão: quando o titular houver renunciado a sua servidão; quando tiver cessado,
para o prédio dominante, a utilidade ou a comodidade, que determinou a constituição da
servidão; quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão. Além disto, o art. 1.389, CC
prevê as hipóteses de cancelamento da servidão, mediante a prova da extinção: pela reunião
dos dois prédios no domínio da mesma pessoa; pela supressão das respectivas obras por efeito
de contrato, ou de outro título expresso; pelo não uso, durante dez anos contínuos.

241
1.3. Usufruto
O usufruto concede a terceiro o direito de usar e fruir da coisa alheia por determinado
período de tempo. Assim, acaba determinando que a propriedade se torne nua, pois o
proprietário tem os direitos de dispor e reivindicar, mas não pode usar, nem fruir do bem que
lhe pertence. Daí decorre que: o direito de usar, de locar o imóvel é do usufrutuário. Por outro
lado, o direito de vender o imóvel é do nu-proprietário. A ação reivindicatória só pode ser
proposta pelo nu-proprietário, pois só ele possui o direito de reivindicar. As ações possessórias
podem ser manejadas por ambos, pois o usufrutuário tem a posse direta e o nu-proprietário a
posse indireta da coisa.
Segundo o art. 1.390, CC o usufruto pode recair sobre bens móveis ou imóveis (um ou
vários), inclusive sobre todo o patrimônio. Em se tratando de usufruto de bem imóveis,
necessita de registro no Cartório de Registro de Imóveis, podendo ser objeto de aquisição via
usucapião.
O usufruto é inalienável, mas seu exercício pode ser objeto de cessão gratuita ou onerosa
(art. 1.383, CC).
O usufruto classifica-se em:
1) quanto ao modo de constituição. Judicial é o usufruto requerido pelo exequente em
processo de execução, que entende que, dessa forma, terá a satisfação de seu crédito. Legal é o
determinado pela lei, como nos casos de bens de propriedade dos filhos menores de idade,
onde o usufruto pertence aos seus pais enquanto durar o poder familiar (art. 1.689, I, CC).
Convencional é o instituído unilateralmente, através de testamento ou por acordo de vontades,
em um contrato. Por usucapião ocorreria na hipótese em que aquele que constituiu o usufruto
não era proprietário da coisa.
2) quanto ao objeto. Próprio é quando a mesma coisa entregue ao usufrutuário é
devolvida ao nu-proprietário. Impróprio é quando o usufruto recai sobre coisa consumível,
sendo outra de mesma espécie, qualidade e quantidade restituída ao nu-proprietário.
3) quanto à duração. Vitalício é o usufruto que dura a vida toda do usufrutuário,
extinguindo-se pela sua morte. Por prazo determinado é quando houver um prazo de duração.
4) quanto ao número de usufrutuários. Individual é o usufruto que beneficia apenas uma
pessoa. Simultâneo é o exercido por mais de uma pessoa.
Os arts. 1.394 a 1.399 do CC estabelecem os direitos do usufrutuário quanto a possuir, usar
e fruir da coisa, podendo cobrar dívidas quando o usufruto for de títulos de crédito; receber os
frutos naturais pendentes no tempo da instituição do usufruto; receber os frutos civis que se
venceram na data final do usufruto. Além disto, poderá o usufrutuário alterar a destinação
econômica do prédio desde que tenha autorização expressa do proprietário.
Os arts. 1.400 a 1.409 do CC estabelecem os deveres do usufrutuário, que envolvem,
principalmente, inventariar os bens que receber, determinando o estado em que se acham, e
242
dar caução, fidejussória ou real, se for exigida, de velar-lhes pela conservação, e entregá-los
findo o usufruto. Não é obrigado a dar caução o doador que se reserva do usufruto da coisa
doada. Se o usufrutuário não puder prestar a caução exigida, perde o direito de administrar a
coisa, ficando essa função nas mãos do nu-proprietário que, então, deverá, mediante caução,
entregar os rendimentos ao usufrutuário. O usufrutuário deve responder pelas despesas de
conservação da coisa, mas não responde pelas deteriorações do uso regular. Importante a
disposição do art. 1.408, CC que determina que no caso de destruição do prédio, não é obrigado
o nu-proprietário a reconstruir a coisa. Mas se houver sua reconstrução em razão da indenização
do seguro, o usufruto se restabelece.
Extingue-se o usufruto nos casos previstos nos arts. 1.410 e 1.411, CC, mediante
cancelamento do registro no Cartório de Registro de Imóveis: I - pela renúncia ou morte do
usufrutuário; II - pelo término do prazo; III - pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o
usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se
começou a exercer; IV - pela cessação do motivo de que se origina; V - pela destruição da coisa;
VI - pela consolidação; VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar
os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos
de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art.
1.395; VIII - Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai. No caso de usufruto
simultâneo, com a morte de um dos usufrutuários, salvo disposição expressa em sentido
contrário, extingue-se o usufruto sobre a parte do falecido.

1.4. Uso
O uso envolve o direito de utilizar a coisa para seu próprio bem. Por exemplo, uso de jazigo
em cemitério. Por se tratar de direito real, deve estar inscrito no Cartório de Registro de Imóveis
(até para diferenciar da locação).
Teoricamente não envolve o direito de fruir (neste caso, seria usufruto), mas o art. 1.412, CC
determina a possibilidade de fruir quando as necessidades do usuário ou da família exigirem.
Por fim, aplicam-se as regras de usufruto ao uso no que forem cabíveis.

1.5. Habitação
O direito real de habitação envolve o direito de usar a coisa para fins de moradia. Não
permite alugar, nem emprestar a coisa, apenas habitar na coisa alheia. Se for constituído em
favor de várias pessoas, todas podem exercer o direito, sem impedir as demais e, se uma delas
habitar sozinha, não terá dever de pagar aluguel às demais.
Em se tratando de direito real de habitação convencional, o instrumento de instituição
deverá ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Todavia, em se tratando de direito real

243
de habitação legal, não haverá essa necessidade, como no caso do art. 1.831, CC (direito real de
habitação do cônjuge/companheiro sobrevivente no imóvel de residência do casal).

1.6. Laje
O direito real de laje está previsto nos arts. 1.510-A a 1.510-E do CC e refere-se à
possibilidade do proprietário de uma construção base ceder a superfície superior ou inferior de
sua construção para terceiro edificar unidade distinta daquela originariamente construída sobre
o solo.
O titular do direito real de laje poderá abrir matrícula própria no Registro de Imóveis, mas
não será titular de parcela ideal do terreno. Terá apenas o direito de laje (construir sobre a
construção já existente). A construção base e o terreno pertencerão ao proprietário do imóvel
base.

1.7. Enfiteuse
A enfiteuse passou a ser vedada pelo CC/2002, nos termos do art. 2.038, embora não tenha
extinto as já existentes. Trata-se de instituto antigo no Direito brasileiro e que envolve a divisão
da propriedade em titularidade do imóvel (domínio direto) e direito de uso, gozo, disposição e
fruição, considerado domínio útil. Assim, o enfiteuta ou foreiro, titular do domínio útil, poderia
construir sobre imóvel de propriedade de terceiro (senhorio ou enfitente), que teria direito a
receber anualmente um valor fixo, chamado de foro.

2. Direito real de aquisição


O direito real de aquisição é proveniente de promessa de compra e venda, com cláusula
de irrevogabilidade e devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
A promessa de compra e venda pode ser firmada por instrumento público ou particular,
mas para gerar o direito real à aquisição do imóvel, necessita estar registrada no CRI. Assim, o
promitente comprador, que tenha efetivado o pagamento da coisa, pode exigir do promitente
vendedor ou de terceiros, a outorga da escritura pública definitiva de compra e venda e,
havendo recusa, ingressar com ação de adjudicação.
Importante observar que se o compromisso de compra e venda não for registrado na
matrícula, obriga apenas as partes celebrantes, resolvendo-se no âmbito do direito obrigacional.
Não se converte em direito real. Mas a súmula 239 do STJ, autoriza a adjudicação compulsória
mesmo não havendo registro da promessa: “O direito à adjudicação compulsória não se
condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

3. Direitos reais de garantia

244
Os artigos 1.419 a 1.510 do CC tratam de direitos reais de garantia: penhor, hipoteca e
anticrese. Tais direitos referem-se a garantias reais – vinculação a um bem – para pagamento de
dívidas. Assim, estabelecem uma vinculação entre o credor e uma coisa dada em garantia para
cumprimento de uma obrigação.
Os direitos reais de garantia referem-se a hipoteca, penhor e anticrese, enquanto formas
de deixar bens em garantia de dívidas. Trata-se de uma garantia mais formal do cumprimento
da obrigação, já que, se não quitada pelo devedor, autoriza o credor a satisfazer seu crédito
sobre o bem deixado em garantia. Já a fiança e o aval também são garantias para pagamento
de dívidas, mas obrigam as pessoas, pois são relações pessoais.
Apenas quem tem poder de alienar a coisa é que pode dá-la em garantia (art. 1.420).
Havendo condomínio sobre a coisa, ela não pode ser dada, em sua totalidade, em garantia, mas
a parte do condômino pode.
Constitui-se a garantia real sobre coisa imóvel quando o contrato é levado a registro. No
caso dos móveis, havendo a tradição, se a lei não exigir, também, o registro.
Assim, havendo inadimplemento, o credor deverá levar o bem a leilão (se móvel) ou praça
(se imóvel), sendo vedado o pacto comissório, ou seja, que o credor poderá ficar com a coisa em
pagamento da dívida, sendo nula a cláusula que contenha tal previsão (art. 1.428, CC). O valor
obtido com a alienação judicial será utilizado para quitar o débito. Se superior, devolve-se ao
devedor o saldo. Se inferior, permanece o débito quanto ao saldo. Pode o credor, após o
vencimento da dívida, dar a coisa em pagamento (art. 1.428, § único).
Os credores com garantia real terão preferência para receber seus créditos quando
houver concurso de credores.
Pagamentos parciais do débito não exoneram a parte correspondente da garantia, ou
seja, enquanto não for quitada a totalidade da dívida, não será liberada a garantia.
Considera-se vencida a dívida de forma antecipada (art. 1.425, CC): I - se, deteriorando-se,
ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a
reforçar ou substituir; II - se o devedor cair em insolvência ou falir; III - se as prestações não
forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste
caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito
de execução imediata; IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; V - se se
desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for
necessária para o pagamento integral do credor.
No caso de falecimento do devedor, seus sucessores não poderão resgatar parcialmente o
penhor ou hipoteca. Deverão saldar o total e se sub-rogar nos direitos do credor sobre as quotas
dos demais herdeiros.

245
3.1. Penhor
O penhor é uma forma de garantia real sobre bem móvel, através da qual o devedor
entrega ao credor o bem, sendo, ainda, exigido o registro do instrumento de penhor no Cartório
de Títulos e documentos (art. 1.432). O credor é chamado de credor pignoratício. No caso dos
penhores especiais tratados abaixo, o próprio devedor fica na posse da coisa, funcionando como
um depositário.
Penhor é diferente de penhora. Penhor é direito real de garantia. Penhora é garantia
judicial de dívida (instrumento processual).
O art. 1.433, CC estabelece os direitos do credor pignoratício: I - à posse da coisa
empenhada; II - à retenção dela, até que o indenizem das despesas devidamente justificadas,
que tiver feito, não sendo ocasionadas por culpa sua; III - ao ressarcimento do prejuízo que
houver sofrido por vício da coisa empenhada; IV - a promover a execução judicial, ou a venda
amigável, se lhe permitir expressamente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante
procuração; V - a apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se encontra em seu poder; VI
- a promover a venda antecipada, mediante prévia autorização judicial, sempre que haja receio
fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, devendo o preço ser depositado. O
dono da coisa empenhada pode impedir a venda antecipada, substituindo-a, ou oferecendo
outra garantia real idônea. O credor só deve devolver a coisa após o pagamento integral da
dívida.
O credor pignoratício tem como obrigações: I - à custódia da coisa, como depositário, e a
ressarcir ao dono a perda ou deterioração de que for culpado, podendo ser compensada na
dívida, até a concorrente quantia, a importância da responsabilidade; II - à defesa da posse da
coisa empenhada e a dar ciência, ao dono dela, das circunstâncias que tornarem necessário o
exercício de ação possessória; III - a imputar o valor dos frutos, de que se apropriar (art. 1.433,
inciso V) nas despesas de guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação garantida,
sucessivamente; IV - a restituí-la, com os respectivos frutos e acessões, uma vez paga a dívida; V
- a entregar o que sobeje do preço, quando a dívida for paga, no caso do inciso IV do art. 1.433.
O penhor extingue-se pela extinção da obrigação; pelo perecimento da coisa; pela
renúncia do credor; pela confusão, na mesma pessoa, do credor e dono da coisa; através de
adjudicação judicial, remissão ou venda da coisa empenhada (art. 1.436, CC). A produção de
efeitos da extinção ocorre a partir do cancelamento do registro (art. 1.437).
O penhor possui formas especiais: penhor rural; penhor industrial e mercantil; penhor de
direitos e títulos de crédito; penhor de veículos; penhor legal.

Penhor rural.
É o penhor agrícola ou pecuário, que se constitui por meio de instrumento público ou
particular a ser registrado no CRI. O penhor agrícola, que pode recair sobre máquinas,
246
implementos, colheitas pendentes, frutos armazenados, lenha cortada, carvão vegetal, animais
de serviço, tem prazo máximo de 3 anos, prorrogável por igual prazo. O penhor pecuário, que
pode recair sobre animais que integram a atividade pastoril, agrícola ou de laticínios, tem prazo
máximo de 4 anos, também prorrogável por igual prazo.
Admite-se a emissão de um título de crédito – cédula rural pignoratícia – quando o
devedor compromete-se a pagar a dívida em dinheiro. O credor pignoratício rural tem direito
de inspecionar a coisa empenhada, já que ela permanece nas mãos do devedor como
depositário.
Os animais podem ser alienados com autorização do credor. Havendo notícia de
pretensão de alienação dos animais sem autorização do credor, este poderá requerer que sejam
os animais depositados sob a guarda de terceiro. Se os animais empenhados morrerem e outros
forem comprados no lugar para substituí-los, estes serão sub-rogados no lugar.

Penhor industrial e mercantil.


Na qualidade de penhor especial, o devedor permanece na posse da coisa empenhada,
incentivando o crédito da indústria e do comércio. Podem recair sobre máquinas, aparelhos,
materiais e instrumentos, instalados e em funcionamento, com os acessórios ou sem eles;
animais utilizados na indústria; sal e bens destinados à exploração de salinas; produtos de
cultura de suínos e animais destinados à industrialização de carnes e derivados; matérias-
primas e produtos industrializados.
Constitui-se mediante instrumento público ou particular a ser registrado no CRI,
admitindo-se, também, a emissão de título de crédito – cédula de penhor industrial ou
mercantil.

Penhor de direitos e títulos de crédito.


O penhor de direitos é constituído por instrumento público ou particular a ser registrado
no Registro de Títulos e Documentos, incidindo sobre coisas móveis passíveis de cessão (art.
1.451, CC). O titular de direito empenhado deverá entregar ao credor pignoratício os
documentos comprobatórios desse direito, salvo se tiver interesse legítimo em conservá-los. No
caso de penhor de créditos, este só terá eficácia após notificação do devedor, que deve declarar-
se ciente o penhor, por instrumento público ou particular.
É dever do credor conservar o direito empenhado, cobrar o crédito empenhado após
tornar-se exigível.

Penhor de veículos.
Veículos de qualquer espécie de transporte ou condução são passíveis de penhor, pelo
prazo máximo de 2 anos, prorrogável por igual prazo, constituído através de instrumento
247
público ou particular a ser levado a registro no Cartório de Títulos e Documentos e anotado no
certificado de propriedade. Como penhor especial, o bem fica na posse do devedor.

Penhor legal.
O art. 1.467, determina que são credores pignoratícios, independentemente de convenção:
I - os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, jóias ou
dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou
estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito; II - o dono do prédio rústico
ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo
prédio, pelos aluguéis ou rendas.
Nestes casos, o credor pode tomar em garantia um ou mais objetos para chegar ao valor
da dívida, requerendo homologação judicial.

3.2. Hipoteca
A hipoteca é uma garantia real que recai, como regra, sobre imóveis, podendo incidir,
também, sobre alguns móveis previstos na lei. Pode recair, ainda, sobre direitos reais. Necessita
de registro no Cartório de Registro de Imóveis. Admite-se a emissão de cédula hipotecária, nos
termos do art. 1.484, CC.
A hipoteca pode ser convencional ou legal, conforme resulte ou não da vontade das
partes.
Na hipoteca, o bem se mantém nas mãos do devedor, sendo vedada/nula cláusula que
proíba o proprietário de vender o imóvel. Além disto, pode ser constituída mais de uma
hipoteca sobre o mesmo imóvel.
O art. 1.473 estabelece que podem ser objeto de hipoteca: I - os imóveis e os acessórios dos
imóveis conjuntamente com eles; II - o domínio direto; III - o domínio útil; IV - as estradas de
ferro; V - os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se
acham; VI - os navios; VII - as aeronaves; VIII - o direito de uso especial para fins de moradia; IX - o
direito real de uso; X - a propriedade superficiária.
No caso de existirem várias hipotecas sobre o mesmo bem, vencendo-se a segunda
hipoteca, a execução só pode correr após o vencimento da primeira, salvo nas hipóteses de
insolvência do devedor. Há, portanto, um direito de preferência no recebimento das hipotecas.
A hipoteca estabelece o direito de sequela, ou seja, não impede a venda do bem, mas permite
ao titular que busque a coisa nas mãos de quem se encontrar. O adquirente pode exonerar-se,
pagando a dívida ou abandonando ao credor hipotecário o imóvel.
A hipoteca poderá ser prorrogada por até 30 anos da data do contrato, desde que
requerida a averbação por ambas as partes. Após este prazo, necessitará reconstituição por
novo título e novo registro, mantendo a precedência sobre outras hipotecas. Art. 1.485, CC.
248
Admite-se a instituição de hipoteca para garantia de dívida futura, nos termos do art.
1.487, CC, desde que estabeleça o valor máximo do crédito a ser garantido.
Súmula 308, STJ: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior
ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os
adquirentes do imóvel”.
A hipoteca legal ocorre nos casos previstos no art. 1.489, CC, que determina que a lei
confere hipoteca: I - às pessoas de direito público interno (art. 41) sobre os imóveis pertencentes
aos encarregados da cobrança, guarda ou administração dos respectivos fundos e rendas; II -
aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o
inventário do casal anterior; III - ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do
delinqüente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais;
IV - ao co-herdeiro, para garantia do seu quinhão ou torna da partilha, sobre o imóvel
adjudicado ao herdeiro reponente; V - ao credor sobre o imóvel arrematado, para garantia do
pagamento do restante do preço da arrematação.
Segundo o art. 1.497, CC as hipotecas legais dependem de registro para que produzam
seus efeitos e, somente a partir de então constituem-se de direito real.
A hipoteca extingue-se: I - pela extinção da obrigação principal; II - pelo perecimento da
coisa; III - pela resolução da propriedade; IV - pela renúncia do credor; V - pela remição; VI - pela
arrematação ou adjudicação. Além disto, extingue-se a hipoteca pela averbação do
cancelamento do registro.
As hipotecas das vias férreas serão registradas no local onde estiver localizada a estação
inicial da linha.

3.3. Anticrese
Anticrese é o direito real pelo qual o devedor entrega ao credor o bem imóvel, autorizando
que ele perceba os frutos e rendimentos da coisa, compensando na dívida. Para sua
constituição, necessário que o contrato onde há o ajuste da garantia, seja registrado no Cartório
de Registro de Imóveis. Anualmente, o credor anticrético deve fazer balanço do que tiver
recebido. O credor pode arrendar o imóvel a terceiro, mantendo direito de retenção do imóvel
até que seja paga a dívida. Eventuais deteriorações que o imóvel sofrer por culpa do credor
anticrético, serão por ele respondidas, assim como os frutos que não forem percebidos.
Extingue-se a anticrese quando liquidada a dívida.

249
EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

03. DIREITO DE FAMÍLIA


01. Direito de família: generalidades. Casamento: generalidades, conceito, espécies de
casamento, habilitação, celebração, registro do casamento e provas do casamento

Direito de família = Ramo do direito privado – direito civil. Em razão da importância,


indisponibilidade, dentre outras características, o direito de família, embora sendo ramo do
direito privado, possui viés público, já que seus institutos são considerados de ordem pública,
sendo, inclusive, protegidos pela Constituição Federal, de maneira a assegurar o mínimo de
condições indispensáveis à existência de todos os membros da sociedade, conferindo-lhes
maior proteção. O viés público que o direito de família possui se dá em razão do especial

250
interesse que o Estado tem na proteção da família como célula básica, de especial importância
na sociedade e para que o próprio Estado se mantenha.

ATENÇÃO: as questões podem conter expressões como “ramo do direito civil com viés
publicista” – estaria verdadeira. Se, contudo, contiver a expressão “ramo do direito público” –
está errada.

Formas de família: atentar para a existência de diferentes formas de família. Tradicional


(matrimônio), informal (união estável), monoparental (um dos pais e sua prole), homoafetiva
(casais homossexuais), mosaico (fruto de divórcios e novos casamentos = “os meus, os teus e os
nossos filhos”), multiespécie (modelo de família constituída pelos donos e animais de estimação
– membros não humanos), etc.
Existem diferentes tipos de família Família consanguínea (onde há laços genéticos e
sanguíneos, relação de ascendência e descendência); Família afetiva (não há laços genéticos,
mas de afeto); Família por afinidade (em razão do matrimônio ou da união estável, parentesco
entre o cônjuge ou companheiro e os parentes do outro: sogro/a, cunhado/a, enteado/a).

1. Características do Direito de família:


É um direito personalíssimo, por ser voltado à tutela da pessoa, aderindo à sua
personalidade em virtude de sua posição na família durante toda a vida, isto é, são
intransferíveis, intransmissíveis (não se transfere por ato jurídico, nem intervivos, nem causa
mortis), irrenunciáveis (os alimentos, por exemplo. Ninguém pode despojar-se por vontade
própria, só pode haver transação com relação ao valor. Também não pode haver renúncia ao
poder familiar). São indisponíveis, ou seja, ninguém pode cedê-los ou renunciá-los;
irrevogáveis (o reconhecimento de filho, por exemplo), indisponíveis e imprescritíveis (em
decorrência de ser personalíssimo, não prescreve. Ex.: o direito de investigar a paternidade e
pedir alimentos). Além disso, o direito de família ainda possui as características da
universalidade (compreende todas as relações jurídico-familiares); indivisibilidade (não se
admite que uma pessoa seja considerada casada para determinadas relações e solteira para
outras); correlatividade (é recíproco, ou seja, ao estado de marido, corresponde o estado de
esposa; ao de pai, o de filho, ...) e oponibilidade (oponível contra todas as demais pessoas. Ex.: a
pessoa casada é casada perante toda a sociedade).

251
ATENÇÃO: muitas questões podem ser resolvidas lembrando das características do direito de
família. Ex.: irrenunciabilidade do direito a alimentos; irrevogabilidade do reconhecimento de
filiação (pode ser anulado, mas apenas nos casos de comprovação de erro ou coação).

2. O direito de família atual – família constitucionalizada:


Apesar de ser ramo do direito privado, o direito de família deve ser interpretado de
maneira constitucionalizada. Observar os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1.º,
III, CF), através do qual há uma valorização da família como núcleo pelo qual há o
desenvolvimento e a promoção da dignidade dos integrantes (exemplo de aplicação deste
princípio é o abandono da discussão da culpa nos términos de matrimônios ou, ainda, as
indenizações por abandono afetivo); solidariedade familiar (art. 3.º, I, CF), o que justifica o
pagamento de alimentos em razão da necessidade (art. 1.694, CC); igualdade entre os filhos,
independentemente da origem: biológica, afetiva ou adotiva, todos os direitos e deveres são os
mesmos, sem distinções; igualdade entre cônjuges e companheiros (art. 226, §5.º, CF e art.
1.511, CC), tanto o homem, quanto a mulher podem adotar o sobrenome do outro com o
matrimônio, podem pedir alimentos um ao outro, etc.; igualdade na chefia familiar (art. 1.566,
III e IV, 1.631 e 1.634, CC), não há hierarquia na condução da família, tanto o homem quanto a
mulher são chefes da família e detentores (em igualdade de condições) do poder familiar;
melhor interesse da criança (art. 1.583 e ss., CC; art. 227, CF), no estabelecimento da guarda,
por exemplo, através da alteração da lei 13.058, haverá o compartilhamento da mesma, mesmo
se os genitores estiverem em litígio, pois visa o melhor interesse da criança, possibilitando que
tenha convivência com ambos os genitores; afetividade, com a possibilidade de
reconhecimento de filiação afetiva, manutenção da filiação afetiva em detrimento da biológica,
etc.

DIREITO MATRIMONIAL
Até a Proclamação da República, em 1889 – apenas casamento religioso.
1891 – surgimento do casamento civil
Código Civil de 1916 – casamento como única forma de constituição de família, não
havendo outra forma de convívio que fosse aceitável. O casamento era indissolúvel.
Desquite – possibilidade de romper com o casamento, mas que não dissolvia o vínculo
matrimonial, impedindo, portanto, novo casamento. Em razão do desquite e da impossibilidade
de constituição de novo casamento, diversas famílias informais passaram a ser constituídas,
sem que houvesse regulamentação do Estado nesse sentido.
Lei do Divórcio (lei 6.515/1977) – estabeleceu o divórcio e a separação judicial. (o desquite
foi transformado em separação e, ainda, criado o instituto do divórcio, que dissolvia o vínculo

252
matrimonial, possibilitando, então, novo casamento). A separação rompia com a relação
matrimonial e o divórcio, com o vínculo matrimonial.
CF/88 – passou a considerar como entidades familiares relacionamentos outros, que não a
família formada pelo casamento. Assim, foram reconhecidas as famílias constituídas pela união
estável e as famílias monoparentais, aquelas que são formadas por um dos pais e seus filhos.

Código Civil de 2002 – não inovou na redação, copiando as disposições do Código de 1916,
disciplinando, apenas, situações relativas à união estável e às famílias monoparentais.
EC 66/2010 – alterou o § 6.º do art. 226 da CF e o sistema de dissolução do matrimônio,
deixando de contemplar a separação judicial ou fática como requisito para a extinção do
vínculo conjugal. Assim, tal Emenda Constitucional estabeleceu que o casamento pode ser
dissolvido pelo divórcio, sem a necessidade de implementação de qualquer prazo para tato
(tanto consensual quanto litigioso).

ATENÇÃO: Em termos de divórcio, cuidado para o que a questão pede: ou a visão do Código
Civil (e aí deve-se considerar os prazos) ou a chamada “visão moderna” ou “visão constitucional”
(e, neste caso, considera-se apenas o divórcio).

3. Conceito e natureza jurídica do casamento:


O casamento é a união de duas pessoas que objetivam a formação de uma família,
baseando-se no vínculo de afeto, com reconhecimento e tutela do Estado, ou seja, é um
[...] contrato especial de Direito de Família, por meio do qual os cônjuges
formam uma comunidade de afeto e existência, mediante a instituição
de direitos e deveres, recíprocos e em face dos filhos, permitindo, assim,
a realização dos seus projetos de vida 69.

A partir daí surge a questão: o casamento é um contrato? Quando se pretende definir a


natureza jurídica de algum instituto do Direito, é preciso que se respondam alguns
questionamentos: o que é isso para o Direito? Em que categoria do Direito enquadra-se esse
ente?
Existem três correntes para explicar a natureza jurídica do casamento:

• Contratualista: Contrato especial de direito de família, com regras próprias de


formação, um contrato de vontades convergentes para a obtenção de fins jurídicos. Contrato

69
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Direito de
Família – as famílias em perspectiva constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 118-119.

253
civil regido pelas normas comuns aos contratos. Aperfeiçoa-se pelo simples consentimento das
partes. Adeptos: Silvio Rodrigues, Caio Mário Pereira, Orlando Gomes, Pablo Stolze Gagliano.

• Institucionalista: O casamento é uma instituição social, um estado no qual os


nubentes ingressam. Trata-se de uma instituição social que reflete a situação jurídica
emergente da vontade dos contraentes, mas que possui um conjunto de normas imperativas e
preestabelecidas pela lei (são livres para escolher o cônjuge, mas não podem discutir sobre o
conteúdo dos direitos de deveres, não sendo possível alterar a disciplina legal de suas relações).
Não se trata de contrato, mas de um estatuto, ou seja, há uma adesão a normas já
estabelecidas, sem poder adotar outras normas. Adeptos: Arnoldo Wald; Maria Helena Diniz.

• Mista: Ato complexo, um contrato quando de sua formação e uma instituição no que
diz respeito ao seu conteúdo, existência e efeitos. O casamento-ato é um negócio jurídico e o
casamento-estado é uma instituição. Adeptos: Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Flávio
Tartuce. Esta teoria é a que conta com mais adeptos na atualidade.

4. Esponsais ou promessa de casamento – responsabilidade pré-negocial:


É a promessa de casamento entre os nubentes. São atitudes tomadas pelos nubentes que
indicam que pretendem casar-se. Ex.: noivado, confecção dos convites, habilitação. É um
negócio preliminar, uma promessa de contratar.
Neste aspecto, Dias70 afirma que pelo nome de esponsais era considerado o noivado, tido
como um contrato escrito no qual os noivos assumiam o compromisso de casar. Esta previsão
encontrava-se explícita na Consolidação das Leis Civis (arts. 76 e seguintes). Atualmente não
existe regulamentação dos esponsais.
Os esponsais servem para comprovar o compromisso assumido entre os nubentes, que
demonstre a intenção de casar, pois quando algum deles desiste do casamento, cabe
indenização (art. 186, CC).
O rompimento imotivado ou injustificado (não tem mais vontade de casar), por si só, não
dá direito a indenização moral. Cabe, no entanto, indenização por danos materiais, já que, com
base no art. 186 do Código Civil, aquele que causa dano a alguém tem o dever de indenizar.
Toda e qualquer promessa de contrato, no caso de ser frustrada, gera efeitos na
inexecução culposa. Quando um dos nubentes quebra a promessa séria de casamento e o
outro já fez preparativos para o ato e para a futura vida em comum, é fato gerador do dever de
indenizar. Essa responsabilidade é subjetiva, devendo ser demonstrada a culpa do
nubente desistente. As situações de caso fortuito ou força maior, bem como a culpa do outro
nubente afastam o dever de indenizar.

70
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 98.

254
Assim, são requisitos a serem provados (IMPORTANTE OBSERVAR):
a) Existência da promessa de casamento feita pelos noivos e não por terceiros.
b) Recusa injustificada de contraí-lo, de forma que é necessário que essa recusa chegue
ao conhecimento do outro noivo;
c) Existência de dano (material ou moral);
d) Nexo causal.

O dano pode ser: moral e/ou material. A desistência injustificada de casar por um dos
nubentes gera o dever de indenizar ao outro se este comprovar que teve despesas com o
casamento (DANO MATERIAL). Mas a ruptura de noivado por si só não determina a
responsabilidade do desistente, o que pode ensejar a reparação moral são as circunstâncias em
que a outra parte foi comunicada de seu intento. Isto porque o não cumprimento da promessa
de casamento não enseja reparação, pois o relacionamento entre duas pessoas é espontâneo,
livre de coação. O DANO MORAL vem sendo reconhecido pelos Tribunais quando o
comportamento atinge bens imateriais caros e importantes, como a dor, a humilhação, o
desprezo, a angústia e agressão à honra e à imagem da pessoa, casos em que, em qualquer
outra hipótese, diversa daquela aqui tratada, a reparação se imporia. IMPORTANTE: Meros
dissabores x humilhação pública. Ex.: chegar no altar e dizer: aceita fulana como sua legítima
esposa? “Bem, pra ser franco, não!”. O noivo vai embora e deixa a noiva na frente do padre e dos
convidados.
O dano moral está sendo deferido apenas em casos excepcionais, quando reste
evidente a humilhação e exposição de um dos nubentes a situações vexatórias.

5. Espécies de casamento:
São admitidas duas formas de casamento (art. 226, § 1.º e § 2.º, CF): o civil (art. 1.512, CC) e o
religioso com efeitos civis (art. 1.515 e 1.516, CC). Existem ainda outras modalidades especiais de
casamento: o casamento por procuração, o nuncupativo, o putativo, o homossexual, o consular,
o de estrangeiros.

• Civil: Realizado perante o oficial do Cartório do Registro Civil, pelo juiz de paz. É ato
solene levado a efeito por um celebrante e na presença de testemunhas. Pode ser realizado nas
dependências do Cartório ou em outro local. É previsto pela Constituição no art. 226, § 1.º e no
art. 1.512, CC. A celebração é gratuita para as pessoas cuja pobreza for declarada, incluindo a
habilitação, o registro e a primeira certidão de casamento (art. 1.512, § único, CC).

• Religioso com efeitos civis: O casamento religioso com efeitos civis foi reconhecido, no
Brasil, com a Constituição de 1934, que estabeleceu que o casamento religioso, celebrado
perante um ministro de qualquer religião, produzirá os mesmos efeitos do casamento civil,

255
desde que fosse procedida a habilitação. A CF/88 também faz esta previsão (art. 226, § 2.º),
desde que preenchidos certos requisitos (arts. 1.515 e 1.516, CC). Não é necessária a celebração do
ato civil, basta que o matrimônio realizado pelo ministro de Deus (de qualquer religião, não só o
casamento católico) seja registrado no Cartório de Registro Civil. Para tanto, devem ser
obedecidos os requisitos da habilitação (antes ou depois do ato religioso). Os efeitos civis são
admitidos a partir do registro e a qualquer tempo, retroagindo a data da celebração da
solenidade religiosa (art. 1.515, CC). No caso de prévia habilitação, o prazo para registro é de 90
dias. Depois desse prazo é possível o registro, desde que efetuada nova habilitação. Portanto,
realizado o casamento religioso, poderá ser inscrito no registro civil, bastando que seja feita a
devida habilitação junto a autoridade competente (art. 1.516, CC). Se o casamento religioso for
anulado, em tendo sido procedido o registro civil do mesmo, tal não afeta a validade deste. Se
entre a celebração do casamento religioso e o registro um dos cônjuges casar no civil com
terceiro, há impedimento para efetuar o registro (art. 1.516, § 3.º, CC), pois haveria bigamia, neste
caso.

• Por procuração: art. 1.542, CC. O instrumento procuratório deve ser público e com
poderes especiais (constar expressamente que é para casar com Fulano de Tal). A procuração é
válida por 90 dias. A revogação da procuração também é por instrumento público. Se a
revogação não chegar ao conhecimento do mandatário e o casamento for celebrado o
mandante responde por perdas e danos. Revogado o mandato a lei determina que o
casamento é anulável (art. 1.550, V, CC). Há a possibilidade de o casamento ter validade na
hipótese de, mesmo sendo revogado o mandato, ocorrer a coabitação entre os cônjuges. O
contato sexual entre os cônjuges é que dá a validade ao casamento (não significa que o
casamento se consuma na noite de núpcias, mas quer evitar que exista o uso malicioso desse
expediente, conseguindo favores sexuais do cônjuge).

• Nuncupativo: É o casamento quando um dos nubentes está em iminente risco de vida


(arts. 1.540 ao 1.542, CC). Esta modalidade de casamento é realizada sem nenhum requisito legal
(celebração sem juiz de paz, sem prévia habilitação), bastando a presença de seis testemunhas
que não tenham parentesco (em linha reta ou colateral, até segundo grau) com os nubentes.
Dentro de 10 dias a contar da celebração as testemunhas tem de confirmar o casamento
perante a autoridade judicial que, antes de mandar registrar o casamento, fará uma
investigação. Não existe previsão de ouvir o cônjuge sobrevivente. Se o nubente que estava em
risco de vida sobreviver poderá ratificar o casamento, retroagindo os efeitos a data da
celebração.

• Putativo: É o casamento que reputa verdadeiro, mas não o é. Trata-se de casamento


nulo ou anulável contraído de boa-fé (art. 1.561, CC). Neste caso, o casamento produz efeitos
com relação ao cônjuge de boa-fé, no período entre a celebração e o trânsito em julgado da

256
sentença que o desconstitui. Com relação aos filhos todos os efeitos se operam. Havendo a boa-
fé, sendo o casamento nulo ou anulável, a sociedade conjugal dissolve-se, como se tivesse
ocorrido a morte de um dos cônjuges (o de má-fé), se partilhando os bens. No caso de ambos
estarem de boa-fé, o pacto antenupcial deve ser observado na partilha. Se a nulidade for
decretada após a morte de um dos cônjuges, o outro herda normalmente. Em caso de morte: a)
decretada a nulidade antes da morte, o sobrevivente não herda, pois o término do casamento e
do regime de bens ocorreu com a sentença que declarou a nulidade ou anulação do
matrimônio; b) se a nulidade for decretada após a morte de um dos cônjuges, o outro herda
normalmente. Se o cônjuge morre após a anulação, não herdará. Se o casamento putativo for
de um bígamo, morrendo este, ambos os cônjuges serão herdeiros e a meação será divida
entre ambos (25% para cada um).

• Consular: É o casamento de brasileiro, realizado no estrangeiro, perante a autoridade


consular brasileira, sujeitando-se, assim, as leis brasileiras e não à legislação local. O registro
deve ser procedido dentre do prazo de 180 dias a contar da volta de um ou de ambos os
cônjuges ao Brasil, no Cartório de seu domicílio ou, em não possuindo domicílio certo, no 1.º
Ofício da Capital do Estado em que passem a residir (art. 1.544, CC). Se o registro não for feito
dentro desse prazo, o casamento não produzirá os efeitos jurídicos pela lei brasileira. Ver art. 18,
LINDB. No mesmo sentido, o art. 32 da Lei dos Registros Públicos. Aplica-se apenas em casos de
ambos os nubentes serem brasileiros e estarem casando no exterior. Se um dos nubentes não
for brasileiro, a autoridade consular não possui competência para celebrar o casamento.

• Casamento realizado no estrangeiro: Para que o casamento de brasileiros ou


estrangeiros, realizado no exterior, tenha validade no Brasil, deve ocorrer o registro do
matrimônio no Brasil. A certidão de casamento deve ser traduzida por tradutor juramentado e
autenticada pelo agente consular brasileiro para, então, ser registrada. Nestes termos, ver art.
32, Lei dos Registros Públicos.

• Casamento de casais homoafetivos: Em razão da Resolução 175 CNJ é possível que


casais homoafetivos celebrem casamento no Brasil – tanto por processo de habilitação, como,
também, por processo de conversão de união estável em casamento.

6. Capacidade para o casamento:


Diz respeito a idade reconhecida para que as pessoas estejam aptas a casar.
Art. 1.517, CC = 16 anos. Contudo: 16 a 18 anos – com autorização dos pais (de ambos os pais,
salvo quando um deles não existir ou não puder emanar o consentimento. Se um não
concordar juiz decide. Autorização pode ser revogada até o momento da celebração do
casamento (art. 1.518, CC), mas deve ser fundada em fato novo e grave. A negativa da

257
licença para casar deve ser baseada em fundamentos sérios e justificáveis, de maneira que
se for diferente, poderá o juiz conceder a licença (art. 1.519, CC).
Indivíduo emancipado não precisa da autorização dos genitores.
Segundo o art. 1.520, CC, pela redação trazida pela lei 13.811/2019, é vedado, em qualquer
hipótese, o casamento de quem não completou a idade núbil (menor de 16 anos).
Mas e há uma idade limite para o casamento? O CC não estabelece idade limite, mas,
estabelece que aquele que tiver mais de 70 anos terá de casar sob o regime da separação
obrigatória de bens (art. 1.641, II, CC).

7. Habilitação para o casamento:


A habilitação é um procedimento administrativo, processo que corre perante o Oficial do
Registro Civil do domicílio dos nubentes com o fim de demonstrar que estes estão legalmente
aptos para o matrimônio. O Oficial, através da habilitação, verifica a concorrência dos
pressupostos de existência e validade do ato matrimonial. Visa justamente o exame da
capacidade e da aptidão, a fim de conferir validade à celebração.
Para aquelas pessoas que tiverem a pobreza declarada na forma da lei, o processo de
habilitação, o registro e a primeira certidão de casamento estarão isentos de custos,
emolumentos e selos, nos termos do art. 1.512, § único, CC.
A habilitação é feita em um só documento, contendo os dados dos nubentes e
declarações (Art. 1.525, CC):

• Certidão de nascimento dos nubentes ou outro documento que a supra (carteira de


identidade, passaporte...).

• Autorização dos pais, curador ou tutor Art. 1.517, CC. A necessidade de consentimento é
para nubentes entre 16 e 18 anos (quando atinge a maioridade civil). Se o menor for
emancipado, não precisa de autorização dos pais para casar. O interdito precisa de autorização
do curador. Até a celebração do casamento a autorização emitida pelos responsáveis pode ser
revogada (Art. 1.518, CC).

• Declarações de duas testemunhas sobre a identidade dos nubentes e a inexistência


de impedimento para a realização do casamento. As testemunhas podem ser parentes ou não;

• Declaração firmada pelos nubentes (ou por procurador com poderes especiais), com o
fim de esclarecer o estado civil, profissão, filiação e domicílio (seu e de seus pais). No caso de os
nubentes residirem em locais diferentes, a publicação dos editais deve ocorrer em ambos os
lugares;

• Se um dos nubentes for viúvo, anulou ou obteve declaração de nulidade do


casamento ou se divorciou, precisa provar que o vínculo matrimonial anterior foi dissolvido. No
caso do viúvo, deve apresentar certidão de óbito do cônjuge anterior. No caso de casamento

258
nulo ou anulado, deve apresentar a sentença, com trânsito em julgado, que anulou ou declarou
nulo o casamento anterior. O divorciado deve apresentar o registro da sentença de divórcio.

• Os nubentes deverão indicar o regime de bens. Em não indicando, prevalece a


comunhão parcial.

Processo de habilitação:
A habilitação ocorre no Registro Civil, com a audiência do Ministério Público – NÃO HÁ
MAIS A NECESSIDADE DE HOMOLOGAÇÃO PELO JUIZ.
Apresentados os documentos ao oficial, os pretendentes requererão certidão de que
estão habilitados para o casamento (Art. 1.517, CC, Art. 67, caput, Lei 6.015/73).
Edital se publicará pela imprensa se houver (Art. 1.527, CC, Art. 67, § 1.º, Lei 6.015/73). Se os
nubentes residirem em circunscrições diversas, o edital deverá ser publicado em ambas (Art. 67,
§ 4.º, Lei 6.015/73).
Função do edital = conhecimento aos terceiros para oposição de impedimento, que
devem ser opostos através de um documento escrito e assinado (Art. 1.529, CC). Esta
oportunidade perdurará até o momento da celebração do casamento.
Se ninguém opuser impedimento o Oficial certificará que os pretendentes estão
habilitados para se casar (Art. 1.531, CC, Art. 67, § 1.º§ 3.º, Lei 6.015/73) dentro dos três meses
imediatos – 90 dias (prazo da habilitação) (Art. 1.532, CC). Não se realizando o casamento nesse
prazo, a habilitação deverá ser renovada.

Documentação apresentada → estando em ordem → lavram-se os proclamas → publicam-se


mediante edital → edital afixado em local ostensivo → prazo de 15 dias (art. 1.527, CC + art. 67, §
1.º, Lei 6.015/73)

Oficial do Registro, no processo de habilitação, esclarecer aos nubentes sobre os fatos que
podem invalidar o casamento, bem como sobre os diversos regimes de bens (Art. 1.528, CC).
Havendo oposição = Oficial cientificará os nubentes da nota de oposição, indicando os
fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu (Art. 1.530, CC). Os nubentes terão direito
ao contraditório e a ampla defesa, tendo prazo razoável para fazer contraprova, bem como
promover ações civis e criminais contra o oponente de má-fé (Art. 67, § 5.º, Lei 6.015/73). A
decisão final será do juiz, com a oitiva dos interessados e do Ministério Público.
8. Celebração do casamento:
Processada a habilitação, estão os nubentes em condições de casar.

259
A celebração é pública, de maneira que qualquer pessoa pode participar da solenidade. O
procedimento de celebração inicia-se pelo requerimento dos nubentes indicando dia, hora e
local onde deverá ser realizado o matrimônio (Art. 1.533, CC).
Via de regra realiza-se o casamento no Cartório. Entretanto pode ocorrer em local diverso,
desde que às portas abertas, para que seja público (Art. 1.534 e § 1.º, CC). No Cartório – 2
testemunhas; Fora do Cartório (ou quando um dos nubentes for analfabeto - Art. 1.534, § 2.º, CC)
– 4 testemunhas.
A cerimônia é celebrada pelo juiz de paz, pessoa escolhida e designada segundo as leis do
Estado, não podendo haver substituição por qualquer outra autoridade.
Juiz de paz pergunta aos nubentes se pretendem casar por livre e espontânea vontade
sim, declarará o celebrante formalizado o casamento, nos termos da segunda parte do Art.
1.535, CC. Neste momento o casamento passa a produzir os efeitos. Maria Berenice Dias defende
que a perfectibilização do ato depende de um duplo requisito: manifestação da vontade das
partes e a declaração do celebrante de que estão casados71.
Se responderem não, manifestarem dúvida (ainda que de brincadeira), a celebração será
suspensa (Art. 1.538, CC).
O registro do casamento deverá conter os dados constantes no Art. 1.536, CC.
Igualdade constitucional = qualquer dos cônjuges pode pode adotar o sobrenome do
outro. Art. 1.565, § 1.º, CC.

9. Provas do casamento:
Prova de casamento celebrado no Brasil = certidão do registro (Art. 1.543, CC); casamento
celebrado no exterior = documento emanado pelo país estrangeiro, devidamente autenticado
pelas autoridades consulares (prazo de 180 dias, a contar da volta para o Brasil, para fazer o
registro do casamento, que deverá ser feito no domicílio do casal ou no 1.º Ofício de Registro
Civil da Capital do Estado (Art. 1.544, CC) – prova direta.
Inexistindo o registro = prova indireta – admitida qualquer outra espécie de prova (Art.
1.543, § único, CC) ação judicial (ação declaratória ou justificação judicial) que visa declarar o
estado de casado. Ex.: Carteira de Identidade onde conste o estado civil de casado. Também
pode ser feita a prova do estado de casado por testemunhas. No caso da ação declaratória, sua
sentença deve ser inscrita no registro civil, que produzirá seus efeitos quanto aos cônjuges e
quanto a seus filhos, desde a data do casamento (Art. 1.546, CC).

71
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 166.

260
Posse do Estado de casados.
Aquelas pessoas que não possam manifestar vontade (por morte ou outra circunstância –
doença mental, por exemplo) e que vivam na posse do estado de casadas – como se casadas
fossem – poderão ter o reconhecimento do casamento, sendo a posse do estado de casadas um
início de prova.
Requisitos: a) nomen: a mulher usa o nome do marido ou vice-versa; b) tractatus: ambos
tratam-se, ostensivamente, como marido e mulher; c) fama: a sociedade dever reconhecer esta
condição dos cônjuges.

* Para todos verem: esquema

02. Casamento: impedimento, causa suspensiva, invalidade. Parentesco

1. Impedimentos para o Casamento:


Impedimento é a falta de condições impostas por lei para que o casamento seja
celebrado sem vícios passíveis de nulidade ou sem penalidade para os nubentes, o oficial do
registro e o juiz.
Art. 1.521. Não podem casar. Se realizado o matrimônio = casamento nulo.
Impedimento x incapacidade: O impedimento priva que o casamento seja
celebrado entre certas pessoas; a incapacidade impede a realização de
casamento com quem quer que seja.
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou
civil – O parentesco em linha reta consanguínea persiste ao infinito,
independente do grau. Visa impedir o incesto e, também, problemas
congênitos. Avô e neta, ...
II - os afins em linha reta – Afinidade – parentesco advindo do casamento
ou união estável. Limita-se a linha reta em primeiro grau, pois afinidade não
261
gera afinidade. Assim, só são parentes em linha reta que tem impedimento
para casar: sogro e nora, sogra e genro, padrasto e enteada, madrasta e
enteado. Este impedimento, contudo, não ocorre na linha colateral, de
maneira que os cunhados não estão impedidos de casar.
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem
o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o
terceiro grau inclusive – Não podem se casar os irmãos (unilaterais ou
bilaterais). Os impedimentos relativos a linha colateral vão até o terceiro grau,
ou seja, tios e sobrinhos, hipótese que está autorizada mediante parecer
médico (art. 2.º, Decreto- lei nº 3.200/41, CC) que ateste não existir
inconveniente do ponto de vista da saúde dos cônjuges e da prole (este
casamento chama-se AVUNCULAR).
V - o adotado com o filho do adotante – filho adotivo se iguala ao
biológico, de maneira que também surgem os impedimentos, iguais aos da
consanguinidade. O impedimento só surge se houver adoção regularizada.
VI - as pessoas casadas – Aqueles que já são casados não podem se casar
outra vez, o que configuraria a bigamia (crime previsto no art. 235 do Código
Penal).

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa


de homicídio contra o seu consorte – Deve haver sentença penal
condenatória transitada em julgado e o crime não deve estar prescrito para
que configure a nulidade. Esse impedimento vale para homicídio doloso, não
para o culposo.

MATRIMÔNIO REALIZADO COM INOBSERVÂNCIA DE IMPEDIMENTO = nulo (art. 1.548, II,


CC) – interessados ou o MP poderão, a qualquer tempo, buscar a nulidade (art. 1.549, CC).

a. Causas suspensivas do Casamento:


As causas suspensivas visam impedir a realização do casamento. NÃO DEVEM CASAR (art.
1.523, CC). Se realizado, o matrimônio é válido, impondo a lei apenas sanções de natureza
econômica (o regime de bens será obrigatoriamente o da separação – arts. 1.550 + 1.641, I, CC).

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer
inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros – visa evitar a confusão de
patrimônios. A existência de casamento entre essas pessoas poderia causar dificuldades para a

262
identificação do patrimônio das distintas proles por dificuldade na identificação. Poderá ser
solicitado ao juiz que não aplique a causa suspensiva se comprovado que não houvera prejuízo
aos herdeiros, como no caso de não haver patrimônio a ser partilhado.
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado,
até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal –
evitar a confusão sanguínea, de maneira que possa nascer um filho nesse período e, caso a
mulher tenha casado novamente, não se saiba qual é o pai. Na verdade, nascendo um filho
nesse período, presume-se seja do primeiro marido. Ver art. 1.597 e 1.598, CC.
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos
bens do casal – evitar a confusão patrimonial.
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados
ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou
curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas – evitar que o incapaz case para
isentar o administrador de seus bens da prestação de contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam
aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a
inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a
pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento
de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.
MATRIMÔNIO REALIZADO COM INOBSERVÂNCIA DE CAUSA SUSPENSIVA = imposição
do regime de separação obrigatória (art. 1.641, I, CC).

* Para todos verem: esquema

Momento da oposição Legitimados

Juiz e official do
Impedimentos No processo de habilitação registro (de ofício),
Oposição (em até o momento da Ministério Público e
declaração celebração qualquer interessado
escrita, (1.522)
assinada e com Parentes em linha reta
provas) – 1.529 Causas Só no processo de e colateral até 2º grau
suspensivas habilitação, até 15 dias após (consanguíneos ou
os proclamas afins) (1.524)

263
ATENÇÃO:
Impedimento = não PODEM – 1.521
Causa suspensiva = não DEVEM – 1.523

b. Existência do Casamento e casamento inexistente:


Negócio jurídico → dois planos = plano da existência e plano da validade. Existência =
cumprimento dos requisitos mínimos. Validade = quando é considerado perfeito e produz
efeitos.
Considera-se inexistente o casamento “quando lhe faltam um ou mais elementos
essenciais, como o consentimento, ou o congraçamento de duas pessoas, ou a união de seres
humanos de sexo diferente”72.
No ato inexistente há, quando muito, aparência de ato jurídico. Não é um ato jurídico, pois
não possui os pressupostos para tanto. No caso do casamento, há uma mera aparência de
matrimônio, pois não possui qualquer conteúdo jurídico, de maneira que o ato não se formou
para o Direito. Os atos inexistentes são um nada jurídico, não devem gerar qualquer efeito.
NÃO HÁ A PRODUÇÃO DE EFEITOS!
Requisitos de existência do casamento – Art. 1.514, CC – CUIDADO com a questão de
pessoas de sexos diferentes (não pode-se mais considerar este requisito, pois é permitido o
casamento entre pessoas de mesmo sexo – Resolução 175 CNJ); Manifestação da vontade –
consentimento de ambas as partes (Art. 1.535, CC) – o consentimento, a concordância, o
“sim” é da essência do ato, integrando a solenidade de celebração. Celebração perante
autoridade legalmente investida de poderes para tanto (Art. 1.533, CC) – falta de celebração
ou celebração feita sem o juiz de paz. No caso da celebração ser feita por juiz de paz
incompetente (de outra circunscrição, p. ex.), por um equívoco, não será caso de inexistência,
mas sim, causa de anulabilidade (Art. 1.550, VI, CC).

IMPORTANTE: A capacidade matrimonial não é requisito. O casamento de menores de 16


anos que for celebrado não é inexistente, mas sim anulável. Ver art. 1.550, CC.

Para a existência do casamento são necessários os requisitos. Não se confunde com


o casamento nulo ou anulável, pois o ato nunca existiu. Foi uma materialidade de fato,
mas sem qualquer significação jurídica.

72
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: lei n.º 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense,
2006, p. 104.

264
Declaração de inexistência: pode ser declarada de ofício. Simplesmente averba-se a
inexistência do ato. Em havendo ação judicial, esta será declaratória (declara a inexistência do
matrimônio) e os efeitos práticos serão os mesmos da nulidade (a seguir veremos).

c. Casamento nulo e anulável:


Os planos da validade e da eficácia do casamento não podem ser confundidos. A validade
depende da manifestação da vontade das partes e da declaração, pelo juiz de paz, de que os
nubentes estão casados. A eficácia depende do registro público do casamento 73.
Tanto a nulidade, quanto a anulação do casamento dependem de declaração judicial.
Enquanto não declaradas por sentença, o casamento produz efeitos – arts. 1.561 e 1.563, CC.
O matrimônio, quando celebrado com inobservância a um impedimento de ordem
pública, DEVE ser desconstituído, não havendo prazos para a declaração de nulidade
(imprescritível). Quando celebrado com inobservância de uma norma de interesse individual,
PODE ser desconstituído, desde que dentro dos prazos estabelecidos (prazos prescricionais
exíguos). A nulidade não se convalida74.
Uma vez que seja declarado nulo ou anulado o matrimônio, os efeitos são retroativos à
data da celebração. O casamento é considerado putativo (reputa-se verdadeiro mas não é),
produzindo todos os efeitos para aquele que estiver de boa- fé e para os filhos (art. 1.561, CC).

d. Casamento nulo:
O casamento que for celebrado com a violação dos impedimentos previstos no art. 1.521,
CC será eivado de nulidade. Nesse sentido, o art. 1.548, CC traz as causas de nulidade do
casamento: violação dos impedimentos.
CUIDADO! O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) retirou do rol de
situações de nulidade o casamento quando contraído por enfermo mental desprovido de
discernimento. Referida lei incluiu um parágrafo no art. 1.550, que permite que a pessoa com
deficiência mental ou intelectual em idade núbil possa casar, expressando sua vontade
diretamente ou por meio de seu responsável ou curador.
Quando os nubentes não forem capazes de manifestar de modo inequívoco sua
vontade/consentimento, trata-se de casamento anulável (art. 1.550, IV, CC).
Revela-se nulo o casamento: contraído com inobservância a impedimento (art. 1.521)

73
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 189.
74
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 189.

265
No caso de o casamento ser celebrado por alguém que não esteja investido na função de
juiz de casamento e, embora com essa falta de investidura, desempenha publicamente tal
função, efetuando o registro do casamento, embora, a rigor o ato fosse nulo, a lei sobreleva a
nulidade, nos termos do Art. 1.554, CC.

Ação para a nulidade do casamento: Para a declaração de nulidade do casamento é


necessária ação judicial para tanto, proposta pelo interessado (Art. 1.549, CC) ou o Ministério
Público poderão ingressar com a ação de nulidade. A ação é IMPRESCRITÍVEL. Legitimados =
MP, primeiro cônjuge, cônjuge bígamo, colaterais sucessíveis e credores dos cônjuges. EFEITOS
= ex tunc – art. 1.563, CC, retroagindo até a data da celebração do casamento, sem que,
contudo, prejudique a aquisição de direitos por terceiros de boa fé.

e. Casamento anulável:
O casamento é anulável quando celebrado em ferimento apenas do interesse de pessoas
que o legislador quer proteger por considerá-las hipossuficientes. A lei não quer o matrimônio
e, se foi contraído, autoriza a dissolução. O silêncio das partes permite que um ato jurídico
defeituoso convalesça, o que equivale a uma ratificação tácita, ou melhor, a uma ratificação
presumida. Art. 1.550, CC. É anulável o casamento:

I - de quem não completou a idade mínima para casar – casos dos menores de 16
anos. Não se anulará, todavia o casamento, por motivo de idade, se dele resultou gravidez (Art.
1.551, CC). O menor poderá confirmar seu casamento quando alcançar os 16 anos, com a
autorização de seus representantes legais ou com suprimento judicial (Art. 1.553, CC). É uma
ratificação do ato, que ocorre com um termo, constando a assinatura do ratificante, duas
testemunhas e os representantes legais, perante o Oficial do Registro Civil e o juiz de paz, sem
necessidade da convalidação judicial. Esse ato não importa em nova celebração do casamento.
Mesmo que não tenha sido ratificado o ato, quando atingida a maioridade, o ato segue gerando
seus efeitos, pois trata-se de ato anulável. Também poderá ser confirmado o matrimônio
quando atingida a maioridade.
Para que haja a anulação do casamento de menores de 16 anos o requerimento deve
partir do próprio cônjuge, por seus representantes legais ou por seus ascendentes (Art. 1.552,
CC).
PRAZO = Art. 1.560, § 1.º, CC: 180 dias, contado o prazo do dia em que o menor completou
16 anos para ele e, da data do casamento para seus representantes legais ou ascendentes.
II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal –
entre 16 e 18 anos deve haver anuência de seus responsáveis (pais) para poderem casar. Se o
menor tiver sido emancipado não é necessário tal consentimento. PRAZO = 180 dias, por

266
iniciativa do incapaz, ao deixar de sê-lo, de seus representantes legais, a partir do casamento, ou
de seus herdeiros necessários, a partir da morte do incapaz. Não poderá haver anulação se os
representantes legais do incapaz tiverem assistido ao ato de celebração do casamento ou
manifestado, de qualquer modo, sua concordância (Art. 1.555, CC).
III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558 – Sem o consentimento o
casamento inexiste, pois é requisito essencial. Mas é necessário que o ato seja livre e
espontâneo, não viciado, a fim de que tenha eficácia.

Art. 1.556, CC – Erro essencial quanto a pessoa do outro: falta de conhecimento da


identidade ou de uma qualidade essencial do outro cônjuge. Ao ser dado o consentimento, um
dos cônjuges o faz imbuído por falso conceito, ou uma idéia equivocada em relação à pessoa
com quem se casou (art. 1.557, CC).
i. Identidade, honra e boa fama: pensava ser uma pessoa e era outra. Ex.: nome e
identidade falsos; transexual; pessoa que se descobre depois do casamento ser de conduta
devassa, com envolvimento com traficantes de drogas, etc. IMPORTANTE (JÁ CAIU NO EXAME
DA OAB): esse fato deve ser conhecido após o matrimônio, tornando insuportável a vida em
comum.
ii. Ignorância de crime: são requisitos: a) a prática de crime; b) que seja anterior ao
casamento; c) que seja fato ignorado pelo outro cônjuge ao casar-se; d) que torne insuportável
a vida em comum. Ex.: cometimento de estupro anterior ao casamento.
iii. Ignorância de defeito físico irremediável: O Estatuto da Pessoa com Deficiência
introduziu esse inciso, não sendo cabível a anulação do casamento em caso de pessoas com
deficiência. Como forma de erro essencial, capaz de levar à anulação do matrimônio,
encontram-se, então: defeitos irremediáveis como hermadroditismo; deformações genitais;
ulcerações no pênis e impotência coeundi (para o ato sexual)75 ou instrumental (não é
esterilidade, é impotência).
Com relação às moléstias graves e transmissíveis, tais devem ser transmissíveis por
contágio ou herança, capaz de colocar em risco a saúde do outro cônjuge e sua prole. A
moléstia deve ser anterior ao casamento e não desconhecida do outro cônjuge. Ex.: AIDS,
hepatite, sífilis, epilepsia, hemofilia, etc. Não é discriminação. O portador de HIV, por exemplo,
merece proteção e respeito e tem todo o direito de constituir família, mas seu futuro cônjuge
deve saber da situação.

75
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2016, p. 9

267
OBSERVAÇÃO: O Estatuto da Pessoa com Deficiência revogou o inciso IV do art. 1.557, CC,
que mencionava a ignorância de doença mental grave, que fosse anterior ao casamento, grave
e desconhecida pelo outro cônjuge. Agora este casamento é válido, visando a inclusão social
das pessoas.
PRAZO NOS CASOS ACIMA: 3 anos (art. 1.560, III, CC), contando da data da celebração do
casamento.
Art. 1.558, CC – Coação: a coação é a pressão física ou moral, ou o constrangimento que
sofre uma pessoa, com o fim de ser obrigada a realizar um ato ou negócio. Ocorre no momento
da celebração do casamento. Somente o cônjuge que sofreu a coação pode demandar a
anulação de casamento, mas a coabitação, havendo ciência do vício, valida o ato. A coação, para
viciar a declaração de vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano
iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens ou temor de morte.
PRAZO: 4 anos a contar da celebração do ato (art. 1.560, IV, CC).

IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento –


Em razão do Estatuto da pessoa portadora de deficiência, a previsão do inciso IV incide apenas
sobre os alcoólatras e viciados em tóxicos (art. 4.º, II, CC). As pessoas com capacidade reduzida
podem contrair matrimônio, manifestando sua vontade pessoalmente ou por responsável (art.
1.550, §2.º, CC).
O prazo para revogação é de 180 dias a contar da celebração do casamento (Art. 1.560, I,
CC).
V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da
revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges – Uma vez
ocorrendo a coabitação, naturalmente se depreende a renúncia a revogação do mandato,
porquanto o mandante, indo coabitar com o outro cônjuge, naturalmente aceitou o
casamento, além de lhe competir a comunicação ao outro cônjuge da revogação do mandato.
Cabe ao mandante tomar todas as providencias necessárias para cientificar o mandatário ou o
outro contraente da revogação da procuração. No caso disso não ocorrer, o mandante
responde por perdas e danos. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato
judicialmente decretada (Art. 1.550, § único, CC). PRAZO = 180 dias a contar da ciência pelo
mandante da celebração do casamento (Art. 1.560, § 2.º, CC).
VI - por incompetência da autoridade celebrante – Tal infração refere-se a
incompetência relativa ou em razão do lugar do juiz de casamentos. Só tem validade, em
princípio, o casamento realizado pelo juiz do distrito onde se processou a habilitação para o
casamento. Contudo o Art. 1.554, CC protege o estado de aparência, quando o casamento é
celebrado pro quem, sem possuir a competência exigida na lei, exercer publicamente as
funções de juiz de paz e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil. Mas só na

268
hipótese de juiz de paz incompetente o casamento se convalida. Se for outra pessoa (delegado,
ministro, prefeito...) o casamento é inexistente. PRAZO = 2 anos, a contar da data da celebração
(Art. 1.560, II, CC).

EFEITOS DA ANULAÇÃO = ex tunc, retroagindo até a data de sua celebração, de forma


que os cônjuges voltam a ser solteiros. Ver art. 1.563, CC – boa fé.

ANULAÇÃO X DIVÓRCIO – efeitos são diferentes – o objetivo, na anulação é voltar ao


status quo, ou seja, voltar a ser solteiro, com o aproveitamento dos efeitos no caso da boa-fé
(art. 1.561, CC). No divórcio, o estado civil passa a ser divorciado (não volta a ser solteiro).

f. Consequências da nulidade ou da anulação do casamento:


Até a nulidade/anulação = produz todos os efeitos se contraído de boa-fé (Art. 1.561, CC).
Depois da nulidade/anulação = considera-se o casamento como inexistente (volta ao
status quo ante). Se for o caso, perde o cônjuge o estado de casado e de capaz, tornando à
menoridade. O pacto antenupcial também desaparece.
Efeitos = Os efeitos da sentença transitada em julgado retroagem a data do casamento,
como se ele nunca tivesse existido. Contudo, os direitos de terceiros de boa-fé são preservados,
ou seja, as vendas feitas a terceiros permanecem inalteradas. Aos filhos os efeitos aproveitam
sempre. Havendo patrimônio – obedecer regime de bens. Quando a nulidade/anulabilidade
decorrer de culpa de um dos cônjuges, o culpado deverá devolver ao outro todas as vantagens
e benefícios que deste recebeu (art. 1.564, I, CC). Também fica obrigado o cônjuge culpado a
cumprir com as promessas feitas no contrato antenupcial, de maneira que se fez promessa de
fazer uma doação, a anulação não lhe retira o dever de cumprir com tal obrigação.

PARENTESCO
“Entende-se por parentesco a relação jurídica, calcada na afetividade e reconhecida pelo
Direito, entre pessoas integrantes do mesmo grupo familiar, seja pela ascendência,
descendência, ou colateralidade, independentemente da natureza (natural, civil ou por
afinidade)” (Gagliano e Pamplona Filho).
O parentesco pode ser (art. 1.593, CC): natural ou biológico; civil (adoção ou inseminação,
por exemplo); afetividade (ainda que a legislação não faça previsão, há o reconhecimento desta
modalidade de parentesco pelos Tribunais (decisões que permitem a inclusão de dois Pais ou
duas Mães na certidão de nascimento).
Processo de desbiologização da paternidade-maternidade-filiação – evolução da
engenharia genética deixou de limitar os vínculos de parentesco à verdade biológica.

269
Parentesco natural: Parentesco natural é o que decorre da consanguinidade dos
parentes, ou seja, é o vínculo biológico que liga as pessoas.
Parentesco civil: Parentesco civil é o decorrente da socioafetividade, do parentesco por
adoção, tendo qualquer outra origem, que não seja a biológica (fertilização in vitro, p. ex.).
Parentesco por afinidade: Parentesco por afinidade é o decorrente do casamento e da
união estável, vinculando-se com os parentes do cônjuge ou companheiro. Significa dizer que
somos parentes dos parentes do nosso cônjuge ou companheiro (ou, em uma linguagem
vulgar, com o casamento, o pacote vem completo). Contudo, os afins de um cônjuge não são
afins do outro, nem os parentes colaterais dos afins são parentes em relação àquele. Nesse
sentido o art. 1.595, § 1.º, CC estabelece:

§ 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos


descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.

1. Classificação do parentesco quanto a linhas e graus


O parentesco divide-se em linha reta e linha colateral.
LINHA RETA é o previsto no art. 1.591, CC e estabelece-se quando a relação se dá entre
uma pessoa e seus ascendentes e descendentes. Ex.: avô, pai, filho. Esse parentesco é infinito,
não se limitando (enquanto existir um parente ascendente ou descendente vivo).
O parentesco em linha reta é infinito.
Os parentes mais próximos preferem aos mais remotos, quanto aos direitos e obrigações
recíprocos (Ex.: art. 1.833). Significa dizer, por exemplo que, se tenho pais que podem prestar
alimentos, não posso cobrar dos avós.
Existe a linha reta ASCENDENTE e a DESCENDENTE.
LINHA COLATERAL ou LINHA TRANSVERSAL é o parentesco no qual os parentes se
relacionam mediante um ancestral comum, sem descenderem uns dos outros, pressupondo
um ancestral comum, de maneira que parentes colaterais não descendem uns dos outros. Ex.:
irmãos (o pai é o ancestral comum). Este parentesco é finito e limita-se ao 4.º grau colateral
(para fins sucessórios), ao 3.º grau colateral (para fins de casamento) e, ao 2.º grau colateral (para
fins alimentares).
O parentesco colateral entre irmãos pode ser bilateral ou unilateral, conforme provenham
dos mesmos pais (irmãos germanos), ou tenham apenas o mesmo pai ou mesma mãe.
Não existe parente colateral em 1.º grau, pois não descendem uns dos outros, ou seja, se
conta subindo ao ascendente comum, de maneira que há, no mínimo dois graus e três pessoas
relacionadas.
GRAU é a unidade de parentesco em cada linha, contada a partir de uma pessoa e seu
parente imediatamente próximo. Ex.: o avô é parente em 2.º grau do neto (há o pai entre eles).

270
O critério para a contagem dos graus é o número de gerações. Grau, portanto, é a distância que
separa um parente do outro.
CONTAGEM EM LINHA RETA: Toma-se como ponto de partida determinada pessoa e
conta-se a distância geracional entre ela e o parente que se quer chegar. Tantos serão os graus
quantas forem as gerações (art. 1.594, 1.ª parte).
CONTAGEM EM LINHA COLATERAL: Inicia-se a partir de determinada pessoa, subindo-se
até o ascendente comum da outra pessoa (o primeiro comum), daí descendo-se até esta, para
se poder constatar ou não a relação de parentesco, no limite legal de 4.º grau. Não há parentes
colaterais de primeiro grau, pois uns não descendem dos outros.
Ex.: para contar o grau de parentesco entre A e seu tio B, sobe-se de A a seu pai C; a seguir
a seu avô D e depois se desce a B, tendo-se então, 3 graus, correspondendo cada geração a um
grau.
* Para todos verem: esquema sobre grau de parentesco

Avô
“D”
Tio 3.º 2.º Pai
“B” “C”
1.º
A

O adotado assume integralmente a condição de filho do adotante, desligando- se dos


vínculos com a família e parentes biológicos (art. 1.626). Assim, todos os parentes dos adotantes
serão do adotado.
2. Afinidade:
Art. 1.595, CC – O parentesco por afinidade é estabelecido em decorrência do casamento
ou da união estável. É o vínculo que se estabelece entre um dos cônjuges/companheiro e os
parentes do outro.
É estabelecido por lei – art. 1.595, CC e depende da existência de casamento válido ou
união estável. O concubinato ou o casamento putativo não gera a afinidade.
Os parentes afins são equiparados aos consanguíneos, mas não são iguais. O enteado, por
exemplo, não é igual ao filho, não gerando direitos e deveres iguais aos que possui o último.
O parentesco estabelece-se em linha reta (sogro, sogra, genro, nora, enteado), de forma
infinita, que jamais se extingue, gerando impedimentos para o casamento (art. 1.521, II) e em
linha colateral (cunhados), até o 2.º grau, que se extingue com o fim do casamento (morte ou

271
divórcio). Art. 1.595, § 2.º. Deve-se observar que essa extinção só ocorre com o divórcio e não com
a separação.

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

03. Regime de bens: aspectos gerais


REGIME DE BENS:
Maneira pela qual se estabelece, no casamento, as formas de contribuição e cada um para
o lar, a titularidade e administração dos bens comuns e particulares e em que medida esses
bens respondem por obrigações de terceiros. É uma das consequências jurídicas do
casamento. Assim, o casamento não subsiste sem um regime de bens, de maneira que se os
cônjuges não se manifestarem, a lei supre sua omissão, disciplinando o regime de bens de seu
casamento.
Regime Legal Até 1977 - comunhão universal de bens (não havia pacto).
Após 1977 - lei do divórcio (6.515/77) - comunhão parcial de bens.
Regra – liberdade dos pactos e escolha do regime de bens – art. 1.639, CC.
Início do regime de bens = data do casamento – momento do “sim” (art. 1.639, § 1.º, CC).
Fim do regime de bens = separação de fato.

272
Possibilidade de mesclar diversos regimes de bens, ou seja, adotarem um regime e, com
referência, a certos bens, elegerem outro. Ex.: adotar o regime da separação total de bens,
estipulando que com relação ao bem X vigorará o regime da comunhão de bens.

1. Princípios:
1. Variedade do regime de bens: a lei oferece uma multiplicidade de regimes de bens: 4
diferentes regimes de bens para que os consortes possam optar pelo que mais lhes convier:
comunhão universal, comunhão parcial, separação e participação final dos aquestos.
2. Liberdade dos pactos antenupciais: é decorrência do primeiro. É a liberdade de
escolha dentre os vários regimes de bens existentes, podendo ainda, criar um regime novo,
mesclando partes de um regime e elementos de outro (art. 1.639, CC). O Estado não pode, salvo
havendo motivo relevante e norma específica, intervir demasiadamente e coativamente na
relação matrimonial, de forma a impor o regime de bens.
Assim, podem os cônjuges:

a) Ficar em silêncio e ser aplicado o regime da comunhão parcial.


b) Escolher um dos regimes previstos em lei.
c) Criarem, através de pacto antenupcial o regime que bem entenderem, podendo, dessa
forma, mesclar diversos regimes.

Existem, contudo, casos em que a liberdade de escolha dos nubentes é relativizada (ou
podada!), ou seja, existem casos em que a lei determina um regime obrigatório – o da
separação de bens – seja por precaução ou para punir os nubentes. Nesses casos, se eles
regularem diferentemente, via pacto antenupcial, seus interesses econômicos, as cláusulas
serão nulas, prevalecendo a determinação legal (art. 1.655, CC).
3. Mutabilidade do regime de bens: o art. 1.639, § 2.º, CC (+ art. 734, CPC/2015) veio admitir
a mutabilidade do regime matrimonial adotado, desde que haja, em jurisdição voluntária,
autorização judicial, atendendo a um pedido motivado de ambos os cônjuges, após a
verificação da procedência das razões por eles invocadas e da certeza de que tal modificação
não causará qualquer gravame a direitos de terceiros.
4. Imediata vigência do regime de bens: a vigência do regime de bens é imediata a
celebração do ato nupcial.

5. Comunicabilidade: a partir do momento em que é celebrado o casamento, passa a


viger o princípio da comunicabilidade do patrimônio que for amealhado após as núpcias.

2. Pacto antenupcial:

273
Quando o regime não for o legal dispositivo (CPB), a escolha do regime de bens é feita
através de um negócio jurídico solene: o pacto antenupcial, realizado mediante escritura
pública, no Tabelionato de Notas (art. 1.653, CC).
CPB76 – regra: sem pacto; havendo alteração: com pacto; CUB – sempre com pacto;
PFA – sempre com pacto;
SOB – sempre sem pacto – imposição legal;
SCB (SAB) – sempre com pacto. Separação consensual = absoluta.

Não havendo convenção, ou sendo esta nula ou ineficaz (pelo estabelecimento de


cláusulas que não sejam possíveis) → regime da CPB (art. 1.640, CC).

➢ Pode ser por procuração pública, com poderes especiais;


➢ Menores de idade = o representante legal deverá assistir no ato de lavratura do pacto
antenupcial, salvo no caso do regime obrigatório de bens (art. 1.654, CC).
➢ MOMENTO DE ELABORAÇÃO = antes da habilitação, pois tal escritura pública deve ser
anexada na documentação exigida para habilitação do casamento.
➢ Não pode haver qualquer cláusula que ofenda os bons costumes e a ordem pública. Ex.: é
proibido cláusula no pacto antenupcial que altere a ordem de vocação hereditária ou que
ajuste a comunhão de bens, quando o casamento só podia realizar-se pelo regime da
separação total. Em havendo cláusulas nesse sentido, serão nulas (art. 1.655, CC).
➢ Após a celebração do casamento o pacto antenupcial deverá ser registrado no Cartório de
Registro de Imóveis, em livro especial, para ter validade contra terceiros (art. 1.657, CC; art. 167, I,
n.12 e II, n.1, Lei 6.015/73). Se o nubente for empresário, o pacto deverá ser arquivado e averbado
no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 979, CC).
➢ Pelo pacto os nubentes podem fundir os regimes de bens, criando seu próprio regime.

3. Outorga conjugal – outorga uxória e outorga marital


Autorização conjugal é a manifestação do consentimento entre os cônjuges para que
determinados atos possam ser praticados, sob pena de invalidade. Ex.: compra e venda de
imóvel.
Outorga uxória – autorização da mulher
Outorga marital – autorização do marido

76
CPB – Comunhão parcial de bens; CUB – Comunhão universal de bens; PFA – Participação
final nos aquestos; SOB – Separação obrigatória de bens; SCB – Separação convencional de
bens (também conhecido como SAB – separação absoluta de bens).

274
Essa autorização é exigida quando um dos cônjuges praticar ato que afeta o patrimônio
do casal (alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis, litigar em juízo acerca desses bens,
prestar fiança ou aval, etc).
REGRA: necessidade da outorga. EXCEÇÕES:
a) No regime da separação convencional de bens (art. 1.647, CC).
b) No regime da participação final nos aquestos, quando o casal convencionar a livre
disposição dos bens.
Caso o cônjuge não possa dar a autorização (por estar doente ou incapaz) ou não queira, o
suprimento será dado pelo juiz – art. 1.648, CC.

4. Regime Legal:
4.1. Regime Legal Dispositivo
Determinado pelo Estado = CPB.
Se os nubentes não escolherem o regime de bens CPB (regime legal dispositivo).

4.2. Regime Legal Obrigatório


Em razão de certas circunstâncias os nubentes não podem escolher livremente o regime
de bens: quando ocorrer alguma causa suspensiva, quando o nubente for maior de 70 anos,
quando o nubente necessitar de suprimento judicial para casar (art. 1.641). Nesses casos o
regime passa a ser obrigatório – separação de bens –, não se aplicando nem o regime legal
dispositivo, nem outro escolhido via pacto antenupcial.
Neste caso, incide a súmula 377 do STF, permitindo a comunicabilidade dos bens
aquestados:
Súmula 377, STF: “No regime de separação legal de bens comunicam-se
os adquiridos na constância do casamento”.

De forma prática, essa súmula faz uma aproximação entre o regime da separação legal e
o regime de comunhão parcial de bens. A separação fica adstrita aos bens adquiridos antes do
casamento.

IMPORTANTE!!!
Há discussões sobre a exigência do esforço comum ou não. A jurisprudência não é
unânime, pois nem o STJ tem um mesmo posicionamento. Há decisões que exigem a prova do
esforço comum. Outras, não. Sendo assim, em termos de concursos públicos – primeira fase –
pouca exigência há quanto a esta questão. Em termos de segunda fase, sugere-se que o aluno
posicione-se a respeito, fundamentando seu posicionamento.

275
IMPORTANTE!!!!!
Há a possibilidade de modificação do regime legal obrigatório quando a hipótese que lhe
deu causa tiver sido superada. Só não é possível no caso dos maiores de 70 anos.

5. Regime Convencional:
Os nubentes poderão escolher o regime de bens que mais lhe aprouver, dentre os
previstos no Código Civil ou mesclá-los. Art. 1.639, CC.

6. Mutabilidade:
Possibilidade de alterar o regime de bens escolhido para a celebração do casamento.
Também é permitida nos casos de união estável, bastando um singelo acordo, podendo
retroagir a data do início da união estável.
Vedação de alteração nas hipóteses do art. 1.641, CC, SALVO SE A CAUSA QUE DEU
ORIGEM TIVER CESSADO! Enunciado 262, da III Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho
da Justiça Federal: “A obrigatoriedade da separação de bens, nas hipóteses previstas no art.
1.641, I e III, do CC não impede a alteração do regime, desde que superada a causa que o impôs”.
Contudo, esse enunciado não abrange as hipóteses do art. 1.641, II, ou seja, quando os cônjuges
tiverem mais de 70 anos quando da celebração do casamento. Neste caso, não poderá haver a
modificação.

REQUISITOS: deverão estar presentes três requisitos, cumulativamente:


a) autorização judicial: deve ser feita petição conjunta, por advogado, ao juiz competente.
O pedido só pode prosseguir se ambos os cônjuges forem autores, ou seja, ambos devem ter a
intenção de alterar o regime de bens. A alteração só produz efeitos a partir do trânsito em
julgado da decisão judicial, mas a eficácia perante terceiros depende do registro imobiliário. A
eficácia da mudança pode ser ex nunc ou ex tunc, dependendo da vontade das partes, já que
não existe qualquer óbice legal quanto a isso. Para isso, contudo, deve haver pedido expresso
do casal, pois sem isso o efeito é a partir da sentença.

b) motivação relevante: a alteração não pode estar baseada apenas no desejo dos
cônjuges. Entre os motivos relevantes está a alteração do regime de comunhão parcial para o
de separação de bens, em razão de os cônjuges passarem a ter vidas econômicas e profissionais
próprias, sendo conveniente a existência de patrimônios próprios para garantirem obrigações
que necessitam profissionalmente ou para incorporação em capital social de empresa.
276
c) ressalva dos direitos de terceiros: terceiros são os que estejam de boa-fé e possam ser
atingidos em seus patrimônios ou créditos com a alteração do regime de bens. A regra é que a
mudança de regime apenas valerá para o futuro, não prejudicando os atos jurídicos perfeitos. A
mudança só alcançará oi passado se o regime adotado beneficiar os terceiros credores, pela
ampliação das garantias patrimoniais.
Não é necessária a lavratura de pacto antenupcial para a mutação do regime de bens.
EFEITOS: entre cônjuges: ex tunc (retroagindo a data das núpcias); com relação a
terceiros: ex nunc, visto que poderá prejudicar credores.
É exigida ampla publicidade para a autorização da mudança. Nesse sentido, o STJ, ao
realizar a I Jornada de Direito Civil, aprovou o Enunciado 113: “é admissível a alteração do regime
de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por
ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros,
inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza,
exigida ampla publicidade”.

Mesmo os casamentos celebrados na vigência do Código de 1916 poderão ter a


modificação do regime. O art. 2.039, CC dispõe que a modificação não será possível, mas o STJ
está autorizando a mudança, em razão da aplicação da lei mais benéfica.
CIVIL - CASAMENTO - REGIME DE BENS - ALTERAÇÃO JUDICIAL –
CASAMENTO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CC/1916 (LEI Nº 3.071) -
POSSIBILIDADE - ART. 2.039 DO CC/2002 (LEI Nº 10.406) -
PRECEDENTES - ART. 1.639, § 2º, CC/2002. I. Precedentes recentes de
ambas as Turmas da 2ª Seção desta Corte uniformizaram o
entendimento no sentido da possibilidade de alteração de regime de
bens de casamento celebrado sob a égide do Código Civil de 1916, por
força do § 2º do artigo 1.639 do Código Civil atual. II. Recurso Especial
provido, determinando-se o retorno dos autos às instâncias ordinárias,
para que, observada a possibilidade, em tese, de alteração do regime de
bens, sejam examinados, no caso, os requisitos constantes do § 2º do
artigo 1.639 do Código Civil atual. (STJ, 3.ª Turma, REsp 1112123, j. em 24-7-
2009, rel. Min. Sidnei Beneti).

7. Administração dos bens no casamento:


Independentemente do regime de bens escolhido para vigorar no casamento, existem
atos que os cônjuges podem praticar sem depender da autorização do outro. Nesse sentido, o
art. 1.642 é claro:

277
Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a
mulher podem livremente:
I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários
ao desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecida no
inciso I do art. 1.647;
II - administrar os bens próprios;
III - desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou
alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial;
IV - demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a
invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do
disposto nos incisos III e IV do art. 1.647;
V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou
transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os
bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver
separado de fato por mais de cinco anos;
VI - praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente.

O art. 1.643, CC traz as permissões para que os cônjuges possam atuar de forma individual.
Tratam-se de situações necessárias à manutenção da vida doméstica, onde não haveria a
necessidade de autorização expressa do outro para que tais despesas fossem assumidas.
Art. 1.643. Podem os cônjuges, independentemente de autorização um
do outro:
I - comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia
doméstica;
II - obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas
possa exigir.

Com relação às dívidas, contudo, a responsabilidade patrimonial é solidária – art. 1.644, CC:
Art. 1.644. As dívidas contraídas para os fins do artigo antecedente
obrigam solidariamente ambos os cônjuges.

O art. 1.647, CC traz os atos que nenhum dos cônjuges pode praticar sem autorização do
outro, exceto no regime de separação absoluta:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges
pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação
absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
278
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III -
prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que
possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando
casarem ou estabelecerem economia separada.

EM RESUMO

04. Regime de bens: especificidades dos regimes legais e convencionais


1. Regime da Comunhão Parcial de Bens:
O regime da comunhão parcial de bens é o que advém da falta, ineficácia ou nulidade
de pacto antenupcial ou por convenção dos nubentes, que optam pelo regime da
comunhão de aquestos.

279
* Para todos verem: esquema

Basicamente: afasta da comunhão os bens que os consortes possuíam ao casar ou que


venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento; e inclui na comunhão os bens
adquiridos posteriormente a união. Dividem-se os bens adquiridos na constância da união.
Ainda que o regime seja o da comunhão parcial de bens, que dispensa o pacto
antenupcial, é possível que se estabeleça, por pacto, cláusulas sobre a administração dos bens
particulares (art. 1.665).
Art. 1.665. A administração e a disposição dos bens constitutivos do
patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo
convenção diversa em pacto antenupcial.

8.1. Bens que não se comunicam


O art. 1.661 prevê que são incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título causa
anterior ao casamento. Dessa forma, não faz parte do patrimônio o bem reivindicado pelo
marido solteiro, sendo que a ação julgada procedente quando já casado, nem o dinheiro
recebido após o casamento pela venda anterior de um bem.
Também são INCOMUNICÁVEIS, conforme o art. 1.659, CC:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na


constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
Aqueles bens que o consorte leva consigo para o casamento, que lhe pertencem antes da
realização do ato nupcial não se comunicam no regime da comunhão parcial de bens.
No caso de doações ou testamento, caso o doador/testador pretendesse que o bem fosse
de propriedade do casal, faria a doação em favor de ambos e não de apenas um deles. Dessa
maneira, a doação ou o testamento em benefício de um dos cônjuges, só a este aproveita, não
se comunicando ao outro cônjuge.

280
Da mesma maneira ocorre com os bens que forem adquiridos no lugar dos recebidos em
doação, testamento ou daqueles que já eram de propriedade de um dos cônjuges antes do
casamento. Isto se denomina sub-rogação, ou seja, os bens que forem colocados no lugar dos já
existentes.
Ex.: Carlos possuía um carro, no valor de R$ 20.000,00 antes de casar. Casa-se com Joana.
Após o casamento, Carlos vende o carro por R$20.000,00 e compra outro de mesmo valor.
Joana não terá direito sobre o carro, pois se trata de sub-rogação. Contudo, se Carlos comprar
um carro no valor de R$ 50.000,00 Joana terá direito a receber a diferença, ou seja, R$
30.000,00.
Também não se comunica a herança que um dos cônjuges vier a receber, mesmo que
depois da celebração do casamento, nem os produtos que dela resultarem (no caso de herança
em dinheiro).
Contudo, os frutos dos bens particulares percebidos na constância da união se
comunicam (art. 1.660, V, CC). Nesse caso, o bem em si não se comunica, mas os aluguéis
recebidos ou os juros, sim.

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges


em sub-rogação dos bens particulares;
Se os bens possuídos por ocasião do ato nupcial não se comunicam, é óbvio que também
não devem comunicar-se os adquiridos com o produto da venda dos primeiros. É uma sub-
rogação real.
Pode ser sub-rogação de dinheiro, quando, por exemplo, um dos consortes possuía
poupança anterior ao matrimônio e, depois da realização deste, adquire um imóvel. O imóvel
não se comunica, pois proveniente de valor pertencente exclusivamente a um dos consortes.
Conforme já afirmado, se o bem sub-rogado é mais valioso, a diferença do valor, se não
tiver sido coberta com recursos próprios e particulares do cônjuge, integrará o acervo comum.
Ex.: carro de R$ 30.000 carro de R$ 50.000 = a diferença (R$20.000,00) integrará o
patrimônio comum.

III - as obrigações anteriores ao casamento;


A responsabilidade é pessoal de quem contraiu a obrigação. Dessa maneira, o cônjuge
que arcou com responsabilidade anterior ao casamento, ainda que venha a se perfectibilizar
após a celebração deste, deverá arcar exclusivamente com seus bens particulares.
Ex.: dívida de cheque especial contraída antes do matrimônio. Só pertence àquele que
contraiu a dívida. Seu patrimônio exclusivo é que arcará.

281
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
O cônjuge faltoso é responsável pelos atos ilícitos que praticar (com seu patrimônio
particular), salvo se ambos os cônjuges vierem a tirar proveito de tal ato, quando então o
patrimônio comum do casal responderá pelos prejuízos causados com o ilícito.
Ex.: o marido pratica uma fraude tributária, sonegando a receita, para comprar uma casa
na praia para que a família desfrute. Neste caso, haverá a comunicação da dívida.
É nesse sentido a súmula 251, STJ: “A meação só responde pelo ato ilícito quando o credor,
na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou o casal”.

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;


Em razão do cunho nitidamente pessoal, não há comunicação desses bens.
Assim, estão excluídos os bens pessoais: roupas, sapatos, etc.
Também se excluem da comunhão os livros utilizados para o exercício da profissão: livros
profissionais do advogado, por exemplo; os instrumentos profissionais: violino de um
concertista. Isto porque desses instrumentos dependem a sobrevivência do consorte.
É possível, contudo, que, demonstrado o esforço comum, o valor do instrumento
profissional seja partilhado:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL.
PARTILHA. INSTRUMENTO MUSICAL - GAITA - DE USO PROFISSIONAL.
INCIDÊNCIA DO ARTIGO 1659, INCISO V, DO CCB. Ainda que o bem
fisicamente não seja partilhável, já que o varão é músico profissional,
dependendo da utilização da gaita para a sua atividade, o valor
empregado na sua aquisição na constância da união estável merece ser
considerado na partilha, conforme precedentes da Corte. FGTS. Não se
excluem da partilha os valores sacados da conta vinculada de FGTS na
vigência da união estável, ainda que empregados para a aquisição de
bem de uso pessoal e profissional. NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO. (Apelação Cível Nº 70034147199, Oitava Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 24/06/2010)

Questão complicada é a das joias. Algumas possuem valor altíssimo. Sendo assim, a
doutrina se divide. Dias77 afirma que há que se reparar na forma de aquisição de tais bens. Se
forem recebidos por presente de um cônjuge ao outro, serão incomunicáveis, pois configura-se

77
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 317.

282
doação. No entanto, se comprados no intuito de investir algum dinheiro (situação bastante
difícil de ocorrer), deverão ser partilhados.

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;


Significa dizer que cada cônjuge tem direito aos proventos relativos ao seu salário.
Em regra, os bens adquiridos com o valor recebido do trabalho pessoal de um dos
cônjuges não se comunica, bem como o próprio provento.
Contudo, existe posicionamento entendendo que no caso de o valor do provento ser
utilizado para adquirir imóvel poderá ser partilhado, pois ambos os cônjuges, no direito de
família atual, contribuem com seus proventos para o sustento da família, de maneira que deve
o bem proveniente ser partilhado.
Se os ganhos do trabalho pessoal não se comunicam, praticamente tudo será
incomunicável, pois na grande maioria das vezes, as pessoas sobrevivem e constituem
patrimônio como fruto do trabalho pessoal e das economias. Assim, não é justo que um dos
cônjuges, com os frutos de seu trabalho pessoal, pague as despesas do casal e, o outro, guarde
os frutos fazendo uma economia (poupança). Nesse caso, se formos pela letra fria da lei, não
haveria partilha desse patrimônio (poupança).
Mas o STJ já entendeu pela partilha dos bens:
Direito civil e processual civil. Família e Sucessões. Inventário.
Bens frutos do trabalho do cônjuge inventariado integram a meação da
viúva inventariante.
- No regime de comunhão universal de bens, os honorários
advocatícios, provenientes do trabalho do cônjuge inventariado,
percebidos no decorrer do casamento, ingressam no patrimônio comum
do casal, porquanto lhes guarneceram do necessário para seu sustento,
devendo, portanto, integrar a meação da viúva inventariante.
- Muito embora as relações intrafamiliares tenham adquirido matizes
diversos, com as mais inusitadas roupagens, há de se ressaltar a
peculiaridade que se reproduz infindavelmente nos lares mais
tradicionais não só brasileiros, como no mundo todo, em que o marido
exerce profissão, dela auferindo renda, e a mulher, mesmo que outrora
inserida no mercado de trabalho, abandonou a profissão que exercia
antes do casamento, por opção ou até mesmo por imposição das
circunstâncias, para se dedicar de corpo e alma à criação dos filhos do
casal e à administração do lar, sem o que o falecido não teria a
tranqüilidade e serenidade necessárias para ascender profissionalmente

283
e, conseqüentemente, acrescer o patrimônio, fruto, portanto, do trabalho
e empenho de ambos.
Recurso especial conhecido e provido. (REsp 895344/RS, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJe
13/05/2008)

UNIÃO ESTÁVEL. DISSOLUÇÃO. PROVA. PARTILHA DE BENS. REGIME DA


COMUNHÃO PARCIAL. IMÓVEL ADQUIRIDO COM O USO DO FGTS.
1. Reconhecida a união estável, imperiosa a divisão igualitária dos bens
adquiridos de forma onerosa em nome de um ou outro convivente, sem
que se perquira a contribuição de cada um. Inteligência do art. 1.725 do
Código Civil. 2. O FGTS constitui "provento do trabalho pessoal" e não se
comunica entre os cônjuges, ex vi do art. 1.659, inc. VI, do Código Civil, e
quando o pagamento do imóvel é feito mediante expressa entrega do
próprio FGTS, opera-se, de forma inequívoca, a sub-rogação, devendo
esse valor e também as prestações pagas exclusivamente pelo varão,
depois de rompida a relação marital, ser abatidos do valor do imóvel,
devendo tais valores receber a devida correção monetária. 3. Não
restando comprovado que o veículo que o varão possuía antes de iniciar
a relação tenha sido dado em pagamento daquele adquirido na
constância da união estável, imperiosa a partilha igualitária desse bem,
pois a sub-rogação é exceção à regra da comunicabilidade e, para ser
admitida, deve ficar cabalmente demonstrada. Recurso provido em
parte. (Apelação Cível Nº 70036754216, Sétima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado
em 14/09/2011)

Direito civil e família. Recurso especial. Ação de divórcio. Partilha dos


direitos trabalhistas. Regime de comunhão parcial de bens.
Possibilidade. - Ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de
bens é devida à meação das verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente
durante a constância do casamento. - As verbas indenizatórias
decorrentes da rescisão de contrato de trabalho só devem ser excluídas
da comunhão quando o direito trabalhista tenha nascido ou tenha sido
pleiteado após a separação do casal. Recurso especial conhecido e
provido. (REsp 646.529/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j.
20.06.2005)
284
Isto quer dizer que o salário (provento) não é partilhado, mas o bem adquirido com este
poderá (e deverá) o ser. Isto porque nada justifica que um cônjuge tenha ingerência sobre o
salário do outro. Além disso, se o salário for depositado em uma poupança, previdência privada,
enfim, algum tipo de investimento, os rendimentos advindos daí serão comunicáveis.
O STJ entende que também se incluem na partilha os bens adquiridos, em sua maior
parte, com o produto do levantamento do FGTS de um dos cônjuges.

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.


Pensões: valor pago periodicamente e em virtude de lei, decisão judicial ou ato jurídico
para assegurar a sobrevivência de alguém.
Meio-soldo: é a metade do soldo pago pelo Estado ao militar reformado.
Montepios – pensão devida a herdeiro de funcionário falecido.
Tenças – pensão alimentícia devida pelo Estado ou por outra pessoa de direito privado,
para subsistência do beneficiário.
Deve-se destacar que, neste caso, não se comunica o direito ao recebimento desses
benefícios. O valor recebido deve ser partilhado.

Art. 1.661 - Também são incomunicáveis os bens adquiridos por causa anterior ao
casamento
Ex.: se a moça solteira vender um imóvel antes do casamento e só após vier a receber o
valor devido, o dinheiro apurado com a venda não se comunica, pois existente em razão de
causa anterior ao casamento.
Mostra-se sem razão a incomunicabilidade dos proventos do trabalho pessoal de cada
cônjuge, já que a maior parte das famílias sobrevive da contraprestação pecuniária de quem
trabalha. Assim, se alguém transforma suas economias em patrimônio, torna-se incomunicável
e isto é injusto com aquele que também trabalha e transforma suas economias em alimentos,
vestuário para a família, etc.

2. Bens que se comunicam


São COMUNICÁVEIS, conforme o art. 1.660, CC:
I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só
em nome de um dos cônjuges;
Quanto a bens imóveis, bastará verificar o Registro Imobiliário para verificar se a aquisição
se deu antes ou após o casamento.
Se se tratar de bem móvel, há presunção de que são de propriedade comum, adquiridos
na constância da união, salvo se for possível provar por documento autêntico (fatura, nota fiscal)

285
ou outro meio admitido em direito, que foram adquiridos em data anterior ao ato nupcial. Art.
1.662.
II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou
despesa anterior;
Ex.: jogo, aposta, loteria, bingo. Os bens advindos do valor recebido nessas loterias
III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os
cônjuges;
Herança ou testamento só se comunicam se forem em favor de ambos os cônjuges.
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
Tudo que for acrescido aos bens particulares dos cônjuges entra na divisão do patrimônio
comum, desde que haja a presunção de que foram feitas com o produto do esforço comum,
para evitar o enriquecimento indevido.
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na
constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Isto porque são ganhos posteriores ao casamento e esse regime visa a composição de um
patrimônio comum após a união.
Ex.: se um dos cônjuges for acionista de uma sociedade anônima na qual hajam ganhos
periódicos em razão dos lucros. O valor percebido integra o patrimônio comum.
Ex.: os aluguéis, ainda que de imóvel particular de um dos cônjuges também passa a
integrar o patrimônio comum.

Os rendimentos resultantes da exploração dos direitos patrimoniais do autor


Os direitos patrimoniais do autor não se comunicam, mas os rendimentos resultantes da
exploração desses direitos, sim.
Nesse sentido, ver a Lei 9.610/98:
Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra
literária, artística ou científica.
[...]
Art. 39. Os direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos
resultantes de sua exploração, não se comunicam, salvo pacto
antenupcial em contrário.

a. Administração dos bens


A administração do patrimônio comum cabe a qualquer dos cônjuges. Art. 1.663.

286
Contudo, será necessária a anuência de ambos para prática de atos que impliquem, a
título gratuito, em cessão do uso ou gozo desses bens (art. 1.663, § 2.º). Também é necessária a
anuência para alienar ou gravar os bens imóveis (art. 1.647, I).
Se ficar comprovada a má administração dos bens comuns, o magistrado poderá atribuir
a administração a apenas um dos cônjuges (art. 1.663, § 3.º), ou seja, o que solicitou ao juiz, em
razão de ter sido prejudicado. Com o deferimento desse pedido, os atos praticados pelo outro
cônjuge serão nulos.
A administração dos bens particulares competirão ao cônjuge proprietário, exceto se
houver convenção contrária estabelecida no pacto antenupcial (art. 1.665), mas para alienar
imóvel, dependerá da anuência do outro (art. 1.647, I). O cônjuge que administra o patrimônio
particular do outro age como seu representante, apenas.

b. Dívidas
Cada consorte responde pelos próprios débitos anteriores ao casamento, pois se
constituem patrimônios separados.
Se o débito for subseqüente ao casamento, contraídas no exercício da administração do
patrimônio comum, obrigam aos bens comuns e aos particulares do cônjuge que o administra
e aos do outro na proporção do proveito que houver auferido (art. 1.663, § 1.º).
O débito contraído por qualquer dos consortes na administração dos bens particulares e
em benefício destes não obrigam os bens comuns (art. 1.666).
Quando a dívida for para atender aos encargos da família (contas de água, luz,
alimentação), despesas de administração dos bens comuns (reparos) e decorrentes de
imposição legal (impostos) os bens comuns irão responder, para resguardar direitos dos
credores (art. 1.664).

c. Dissolução
Dissolve-se pela morte de um dos cônjuges, separação, divórcio, nulidade ou anulação de
casamento. No caso de morte, o patrimônio particular do falecido transmite-se aos filhos, sem
que haja meação. Quanto ao patrimônio comum, deverá ser partilhado entre o viúvo/viúva
meeira e os herdeiros.

287
3. Regime da Comunhão Universal de Bens:
* Para todos verem: esquema

METADE IDEAL METADE IDEAL

DA MULHER DO MARIDO

Importa na comunhão de todos os bens dos cônjuges, presentes e futuros, bem como de
suas dívidas. Cada cônjuge passa a ter direito a metade ideal do patrimônio comum, de
maneira que não poderão constituir sociedade entre si (art. 977).
Antes da dissolução e partilha não há meação, mas a metade ideal de bens e dívidas (art.
1.667). Não há propriedade sobre metade de cada bem, pois há uma indivisão. O que há é a
propriedade sobre a metade ideal do patrimônio comum, ou seja, não se sabe quem é
proprietário do que, pois ambos o são de todo o patrimônio.
Assim, tudo o que entra para o acervo subordina-se a comunhão, de modo que se torna
comum tudo o que cada consorte adquire, no momento da aquisição. Os cônjuges são meeiros
em todos os bens do casal, mesmo que não tenha trazido nada ou nada adquirido na
constância do casamento.

3.1 Bens excluídos da comunhão universal


Mesmo que o regime da comunhão universal implique na comunhão de todos os bens
presentes e futuros, existem alguns que, em razão de sua natureza ficam EXCLUÍDOS da
comunhão (art. 1.668):

I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-


rogados em seu lugar;
Para que esta exclusão ocorra deve haver o gravame da cláusula de incomunicabilidade.
Ex.: se um imóvel doado com cláusula de incomunicabilidade for desapropriado, a
indenização é paga ao donatário, sem que se comunique ao seu cônjuge.

II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes


de realizada a condição suspensiva;
288
O fideicomisso é um ato de disposição de vontade expressa em testamento, pelo qual
uma pessoa pode deixar um bem imóvel para o sucessor do seu herdeiro. O herdeiro ou
legatário que recebe em primeiro grau o imóvel denomina-se fiduciário, ficando ele com o
encargo de transmitir a propriedade para aquele que será o proprietário final do bem,
designado fideicomissário. O Código Civil de 2002, no seu art. 1.951, assim define o fideicomisso:
“Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte,
a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a
certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário”.
Ex.: José deixa em testamento, gravado com fideicomisso, um bem x para Carlos, seu filho,
durante 10 anos. Este será o fiduciário. José estabelece no testamento que passados os 10 anos,
o bem passará para o patrimônio de Marcus, filho de Carlos. Este será o fideicomissário.
* Para todos verem: esquema

Fideicomitente Fiduciário Fideicomissário

→ 1.º herdeiro → 2.º herdeiro

Testador Incomunicabilidade Comunica-se

Neste caso, o bem não se comunica com o cônjuge do fiduciário. Os bens só passam a se
comunicar a partir do momento em que se implementar a condição (apenas com o cônjuge do
fideicomissário, se for o caso).
É lógico que essa propriedade deve ser incomunicável, para que o fiduciário possa, a certo
tempo ou em certa condição, transmitir o bem ao fideicomissário. Assim, a propriedade só
ingressa no patrimônio comum se ocorrer a condição antes do falecimento do fideicomissário,
pois se isto ocorrer antes, caduca o fideicomisso, consolidando-se a propriedade nas mãos do
fiduciário (art. 1.958).

III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus


aprestos, ou reverterem em proveito comum;
As dívidas anteriores ao matrimônio não se comunicam e o devedor responde por elas
com seu patrimônio particular ou com o que tiver trazido para a comunhão, ou seja, os bens do
outro cônjuge não respondem por dívidas anteriores a união.
Só se houver a dissolução do casamento é que o patrimônio comum (sua meação),
responderá pelos débitos contraídos antes das núpcias.
Se as dívidas forem oriundas dos aprestos com o casamento (enxoval, imóvel, etc.) ou se
reverterem em proveito do casal, haverá a comunicabilidade.
289
É diferente do que ocorre na comunhão parcial (art. 1.659, III), quando nenhuma dívida
pretérita se comunica, nem as pessoais, nem as feitas em proveito do casamento.

IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de


incomunicabilidade;
A fim de proteger o donatário, ainda que o doador seja o seu consorte.

V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.


Bens de uso pessoal: pela própria natureza pessoal.
Proventos do trabalho: porque um cônjuge não tem direito ao salário do outro, a não ser
que o valor passe a pertencer ao casal. Ex.: conta conjunta, quando todos os valores são
depositados lá e de lá sai o sustento da família e são adquiridos os bens do casal.
Pensões, meio-soldos, montepios e outras rendas: também pela natureza personalíssima.
Os bens de herança necessária a que se impuser a clausula de incomunicabilidade.
A legítima de um consorte não se comunica ao outro pela redação do art. 1.848 – caso de
haver causa legítima.
Os direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos resultantes de sua
exploração, salvo pacto antenupcial em contrário (art. 39, Lei 9.610/98)
Art. 39. Os direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos
resultantes de sua exploração, não se comunicam, salvo pacto
antenupcial em contrário.

Ex.: se um dos nubentes antes de casar tinha direito a uma pensão, esse direito não se
comunica pelo casamento. Mas o dinheiro que receber após as núpcias se comunica a partir do
vencimento da prestação.
Contudo, estas incomunicabilidades não se estendem aos frutos percebidos ou vencidos
durante a constância do casamento.
Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo
antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam
durante o casamento.

3.2 Administração dos bens


A administração do patrimônio, na constância da sociedade conjugal, é comum.
Essa administração segue as regras dos arts. 1.663, 1.665, 1.666 (art. 1.670).
Para ceder gratuitamente o uso e gozo dos bens, bem como para aliená-los ou gravá-los,
dependerá de anuência de ambos os cônjuges.

290
A administração dos bens excluídos da comunhão caberá ao proprietário, salvo
estipulação em contrário.
Havendo morte de um dos cônjuges, o outro administrará os bens até que seja efetivada
a partilha entre eles e os herdeiros do falecido.

3.3 Dívidas
Pelas dívidas contraídas na gestão da administração dos bens, respondem os bens
comuns e os particulares do cônjuge administrador. Os bens particulares do outro cônjuge só
responderão se provado que ele obteve algum proveito.
Quanto aos débitos oriundos da administração do patrimônio particular não serão responsáveis
os bens comuns.
3.4 Extinção
A extinção do regime se dá com a dissolução da sociedade conjugal pela morte de um
dos cônjuges, sentença de nulidade ou anulação ou pela separação ou divórcio ou, ainda, com a
separação de fato.
Com a ocorrência de um desses fatos, deverá ser operada a partilha para que seja posta
fim à indivisão.
Se houver separação de fato, os bens ou dívidas adquiridos posteriormente, ainda que não
tenha se operado a partilha, não serão partilhados, pois a separação de fato põe fim ao regime
de bens.
Com a morte, caso o cônjuge supérstite tiver realizado aumento no patrimônio, esse fica
excluído da partilha. Partilha-se 50% para o cônjuge sobrevivente e 50% entre os herdeiros. Se
houverem bens incomunicáveis estes só serão partilhados entre os herdeiros.
No caso de nulidade, não se tem comunhão de bens, pois o casamento não existiu, de
maneira que cada cônjuge retira o que trouxe para o casamento. Se houve, nesse período,
aquisição de bens em conjunto, esse será partilhado na proporção da colaboração financeira.
Caso de casamento anulável, se tiver sido considerado putativo, haverá a partilha dos
bens. Se um dos cônjuges for culpado, perderá as vantagens que obteve e não terá direito a
meação quanto ao patrimônio que o outro trouxe para o casamento. Contudo, o inocente terá
direito de exigir sua meação sobre tudo.
Extinta a comunhão e efetuada a divisão do ativo e passivo, cessará a responsabilidade de
cada um dos cônjuges para com os credores do outro por dívidas que este houver contraído
(art. 1.671).

4. Regime da Participação Final nos Aquestos:


O regime da participação final nos aquestos foi introduzido pelo Código de 2002 no
sistema brasileiro, que não mais contempla o regime dotal (que há muito já não era utilizado).
291
Esse regime tem maior aplicabilidade quando os cônjuges exercem atividades
empresariais distintas, para que possam manusear com maior liberdade seus pertences.
Ainda assim, é pouco procurado.
Por este regime, cada cônjuge conserva como de seu domínio os haveres que trouxe para
o casamento, e os conseguidos ao longo de sua duração, administrando-os e aproveitando os
seus frutos. Mas, na época da dissolução do vínculo conjugal procede-se a divisão do acervo
adquirido a título oneroso. Para Tartuce78, a divisão dos bens, ao final, é feita somente dos bens
adquiridos, de forma onerosa, e nos quais tenha havido a participação. Não se trata de uma
meação, mas de uma participação no patrimônio.
“Basicamente, durante o casamento há uma separação total de bens, e no caso de
dissolução do casamento e da sociedade conjugal, algo próximo de uma comunhão parcial.
Cada cônjuge terá direito a uma participação daqueles bens para os quais colaborou para a
aquisição, devendo provar o esforço para tanto”79.
Nesse regime, formam-se massas de bens particulares incomunicáveis durante o
casamento, mas que se tornam comuns no momento da dissolução do matrimônio.
Cada cônjuge tem a expectativa da meação, sendo credor da metade do que o outro
adquiriu a título oneroso durante o matrimônio, se houver dissolução da sociedade conjugal
(art. 1.672).
Existem dois patrimônios: o inicial, que é o conjunto de bens que cada cônjuge adquire
durante a vigência matrimonial e o patrimônio final, que é o patrimônio verificável no
momento da dissolução do casamento.
Dias80 afirma existirem cinco universalidades de patrimônios: 1. Os bens particulares que
cada um possuía antes de casar; 2. Os bens que o outro já possuía; 3. O patrimônio adquirido
por um dos cônjuges, em nome próprio, após o matrimônio; 4. Os adquiridos pelo outro, em
seu nome, após o casamento; 5. Os bens comuns, adquiridos pelo casal.
Trata-se de um regime misto: durante o casamento assemelha-se a separação de bens e,
na dissolução, assemelha-se à comunhão parcial.
Contudo, a participação ocorrerá sobre o patrimônio adquirido, de forma onerosa, pelo
outro, mas através de um crédito e não pela constituição de condomínio sobre o patrimônio.
Significa dizer que o direito não é sobre o patrimônio, mas sim sobre eventual saldo após as
compensações dos acréscimos de cada um81.

78
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 180.
79
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 181.
80
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 304.
81
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 322.

292
4.1 Administração dos bens
A administração do patrimônio inicial é exclusiva de cada cônjuge, que administrará os
bens que possuía ao casar, os adquiridos por doação e herança e os obtidos onerosamente,
durante a constância do casamento.
Em princípio nenhum dos cônjuges pode alienar ou gravar os bens sem a anuência do
outro (art. 1.647, I). Contudo, pode ser estabelecido no pacto antenupcial a livre disposição dos
bens imóveis, quando não será necessária qualquer anuência do outro cônjuge para alienar ou
gravar (art. 1.656).

4.2 Dívidas
Pelas dívidas contraídas por um dos cônjuges antes do matrimônio, responde seu
patrimônio particular. Quanto aos débitos posteriores ao casamento, contraídos por um dos
cônjuges, em princípio, o patrimônio particular deste é que responderá, salvo de comprovado o
proveito comum, quando o patrimônio do outro consorte responderá na proporção do seu
proveito (art. 1.677).
No caso de um dos cônjuges pagar dívida do outro, com bens de seu patrimônio, o valor
deverá ser atualizado e imputado na meação do devedor, na data da dissolução (art. 1.678).
Quando as dívidas de um dos cônjuges for superior a sua meação, não obrigam o outro,
ou a seus herdeiros (art. 1.686). Assim, se falecer o cônjuge devedor, seus credores só terão
direito a sua meação e, se não for suficiente para saldar a dívida, não poderão cobrar do outro
cônjuge ou dos herdeiros, pois estes só têm responsabilidade no exato teor do que lhes couber
na herança.
No caso de direito de terceiros, presume-se como sendo do cônjuge devedor os bens
móveis (art. 1680).

4.3 Dissolução
Com a dissolução da sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, invalidade,
separação ou divórcio apura-se o montante dos aquestos, excluindo-se da soma o patrimônio
próprio dos cônjuges: bens anteriores ao casamento, os sub- rogados em seu lugar e os obtidos
pelos cônjuges por herança, legado ou doação, bem como os débitos relativos a esses bens (art.
1.674). Incluem-se na partilha os frutos dos bens particulares. Os bens móveis, salvo prova em
contrário, presumem- se adquiridos na constância do casamento (art. 1.674, parágrafo único).
Por ocasião da partilha, para a apuração do montante dos aquestos, ficam excluídos:
Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o
montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:

293
I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-
rogaram; II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou
liberalidade;
III - as dívidas relativas a esses bens.
Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos
durante o casamento os bens móveis.
No caso de bens adquiridos com o esforço comum dos cônjuges, ambos terão direito a
quota igual no condomínio (50% para cada cônjuge) (art. 1.679).
Ex.: se uma casa foi construída em conjunto (esforço comum), sobre o terreno de um
deles, o cônjuge que contribuiu para a construção da casa terá direito apenas a indenização,
pois o imóvel pertencerá ao dono do solo, pois se operou a acessão artificial.
Se houver doação feita por um cônjuge sem a autorização do outro, este poderá ser, ao
final do matrimônio, indenizado em sua meação (art. 1.675). Pode haver a reivindicação desse
bem. Contudo, também se pode optar por fazer integrar o monte partilhável o valor
equivalente ao bem (art. 1.676).
No caso de separação ou divórcio o montante a ser apurado com os aquestos será o da
data que cessou a convivência (art. 1.683). Neste caso, utiliza-se da contabilidade para realizar a
divisão, pois se levanta o acréscimo patrimonial de cada cônjuge no período da vigência do
casamento. Faz-se o balanço e aquele que tiver enriquecido menos terá direito à metade do
saldo encontrado.

ITEM MARIDO MULHER

PATRIMÔNIO FINAL 1.000.000,00 500.000,00

BENS EXCLUÍDOS 500.000,00 300.000,00

GANHO OU AQUESTOS
500.000,00 200.000,00
ENRIQUECIMENTO

Cálculo → 500.000,00 (enriquecimento do marido) - 200.000,00 (enriquecimento


da mulher) = 300.000,00.

R$ 300.000,00 é o valor que o marido enriqueceu a mais que a mulher.


Este valor deverá ser partilhado (50% para cada um).

Assim, a mulher terá um crédito de R$ 150.000,00, que o marido deverá pagar.

294
Assim, os bens adquiridos durante a separação de fato ou na pendência da separação
judicial ou do divórcio não entrarão na partilha. Contudo, se houver reconciliação antes do fim
da ação, haverá a comunicação desses bens.
Como já dito, é um regime misto, pois durante a vigência é separação de bens e, na
dissolução, comunhão parcial, devendo haver partilha dos bens amealhados a título oneroso ou
por esforço comum, desde que durante a união.
O direito a meação é irrenunciável, incessível ou impenhorável na vigência do regime
patrimonial (art. 1.682). No entanto, é possível a penhora da meação do devedor sobre
determinado bem comum. Se a penhora ocorrer sobre a totalidade do bem, o outro consorte
poderá resguardar sua meação via embargos de terceiro.
Pode ocorrer de que não seja possível a divisão dos bens em natureza. Neste caso, será
calculado o valor da meação, para que este receba sua parte (art. 1.684). Ex.: um carro – não é
possível sua divisão. Dessa forma, haverá a avaliação do bem para que o cônjuge não
proprietário receba sua meação em dinheiro.
No caso de não poder ser feita a reposição do direito a meação em dinheiro, em razão de
poucos recursos do cônjuge proprietário, será feita avaliação e alienação judicial de tantos bens
quantos bastem para o ressarcimento da meação (art. 1684, parágrafo único).

5. Regime de Separação de Bens:


O regime da separação de bens é aquele em que cada consorte conserva, com
exclusividade, o domínio, a posse e administração de seus bens presentes e futuros e a
responsabilidade pelos débitos anteriores e posteriores ao matrimônio.
Existem dois patrimônios bem separados: o do marido e o da mulher.
* Para todos verem: esquema

Não há qualquer comunicação de bens. Tanto os adquiridos antes do matrimônio, quanto


aqueles que venham a possuir depois do casamento, em nenhum deles há comunicação.
Cada um conserva o domínio, a posse e a administração de seus bens, assim como a
responsabilidade por dívidas anteriores ou posteriores ao casamento.

295
Qualquer dos cônjuges pode alienar ou gravar seus bens sem anuência do outro cônjuge
(caso seja separação convencional). Poderá, também, qualquer dos cônjuges, prestar fiança,
aval, pleitear direitos acerca de bens ou direitos imobiliários, sem autorização do outro (art.
1.647).
O art. 1.647, CC deve ser interpretado no sentido de que quando trata da “separação
absoluta”, refere-se a separação convencional e não na separação obrigatória. Isto porque na
separação convencional os cônjuges podem, no pacto antenupcial dispor aquilo que
pretenderem e, no caso da separação obrigatória, não.
Nesses termos:
SEPARAÇÃO ABSOLUTA = convencional, com pacto.
SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA = não é absoluta. Aplica-se a súmula 377, STF.
No pacto antenupcial tudo pode ser disposto, desde que não seja contrário a lei.
Ativo e passivo são separados, de maneira que nenhuma dívida se comunica, seja ela
anterior ou posterior ao matrimônio.
Quanto às despesas da família, ambos os cônjuges possuem obrigação com elas, na
proporção de seus bens ou de seus rendimentos, salvo se houver alguma estipulação em
contrário no pacto antenupcial. Ex.: estabelecer que só ao marido compete o sustento da
família.
O regime da separação de bens tanto pode provir de imposição legal (art. 1.641), quanto
de convenção (art. 1.687).
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas
suspensivas da celebração do casamento;
As causas suspensivas são as previstas no art. 1.523. Deve-se observar que
em qualquer das causas, se comprovado que não há prejuízos, poderá
ser requerido ao juiz que não imponha a separação de bens.
II - da pessoa maior de setenta anos;

Contudo, nessa hipótese, se houver existido união estável há mais de dez anos
consecutivos ou tiver resultado filhos, não seria aplicada a regra, podendo os nubentes escolher
livremente o regime de bens. É nesse sentido o Enunciado 261 do Conselho da Justiça Federal,
na III Jornada de Direito Civil:
261 – Art. 1.641: A obrigatoriedade do regime da separação de bens não se
aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for
precedido de união estável iniciada antes dessa idade.

296
A imposição do regime de bens é unicamente para evitar casamentos por interesse
econômico.
Deve-se destacar que para todos os outros casos de imposição do regime da separação
obrigatória, a lei permite que seja requerida ao juiz a exclusão dessa pena (art. 1.523, § único).
Mas essa chance não é concedida aos noivos maiores de 70 anos. Assim, como na união estável
não vigora essa “pena”, se pretenderem outro regime de bens, que o façam através de união
estável.
Aliás, demonstra Maria Berenice Dias82 que tal imposição é descabida, pois no caso dos
noivos menores de 18 anos, quando os pais não consentem com o casamento, há o suprimento
judicial. Em havendo, há a imposição do regime da separação obrigatória de bens. Contudo, o
juiz pode, a requerimento das partes, não aplicar essa penalidade. Então, se o juiz não aplica aos
menores de 18 anos, quando os pais não concordam com o casamento, porque não liberar os
maiores de 70 anos? Qual é a justificativa para essa limitação? Na verdade, não há explicação: é
assim porque é!

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.


Fora esses casos, os nubentes que quiserem instituir o regime da separação de bens
como convenção, terão de realizar pacto antenupcial (art. 1.639). Nesse sentido, poderá ser
estabelecido que alguns bens se comunicarão, por exemplo, ou que a mulher fica isenta das
responsabilidades do lar (art. 1.688). Nestes casos, quando o regime é o da separação
convencional, a súmula 377 do STF não surte efeitos. Contudo, basta a comprovação do esforço
comum na aquisição do patrimônio para que tenha de ocorrer a divisão.
A separação de bens pode ser pura ou absoluta, que é quando estabelece a
incomunicabilidade de todos os bens; ou limitada ou relativa, que é quando podem ser
estabelecidas certas comunicabilidades, relativas a determinados bens.
Não se pode esquecer, contudo, a súmula 377 do STF, que determina que os bens
adquiridos na constância do casamento se comunicam, podendo ser partilhados. Desde que
esses bens sejam adquiridos a título oneroso e com esforço comum dos cônjuges.

5.1 Dívidas
Pelas dívidas contraídas antes ou depois do casamento não responde o patrimônio do
outro cônjuge, só o patrimônio daquele que é devedor. Contudo, as dívidas que forem

82
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010. p. 243.

297
contraídas, ainda que sem a autorização do outro cônjuge, em proveito de ambos, ou seja, para
o bem da família, se comunicarão ao outro cônjuge.

5.2 Administração
Cada consorte terá a administração e fruição do que lhe pertence, sem necessidade de
anuência um do outro para alienar ou gravar seus bens (art. 1.687).

5.3 Dissolução
Na dissolução cada um dos consortes retira seu patrimônio próprio. No caso de óbito de
um dos consortes, o outro entrega aos herdeiros o patrimônio do falecido, e, se houver bens
comuns, o administrará até a partilha.

a. Partilha de Bens83:
A partilha de bens decorre do modelo de regime escolhido. Contudo, algumas questões
especiais têm aparecido nas decisões.
Animais. O casal que tiver animais de estimação pode estabelecer não só a
guarda/custódia do bichinho, como também o direito de convivência e o pagamento de
alimentos.
Mancomunhão. Cada cônjuge é proprietário de metade do patrimônio, estando em
condomínio sobre os bens comuns.
Diferença de partilha. Havendo diferença de partilha, incide ITCD, pois entende-se que
houve transmissão gratuita de patrimônio entre os ex-cônjuges.
Uso exclusivo de bem comum. Ao final do relacionamento, se um dos cônjuges ficar
usando, sozinho, bem que é comum, deverá fazer o pagamento pelo uso (sobre a metade do
valor, já que a outra metade lhe pertence) – espécie de indenização.
Sub-rogação. Se um dos cônjuges tiver bens particulares recebidos por doação ou
herança, estes são incomunicáveis. Caso efetue a venda destes e aquisição de outro, com o
produto da venda, também ficará incomunicável, ainda que a aquisição tenha ocorrido durante
o matrimônio. Trata-se de sub-rogação. No caso de a aquisição ocorrer por valor superior ao
valor da venda dos bens particulares, ocorre sub-rogação parcial, devendo haver a partilha do
valor que foi acrescido ao patrimônio.
Dívidas e encargos. As dívidas também são comuns do casal, sempre que contraídas em
benefício da família. No caso de financiamento, deve-se verificar o número de prestações
quitadas durante o matrimônio e o percentual do bem que o valor se refere. A partilha será do
percentual do imóvel que foi quitado durante o relacionamento.

83
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 335-358
298
FGTS, verbas rescisórias e créditos trabalhistas. Com relação ao FGTS, deve-se atentar
para a polêmica existente, pois trata-se de frutos civis, rendimentos do trabalho pessoal,
estando excluído da comunhão, nos termos do art. 1.659, VI, CC. Contudo, a jurisprudência tem
entendido que se os valores, no momento do divórcio, permanecem depositados, são
incomunicáveis. Contudo, se foram levantados para aquisição de algum bem, o imóvel deverá
ser partilhado. Da mesma forma ocorre com as verbas rescisórias e créditos trabalhistas:
transformado em patrimônio = dever de partilhar.
Ativos financeiros. Embora os frutos do trabalho pessoal sejam excluídos da comunhão,
uma vez que tenham sido aplicados em instituições financeiras, deverão ser partilhados. Ex.:
depósito do salário em conta conjunta = partilha desse valor.
Edificação em imóvel de terceiro. Pode ocorrer de o casal construir casa sobre terreno
alheio (normalmente do pai de um deles). No momento da separação, o filho do dono do
terreno permanece com o imóvel. Contudo, terá de indenizar o outro sobre metade do
valor do que a casa agregou sobre o terreno.

TESES DO STJ SOBRE REGIME DE BENS


1) As verbas de natureza trabalhista nascidas e pleiteadas na constância da união estável
ou do casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial ou universal de bens integram
o patrimônio comum do casal e, portanto, devem ser objeto da partilha no momento da
separação.
2) Deve ser reconhecido o direito à meação dos valores depositados em conta vinculada
ao Fundo de Garantia de Tempo de Serviço FGTS auferidos durante a constância da união
estável ou do casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial ou universal de bens,
ainda que não sejam sacados imediatamente após a separação do casal ou que tenham sido
utilizados para aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência da relação.
3) A valorização patrimonial dos imóveis ou das cotas sociais de sociedade limitada,
adquiridos antes do casamento ou da união estável, não deve integrar o patrimônio comum a
ser partilhado quando do término do relacionamento, visto que essa valorização é decorrência
de um fenômeno econômico que dispensa a comunhão de esforços do casal.
4) Os valores investidos em previdência privada fechada se inserem, por analogia, na
exceção prevista no art. 1.659, VII, do Código Civil de 2002, consequentemente, não integram o
patrimônio comum do casal e, portanto, não devem ser objeto da partilha.

05. União estável e Dissolução do casamento


UNIÃO ESTÁVEL:
Houveram diferentes fases na evolução histórica da união estável:
1. REJEIÇÃO: até o início do século XX as relações não matrimoniais eram repugnadas
299
pela sociedade, não sendo aceita como família e associada ao adultério. A ainda chamada
concubina não tinha direito a nada.
2. TOLERÂNCIA (tutela de natureza previdenciária): o quadro anterior começou a se
modificar, sendo a união estável (ainda chamada de concubinato) tolerada como fato da vida.
Surgiram os primeiros direitos dos concubinos: a tutela previdenciária, previsto no art. 3.º, d, da
lei 4.297/63 (esta lei foi revogada pela lei 5.698/71).
3. ACEITAÇÃO COMO FATO SOCIAL (tutela de natureza obrigacional): No princípio as
decisões eram tão somente relacionadas ao patrimônio. Concessão de alimentos “de forma
camuflada”, sob o nome de indenização por serviços domésticos. O objetivo maior era a
vedação do enriquecimento ilícito pelo homem, por se aproveitar do trabalho e da dedicação
da mulher, não podendo abandoná-la sem indenização.
Com o tempo, a justiça passou a reconhecer a existência de sociedade de fato, permitindo
a partilha dos bens, mas exigindo a comprovação de efetiva participação financeira de cada
parte na aquisição dos bens, para que pudessem ser partilhados. Os consortes eram
considerados sócios e a divisão era, portanto, dos lucros, ou seja, dos bens adquiridos durante a
“sociedade”.
Nesse sentido é a súmula 380 do STF:
"Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é
cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido
pelo esforço comum."

Esses subterfúgios eram utilizados para efetivar a partilha do patrimônio e evitar o


enriquecimento ilícito de qualquer dos companheiros.
4. VALORIZAÇÃO (prestígio constitucional): A Constituição Federal introduziu o nome
união estável e incluiu este tipo de relacionamento como entidade familiar. A partir daí outros
relacionamentos passaram a ser protegidos, não só os decorrentes do casamento. Contudo,
nenhum reflexo quanto a direitos foi trazido, já que os litígios relativos às uniões estáveis
continuaram a ser julgados pelas varas cíveis e não pelas de família. Persistia a vedação de
conceder herança ao cônjuge sobrevivente e a negativa de assegurar direito real de habitação
ou usufruto de parte dos bens. Duas leis vieram regulamentar o novo instituto.
Lei 8.971/94 – assegurou o direito a alimentos e à sucessão ao companheiro, exigindo
prazo de 5 anos de convivência ou prole.
Lei 9278/96 – não previu prazo; reconheceu o direito real de habitação e fixou a
competência para julgar litígios dessa natureza nas varas de família. Os bens adquiridos a título
oneroso durante a relação de convivência, passaram a ser entendidos como fruto do esforço
comum, sem necessidade de prova de participação efetiva para que pudesse haver a partilha
igualitária dos bens.
300
Código Civil de 2002 – sistematizou a matéria relativa a união estável, revogando a
legislação anterior. A união estável passou a ser entendida como aquela sem impedimentos
para o matrimônio. Concubinato não é mais sinônimo de união estável, mas se refere àquelas
situações do passado, tratadas como concubinato impuro ou adulterino (quando um dos
parceiros é casado e vive uma outra união fora do casamento).

1. Conceito:
Considerando a decisão do STF na ADIN 4277, o conceito de União estável se modificou,
de forma que GAGLIANO e PAMPLONA FILHO afirmam que é possível se conceituar a “união
estável como uma relação afetiva de convivência pública e duradoura entre duas pessoas, do
mesmo sexo ou não, com o objetivo imediato de constituição de família”.
2. Requisitos e aspectos controvertidos:
São requisitos da união estável, por força do art. 226, § 3.º da CF e do art. 1.723 do CC:
ESTABILIDADE: não é qualquer relacionamento fugaz e transitório que configura a união
estável. A proteção é para aquelas uniões que se apresentam com os elementos do casamento,
ou seja, que tenham por objetivo a constituição de família.
DURADOURA: Assim que deriva da estabilidade a característica de ser DURADOURA. Não
há a estipulação de um prazo, mas a convivência, com intuito de constituir família, por um
período mais ou menos longo é o retrato da estabilidade e da duração da união. Assim, o prazo
é importante, mas não absoluto, eis que podem existir uniões que não possuindo prazo (podem
ser inferiores a 1 ano), possuem o intuito de constituir família, sendo que podem, inclusive, ter
gerado filhos.
CONTINUIDADE: é complemento da estabilidade, de maneira que a união deve ser
contínua, sem interrupções, com ânimo de permanência e definitividade. Contudo, depende de
prova, pois nem sempre um rompimento afasta o conceito de união estável.
DIVERSIDADE DE SEXOS: Em razão da decisão do STF na ADIN 4.277 não mais se exige a
diversidade de sexos.
PUBLICIDADE: é importante a notoriedade da união, ou seja, deve ser uma relação onde o
casal se apresenta como se marido e mulher fossem perante a sociedade.
OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA: esse é o objetivo principal da união estável:
constituir família. Para tanto, não é necessária a existência de prole, mas a união com o objetivo
de constituir família é aquela que se traduz na comunhão de vida e interesses. Aqui entra, por
exemplo, a questão da fidelidade, pois sem ela cai por terra a comunhão de vida, de interesses e
sentimentos.
COABITAÇÃO = tal elemento não é obrigatório, pois existem casos em que existe união
sólida, duradoura e notória, mas onde o casal não reside na mesma casa, sem que, contudo,

301
desconfigure a união estável. Assim, a estabilidade da relação não é afetada por essa
circunstância, quando os companheiros se comportarem, nos espaços públicos e sociais, como
se casados fossem.
Nesse sentido a súmula 382, STF:
A VIDA EM COMUM SOB O MESMO TETO, "MORE UXORIO", NÃO É
INDISPENSÁVEL À CARACTERIZAÇÃO DO CONCUBINATO.

Por ser ato-fato jurídico, a união estável não necessita de qualquer manifestação de
vontade para que produza seus efeitos jurídicos. Basta sua configuração fática. Assim, o
CONTRATO DE NAMORO não tem efeitos, pois não importa o que venha a dispor, se os
requisitos da união estável restarem configurados, poderá haver o reconhecimento
(espontâneo ou judicial), pois ser um ato-fato jurídico, não necessita da vontade das partes para
a configuração. Quanto ao contrato de namoro, segundo Flávio Tartuce e José Fernando Simão,
“é nulo o contrato de namoro nos casos em que existe entre as partes envolvidas uma união
estável, eis que a parte renuncia por esse contrato e de forma indireta a alguns direitos
essencialmente pessoais, como é o caso do direito a alimentos. Esse contrato é nulo por fraude
à lei imperativa (art. 166, VI, do CC), e também por ser o seu objeto ilícito (art. 166, II, do CC)” 84.
Mas qual, então, a diferença entre a união estável e o namoro? Tartuce e Simão (p. 269)
afirmam que a constituição de família é que estabelece esta diferença. Se a constituição de
família é um projeto para o futuro, trata-se de namoro. Se a família já está constituída,
independentemente da existência ou não de filhos, trata-se de união estável.
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE
UNIÃO ESTÁVEL - IMPROCEDÊNCIA - RELAÇÃO DE NAMORO QUE NÃO
SE TRANSMUDOU EM UNIÃO ESTÁVEL EM RAZÃO DA DEDICAÇÃO E
SOLIDARIEDADE PRESTADA PELA RECORRENTE AO NAMORADO,
DURANTE O TRATAMENTO DA DOENÇA QUE ACARRETOU SUA MORTE -
AUSÊNCIA DO INTUITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA - MODIFICAÇÃO DOS
ELEMENTOS FÁTICOS-PROBATÓRIOS - IMPOSSIBILIDADE -
INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7/STJ -
RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - Na hipótese dos autos, as Instâncias
ordinárias, com esteio nos elementos fáticos-probatórios, concluíram, de
forma uníssona, que o relacionamento vivido entre a ora recorrente, F. F.,
e o de cujus, L., não consubstanciou entidade familiar, na modalidade
união estável, não ultrapassando, na verdade, do estágio de namoro, que

84
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: direito de família. 8.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013, p. 2.

302
se estreitou, tão-somente, em razão da doença que acometeu L.; II -
Efetivamente, no tocante ao período compreendido entre 1998 e final de
1999, não se infere do comportamento destes, tal como delineado pelas
Instâncias ordinárias, qualquer projeção no meio social de que a relação
por eles vivida conservava contornos (sequer resquícios, na verdade), de
uma entidade familiar. Não se pode compreender como entidade
familiar uma relação em que não se denota posse do estado de casado,
qualquer comunhão de esforços, solidariedade, lealdade (conceito que
abrange "franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem
dúvida, fidelidade", ut REsp 1157273/RN, Relatora Ministra Nancy Andrighi,
DJe 07/06/2010), além do exíguo tempo, o qual também não se pode
reputar de duradouro, tampouco, de contínuo; III - Após o conhecimento
da doença (final de 1999 e julho de 2001), L. e F. F. passaram a residir, em
São Paulo, na casa do pai de L., sem que a relação transmudasse para
uma união estável, já que ausente, ainda, a intenção de constituir família.
Na verdade, ainda que a habitação comum revele um indício
caracterizador da affectio maritalis, sua ausência ou presença não
consubstancia fator decisivo ao reconhecimento da citada entidade
familiar, devendo encontrar-se presentes, necessariamente, outros
relevantes elementos que denotem o imprescindível intuito de constituir
uma família; IV - No ponto, segundo as razões veiculadas no presente
recurso especial, o plano de constituir família encontrar-se-ia
evidenciado na prova testemunhal, bem como pelo armazenamento de
sêmen com a finalidade única de, com a recorrente, procriar. Entretanto,
tal assertiva não encontrou qualquer respaldo na prova produzida nos
autos, tomada em seu conjunto, sendo certo, inclusive, conforme
deixaram assente as Instâncias ordinárias, de forma uníssona, que tal
procedimento (armazenamento de sêmen) é inerente ao tratamento
daqueles que se submetem à quimioterapia, ante o risco subseqüente
da infertilidade. Não houve, portanto, qualquer declaração por parte de L.
ou indicação (ou mesmo indícios) de que tal material fosse, em alguma
oportunidade, destinado à inseminação da ora recorrente, como sugere
em suas razões. Bem de ver, assim, que as razões recursais, em confronto
com a fundamentação do acórdão recorrido, prendem-se a uma
perspectiva de reexame de matéria de fato e prova, providência
inadmissível na via eleita, a teor do enunciado 7 da Súmula desta Corte;
V - Efetivamente, a dedicação e a solidariedade prestadas pela ora
303
recorrente ao namorado L., ponto incontroverso nos autos, por si só, não
tem o condão de transmudar a relação de namoro para a de união
estável, assim compreendida como unidade familiar. Revela-se
imprescindível, para tanto, a presença inequívoca do intuito de constituir
uma família, de ambas as partes, desiderato, contudo, que não se infere
das condutas e dos comportamentos exteriorizados por L., bem como
pela própria recorrente, devidamente delineados pelas Instâncias
ordinárias; VI - Recurso Especial improvido. (REsp 1257819/SP, Rel.
Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe
15/12/2011)

Aplicam-se à união estável os mesmos impedimentos legais para o casamento. Contudo,


o fato de um dos conviventes estar casado, mas separado de fato ou judicialmente, não obsta a
configuração da união estável.
E quanto às uniões estáveis paralelas ou uniões plúrimas ou múltiplas, ou seja, quando
houver mais de uma união estável, duas famílias paralelas? Neste caso, considerando a
comprovação do início de cada relação, a segunda união não configura união estável, somente
a primeira.
Ex.: (Tartuce85)
Tício, reside na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, vive em união estável,
nesta cidade, com Maria Antônia, desde o ano de 2002. A união apresenta todos os requisitos
constantes na lei civil. Toda a sociedade local reconhece a existência da entidade familiar,
tratando os companheiros como se casados fossem.
Todavia, Tício é viajante e, desde o ano de 2003, encontra-se com Maria Figueiredo todas
as segundas-feiras, na cidade de Franca, onde mantém um escritório. A relação também se
enquadra nos termos do art. 1.723, CC. Tício e Maria Figueiredo têm um filho comum: João
Henrique, de um ano de idade.
Tício mantém ainda uma união pública, notória e contínua com Maria Augusta, na
cidade de Batatais, para onde vai todas as quintas-feiras vender seus produtos. Aliás, Maria
Augusta é dona de um estabelecimento comercial em que Tício consta como sócio. Ambos
têm um negócio lucrativo naquela cidade do interior paulista. O relacionamento amoroso
existe desde 2004.
Por fim, Tício tem um apartamento montado na cidade de São Paulo, onde vai
ocasionalmente, de quinze em quinze dias, a fim de comprar produtos para vender no interior

85
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 341-342.
304
paulista. Nesse apartamento reside Maria Carmem, com quem Tício tem um relacionamento
desde o final do ano de 2004. Essa sua convivente está grávida e espera um filho seu.
No caso hipotético, uma Maria não sabe da existência da outra como convivente de seu
companheiro, até que, um dia, o pior acontece e o mundo desaba.
A partir daí, como ficam os direitos das conviventes? Segundo Tartuce86 existem três
posicionamentos diferentes a esse respeito.
1. Nenhum dos relacionamentos constitui união estável. Como não há lealdade na
relação, não constitui um dos seus requisitos, sem o qual não há a entidade familiar
(posicionamento de Maria Helena Diniz). As conviventes poderão pleitear indenização por
danos morais e materiais, em razão da boa-fé.
2. Aplicação das regras do casamento putativo. Neste caso, como as Marias
estavam de boa-fé e não sabia da existência uma das outras, devem pedir a aplicação analógica
do art. 1.561, CC.
Se não houver filhos em comum o segundo parceiro terá pretensão contra o primeiro no
campo das relações patrimoniais, segundo o modelo do direito das obrigações, quando à
partilha dos bens adquiridos com esforço comum ou à indenização por serviços prestados. Os
filhos comuns terão direito tanto a pretensão de natureza patrimonial, quanto pessoal.
Nesse sentido a jurisprudência do STJ:
União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes.
Equiparação ao casamento putativo. Lei nº 9.728/96.
1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o
posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da
primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher,
não há como configurar união estável concomitante, incabível a
equiparação ao casamento putativo.
2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. REsp 789.293/RJ. Rel.
Min. Carlos Alberto Menezes Direito. j. 15/02/2006).

No mesmo sentido tem ocorrido quando há um casamento e uma união estável paralelas.
Os Tribunais Superiores não tem reconhecido o direito da segunda companheira, não
reconhecendo, nesta relação, uma união estável, mas sim, o concubinato.
DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO
DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. HOMEM CASADO.

86
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 342-349.

305
OCORRÊNCIA DE CONCUBINATO. INDAGAÇÕES ACERCA DA VIDA
ÍNTIMA DOS CÔNJUGES.
IMPERTINÊNCIA. INVIOLABILIDADE DA VIDA PRIVADA. SEPARAÇÃO DE
FATO NÃO PROVADA. ÔNUS DA PROVA QUE RECAI SOBRE A AUTORA
DA AÇÃO.
1. A jurisprudência do STJ e do STF é sólida em não reconhecer como
união estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao
casamento, quando não estiver provada a separação de fato ou de
direito do parceiro casado.
2. O acórdão recorrido estabeleceu que o falecido não havia desfeito
completamente o vínculo matrimonial - o qual, frise-se, perdurou por
trinta e seis anos -, só isso seria o bastante para afastar a caracterização
da união estável em relação aos últimos três anos de vida do de cujus,
período em que sua esposa permaneceu transitoriamente inválida em
razão de acidente. Descabe indagar com que propósito o falecido
mantinha sua vida comum com a esposa, se por razões humanitárias ou
qualquer outro motivo, ou se entre eles havia "vida íntima".
3. Assim, não se mostra conveniente, sob o ponto de vista da
segurança jurídica, inviolabilidade da intimidade, vida privada e
dignidade da pessoa humana, discussão acerca da quebra da affectio
familiae, com vistas ao reconhecimento de uniões estáveis paralelas a
casamento válido, sob pena de se cometer grave injustiça, colocando em
risco o direito sucessório do cônjuge sobrevivente.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1096539/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 25/04/2012)

3. Reconhecimento de todas as relações como uniões estáveis e todos os direitos daí


advindos. Esse entendimento, contudo, despreza a questão da lealdade e ignora a
caracterização da união estável, que deve ser exclusiva. É o posicionamento defendido por
Maria Berenice Dias.
* Para todos verem: esquema

306
3. Efeitos:
A união estável gera efeitos a partir do seu início. Contudo, bastante difícil estabelecer
seu prazo inicial. Assim, o início da união estável é o início da convivência dos companheiros.
Havendo coabitação mais fácil a identificação do momento de início da produção de efeitos.
Não havendo, necessário identificar o tempo em que os companheiros passaram a viver como
se marido e mulher fossem perante as relações sociais. A prova pode ser feita por
correspondências, fotos, documentos de viagens, etc. No caso de companheiro casado, para a
configuração do início da união estável com outrem é necessária, no mínimo, a separação de
fato. Não há distinção entre os filhos advindos de relações matrimoniais e filhos advindos de
relação de união estável. Assim, quanto a direitos pessoais aplicam-se
as mesmas regras quanto a poder familiar, filiação, adoção, etc. (art. 1.724).

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Lei dos Registros Públicos (art. 57) – permite que um companheiro adote o sobrenome do
outro se forem (ambos ou um apenas) separado de fato ou judicialmente, pois tal fato
configura impedimento para o matrimônio.
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL.
ALTERAÇÃO DO ASSENTO REGISTRAL DE NASCIMENTO. INCLUSÃO DO
PATRONÍMICO DO COMPANHEIRO. POSSIBILIDADE.
Pedido de alteração do registro de nascimento para a adoção, pela
companheira, do sobrenome de companheiro, com quem mantém
união estável há mais de 30 anos. A redação do o art. 57, § 2º, da Lei
6.015/73 outorgava, nas situações de concubinato, tão somente à mulher,
a possibilidade de averbação do patronímico do companheiro, sem
prejuízo dos apelidos próprios, desde que houvesse impedimento legal
para o casamento, situação explicada pela indissolubilidade do
casamento, então vigente. A imprestabilidade desse dispositivo legal
para balizar os pedidos de adoção de sobrenome dentro de uma união
estável, situação completamente distinta daquela para qual foi
destinada a referida norma, reclama a aplicação analógica das
disposições específicas do Código Civil relativas à adoção de sobrenome
dentro do casamento, porquanto se mostra claro o elemento de
identidade entre os institutos e a parelha ratio legis relativa à união
estável, com aquela que orientou o legislador na fixação, dentro do
casamento, da possibilidade de acréscimo do sobrenome de um dos
cônjuges, pelo outro. Assim, possível o pleito de adoção do sobrenome
dentro de uma união estável, em aplicação analógica do art. 1.565, § 1º, do
CC-02, devendo-se, contudo, em atenção às peculiaridades dessa relação
familiar, ser feita sua prova documental, por instrumento público, com
anuência do companheiro cujo nome será adotado.
Recurso especial provido. (REsp 1206656/GO, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 11/12/2012)

Se, contudo, forem ambos livres e desimpedidos para casar, não poderão se valer desse
direito.
REGIME DE BENS: comunhão parcial ou qualquer outro convencionado formalmente
pelos conviventes. Em razão disto, qualquer alienação depende da autorização do outro
companheiro, sob pena de possibilidade de anulação do ato. O terceiro de boa-fé tem direito,
no caso de anulação, de pleitear do cônjuge que lhe vendeu o bem, o ressarcimento dos valores
pagos e indenização por perdas e danos. Necessidade de registrar o contrato no registro de
308
imóveis para que as cláusulas estabelecidas tenham validade contra terceiros. Se não for
registrado o contrato, para efeitos contra terceiros, presume-se a comunhão parcial de bens, de
modo que poderá haver a penhora de parte de um imóvel adquirido depois da união, para
pagamento de dívida de um dos companheiros (mesmo que o regime estabelecido no
contrato – e não registrado – seja o da separação de bens).
Deve-se observar, ainda, que o CPC/2015, no art. 73, § 3.º, exige a aquiescência do
convivente em união estável nas ações que versarem sobre direitos reais imobiliários, desde
que a união estável esteja comprovada nos autos.
O STJ tem tese no sentido de que se aplica à união estável o regime legal obrigatório da
separação de bens (art. 1.641): “Na união estável de pessoa maior de setenta anos (art. 1.641, II, do
CC/02), impõe-se o regime da separação obrigatória, sendo possível a partilha de bens
adquiridos na constância da relação, desde que comprovado o esforço comum.”
Se a união estável iniciou-se antes da entrada em vigor do CC, a ela também se aplica o
regime da comunhão parcial de bens, salvo se os companheiros estipularam algo em contrário.

4. Contrato de convivência:
Aos conviventes é lícito estabelecerem convenções por escrito quanto ao direito
patrimonial, assim como ocorre com o casamento, sendo aplicado, supletivamente, as regras
quanto aos regimes de bens. Não é necessária escritura pública, podendo ser feito por
documento particular. Para que tenha eficácia contra terceiros, é preciso que o contrato de
convivência seja feito por escritura pública ou registrado no Cartório de Títulos e Documentos.
IMPORTANTE (Tartuce87): “no caso de dois nubentes que celebraram um pacto
antenupcial por escritura pública no Tabelionato de Notas. O casamento não se realiza, o que
faz com que o pacto não tenha eficácia, para fins de casamento. Todavia, se ambos passarem a
viver em união estável, o pacto antenupcial vale e gera efeitos como se fosse um contrato de
convivência”.
Aplicam-se subsidiariamente as normas aplicáveis aos pactos antenupciais, ou seja, não
podem ser fixadas cláusulas que nos pactos também são vedadas. Dessa maneira, só são
permitidas cláusulas que estabeleçam quanto ao regime de bens dos companheiros e nada
mais. Pode ser estabelecido pelos companheiros, no contrato de união estável, que o regime de
bens seja retroativo, mas tem como limite a proteção dos interesses de terceiros de boa-fé. No
caso de ausência desse pacto escrito, aplicam-se as regras pertinentes ao regime da comunhão
parcial de bens.

87
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 161.

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5. Alimentos:
Qualquer dos companheiros, em caso de necessidade, pode exigir do outro alimentos (art.
1.694). Basta que seja comprovada, em ação pertinente, a necessidade. Essa ação pode ser tanto
a que visa o reconhecimento e a dissolução da união estável, quanto a ação de alimentos
propriamente dita.

6. Direito sucessório:
O direito sucessório dos conviventes era tratado pelo art. 1.790 do CC, que acabou sendo
declarado inconstitucional pelo STF em maio de 2017. Sendo assim, atualmente aplica-se à
sucessão do companheiro, a mesma regra da sucessão do cônjuge.

7. Conversão em casamento:
O art. 1.726 dispõe que a união estável poderá ser convertida em casamento, mediante
pedido dos companheiros ao juiz e assento no registro civil. Contudo, deve-se observar que essa
disposição não dispensa os procedimentos preliminares e o processo de habilitação do
casamento.
Na conversão há dispensa da celebração do casamento, mas da habilitação, não. Há, sim,
uma simplificação na habilitação, pois a união estável pressupõe que a união tenha sido
constituída sem violação aos impedimentos matrimoniais, tornando desnecessária publicação
de edital. O único impedimento é quanto ao convivente que estivesse separado de fato ou
judicialmente no início da união estável, quando terá de comprovar que já se encontra
divorciado, para possibilitar o casamento.
O pedido deve ser feito por ambos os conviventes ou por procuradores com poderes para
tanto. Feita prova da união estável o juiz determinará o registro do casamento.
A conversão não produz efeitos retroativos. As relações pessoais e patrimoniais da
união estável permanecerão desde seu início até a conversão em casamento. A partir daí os
efeitos do casamento passarão a viger. Assim, se os cônjuges estabelecerem o regime da
separação total de bens, por pacto antenupcial, os bens adquiridos durante a união estável
ingressam no regime legal da comunhão parcial, permanecendo em condomínio e, em caso
de dissolução, serão partilhados igualitariamente. HÁ DIVERGÊNCIAS, POIS ROLF MADALENO
ENTENDE QUE HÁ A RETROATIVIDADE DO CASAMENTO ATÉ A DATA DO INÍCIO DA UNIÃO
ESTÁVEL. DESSA FORMA, TAMBÉM O REGIME DE BENS RETROAGIRÁ A DATA DO INÍCIO A
UNIÃO ESTÁVEL.

310
8. Dissolução e partilha de bens:
Quando houver a dissolução da união estável, o quadro assemelha-se a separação
consensual ou litigiosa. Contudo, termina da mesma maneira que inicia, sem qualquer ato
jurídico ou decisão judicial, bastando a separação de fato.
A dissolução pode ser amigável ou litigiosa. Se for amigável os conviventes poderão fazer
documento escrito (público ou particular). No caso de dissolução litigiosa, se não houver
contrato de união estável, será necessária a ação de reconhecimento e dissolução da união
estável. Na partilha de bens, reconhecida a união estável, aplica-se os princípios da comunhão
parcial (art. 1.725 + art. 1.658 e seguintes), se não houver contrato em contrário.

TESES DO STJ SOBRE UNIÃO ESTÁVEL


1) A coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável.
2) A vara de família é a competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e
dissolução de união estável homoafetiva.
3) Não é possível o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas.
4) A existência de casamento válido não obsta o reconhecimento da união estável, desde
que haja separação de fato ou judicial entre os casados.
5) Na união estável de pessoa maior de setenta anos (art. 1.641, II, do CC/02), impõe-se o
regime da separação obrigatória, sendo possível a partilha de bens adquiridos na constância da
relação, desde que comprovado o esforço comum.
6) São incomunicáveis os bens particulares adquiridos anteriormente à união estável ou
ao casamento sob o regime de comunhão parcial, ainda que a transcrição no registro
imobiliário ocorra na constância da relação.
7) O companheiro sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel no qual
convivia com o falecido, ainda que silente o art. 1.831 do atual Código Civil.

DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL


O divórcio é uma dissolução voluntária do casamento, com a extinção do vínculo conjugal.
Decorre da simples vontade das partes, sem causa específica (já que não se presta para discutir
as razões do fim do casamento), permitindo, após sua decretação, a constituição de novos
vínculos matrimoniais.

1. Evolução histórica do divórcio no Brasil:


Para que se compreenda o atual estágio da extinção do vínculo conjugal no sistema
jurídico brasileiro, necessário se faz uma análise histórica acerca do divórcio no país. São claras
as fases pelas quais o Brasil passou, no que se refere ao divórcio: vai desde a indissolubilidade

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absoluta do vínculo conjugal, com a ausência do divórcio, até o divórcio direto, sem exigência
de prévia separação, introduzido pela chamada “PEC DO AMOR”.

1.1. Indissolubilidade absoluta do vínculo conjugal (ausência de divórcio)


O casamento inicialmente somente podia ser dissolvido pela morte ou reconhecimento
de nulidade. Código de 1916 previu o desquite que dissolvia a sociedade conjugal, mas
mantinha o vínculo conjugal, impossibilitando os cônjuges a contraírem novos casamentos.

1.2. Lei do Divórcio: possibilidade jurídica do divórcio, com necessidade da


separação judicial prévia
Lei do Divórcio (6.515/77) – substituiu o desquite por separação judicial e introduziu a
possibilidade de dissolução do vínculo matrimonial pelo divórcio (separação prévia, transcurso
de 3 anos do trânsito em julgado, etc). Adoção de um modelo dual.

1.3. A ampliação da possibilidade do divórcio: o divórcio direto e o divórcio


extrajudicial
CF/88 – previsão do divórcio direto, desde que houvesse separação de fato há mais de 2
anos – art. 226, § 6.º (redação originária).
Lei 11.441/2007 – estabeleceu a possibilidade de a separação e o divórcio consensuais
serem feitos administrativamente, via escritura pública, no Tabelionato de Notas (art. 733,
CPC/2015), desde que não existam filhos menores ou incapazes.

1.4. O atual estágio do divórcio no Brasil – a “PEC DO AMOR”


EC 66 (julho/2010) – “PEC DO AMOR” ou “PEC DO DIVÓRCIO” – alterou o § 6.º do art. 226 da
CF e o sistema de dissolução do matrimônio, deixando de contemplar a separação judicial ou
fática como requisito para a extinção do vínculo conjugal. O casamento pode ser dissolvido pelo
divórcio, sem a necessidade de implementação de qualquer prazo para tato (tanto consensual
quanto litigioso).

1.5. O atual estágio do divórcio no Brasil – o retrocesso do CPC/2015


Deve-se destacar que o CPC/2015 já nasceu atrasado, em termos de normas de direito de
família. Embora a EC 66/2010 tenha retirado os prazos de separação prévia para a realização do
divórcio, o novo CPC traz em seu conteúdo normas processuais de trâmite das ações de
separação judicial. O art. 731 e seguintes, CPC/2015 tratam da separação consensual. Por sua vez,
o art. 693 e seguintes, CPC/2015, tratam do procedimento para a separação judicial litigiosa,
prevendo o incentivo às audiências de conciliação e mediação.

312
2. Modelo dual ou não?
Em razão da alteração trazida pela EC 66 ao ordenamento jurídico brasileiro, há
discussões se permanece vigente o modelo dual de dissolução do casamento no Brasil, ou seja,
separação e do divórcio. Deve-se observar, contudo, que a separação apenas coloca fim na
sociedade conjugal, mas não extingue/dissolve o vínculo matrimonial, que apenas ocorrerá
com o divórcio.
Há, nesse aspecto, grandes discussões, na atualidade, sobre a manutenção ou não desse
sistema dual.
Alguns entendem que com a alteração introduzida pela EC 66/2010, houve a derrogação
das disposições infraconstitucionais contrárias, ou seja, a parte do Código Civil que dispõe sobre
a dissolução do casamento através da separação, estaria derrogado. Outros, no entanto,
entendem que a separação se mantém no sistema jurídico e que cabe às partes decidirem o
que pretendem: romper com a relação matrimonial (entrar com separação e respeitar o CC) ou
com o vínculo conjugal (entrar com divórcio, nos termos da EC 66/2010).

3. Separação de fato:
A separação de fato é o que realmente coloca um ponto final no casamento, podendo
resultar de decisão conjunta do casal ou da iniciativa de um dos cônjuges. Todas as
conseqüências dessa situação fática passam a correr da ruptura da união, ou seja, da separação
de fato. A separação de fato não exige que o casal já se encontre residindo em residências
distintas, sendo aceita a separação de fato de casais que ainda residem sob o mesmo teto. Com
o término do casamento pela separação de fato as partes podem, inclusive, constituir novo
relacionamento, através da união estável.
A separação de fato faz cessar o dever de vida em comum, configurando requisito
suficiente para o fim do regime de bens. Este é o momento da apuração dos bens para efeitos
de partilha (ex.: participação final nos aquestos – art. 1.683).

4. Separação Judicial:
A separação é o gênero do qual a separação consensual e a litigiosa são as espécies. É
uma forma de dissolver a sociedade conjugal, romper com os deveres do casamento. NÃO
ROMPE O VÍNCULO MATRIMONIAL.
É a dissolução do vínculo conjugal, da sociedade conjugal decretada e homologada pelo
juiz, sem a extinção do vínculo matrimonial.
Tem caráter pessoal, personalíssimo, não podendo o Pai, por exemplo, buscar a separação,
através de ação judicial, em nome da filha. Pode, contudo, nos termos do art. 1.576, § único, a

313
ação ser feita por outra pessoa (curador, ascendente ou irmão), no caso de um dos cônjuges ser
incapaz. Só cabe em caso de separação judicial, pois na extrajudicial os cônjuges devem estar
em pessoa presentes na frente do Tabelião.

4.1. Separação consensual:


É o acordo entre duas partes que tem por objetivo por fim à sociedade conjugal. É
negócio jurídico bilateral, sendo válido a partir da declaração livre e consciente de ambas as
partes.
Se ambos os cônjuges pretenderem por fim ao vínculo conjugal e não quiserem esperar o
tempo de 2 anos para o divórcio direto, poderão optar pela separação consensual, mediante
requerimento assinado por ambos os cônjuges e por seus advogados e submetido à
homologação do juiz.

4.1.1. Requisitos – art. 1.574:


São requisitos para a separação consensual (art. 1.574, CC):
a) Manifestação de ambos os cônjuges;
b) Transcurso do tempo de um ano da celebração do casamento;
c) Preservação dos interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.

4.2. Separação judicial litigiosa:


Se não houver possibilidade de consenso para a separação do casal, o conflito deverá ser
resolvido pelo juiz, através da separação litigiosa.
Neste caso um dos cônjuges assume a posição de autor e o outro de réu, sendo que o
autor deverá fundamentar seu pedido na ocorrência de uma causa objetiva ou subjetiva.
Se um dos cônjuges não puder (interdição), será representado por curador, ascendente
ou irmão (art. 1.576, § único) – trata-se de substituição processual. Só cabe na separação litigiosa.

4.2.1. Causas objetivas:


a) Ruptura da vida em comum há mais de um ano: Separação-falência. Art. 1.572, § 1.º.
b) Doença mental de um dos cônjuges, deflagrada depois do casamento: doença deverá
ser grave e sua superveniência deve ocorrer após o casamento (se a doença for anterior, mas
descoberta pelo outro cônjuge depois, é causa de anulação). Ex.: esquizofrenia. Além disso,
outros requisitos também devem estar presentes no laudo: que a doença torne insuportável a
vida em comum e que ela seja considerada incurável, após dois anos da sua manifestação
inicial. Separação-remédio. Art. 1.572, § 2.º. Neste caso, o art. 1.572, § 3.º estabelece que a partilha
de bens será diferenciada. Isto porque o legislador quer evitar esse tipo de desfazimento da

314
união, pois é como se um dos cônjuges estivesse se negando a prestar mútua assistência ao
outro. Então, na dissolução a partilha ficará da seguinte forma: reverterão em favor do enfermo,
que não pediu a separação, o remanescente dos bens que levou para o casamento (comunhão
universal) e se o regime permitir, a meação dos bens adquiridos na constância do casamento.

4.2.2. Causas subjetivas:


Neste caso, um dos cônjuges impõe ao outro a culpa pela separação. Separação-sanção.
São causas subjetivas:
a) Grave violação dos deveres conjugais: Os deveres do casamento estão no art. 1.566, ou
seja, fidelidade recíproca, vida em comum, domicílio conjugal, mútua assistência, sustento,
guarda e educação dos filhos e respeito e consideração mútuos. Art. 1.572, caput.
b) Insuportabilidade da vida em comum.
c) Adultério. Art. 1.573, I.
d) Tentativa de morte: Não é necessária a conclusão do processo penal, sendo
suficientes as provas produzidas no inquérito policial, por exemplo. Art. 1.573, II.
e) Sevícia ou injúria grave: sevícias são maus tratos, atos de crueldade ou tortura física
ou mental cometido por um cônjuge contra outro. A prova se dá pelo exame de corpo de delito
(constituem crime). Injúria grave é a violação da honra, reputação, dignidade ou integridade
moral cometida por um cônjuge contra outro. É a atribuição de uma qualidade negativa de um
contra o outro, não admitindo exceção da verdade (só na calúnia). Art. 1.573, III.
f) Abandono do lar conjugal: afastamento físico e moral do cônjuge da unidade familiar
sem motivo justificável, por mais de 1 ano. Não há abandono se esse afastamento se der em
razão de trabalho. Também não configura abandono de lar se um dos cônjuges sair de casa por
medo de ofensas físicas ou morais ou ameaças praticadas pelo outro cônjuge. Art. 1.573, IV.
g) Condenação por crime infamante: crime infamante é o que repercute no âmbito
pessoal e familiar do autor do crime, ou seja, prejudicará a boa fama da família do autor do fato.
Deve ter havido o trânsito em julgado da sentença. Ex. de crimes infamantes: tortura, tráfico de
drogas, terrorismo, latrocínio, ... Art. 1.573, V.
h) Conduta desonrosa: é a que recebe desaprovação social, por afrontar os bons
costumes e a moral social da comunidade onde vivem os cônjuges. Não é a prática de ato
ilícito, mas de ato moralmente reprovável. Art. 1.573, VI.
i) Outros fatos que impossibilitem a vida em comum: é cláusula aberta ao
convencimento judicial, bastando o desaparecimento do affectio societatis, sem necessidade
de devassa da intimidade do casal. Art. 1.573, § único.

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Na realidade, todas essas causas podem ser concentradas nos itens “b” ou “i” quando a
separação for irreversível e impossível a reconciliação.
Sempre que ficar caracterizada a insuportabilidade ou a impossibilidade da vida em
comum o juiz deve decretar a dissolução judicial, sem investigar a culpa de um ou outro
cônjuge e sem o requisito do prazo anual da separação de fato (art. 1.572, caput).
Na separação judicial litigiosa cabe ao autor comprovar a culpa do outro cônjuge,
imputando-lhe a causa que levou à dissolução da sociedade conjugal.
Na inicial o autor deve estabelecer todas as cláusulas da separação (alimentos, guarda,
nome do cônjuge, partilha de bens, direito de visitas, etc.), para que se possa discutir ou
conciliar sobre essas cláusulas no correr da ação.
Se na inicial o autor alegar a culpa do outro pelo fim do casamento, na contestação, o
outro poderá alegar que a culpa não era dele, mas sim do autor, fazendo prova nesse sentido.

4.3. Efeitos da sentença de separação:


a) Dissolução da sociedade conjugal – principal efeito.
b) Extinção do regime de bens – provocando a partilha. Não é necessária a partilha na
separação, podendo ser feita após a separação.

c) Uso do sobrenome – o CC vinculou o direito a manter o sobrenome do outro à


ocorrência ou não de culpa por parte do portador. Assim, se o portador for inocente, poderá
manter o sobrenome do outro se desejar ou voltar ao nome de solteiro. Se for culpado,
obrigatoriamente deverá voltar ao nome de solteiro. Contudo, a perda não é admitida se o
sobrenome do outro já tiver integrado a identidade do portador, especialmente quanto as
atividades profissionais, de modo que se houver a mudança haverão sérios prejuízos ao
portador.
Ainda assim, sempre dependerá de requerimento do cônjuge inocente, para que isso se
proceda.
Art. 1.578, § 1.º - a qualquer momento o cônjuge inocente poderá renunciar o sobrenome
do outro.
d) Poder familiar – o poder familiar não se altera em razão da separação. A definição da
guarda para um dos cônjuges não impede o acesso do outro aos filhos, nem às decisões que
emanam do poder familiar.

4.4. Reconciliação – art. 1.577:


Os separados judicialmente poderão a qualquer tempo requerer em juízo o
restabelecimento da sociedade conjugal, pois ela foi apenas dissolvida e não o casamento (o
casamento só é dissolvido pelo divórcio). Bastará que façam uma petição ao juiz, que

316
determinará a expedição de novo mandado para averbação no Registro, restabelecendo o
vínculo. No entanto, são ressalvados os direitos de terceiros. O regime de bens será o mesmo.
Para que haja a mudança, só com petição nesse sentido (art. 1.639, § 2.º). A reconciliação não
dispõe de eficácia retroativa. Os bens adquiridos na constância da separação não se
comunicam. Se tiver sido convertida a separação judicial em divórcio não mais será possível o
restabelecimento, sendo necessário novo casamento, inclusive com o processo de habilitação.
Obs.: o divórcio não permite reconciliação!

5. Divórcio:
O divórcio é o meio voluntário de dissolução do casamento. Possui fundamento
constitucional. Será nos termos dos arts. 731 e ss, CPC/2015. Em razão da EC 66/2010 para que as
partes possam requerer o divórcio, não mais existem requisitos de prévia separação judicial ou
de separação de fato por 2 anos. Pode ser requerido a qualquer tempo: no mesmo dia ou no dia
seguinte ao casamento. O CPC/2015, no entanto, previu, ainda, o processo de separação
consensual (arts. 693 a 699, CPC/2015 – processo litigioso e arts. 731 a 734, CPC/2015 – processo
consensual).

DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL SOBRE DIVÓRCIO:

5.1. Divórcio direto – art. 1.580, § 2.º:


Tem como causa objetiva a separação de fato há dois anos.
Pode ser consensual ou litigioso. Será consensual quando os cônjuges acordarem quanto
às cláusulas estabelecidas (guarda de filhos, alimentos, manutenção ou não do sobrenome,
etc). Existe a presunção da separação de fato alegada pelos cônjuges no pedido. Contudo, o juiz
pode exigir que os cônjuges comprovem que a separação de fato já ultrapassou o prazo de 2
anos, o que poderá ser feito através de declaração de testemunhas, por exemplo. Essa
declaração poderá ser em audiência ou via documento escrito, com firma reconhecida (só para
o consensual). O divórcio direto consensual visa obter do juiz a homologação judicial, não se
aplicando a regra do art. 1.574, § único do CC (só se aplica à separação). Assim, o juiz só verificará
a configuração dos requisitos legais indispensáveis e homologará o divórcio, sem julgar se o
acordo preserva os interesses dos filhos de um dos cônjuges.
Será litigioso quando não houver acordo sobre essas questões, remetendo ao juiz para a
decisão sobre as divergências. Não se admite discussão de culpa pelo fim do matrimônio (esta é
a função da separação). O pedido deve comprovar a existência de casamento e de separação de
fato por mais de 2 anos. O cônjuge-réu apenas pode contestar quanto ao prazo legal, nada
mais, já que não se admite discussão de culpa pela ruptura do casamento. Admite-se a
existência de audiência de tentativa de conciliação promovida pelo juiz. Se os cônjuges não

317
chegarem a um acordo, o juiz decidirá sobre as questões decorrentes do divórcio (guarda,
alimentos, manutenção ou não do sobrenome, etc.).
O divórcio consuma-se pelo trânsito em julgado da sentença, que deverá ser registrada
no cartório.

5.2. Divórcio indireto (por conversão) – art. 1.580:


Deriva da ocorrência de dois fatores: a) prévia separação judicial (consensual ou litigiosa);
b) transcurso do prazo de 1 ano após o trânsito em julgado da sentença de separação ou da
decisão que determinou a separação de corpos. Pode ser tanto litigioso quanto consensual,
dependendo de haver ou não acordo entre os separados para participar do pedido de divórcio.
A prova a ser feita é documental, baseada na sentença que decreta a separação do casal. Se
confirmar o transcurso do prazo, o juiz deverá decretar o divórcio e determinar a anotação do
registro público.
5.3. Partilha de bens no divórcio:
A partilha de bens é decorrência do divórcio judicial, mas não é pré-requisito para sua
concessão (art. 1.581). Assim, a partilha poderá ocorrer por acordo das partes antes, durante ou
após o trânsito em julgado do divórcio. É possível realizer divórcio sem prévia partilha de bens
(a partilha pode ser feita, posteriormente, em ação autônoma).

5.4. Legitimação para pedir o divórcio – art. 1.582:


Em regra, apenas os próprios cônjuges podem pedir o divórcio. Contudo,
excepcionalmente poderão ser representados, como no caso do cônjuge declarado incapaz ou
que, por uma circunstância ocasional, não possa ajuizar diretamente a ação ou defender-se,
será representado por curador, ou por ascendente ou pelo irmão.

5.5. Efeitos:
O maior efeito do divórcio é a dissolução do casamento (a sociedade conjugal termina
com a separação, mas o vínculo do casamento só com o divórcio). Quanto ao nome, poderá
manter, salvo disposição em contrário. Art. 1.571, § 1.º. Contudo, quanto ao poder familiar,
independentemente da modalidade de divórcio, não há alteração, exceto quanto ao tipo de
guarda que ficar acordado ou decidido pelo juiz. Ainda assim, a guarda exclusiva de um dos
pais não retira do outro o direito de acesso do filho ao pai não guardião e deste àquele ou o
direito-dever do pai não guardião de participar da formação moral, religiosa e intelectual do
filho (art. 1.579).

5.6. Divórcio realizado no exterior:

318
Se o divórcio for realizado no exterior, sendo um ou ambos os cônjuges brasileiros, os
efeitos ficam suspensos por um ano da data da sentença judicial. Lei 12.036/2009. Essa regra
não se aplica se o direito estrangeiro também fizer a previsão de prévia separação judicial e
houver transcorrido o prazo de 1 ano da respectiva sentença, de maneira que produzirá efeitos
diretos no Brasil. Contudo, com a EC 66/2010, entende-se que este prazo de suspensão não
precisa ser cumprido88. Em qualquer hipótese, contudo, deverá haver a homologação da
sentença estrangeira pelo STJ. Assim, o casamento do divorciado no exterior sem que tenha
havido homologação do divórcio pelo STJ é nulo.

6. Cláusulas a serem estabelecidas no divórcio


São fatores indispensáveis para regulação da separação consensual:
a) Guarda dos filhos: modo de exercício do poder familiar sobre os filhos. Poderá ser
compartilhada (quando Pai e Mãe são responsáveis pela educação e criação dos filhos) ou
exclusiva (viverá na casa de um dos pais
– o que será o detentor da guarda –, que será responsável pela criança e esta usufruirá da
presença do outro genitor através das visitas). OBS.: No Brasil não é possível a guarda alternada
(a criança viverá sucessivamente, por longos períodos de tempo na casa de cada um dos
genitores; cada genitor exercerá alternadamente a guarda dos filhos).
b) Partilha de bens: pode ser igualitária ou beneficiar integralmente um dos cônjuges,
devendo ser respeitada a liberdade destes. Poderá haver a separação consensual sem que haja
a partilha dos bens. Ela poderá ser feita no divórcio ou até mesmo depois deste, através de um
pedido específico ao juiz para homologação do acordo.

c) Visitas: art. 1.589. No caso de a guarda ficar exclusivamente com um dos genitores, o
outro deverá ter direito de visitas, que deverá ser estipulado na separação a forma que se dará
(livre ou com hora marcada). A lei 12.398/2011 estabeleceu o direito de visitas extensivo aos avós,
no caso de ser benéfico à criança e/ou adolescente.
d) Dever alimentar: Deve ser fixado tanto em favor dos filhos, quanto com relação ao
casal, podendo haver a dispensa mútua dos alimentos (quanto ao casal, não quanto aos filhos).
Por quê? Pois decorrem do parentesco e são irrenunciáveis.

e) Nome do cônjuge: art. 1.578. Poderá haver a continuidade ou não do uso do


sobrenome de um dos cônjuges pelo outro. A regra é que o nome de casado seja retirado.
Contudo, esta regra não se aplica quando o sobrenome do cônjuge já foi incorporado ao nome
do separando/divorciando, em razão dos direitos da personalidade. Dessa forma, desimporta

88
CAHALI, Yussef Said. Separações conjugais e divórcio. 12.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p. 1048-1050

319
discutir culpa pelo fim do relacionamento. Se houver a configuração de alguma das hipóteses
do art. 1.578, CC, deverá ser mantido o sobrenome do cônjuge.

7. A possibilidade de julgamentos parciais no divórcio – art. 356, CPC/2015


O art. 356 do CPC/2015 estabelece a possibilidade de julgamento parcial de mérito nas
ações, incluindo-se, aqui, as situações de divórcio. Assim, se a ação de divórcio é cumulada com
guarda, alimentos, visitas, uso do nome, etc., havendo o acordo sobre o divórcio, pode o juiz
decretá-lo e manter o processo em tramitação apenas sobre as questões controversas.
Neste sentido, cabe o julgamento parcial do mérito quando o pedido ou parte dele: a)
mostrar-se incontroverso; b) estiver em condições de imediato julgamento (por desnecessidade
de produção de provas ou revelia).

8. A possibilidade de pleito de alimentos após o divórcio


Uma vez que tenha sido decretado o divórcio do casal, desaparece o vínculo familiar que
dava fundamento ao pleito de alimentos, nos termos do art. 1.694, CC. Contudo, tem ganhado
corpo a tese de que mesmo após o divórcio seria possível fundamentar pedido de alimentos,
em situações em que os ex-cônjuges mutuamente tivessem dispensado os alimentos, em
razão do princípio da solidariedade, previsto no art. 3.º, I, CF. Esta tese vem sendo defendida por
Maria Berenice Dias89 e Flávio Tartuce90 denomina-os de alimentos pós-divórcio.

9. Separação e Divórcio Extrajudiciais – art. 733, CPC/2015


A lei 11.441/2007 introduziu a possibilidade de o divórcio ou a separação consensuais
serem feitos via escritura pública, através do Tabelionato de Notas.
Requisitos para o divórcio e separação extrajudiciais:
a) Consenso;
b) Inexistência de filhos incapazes ou nascituros (novo CPC) – cabe, neste caso, emancipar
os filhos menores de idade para a realização do divórcio extrajudicial – o CPC/2015 retirou o
termo menores, deixando os incapazes e incluindo os nascituros;
c) Observância do prazo de 1 ano da celebração do casamento para o caso de separação;
COM A EC 66 NÃO MAIS É EXIGIDO.
d) Observância do prazo de 2 anos de separação de fato para o divórcio; COM A EC 66
NÃO MAIS É EXIGIDO.

89
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 566-568.
90
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 276.

320
e) Assistência de advogado.
Quanto as cláusulas, a escritura deve expressar a livre decisão do casal quanto aos
alimentos – poderá haver estipulação de um em favor do outro ou mútua dispensa –, descrição
e partilha dos bens comuns, estipulação quanto a mantença ou mudança do sobrenome do
outro.
Enunciado 571: Se comprovada a resolução prévia e judicial de todas as
questões referentes aos filhos menores ou incapazes, o tabelião de notas
poderá lavrar escrituras públicas de dissolução conjugal.

Havendo discordância com relação a qualquer dessas cláusulas o Tabelião não poderá
lavrar a escritura.
Havendo transmissão de bens de um para o outro (no caso de os bens ficarem para um
dos cônjuges apenas), ou seja, quando a partilha não for igualitária, incidirá o ITBI (Imposto de
Transmissão de Bens Imóveis), que deverá ser pago e consignado na escritura, em razão da
diferença de partilha.
No caso do divórcio extrajudicial o Tabelião deve consignar na escritura, pelo menos, o
depoimento de uma testemunhas, que prove que o casal está separado de fato a mais de 2
anos. COM A EC 66 NÃO MAIS É EXIGIDO.
No caso de separação e divórcio extrajudiciais a partilha dos bens não poderá ser feita
após, ou seja, na mesma escritura que faz a separação ou divórcio já deve ser feita a partilha dos
bens, pois na escritura pública não podem ficar pendências remetidas à decisão judicial (por
isso da concordância dos cônjuges quanto a todas as cláusulas do ato).
Os efeitos do divórcio e da separação produzem efeitos imediatos, pois independem de
homologação judicial, de maneira que assinada a escritura e extraído o traslado, este deverá ser
averbado no Registro Civil e no Registro de Imóveis, para publicizar aos terceiros interessados.
A assistência do advogado é obrigatória e não se resume a somente assinar a escritura. O
advogado deve acompanhar todos os passos da escritura, aconselhando seus clientes, fazendo
a minuta das cláusulas da separação/divórcio, ... Na escritura constará a qualificação do
advogado e o número da OAB. Cada cônjuge pode ter o seu advogado ou ambos estarem
representados por apenas um. Podem também ser assessorados pelo Defensor Público, no
caso de não possuírem condições de arcar com os honorários (art. 134, CF).
Os pobres que assim se declararem perante o Tabelião ficarão isentos dos emolumentos
que seriam devidos ao Cartório. Isso porque o Tabelionato e serviço público delegado pelo
Poder Judiciário, ainda que exercido em caráter privado.
Os cônjuges poderão se fazer representar por procurador, com poderes específicos para
tanto. Ainda nesse caso a presença do advogado é indispensável.

321
No caso de separação, transcorrido um ano da lavratura da separação, os separados
poderão lavrar outra escritura, convertendo a separação em divórcio. No mesmo caso, poderão
fazer com a separação que tenha se operado judicialmente.
A reconciliação dos separados extrajudicialmente será formalizada também mediante
escritura pública, que será levada à averbação no Registro Civil.
Se já tiver sido proposta a ação judicial, os cônjuges podem optar pela separação ou
divórcio extrajudiciais? Sim, basta pedir a suspensão da ação ou desistir do mesmo.

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema sobre relações não matrimoniais e dissolução

322
06. Guarda, Alienação parental, Filiação e Reconhecimento de filhos
PROTEÇÃO DA PESSOA DOS FILHOS – GUARDA:
O rompimento da relação entre os pais não pode significar separação de pais e filhos.
Assim, ao chegar ao fim a relação conjugal, deve ser estabelecida a guarda dos filhos,
estabelecendo com quem ficarão os menores. Contudo, ainda que a guarda seja estabelecida
em favor de um dos pais, o outro tem o direito e o dever de visitar permanentemente o filho.
Os filhos não têm de escolher entre um pai ou outro. Tem o direito de convivência com
ambos. Contudo, sempre que o juiz entender necessário, para estabelecer a guarda do menor,
poderá a criança ser ouvida, atentando para o melhor interesse da criança, sem jamais levá-la a
escolha.
A questão da guarda encontra-se, atualmente, estabelecida pela lei 13.058/2014, prevendo
que a guarda será, obrigatoriamente, compartilhada entre os pais. Desde a entrada em vigor
desta lei, muitas confusões vêm ocorrendo e, a maioria delas, ainda, são no sentido de
confundirem a guarda compartilhada com a guarda alternada. Sendo assim, inicialmente,
apresenta-se a diferenciação entre as modalidade de guardas existentes: unilateral,
compartilhada e alternada.

1. Guarda unilateral
A guarda unilateral é aquela em que um dos genitores é detém a guarda física da criança
ou adolescente e o outro detém o direito de visitas. Pela redação trazida pela lei 13.058/2014,
esta modalidade será aplicável apenas quando um dos genitores manifestar que não tem
interesse em deter a guarda do filho.
323
Também é unilateral a guarda estabelecida a terceiro quando o juiz se convencer que
nenhum dos pais preenche as condições necessárias para tal.
No estabelecimento da guarda, em casos de separação, não importa se um dos pais foi
considerado ou não culpado pela separação. Isto não influenciará na fixação da guarda, mas
sim o melhor interesse da criança. Dessa forma, o filho ficará com aquele que detiver melhores
condições de exercício da guarda.
Melhores condições não significa, de maneira alguma, melhores condições financeiras. O
juiz deve levar em conta o conjunto de situações existentes para o desenvolvimento moral,
educacional, psicológico do filho. Fator relevante é o de menor impacto emocional ou afetivo
sobre o filho, para essa delicada escolha.
Em situações excepcionais o juiz pode deferir a guarda a terceiros, quando concluir que
nenhum dos pais tem condições de ficar com o filho. Ex.: pais viciados em drogas. Nesses casos,
o parente mais próximo, normalmente presume-se o mais indicado para ficar com a guarda
(avós, por exemplo), mas essa aptidão deve ser confirmada. Nestes casos, ainda, deve ser levado
em conta a afetividade entre a criança e a pessoa que assumirá a guarda. Ex.: um tio/tia ou
madrasta/padrasto podem ter mais afetividade do que os avós.

2. Guarda compartilhada:
A Lei 13.058/2014 alterou o sistema de guardas até então vigente no Brasil, estabelecendo
a guarda compartilhada como obrigatória, estabelecendo-se mesmo em caso de litígio entre os
genitores (embora não se saiba bem como se daria este funcionamento).
A guarda compartilhada pode ser requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por
qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável
ou, ainda, decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da
distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
O art. 1.584, § 2.º, CC, com a redação da lei 13.058/2014, estabelece que a guarda
compartilhada é obrigatória ou compulsória.
§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do
filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder
familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores
declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

É obrigatória, pois só pode ser afastada motivadamente, cabendo ao juiz analisar a


situação91. Ela estimula a coparentalidade e corresponsabilidade em relação ao filho, que tem
direito de conviver e ser formado por ambos os pais, em igualdade de condições.

91
Flávio. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 265.

324
Enunciado 603: A distribuição do tempo de convívio na guarda
compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos
filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2 do
art. 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário,
repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais.
Enunciado 604: A divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio
dos filhos com a mãe e com o pai, imposta na guarda compartilhada
pelo § 2° do art. 1.583 do Código Civil, não deve ser confundida com a
imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda alternada, pois
esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência dos filhos
com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor
que se encontra na companhia do filho.
Enunciado 605: A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime
de convivência.
Enunciado 606: O tempo de convívio com os filhos "de forma equilibrada
com a mãe e com o pai" deve ser entendido como divisão proporcional
de tempo, da forma que cada genitor possa se ocupar dos cuidados
pertinentes ao filho, em razão das peculiaridades da vida privada de cada
um.

Contudo, a lei 13.058/2014, ao estabelecer essa obrigatoriedade, vai contra uma situação
importante: a necessidade de diálogo entre os genitores para que esta modalidade de guarda
possa ser implementada. A lei torna a guarda compartilhada medida impositiva, mesmo
havendo litígio entre os genitores e, neste sentido, cria mais problemas, do que apresenta
soluções.
Nestes casos, é estabelecida a residência do filho na residência de um dos pais, até para
que a criança tenha referência de um lar, mas terá a liberdade de freqüentar a casa do outro
quando e como quiser ou, até mesmo, viver de forma alternada em uma ou outra casa.
O ponto central da guarda compartilhada é a igualdade entre os genitores nas decisões
que influenciem na vida do filho, de modo que evita que um dos genitores seja mero
coadjuvante e só colabore financeiramente para o sustento do filho.
Deve ficar claro que o estabelecimento desta modalidade de guarda nada tem de relação
com a dispensa do pagamento de alimentos com relação aos filhos, devendo, para tanto,
sempre ser levado em consideração a relação do trinômio necessidade x possibilidade x
proporcionalidade.
Enunciado 607: A guarda compartilhada não implica ausência de
pagamento de pensão alimentícia.
325
3. Guarda alternada:
A guarda alternada é uma modalidade que se aproxima da guarda compartilhada, pois o
tempo de convivência do filho é divido entre os pais, passando a viver alternadamente, de
acordo com o que ajustarem os pais ou o que for decidido pelo juiz, na residência de um e de
outro. Ex.: no caso de pais que vivam em cidades diferentes, o filho reside durante o período
escolar com um dos pais e, durante as férias, com o outro.
Sua utilização é bastante rara, pois pode trazer certa instabilidade para a criança, sendo
aplicada apenas em casos excepcionais e se evidenciado que trará benefícios para o menor.
O filho permanece um tempo com o pai e um tempo comm a mãe,
pernoitando certos dias da semana com o pai e outros com a mãe. [...]
Alguns a denominam como a guarda do mochileiro, pois o filho sempre
deve arrumar a sua mala ou mochila para ir à outra casa92.

No Brasil não é aplicável e vem sendo muito confundida com a guarda compartilhada,
especialmente após a entrada em vigor da lei 13.058/2014, que estabelece no art. 1.583, § 2.º que,
na “guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma
equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses
dos filhos”.

A guarda pode ser unilateral ou exclusiva, quando exercida por apenas um dos pais; ou
compartilhada, quando exercida por ambos.
Quando os pais estiverem separados, a preferência é para que acordem quanto a guarda
dos filhos. Contudo, o juiz deve observar se o acordo observa o melhor interesse da criança (art.
1.586).
A guarda pode ser modificada se ficar provado que o guardião ou pessoas de sua
convivência familiar não trata convenientemente a criança ou o adolescente. Ex.: a mãe que
ficou com a guarda do filho que vem a contrair nova união. Se o companheiro da mãe tiver
conduta prejudicial à formação da criança, a guarda poderá determinar a retirada do menor de
tal convivência, transferindo a guarda para o pai ou terceiro. Também poderá haver a
modificação da guarda se este abusar de seu direito, excedendo os limites da guarda.
A guarda pode ser estabelecida a terceira pessoa, desde o nascimento, se houver
abandono afetivo. Ex.: se a mãe biológica abandonou a criança, a guarda pode ser estabelecida
em favor da avó.

4. Direito de visitas

92
Flávio. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 271.

326
O genitor que não ficar com a guarda terá direito de visitas, conforme convencionado
entre os genitores ou definido pelo juiz. Não devem haver grandes limitações, sob pena de
prejudicar a própria criança.
A regulamentação do direito de visitas deve ser estabelecida já na separação ou divórcio
(art. 729, III, CPC/2015).
O direito de visitas não se restringe a visitar o filho na residência do guardião ou no local
que este designe. Abrange o direito de ter o filho em sua companhia e o de fiscalizar sua
manutenção e educação (art. 1.589, CC).
Cabe ao pai não guardião o direto-dever de fiscalizar o exercício da guarda, de maneira
que se ela não estiver sendo desempenhada da melhor forma possível, no melhor interesse da
criança, o genitor não guardião poderá requerer ao juiz que destitua aquele que está com a
guarda exclusiva e a transfira para si.
Mas o direito de visita não se restringe apenas ao pai não guardião, mas também aos
familiares deste (avós, tios, primos), ou seja, a criança deve ter contato afetivo tanto com a
família da mãe, quanto a do pai – art. 1.589, § único.
As visitas só podem ser negadas – tanto nos casos dos genitores, quanto nos casos dos
familiares destes – quando houver sérios indícios de prejuízos para a criança, que
desaconselhem as visitas. Nestes casos o juiz poderá restringir ou suspender as visitas.

5. Síndrome da Alienação Parental – SAP


A Lei 12.318, de 2010 foi criada para evitar a chamada alienação parental, quando um dos
genitores induzia a criança a romper laços afetivos com o outro genitor. Situações como estas
normalmente ocorrem com o rompimento de um relacionamento, quando, como forma de
represália, os genitores passam a criar falsas memórias nas crianças.
Como uma espécie de vingança, o genitor que não aceita a separação, que se sente
abandonado, começa a criar dificuldades para que o outro siga se relacionando com o filho.
Trata-se de um processo de destruição, desmoralização e descrédito do ex-cônjuge, o que é
feito na frente do filho. Exemplo desta situação ocorre/ocorreu na novela “Salve Jorge” onde o
casal Antonia e Celso se separam, ele não aceita o divórcio e começa a “infernizar” a vida da ex-
esposa com a filha. O casal briga pela guarda e, depois de ser estabelecida uma “guarda
compartilhada”, o genitor sempre tenta impedir que a Mãe veja a filha; quando a menina está
em sua casa tenta desrespeitar horários, etc, na tentativa de “difamar” a Mãe para a filha, para
que a menina passe a rejeitar a genitora.
A Síndrome da Alienação Parental – SAP – é uma espécie de “programação” para que a
criança rejeite e odeio o outro genitor, sem qualquer justificativa. O genitor “agressor” passa a
ser visto como “verdade absoluta” pela criança e, o outro genitor, como “invasor”.

327
Assim, um dos genitores, magoado com o fim do relacionamento, procura afastar os filhos
do outro genitor, denegrindo sua imagem perante a criança e prejudicando o direito de visitas.
Esta conduta é prevista no art. 2.º da lei 12.318:

Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na


formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou
induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a
criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para
que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à
manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além
dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia,
praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
a. - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no
exercício da paternidade ou maternidade;
b. - dificultar o exercício da autoridade parental;
c. - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
d. - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência
familiar;
e. - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes
sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações
de endereço;
f. - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou
contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança
ou adolescente;
g. - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a
dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor,
com familiares deste ou com avós.

Para resolver tais situações, cabe ao juiz, em verificando a ocorrência da alienação


parental, alterar a guarda e o direito de visitas e, até mesmo impedi-lo. Como uma última
solução (a mais drástica) é possível suspender o exercício do poder familiar.

328
FILIAÇÃO E RECONHECIMENTO DOS FILHOS
“A filiação pode ser conceituada como sendo a relação jurídica decorrente do parentesco
por consanguinidade ou outra origem, estabelecida particularmente entre os ascendentes e
descendentes de primeiro grau” 93.
No direito brasileiro a filiação é biológica ou não biológica, reforçando-se a ideia da
necessidade de reconhecimento da paternidade/maternidade por afetividade.
Como é feita a comprovação da filiação? A filiação é demonstrada pela certidão do
registro de nascimento, efetuado junto ao cartório civil.
Possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade, ou seja, do reconhecimento, no
registro civil dos indivíduos, tanto da paternidade biológica, quanto da socioafetiva. Não existe
um grande número de decisões a esse respeito, mas algumas sentenças já estão determinando
o registro duplo da criança (dois pais ou duas mães) e, a partir daí, direitos alimentares e
sucessórios, também múltiplos.

1. Presunção legal de filiação:


Independentemente da verdade biológica, a lei presume que a maternidade é sempre
certa (em razão do parto), e o marido da mãe é o pai de seus filhos. Nesse sentido, a presunção
é “pater is est quem nuptiae demonstrant” (pai é aquele que as núpcias demonstram).
O art. 1.597 estabelece casos de presunção de paternidade. Serve para casos em que o
genitor não possa registrar (por já estar morto ou ausente do local de domicílio, p.ex.).
Existem discussões sobre estas presunções, especialmente sobre sua aplicação aos casos
de união estável. A lei prevê a presunção de filiação na “constância do casamento”, mas esta
presunção pode aplicar-se integralmente à união estável, desde que exista declaração de união
estável ou certidão de nascimento de outro filho comum.
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os
filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de
estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do
casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

93
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: direito de família. 8.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2013, p. 328.

329
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha
prévia autorização do marido.

Essa presunção, contudo, não é absoluta, sendo ilidida através de prova em contrário. Mas
a ação para ilidir a presunção de paternidade só pode ser proposta pelo marido ou
companheiro da mãe da criança. A prova é feita via DNA. Neste aspecto, deve-se atentar para o
fato de que ação que contesta esta paternidade (1.601, CC) é a negatória de paternidade. Esta
ação só é cabível se proposta pelo pai (art. 1.601) e é imprescritível. Deve-se observar, contudo, a
questão da paternidade socioafetiva nestes casos.
A prova da impotência do varão à época da concepção (impotência generandi), ilide a
presunção de paternidade (art. 1.599), mas a confissão de adultério não ilide (1.600 + 1.602). O
exame de DNA serve como forma de sanar quaisquer dúvidas quanto a paternidade.
No caso de inseminação artificial heteróloga a presunção de filiação decorre
exclusivamente da verdade afetiva, de modo que é reconhecida a filiação mesmo diante da
certeza da inexistência de filiação biológica.

2. Paternidade registral:
O registro de nascimento é meio de prova da filiação, não sendo, contudo, o único, já que
a declaração manifestada perante o juiz, a escritura pública, o escrito particular e o testamento,
também comprovam a filiação (art. 1.609).
Todo aquele que se apresenta no Cartório e registra um recém nascido, declarando-se
como pai do mesmo, passa assim o ser considerado para todos os fins legais. O registro só pode
ser invalidado se houver erro ou falsidade (art. 1.604). Nestes casos, se o pai que registrou a
criança, acreditando ser filho seu, descobrir que não é, deve ingressar com ação anulatória de
paternidade.
Segundo Tartuce94, esta situação não se aplica nos casos de socioafetividade. Para ele:

Regra: não cabe a quebra do que consta do registro de nascimento.


Exceção: o registro pode ser quebrado nos casos de erro ou falsidade do registro. Ação
anulatória.
Exceção da exceção (retorna-se à regra): a quebra do registro não pode ocorrer nos casos de
parentalidade ou paternidade socioafetiva.

94
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: direito de família. 8.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2013, p. 349

330
3. Inseminação artificial:
O art. 1.597 presume como tendo sido concebidos na constância do casamento os filhos
havidos por técnicas de reprodução assistida: homóloga, mesmo que falecido o marido;
havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de
concepção artificial homóloga; e os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que
exista prévia autorização do marido.

HOMÓLOGA: é a concepção que decorre da manipulação de gametas masculinos e


femininos do próprio casal. O filho será sempre do casal, pois biologicamente é filho! A
fecundação é feita in vitro e depois o óvulo é implantado na mulher. Não é necessária
autorização do marido para tal prática. Contudo, para os casos de inseminação post mortem,
necessário o expresso consentimento do marido para que isso ocorra e gere a presunção de
paternidade (Enunciado 106 do Conselho de Justiça Federal). Se não houver tal consentimento,
os embriões devem ser descartados, pois não há presunção de que alguém queira ser pai
depois de morto:
Enunciado 106 do Conselho de Justiça Federal: Para que seja presumida
a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se
submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material
genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório,
ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu
material genético após sua morte.

HETERÓLOGA: é a concepção que utiliza esperma de um doador, mas com a


concordância do marido. Trata-se de filiação afetiva, pois biologicamente não é filho do pai. A
fecundação é feita com o óvulo da mulher e em seguida implantado. O vínculo de filiação,
neste caso, é estabelecido com a parturiente que, no caso de ser casada, o marido será, por
presunção legal, o pai do filho gerado, se tiver consentido com tal prática. Mas e se o casal
separar, poderá haver a retratação? Sim, desde que a retratação ocorra antes da implantação
do óvulo, pois a autorização não pode ter duração infinita.
EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS: embrião é o óvulo fecundado em suas primeiras 8 semanas
de desenvolvimento no útero materno. Pré-embrião é o óvulo fecundado até os seus primeiros
14 dias. Embrião excedentário é o fecundado in vitro, não aproveitado imediatamente pelo casal
e armazenado em laboratório. Todos os embriões excedentários que venham a ser utilizados (a
qualquer tempo), presumem-se tenham sido concebidos na constância do casamento (art.
1.597, IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes
de concepção artificial homóloga).
331
BARRIGA DE ALUGUEL: é vedada constitucionalmente (art. 199, § 4.º). É permitida a
cessão temporária do útero, sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente até o
segundo grau (mãe, avó, neta ou irmã) da mãe genética. Também parentes por afinidade, até
segundo grau, podem ceder o útero (sogra ou cunhada).
4. Filiação e afeto – Filiação socioafetiva:
A posse do estado de filho constitui-se de modalidade de parentesco civil de origem
afetiva (art. 1.593). Revela a constância da relação entre pais e filhos, caracterizando uma
paternidade que não existe só pelo fator biológico, mas em decorrência de uma convivência
afetiva.
Segundo Nader (p. 279) o “critério socioafetivo dimana de uma situação fática, que nasce
da educação, amparo, proteção, afetividade, aplicados na criação de uma pessoa e por quem
não é pari ou mãe biológica”.
Posse do estado de filho: quando as pessoas desfrutam da aparência (teoria da
aparência) do estado de filho, o que não pode ser desprezado pelo direito. Essa condição não se
estabelece com o nascimento, mas sim com um ato de vontade, que se sedimenta no terreno
da afetividade. A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse do estado de
filho.
Digamos que os pais tenham falecido e não tenham procedido ao registro do filho, como
ficará essa situação? O art. 1.605 exige que haja “começo de prova por escrito, proveniente dos
pais”. Assim, a posse do estado de filho é uma situação de fato, uma indicação da relaçao de
parentesco, uma presunção legal. Ela oferece parâmetros para o reconhecimento da relaçao de
filiação.
Para o reconhecimento da posse do estado de filho, devem estar presente três aspectos,
os quais não necessariamente estarão em conjunto:
A) Tractatus: quando o filho é tratado como tal, o tratamento dispensado entre o que
aparenta ser o ascendente e o descendente.

B) Nominatio: usa o nome da família e assim se apresenta.


C) Reputatio: conhecido pela opinião pública como pertencente à família de seus pais
(aparência do estado de filho).
Assim, aquele que detém a posse do estado de filho pode buscar o reconhecimento
jurídico da filiação. Qualquer meio de prova pode ser utilizado, mas a lei prevê (art. 1.605) que
tenham dois requisitos: a existência de começo de prova por escrito (cartas, autorização para
atos em benefício dos filhos, declaração de filiação para fins de imposto de renda ou
previdência social, anotações dando conta do nascimento do filho), proveniente dos pais, ou
presunções veementes da filiação resultante de fatos já certos.

332
A tutela jurídica da posse do estado de filho abriga dos chamados filhos de criação, que se
enquadram na filiação socioafetiva. A posse do estado de filiação, consolidada no tempo, não
pode ser contraditada por investigação de paternidade fundada em prova genética.

5. Prova da filiação:
No direito brasileiro a prova da filiação é feita pela certidão de nascimento registrada no
Registro Civil (art. 1.603). Contudo, essa prova não é exclusiva, pois se admite a prova da posse
do estado de filiação (art. 1.605). Também não é definitiva, pois admite eventual invalidação (art.
1.604).
O art. 50 da Lei 6.015/73 estabelece que todo nascimento deverá levado a registro, no
lugar onde tiver ocorrido o parto ou no local de residência dos pais, no prazo de 15 dias.
O art. 52 estabelece que o dever de fazer a declaração de nascimento é dos pais ou, na
falta destes, o parente mais próximo, prosseguindo sucessivamente o ônus nas pessoas dos
administradores de hospitais, dos médicos, das parteiras, terceiros, que tiverem assistido ao
parto.
Se a mãe for casada, constará o nome do marido como pai, pela presunção de
paternidade. Se não o for, o nome do pai só constará no registro se ele assim se declarar.
O registro de nascimento produz uma presunção de filiação quase absoluta, pois apenas
pode ser invalidade se provado que houve erro ou falsidade.
O art. 1.604 estabelece que ninguém poderá vindicar estado contrário ao que resulta do
registro de nascimento. Assim, a validade do registro pode ser impugnada apenas nas
hipóteses de erro ou falsidade.
A prova da filiação, acolhida em juízo, é o quanto basta para regularizar o registro de
nascimento e a certificação da paternidade e maternidade. A ação de estado de filiação não
prescreve nem decai em tempo algum.
Ação de prova de filiação ≠ ação de investigação de paternidade A ação de prova de
filiação (art. 1.606) busca comprova a situação de fato (posse do estado de filho), cuja aparência
resulta de presunção veemente ou de começo de prova escrita dos pais. É a regularização do
registro de nascimento que deixou de ser feito por algum motivo. O pai sempre se comportou
como tal. Não cabe o exame de DNA. Na segunda, objetiva-se o reconhecimento compulsório
do filho, por omissão ou recusa do investigado, tenha ou não havido convivência familiar.
O legitimado para propor a ação de prova de filiação é somente o filho, que não pode ser
substituído por quem quer que seja. É um direito personalíssimo e imprescritível (o titular pode
propor enquanto estiver vivo). Os herdeiros não podem propor esta ação, de maneira que só
poderão prosseguir na ação iniciada pelo titular.
No caso de filho menor a ação poderá ser intentada pelo representante legal, porque será
o próprio filho o autor da ação.
333
6. Reconhecimento de filho:
O reconhecimento é o ato que declara a filiação, estabelecendo, juridicamente, o
parentesco entre pai, mãe e filho. Não cria a paternidade, apenas declara um fato. Dessa
maneira, o ato de reconhecimento é declaratório e não constitutivo.
O reconhecimento de estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou seus herdeiros, sem quaisquer
limitações. Sendo ato personalíssimo, não pode ser feito por avô ou filho, por exemplo. Todavia,
é permitido o reconhecimento por procurador, com poderes especiais para tanto, pois a
declaração de vontade já está expressa na própria procuração.
O ato declaratório do reconhecimento pode decorrer da livre manifestação dos pais,
quando será voluntário ou de sentença proveniente de ação de investigação de paternidade
ou maternidade, quando será judicial.

Voluntário:
O reconhecimento voluntário é o meio legal pelo qual pai, mãe, ou ambos, revelam
espontaneamente o vínculo que os liga ao filho, outorgando-lhe o status correspondente (art.
1.607).
Filho maior – art. 1.614 – necessidade de consentimento.
Filho menor – pode impugnar o reconhecimento nos 4 anos posteriores a sua maioridade
ou emancipação.
Reconhecimento de filho falecido – art. 1.609, § único – só é permitido se o filho tiver
deixado herdeiros, caso em que cabe a eles consentir com o ato de reconhecimento. Essa
exigência existe para evitar que haja reconhecimento de filhos a fim de receber herança (caso
de não haverem descendentes, os ascendentes herdarão).
Reconhecimento = ato irretratável ou irrevogável, inclusive se feito em testamento (art.
1.610). Pode, contudo, ser anulado, se eivado de vício de vontade, como erro, coação, ou se não
observar as formalidades legais (através da anulatória).
O reconhecimento será feito (art. 1.609, CC – lei 8.560/92):
I - no registro do nascimento. O pai comparece ao Registro Civil e presta declarações
sobre a descendência do registrado, assinando o termo na presença de testemunhas. Se o pai é
o declarante, constando a maternidade no termo de nascimento (emitido pelo Hospital), a mãe
só poderá contestar provando a falsidade do termo ou das declarações nele contidas (art. 1.608).
O registro de nascimento feito por quem sabe não ser o pai biológico da criança é tido como
adoção à brasileira e gera paternidade socioafetiva.
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório. A
escritura pública não precisa ser específica para esse fim, podendo ocorrer em uma escritura de

334
compra e venda, quando a paternidade será declarada de modo incidente, assinado pelo
declarante e testemunhas. Pode também ocorrer por escritura particular, com firma
reconhecida, devendo ser arquivada no Cartório.
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado. O testamento pode ser
cerrado, público ou particular ou especial (art. 1.886). Ainda que o testamento venha a ser
anulado, o reconhecimento constante nele não perderá o efeito, a menos que o testador não
tenha condições de manifestar sua vontade de forma inequívoca (ex.: se for demente).
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento
não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

Judicial:
Resulta de sentença proferida em ação intentada com o fim de ter o reconhecimento do
filho (ação de reconhecimento da paternidade ou maternidade). Essa ação deve ser intentada
pelo filho, por ser pessoal, mas os herdeiros poderão prosseguir nela, no caso do falecimento do
titular do direito. A ação pode ser ajuizada contra o pai, contra a mãe, ou contra ambos. A
contestação pode ser feita por qualquer pessoa que tenha interesse moral ou econômico na
ação (art. 1.615) (ex.: cônjuge do réu, herdeiros, etc.). A sentença tem eficácia absoluta, valendo
contra todos. Deverá já haver a fixação dos alimentos provisionais ou definitivos. Deve ser
averbada no registro competente.

Oficioso:
Lei 8.560/92, art. 2.º. Se apenas a mãe comparecer no Cartório de Registro Civil e esta
indicar o nome do pai, o registrador deverá remeter ao juiz corregedor a certidão do registro e o
nome do indicado pai, devidamente qualificado, para que oficiosamente se verifique a
procedência da imputação da paternidade. A indicação falsa leva a mãe a incursionar no crime
de falsidade ideológica.
O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e será notificado o
suposto pai para se manifestar.
Se o suposto pai confirmar a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento,
remetendo-se a certidão ao oficial do Registro, para que faça a averbação da paternidade.
Se o suposto pai não se apresentar dentro de 30 dias da notificação judicial, ou se negar a
paternidade, os autos serão remetidos ao MP para que intente ação de investigação de
paternidade, mesmo sem a iniciativa do interessado direto. O MP age como substituto
processual. Mas se o interessado (investigado) quiser, poderá intentar a ação de investigação –
art. 2.º, § 6.º, Lei 8.560/92.

335
Art. 2° Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade
estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o
nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim
de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação.
§ 1° O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade
alegada e mandará, em qualquer caso, notificar o suposto pai,
independente de seu estado civil, para que se manifeste sobre a
paternidade que lhe é atribuída.
§ 2° O juiz, quando entender necessário, determinará que a diligência
seja realizada em segredo de justiça.
§ 3° No caso do suposto pai confirmar expressamente a paternidade, será
lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao oficial do
registro, para a devida averbação.
§ 4° Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação
judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao
representante do Ministério Público para que intente, havendo
elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade.
§ 5º Nas hipóteses previstas no § 4o deste artigo, é dispensável o
ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo Ministério
Público se, após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em
assumir a paternidade a ele atribuída, a criança for encaminhada para
adoção. (Redação dada pela Lei nº 12,010, de 2009)
§ 6º A iniciativa conferida ao Ministério Público não impede a quem
tenha legítimo interesse de intentar investigação, visando a obter o
pretendido reconhecimento da paternidade. (Incluído pela Lei nº
12,010, de 2009)

Efeitos do reconhecimento:
O reconhecimento (voluntário ou judicial) de filho havido fora do casamento produz
efeitos ex tunc, retroagindo até o dia do nascimento do filho ou mesmo de sua concepção se
isto for de seu interesse. O reconhecimento produz os seguintes efeitos:

• Estabelece o parentesco entre o filho e seus pais, atribuindo-lhe o status familiar,


fazendo constar no Registro de nascimento o nome dos pais e dos avós.

• Impede que o filho reconhecido por um dos cônjuges resida no lar conjugal sem a
concordância do outro (art. 1.611).

• Concede ao filho o direito à assistência e a alimentos.

336
• Sujeita o filho menor ao poder familiar do genitor que o reconheceu e, se ambos o
reconheceram, e não houver acordo, sob o poder de quem melhor atender aos interesses do
menor (art. 1.612).

• Concede direito à alimentos tanto para o genitor quanto para o filho (art. 1.694 e art.
1.696).

• Estabelece direito sucessório recíproco entre pais e filhos.


• Autoriza o filho reconhecido a propor ação de petição de herança e nulidade de
partilha, em razão da sua condição de herdeiro.

• Fica sujeito a deserdação ou indignidade.

7. Ações de filiação:
I. Negatória de paternidade:
Casos do art. 1.597, CC – a paternidade pode ser impugnada por aquele cujo nome veio a
ser declinado como genitor da criança (marido da mãe da criança). A presunção de paternidade
não é absoluta, de modo que o pai pode elidi-a provando o contrário. A ação é de ordem
pessoal, privativa daquele a quem foi atribuída a paternidade, de maneira que só ele é
legitimado a propor referida ação (art. 1.601). Contudo, se o titular da ação falecer, seus herdeiros
poderão prosseguir com a ação (art. 1.601, § único). A ação negatória é imprescritível (art. 1.601).
IMPOTÊNCIA GENERANDI: impossibilidade de conceber filho. Para tanto será exigida
perícia médica que comprove a impotência absoluta, pois se houver mero distúrbio psíquico
transitório, a presunção será mantida, só sendo elidida pelo exame de DNA. Trata-se da
impotência em razão de infertilidade.
ADULTÉRIO DA MULER: deve provar que houve adultério e relação sexual de sua mulher
com outro homem. Mas por si só não é fato para justificar a negatória de paternidade, devendo,
ainda, provar que estava fisicamente impossibilitado de gerar filhos à época da concepção. Ex.:
estava separado judicialmente, não tendo convivido um só dia sob o mesmo teto, daí não ter
havido qualquer relaçao sexual entre eles. Assim, o adultério serve como prova complementar
na negatória de paternidade.

II. Negatória de maternidade:


A maternidade só pode ser impugnada se comprovada a falsidade do termo de
nascimento (falsidade material) ou das declarações nele contidas (falsidade ideológica), por ter
havido equívoco na qualificação da verdadeira mãe, não ter ocorrido o parto, atribuição de filho
pertencente a outra mulher, etc. (art. 1.608). Várias são as situações que podem determinar a
ação, como por exemplo troca de bebês na maternidade, falsidade instrumental ou ideológica
no registro, etc.

337
III. Anulatória:
Quando o reconhecimento é feito pelo suposto genitor (voluntária ou judicialmente). É
ato irretratável e incondicional. Contudo, poderá emanar de vícios de vontade ou defeitos
formais de registro. Neste caso a modificação do registro somente se admite com a ação
anulatória. O autor da ação poderá ser tanto o pai que reconheceu, quanto o filho reconhecido.
Pode também ser proposta pelo MP, quando pai e filho estarão no polo passivo da ação. A ação
é imprescritível, pois se trata de estado de filiação.

IV. Investigatória:
Por meio da ação investigatória de paternidade busca-se a declaração de seu respectivo
status familiae. Processa-se mediante ação ordinária proposta pelo filho contra o genitor ou
seus herdeiros ou legatários. Caso o investigante faleça antes do fim da ação, seus herdeiros
poderão prosseguir na ação, mas não poderão intentá-la em nome do investigante. Nesse
sentido, o direito à investigação de paternidade é personalíssimo, na medida em que pode ser
exercida somente pelo filho (podendo ser representado ou assistido, se menor de idade); é
indisponível, já que não pode ser renunciado; é imprescritível, pois pode ser exercido a
qualquer momento (súmula 149, STF).
Contudo, deve-se destacar que a Lei 8.560/92, no art. 2.º, §§ 4.º e 5.º reconheceu a
possibilidade de o MP propor a ação de investigação de paternidade.
Questão controvertida na investigação de paternidade – a paternidade socioafetiva:
existindo paternidade socioafetiva o entendimento é de que ela não pode ser desconstituída
em nome da verdade biológica.
Questão controvertida na investigação de paternidade – a negativa do suposto pai
de se submeter ao exame de DNA: Há discussões sobre a negativa do pai a submeter-se ao
exame de DNA por ser atentatório a sua dignidade e intimidade. A maioria da doutrina, bem
como o STJ (súmula 301) entende que haverá a presunção da paternidade neste caso. SÚMULA
301, STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade. Para terminar com as discussões, a Lei 12.004/09, veio a
regulamentar essa questão, incluindo o art. 2.º-A, § único, da Lei 8.560/92, e estabelecendo que a
recusa do réu em se submeter ao exame de DNA gerará a presunção da paternidade, que
deverá ser apreciada em conjunto com o contexto probatório. Essa presunção é relativa. O juiz,
para reconhecê-la, deve analisar outras provas (fotos da relação do casal, cartas, testemunhas,
etc).

V. Investigação de maternidade:
A ação de investigação de maternidade será proposta pelo filho contra a suposta mãe ou
seus herdeiros. Ocorre apenas em situações excepcionais, pois invariavelmente se tem certeza
338
sobre a maternidade, já que normalmente se o genitor não fizer o registro, a própria mãe o fará.
Prova-se a maternidade, naturalmente, pelo parto. Porém possível a investigação da
maternidade nos casos de abandono, ocultação, exposição indevida e rapto.

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

339
07. Alimentos: diferença entre alimentos e obrigação familiar de sustento; características;
pressupostos de fixação; classificação dos alimentos

ALIMENTOS:
Juridicamente, “os alimentos significam o conjunto das prestações necessárias para a
vida digna do indivíduo” (Gagliano e Pamplona Filho, p. 683).

1. Obrigação de prestar alimentos:


É um dever personalíssimo, devido pelo alimentante, em razão de vínculo de parentesco,
conjugal ou convivencial que o liga ao alimentado. O art. 1.694, CC determina que
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns
aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo
compatível com a sua condição social, inclusive para atender às
necessidades de sua educação.

340
Não se deve confundir a obrigação de prestar alimentos com os deveres familiares de
sustento, assistência e socorro que tem o marido em relação à mulher e vice-versa e os pais
para com os filhos menores, devido ao poder familiar, pois seus pressupostos são diferentes.
Dever familiar de sustento ≠ obrigação alimentar. Dever familiar de sustento é
decorrência do poder familiar. Obrigação alimentar é fixada judicialmente. O dever familiar de
sustento cessa com a maioridade, sem necessidade de qualquer declaração. Obrigação
alimentar deve ser extinta judicialmente, através de ação de exoneração.

i. Natureza da obrigação alimentar:


A pretensão alimentar é de natureza personalíssima, não podendo ser objeto de cessão
entre vivos ou de sucessão hereditária. O débito de alimentos pode ser objeto de sucessão, de
maneira que os herdeiros tenham de suportar com seus encargos, no limite de seus quinhões.
A obrigação alimentar não tem função punitiva. Na fixação dos alimentos deve-se observar o
trinômio: necessidade/possibilidade/proporcionalidade, a fim de que não haja enriquecimento
ilícito a partir dos alimentos.

ii. Características da obrigação alimentar:


O direito a alimentos possui as seguintes características:

ATENÇÃO para essas características! Muitas questões podem ser resolvidas com base
nelas!!!

1. É um direito personalíssimo. Sua titularidade não passa a outrem;


2. É suscetível de reclamação após o óbito do devedor. É transmissível a obrigação
alimentar. O art. 1.700 determina que o credor de alimentos poderá exigi-los inclusive dos
herdeiros do devedor, se este falecer. Os herdeiros serão responsáveis no limite de seu quinhão.
Na verdade não existe a transmissão da obrigação, pois o espólio é que será responsável (débito
do espólio). O débito é do falecido. Contudo, se o falecido for o alimentado, extingue-se a
obrigação alimentar, não tendo direito seu espólio a exigir a prestação alimentícia.

3. É incessível em relação ao credor, de maneira que o crédito não pode ser cedido a
terceiro, por ser inseparável da pessoa do credor.

4. É irrenunciável. É possível que se deixe de exercer, mas não que se renuncie o direito
a alimentos. Pode-se renunciar o exercício, mas não o direito. Art. 1.707.
Discute-se sobre a possibilidade de renúncia de alimentos em sede de separação/divórcio.
A doutrina e a jurisprudência não são uníssonas, ainda que o entendimento majoritário seja no

341
sentido de admitir a renúncia no divórcio. Nesse sentido, a III Jornada de Direito Civil aprovou
enunciado:
Enunciado n.º 263, CJF/STJ: O art. 1.707 do Código Civil não impede que
seja reconhecida válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião do
divórcio (direto ou indireto) ou da dissolução da ‘união estável’. A
irrenunciabilidade do direito a alimentos só é admitida enquanto
subsista vínculo de Direito de Família.

Apesar disto, ainda não há uma uniformidade, de forma que, ainda hoje, se encontrem
decisões em ambos os sentidos (algumas admitindo a renúncia e outras, não). Em concursos
públicos, na primeira fase, deve- se observar o que diz a lei: irrenunciabilidade, nos termos do
art. 1.707, CC. Nas segundas fases e provas orais, deve-se explanar essas discussões doutrinárias
e jurisprudenciais.

5. É imprescritível. Mesmo que não seja exercido, não prescreverá o direito de, no
futuro, pleitear os alimentos. Contudo, se fixados os alimentos, prescreve em 2 anos a pretensão
de cobrança das parcelas em atraso, salvo exceções. Tartuce (p. 436) apresenta uma tabela
sobre a matéria:
* Para todos verem: quadro

Direito aos Alimentos Alimentos Alimentos devidos


alimentos já fixados fixados em favor pelos pais aos filhos
de
absolutamente
incapaz

Prazos Não há 2 anos 2 anos 2 anos


prazos
para se
pleitear

Início do ------------- A A prescrição não A prescrição não corre


prazo prescrição corre contra entre ascendentes e
prescriciona inicia com absolutamente descendentes durante
l o incapaz (art. 198, I, o poder familiar (art. 197,
venciment do CC). Só se II, do CC). Só se iniciará
o iniciará quando o quando o menor
menor completar completer 18 anos ou
16 anos. ocorrer a emancipação.

342
6. É impenhorável. Destina-se a prover a subsistência do necessitado e dessa maneira
não pode, de maneira alguma, responder por suas dívidas.
7. É incompensável. Se houvesse compensação dos alimentos com outras obrigações,
tirariam os meios de sobrevivência do alimentado. Mesmo que o alimentante torne-se credor
do alimentado, não poderá haver compensação.
8. É intransacionável. Não é possível a transação quanto ao direito a alimentos, mas
quanto ao valor da prestação, sim.
9. É atual. Os alimentos visam satisfazer as necessidades atuais ou futuras e não as
passadas do alimentando.
10. É irrestituível. Uma vez pagos, os alimentos não devem ser restituídos, mesmo que a
ação do beneficiário seja julgada improcedente.

11. É variável. É possível a revisão dos alimentos (redução, majoração, exoneração),


desde que haja mudança na situação econômica de quem presta e na necessidade de quem
recebe. Art. 1.699.
12. É divisível. Divide-se entre os parentes do alimentado encarregados da prestação
alimentícia (ex.: entre o pai e os avós). Art. 1.696 e 1.697 e 1.698. Assim, se o parente que deve os
alimentos não tem condições de pagá-los, é possível que se estabeleça o litisconsórcio
facultativo, de forma que o autor da ação chame ao processo os demais parentes, nos termos
do art. 1.698, CC. Aqui se enquadra a situação da obrigação avoenga, quando os avós são
chamados para complementar ou arcar com os alimentos de forma exclusiva, quando os pais
não possuam condições. É neste sentido o Enunciado 342 do CJF/STJ, aprovado na IV Jornada
de Direito Civil:
Enunciado 342, CJF/STJ: Observadas as suas condições pessoais e sociais,
os avós somente serão obrigados a prestar alimentos aos netos em
caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não-solidário, quando os
pais destes estiverem impossibilitados de fazê-lo, caso em que as
necessidades básicas dos alimentandos serão aferidas, prioritariamente,
segundo o nível econômico-financeiro dos seus genitores.

13. É periódico. O pagamento da obrigação alimentar deve ser periódico, pois assim se
atende à necessidade de se prover a subsistência. Normalmente é mensal.
A obrigação de prestar alimentos possui as seguintes características:
1. Condicionalidade. Só surge quando ocorrem seus pressupostos legais. Faltando um
deles, cessa a obrigação (se o alimentado adquirir recursos materiais que lhe possibilitem a
mantença, o obrigado ficará liberado).
2. Mutabilidade do quantum da pensão alimentícia. Os alimentos podem sofrer
343
variações quantitativas e qualitativas. O quantum é fixado analisando o binômio necessidade x
possibilidade. Pode haver redução, majoração ou exoneração. Também haverá a alteração com
as atualizações monetárias e variações do salário mínimo.
3. Reciprocidade. O parente que presta os alimentos poderá, se mudar sua situação
econômica, solicitá-los àquele a quem prestava.
4. Periodicidade. Seu pagamento poderá ser quinzenal ou mensal, de maneira que não
pode ser pago de uma única vez.

4. Pressupostos:
Os pressupostos essenciais da obrigação alimentar são:
a) Existência de companheirismo, vínculo de parentesco ou conjugal entre o
alimentando e o alimentante. Podem ser exigidos alimentos entre irmãos? Sim, trata-se de
vínculo de parentesco. Art. 1.697.
b) Necessidade do alimentando. O alimentado deve estar precisando dos alimentos,
pela impossibilidade de trabalhar e prover seu próprio sustento.
c) Possibilidade econômica do alimentante. O alimentante deverá cumprir com o
dever, sem que haja desfalque do necessário ao seu próprio sustento.
d) Proporcionalidade, na sua fixação, entre as necessidades do alimentário e os
recursos econômico-financeiros do alimentante.

5. Classificação:
Quanto à finalidade:
a) Provisionais: se concedidos em ação cautelar preparatória ou incidental. Serão
arbitrados pelo juiz. Podem ser revogados a qualquer momento. Os fixados em cautelar de
separação de corpos, por exemplo. Art. 1.706.
b) Provisórios: Fixados incidentalmente pelo juiz no curso do processo de congnição ou
liminarmente em despacho inicial na ação de alimentos. Tem natureza antecipatória. Liminar
em ação de alimentos.

c) Regulares: estabelecido pelo magistrado ou pelas partes, com prestações periódicas,


de caráter permanente, embora sujeitos a revisão.
Quanto à natureza:
a) Naturais: compreendem o estritamente necessário à subsistência do alimentando,
ou seja, alimentação, remédios, vestiário, habitação. Art. 1.694, § 2.º (quando resultar de culpa de
quem os pleiteia).
b) Civis: concernem a outras necessidades, como as intelectuais e morais (educação,

344
instrução, assistência, recreação). Art. 1.694, caput.
Quanto à causa jurídica:
a) Voluntários: resultantes de declaração de vontade, inter vivos ou causa mortis. Ex.: o
marido, na separação, estipula a pensão a prestar à mulher.

b) Ressarcitórios: destinados a indenizar vítima de ato ilícito. Ex.: autor do homicídio


deve prestar alimentos às pessoas a quem o falecido os devia.

c) Legítimos: impostos por lei em virtude do fato de existir entre as pessoas um vínculo
de família.
Quanto ao momento da reclamação:

a) Atuais: se forem a partir do ajuizamento da ação.


b) Futuros: se devidos após a prolação da decisão. Os alimentos pretéritos não são
devidos.

Quanto à modalidade:
a) Próprios: é o fornecimento direto de alimentos no próprio lar do alimentante, que
fornece hospedagem e sustento ao alimentado. Fornecimento de alimentos in natura.
Normalmente o genitor que fica com a guarda presta alimentos próprios.
b) Impróprios: pagamento de prestação pecuniária, na forma de pensão mensal. É a
forma mais comum de pagamento de alimentos. Geralmente é pago pelo genitor não detentor
da guarda.

Tartuce (p. 423) afirma que os alimentos devidos entre os cônjuges tratam-se de
alimentos compensatórios, ideia desenvolvida por Rolf Madaleno, que entende que trata-se de
uma prestação periódica, paga de um cônjuge para o outro, visando compensar um possível
desequilíbrio econômico causado pela separação/divórcio. Isto porque, durante o matrimônio o
casal experimentava um nível de vida que pode, eventualmente, ter sido reduzido (condições
econômicas) em razão do rompimento. Devem ser prestados por determinado tempo,
possibilitando que o cônjuge necessitado possa se qualificar para se inserir no mercado de
trabalho.

345
EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

08. Alimentos: sujeitos da obrigação alimentar; revisionais de alimentos; alimentos


gravídicos; ação de alimentos; cobrança dos alimentos (execução e cumprimento de
sentença)

1. Sujeitos da obrigação alimentícia:


A obrigação de prestar alimentos é recíproca, entre ascendentes, descendentes e
colaterais de 2.º grau (irmãos).
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes,
guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim
germanos como unilaterais.

Só as pessoas que procedem de um mesmo tronco ancestral comum é que podem exigir
alimentos uma das outras, excluindo-se os afins (sogro, genro, ...).
Os parentes mais próximos excluem os mais remotos na exigência da obrigação
alimentar, passando-se aos mais distantes só na falta dos mais próximos.

346
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e
filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais
próximos em grau, uns em falta de outros.

Mas é possível pleitear alimentos complementares dos parentes mais remotos, na falta
dos mais próximos.
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não
estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados
a concorrer os de grau imediato;

Avós – obrigação avoenga – enunciado 342, CJF/STJ = Art. 1.695: Observadas suas
condições pessoais e sociais, os avós somente serão obrigados a prestar alimentos aos netos em
caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não- solidário quando os pais destes estiverem
impossibilitados de fazê-lo, caso em que as necessidades básicas dos alimentandos serão
aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-financeiro de seus genitores.
Súmula 596, STJ - A obrigação alimentar dos avós tem natureza
complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de
impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais. (Súmula
596, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/11/2017, DJe 20/11/2017)

Dessa maneira, se o pai prestar 30% dos alimentos necessários, o filho poderá exigir do
avô que complemente, devendo este prestar 70%.

Assim, a ordem de exigência é a seguinte: pai/mãe → na falta destes → avós → na falta


destes → bisavós → na ausência de ascendentes → descendentes → na ausência destes →
colaterais em 2.º grau (irmãos).

Tio não tem dever de prestar alimentos a sobrinho. Também não existe obrigação
alimentar entre primos!
Deve-se observar o fato da adoção. Neste caso, extinguindo-se o parentesco
biológico, o adotado não pode exigir dos pais naturais alimentos, na impossibilidade dos
adotivos prestarem, nem os pais biológicos podem exigir alimentos do filho que foi
adotado. Contudo, essa obrigação surge entre o adotado e os parentes do adotante e vice-
versa.
Nessa ordem não entra o cônjuge, pois o dever de alimentos é por força de outro
fundamento legal, o dever de assistência do marido à mulher e vice-versa.

347
Nestes casos, se o alimentado (cônjuge) passar a viver com outra pessoa, constituir nova
família, ou praticar atos desonrosos contra o alimentante, exonerará o devedor da obrigação de
prestar alimentos. Mas precisa de ação judicial para que a exoneração se opere. Art. 1.708.
Mas a constituição de nova família por parte do alimentante não o exonera da obrigação
alimentar prestada à ex mulher. Contudo, pode haver a minoração do valor prestado. Art. 1.709.
No caso de separação, o cônjuge culpado perderá o direito a alimentos. Estes só serão
fixados, nestes casos, se o culpado não tiver parentes que possam prestar os alimentos, nem
aptidão para o trabalho. Art. 1.704, § único. Se ambos os cônjuges forem culpados, não haverá a
fixação de alimentos.
É possível a fixação de alimentos gravídicos: alimentos fixados à mulher para que possa
atender a suas necessidades especiais. Esses alimentos serão fixados pelo juiz contra o suposto
pai, havendo indícios da paternidade. A lei 11.804/2008 é que disciplina essa matéria.

Art. 2o Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores


suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e
que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as
referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica,
exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais
prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico,
além de outras que o juiz considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte
das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a
contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na
proporção dos recursos de ambos.

Art. 6o Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz


fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança,
sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte
ré.
Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos
ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que
uma das partes solicite a sua revisão.

Estes alimentos serão os valores suficientes para cobrir despesas adicionais do período
gestacional – desde a concepção até o parto –, inclusive as decorrentes de alguma alimentação
especial, assistência médica, internação, exames, etc.
Deve-se atentar para o fato de que os valores deverão ser custeados na proporção das
possibilidades dos genitores (suposto pai e gestante), já que tais alimentos são para o feto e não

348
para a gestante. Deve-se, portanto, observar a questão da proporcionalidade na fixação de tais
alimentos.
Legitimada para pleitear = a mãe da criança.

2. Majoração, minoração e exoneração:


Havendo modificação do binômio necessidade x possibilidade é possível a alteração do
quantum fixado a título de alimentos (art. 1.699).
Assim, é possível que o prestador proponha ação de redução de prestação alimentícia ou
o alimentado proponha ação de majoração de prestação alimentícia.
A constituição de nova família por parte do alimentante não o exonera da obrigação
alimentar, mas pode fazer com que seja modificado o valor fixado.
Com a maioridade do alimentando, o alimentante pode pleitear a exoneração. Contudo,
se o alimentando estiver cursando faculdade ou curso técnico, os alimentos podem ser
prolongados.
Assim, para a exoneração, o alimentante deve comprovar que não existe mais a
necessidade por parte do alimentado, pelo fato de poder ele próprio prover seu sustento. Neste
sentido a súmula 358 do STJ: “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a
maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios
autos”.
Cessa a obrigação de prestar alimentos:
a) Pela morte do alimentando, devido a sua natureza pessoal; lembrando que a morte
do devedor transfere a obrigação para seus herdeiros, nos limites da herança.
b) Pelo desaparecimento de um dos pressupostos do art. 1.695 –
necessidade x possibilidade.
c) Pelo casamento, união estável ou procedimento indigno do credor de alimentos.
A extinção da obrigação alimentar não faz coisa julgada, pois, voltando a haver a
necessidade, os alimentos podem, novamente, ser pleiteados.
Obsservar que a sentença em ação revisional retroage a data da citação!
Súmula 621, STJ: Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o
alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a
compensação e a repetibilidade.

3. Ação de alimentos:
A ação de alimentos é o meio técnico de reclamar a prestação alimentícia, desde que se
configurem os pressupostos jurídicos.

349
A lei 5.478/68 estabelece o rito especial para a ação de alimentos, que deve ser célere.
Para tanto, deve haver prova pré-constituída da existência da relação de parentesco
(paternidade já reconhecida).
Esta ação é imprescritível. Contudo, para exigir a execução dos alimentos, já fixados, e que
estão vencidos, o prazo prescricional é de 2 anos.
O foro competente é o do domicílio do alimentando – art. 53, II, CPC/2015. Depende de
intervenção do MP.
Podem os pais propor ação de alimentos a fim de fixar o valor devido aos filhos? Sim. Ver
art. 24, lei 5.478/68.
Art. 24. A parte responsável pelo sustento da família, e que deixar a
residência comum por motivo, que não necessitará declarar, poderá
tomar a iniciativa de comunicar ao juízo os rendimentos de que dispõe e
de pedir a citação do credor, para comparecer à audiência de conciliação
e julgamento destinada à fixação dos alimento a que está obrigado.

PROCEDIMENTO DA AÇÃO DE ALIMENTOS – Lei de Alimentos (Lei 5.478/1968):


1. Petição inicial. O valor da causa será o somatório de 12 prestações pedidas pelo autor (art. 292,
III, CPC/2015).

2. Fixação de alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor desde a citação – art. 4.º.
3. Há uma fase inicial de conciliação, onde o juiz tenta um acordo entre as partes – art. 5.º.
4. Nessa audiência será apresentada a contestação, caso não haja acordo.
5. Fase de instrução.
6. Sentença final (retroativa a data da citação, a partir de quando as prestações mensais
poderão ser exigidas.

O melhor é que na sentença o juiz determine o desconto em folha de pagamento da


pessoa obrigada dos valores devidos a título de alimentos. Isso evita o inadimplemento, pois o
desconto é feito e transferido ao alimentado pelo próprio empregador.

4. Execução da obrigação alimentar:


Atualmente, em razão das previsões do CPC/2015, a prestação alimentar pode ser cobrada
judicialmente através de quatro maneiras95:

a) Título executivo extrajudicial – ação de execução – rito da prisão (art. 911, CPC/2015);
b) Título executivo extrajudicial – ação de execução – rito da expropriação (art. 913,

95
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 621-622.
350
CPC/2015);
c) Cumprimento de sentença ou decisão interlocutória (nos mesmos autos) – rito da
prisão (art. 528, CPC/2015);
d) Cumprimento de sentença ou decisão interlocutória (nos mesmos autos) – rito da
expropriação (art. 530, CPC/2015);

A decisão de qual modalidade seguir dependerá do tipo de fixação, se judicial ou


extrajudicial e do tempo de atraso (mais ou menos de 3 meses).
➢ Cumprimento de sentença definitiva ou acordo judicial – mesmos autos (art. 531, § 2.º,
CPC/2015)
➢ Execução de alimentos provisórios – autos apartados (art. 531, § 1.º, CPC/2015)
➢ Execução de sentença sujeita a recurso – autos apartados (art. 531, § 1.º, CPC/2015)
➢ Execução de acordo extrajudicial – autos apartados (art. 911, CPC/2015)

Deve-se destacar que mesmo havendo bens para garantir a execução (seja por
cumprimento de sentença ou por execução autônoma), a preferência será o desconto em folha.
Assim, se o devedor é trabalhador assalariado, seu empregador ou o ente público (para quem
ele trabalha) deverá descontar os valores de sua remuneração, conforme determinado por
ofício judicial, sob pena de desobediência. O desconto pode ocorrer das parcelas vencidas (em
atraso) e das mensais, desde que não ultrapasse 50% dos ganhos líquidos do alimentante96.

5. Cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de


obrigação de prestar alimentos – arts. 528 a 533, CPC/2015
Uma vez que exista sentença condenatória de obrigação de prestar alimentos, com
trânsito em julgado ou decisão interlocutória que fixe alimentos, poderá a parte exequente
requerer ao juiz que intime pessoalmente o devedor para que, em 3 dias pague, prove o
pagamento ou justifique a impossibilidade de pagar.
Se o executado, neste prazo, não pagar, não provar o pagamento, nem justificar, o juiz
determinará o protesto da decisão. Isto acarretará restrições de crédito ao devedor/executado,
bem como sua inscrição em cadastros negativos de crédito 97.
Somente situação excepcional (doença, por exemplo), ou seja, fato que gere a
impossibilidade absoluta de pagar, justificará o inadimplemento (§ 2.º, art. 528, CPC/2015).

96
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, 622.
97
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 591-592.
351
Não havendo pagamento, ou se a justificativa não for aceita, o juiz, além de mandar
protestar a decisão, determinará a prisão civil do executado pelo prazo de 1 a 3 meses (§ 3.º).
Havendo prisão, esta deverá ser cumprida em regime fechado e em separado dos presos
comuns (§ 4.º).

Sobre a prisão dos avós, ver o Enunciado n.º 599, VII Jornada de Direito Civil:
ENUNCIADO 599 – Deve o magistrado, em sede de execução de
alimentos avoengos, analisar as condições do (s) devedor (es), podendo
aplicar medida coercitiva diversa da prisão civil ou determinar seu
cumprimento em modalidade diversa do regime fechado (prisão em
regime aberto ou prisão domiciliar), se o executado comprovar situações
que contraindiquem o rigor na aplicação desse meio executivo e o torne
atentatório à sua dignidade, como corolário do princípio de proteção aos
idosos e garantia à vida.

Uma vez que a prestação seja paga, o juiz determinará a suspensão da ordem de prisão (§
6.º).
Lembrando que o débito que autoriza a prisão é o correspondente a até 3 meses de
débito alimentar (anteriores ao ajuizamento da ação) e as vencíveis no curso do processo (§ 7.º).
Pode, ainda, o credor escolher em cobrar o débito alimentar nos termos do cumprimento
definitivo de sentença (arts. 523 a 527, CPC/2015). Neste caso não haverá incidência de prisão
civil. A vantagem deste caminho é a incidência de multas. Cabe, nestas situações, a pena de
penhora.
Optando pelo cumprimento definitivo, o juiz determinará que o executado seja intimado
para pagar o débito em 15 dias, acrescido de custas. Não havendo pagamento neste prazo,
incide multa de 10% e honorários de 10%. Havendo pagamento parcial, a multa e os honorários
incidirão apenas pelo que falta a pagar. Não havendo pagamento dentro do prazo, haverá
expedição de mandado de penhora.
Vale lembrar que o cumprimento de sentença dispensa nova ação e nova citação.
Tramitam nos mesmos autos da ação de alimentos ou ação que tenha fixado-os.

6. Execução – processo autônomo:


Se os alimentos estiverem em atraso, o alimentado poderá executar o acordo de
alimentos existente ou a sentença do juiz que fixa a verba alimentar. Neste caso, a
cobrança/execução deverá ocorrer em nova ação, em autos apartados.
A execução dos alimentos provisórios e dos fixados em sentença não
transitada em julgado, somente podem se corados pela via
352
expropriatória (CPC 528 § 8.º) e se processa em autos apartados (CPC 531
§ 1.º).
Os alimentos definitivos ou incontrovertidos, podem ser cobrados sob a
ameaça de prisão (CPC 529 § 3.º), e podem ser exigidos nos mesmos
autos (CPC 531 § 2.º)98.

Nos casos de divórcio ou dissolução de união estável, realizáveis através de escritura


pública, a cobrança/execução deverá ocorrer execução (autos apartados), podendo ser por
expropriação ou prisão civil (conforme o caso).
Art. 911, CPC/2015
O juiz irá citar o devedor para em 3 dias efetuar o pagamento, provar que o fez ou
justificar a impossibilidade de fazê-lo.
Se não houver pagamento, nem justificativa, o juiz determina a prisão civil de 1 a 3 meses.
Essa execução será com base nos 3 últimos meses (até 3 meses) de prestações vencidas.
Incluem-se as vincendas. É bem célere.
Não cabe habeas corpus para prisão alimentar.
O cumprimento da pena não exime do pagamento dos alimentos, que seguem sendo
devidos.
Art. 913 e 824, CPC/2015.
Para a execução de alimentos vencidos há mais de 3 meses, deve-se utilizar o
procedimento do art. 824 e ss., CPC/2015 (execução por quantia certa), onde haverá, ao invés da
prisão, a penhora de bens. É bem mais moroso que o primeiro.
Ordem de penhora = art. 835, CPC/2015

TESES DO STJ SOBRE ALIMENTOS:


1) Os efeitos da sentença proferida em ação de revisão de alimentos - seja em caso de
redução, majoração ou exoneração - retroagem à data da citação (Lei n. 5.478/68, art. 13, § 2º),
ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do
excesso pago com prestações vincendas.
7) A obrigação de prestar alimentos é personalíssima, intransmissível e extingue-se com o
óbito do alimentante, cabendo ao espólio saldar, tão somente, os débitos alimentares
preestabelecidos mediante acordo ou sentença não adimplidos pelo devedor em vida,
ressalvados os casos em que o alimentado seja herdeiro, hipóteses nas quais a prestação
perdurará ao longo do inventário.

98
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 619.

353
12) Admite-se, na execução de alimentos, a penhora de valores decorrentes do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço FGTS, bem como do Programa de Integração Social PIS.
13) Os valores pagos a título de alimentos são insuscetíveis de compensação, salvo quando
configurado o enriquecimento sem causa do alimentando.
14) Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir
da citação. (Súmula n. 277/STJ)
2) Na execução de alimentos, é possível o protesto (art. 526, § 3º do NCPC) e a inscrição do
nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito.
5) O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as
três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do
processo. (Súmula n. 309/STJ) (Art. 528, § 7º do NCPC)
6) O atraso de uma só prestação alimentícia, compreendida entre as três últimas atuais
devidas, já é hábil a autorizar o pedido de prisão do devedor, nos termos do artigo 528, § 3º do
NCPC (art. 733, § 1º do CPC/73).
8) O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à
decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos. (Súmula n. 358/STJ)
9) O pagamento parcial da obrigação alimentar não impede a prisão civil do devedor.
10) A base de cálculo da pensão alimentícia fixada sobre o percentual do vencimento do
alimentante abrange o décimo terceiro salário e o terço constitucional de férias, salvo
disposição expressa em contrário. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 - Tema 192)
11) Cabe ao credor de prestação alimentícia a escolha pelo rito processual de execução a
ser seguido.
13) A constituição de nova família pelo alimentante não acarreta a revisão automática da
quantia estabelecida em favor dos filhos advindos de união anterior.
14) Os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ter caráter excepcional, transitório e
devem ser fixados por prazo determinado, exceto quando um dos cônjuges não possua mais
condições de reinserção no mercado do trabalho ou de readquirir sua autonomia financeira.
15) A responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos apresenta natureza
complementar e subsidiária, somente se configurando quando demonstrada a insuficiência de
recursos do genitor.

354
EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

04. SUCESSÕES
01. Abertura da sucessão; Princípio da saisine; Morte real; Morte presumida com e sem
decretação de ausência

SUCESSÃO EM GERAL
1. Abertura da sucessão
A sucessão se abre com o óbito. No exato momento da morte há a abertura da sucessão e
a transmissão da herança (bens, dívidas, créditos e obrigações) deixada pelo falecido aos
herdeiros (princípio da saisine) – art. 1.784.
Não há herança de pessoa viva, embora possa ocorrer a sucessão do ausente.
São, portanto, pressupostos da sucessão:
a) que o de cujus tenha falecido;
b) que lhe sobreviva herdeiro.
Se o autor da herança estiver vivo, não há sucessão. Assim, só se abre a sucessão havendo
óbito real ou presumido.
Em termos de morte civil, existem três modalidades: a) morte real; b) morte presumida
sem declaração de ausência; c) morte presumida com declaração de ausência.

355
a. Morte real
Aquela que se dá com corpo presente, ou seja, existe a materialidade (morte natural, por
atropelamento, por um tiro, cerebral, ...). Neste caso, necessário um laudo médico, atestando a
morte, para a elaboração do registro do óbito.

b. Morte presumida sem declaração de ausência


Via de regra é preciso que haja a apresentação do atestado de óbito para que possa ser
considerada aberta a sucessão. Contudo, há casos em que a morte é presumida, quando, por
exemplo, o corpo do de cujus não é encontrado em razão de, por exemplo, ter desaparecido em
um naufrágio ou incêndio, de forma a impossibilitar a constatação da morte via atestado de
óbito:

- desaparecimento do corpo da pessoa, sendo extremamente provável a morte de


quem estava em perigo de vida;

- desaparecimento de pessoa envolvida em campanha militar ou feito prisioneiro, não


sendo encontrado até dois anos após o término da guerra.
Art. 7. Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de
ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de
vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos,
somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e
averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

Nestes casos, após buscas e averiguações poderá ser requerida a declaração judicial da
morte presumida, quando, na sentença, deverá constar a data provável do falecimento99.
c. Morte presumida com declaração de ausência
Ao lado da morte natural, o legislador previu a morte presumida do ausente (art. 6.º).
Considera-se ausente aquele que desaparece de seu domicílio sem dar notícias, sem deixar
representante ou procurador para administrar-lhe o patrimônio, conforme art. 22:
Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver
notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem

99
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das sucessões. V. 6. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
13.

356
caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer
interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-
á curador.

Considerando que há uma presunção da morte do ausente, podem os herdeiros darem


abertura ao processo sucessório. A lei prevê três fases 100: curadoria dos bens do ausente,
sucessão provisória e sucessão definitiva.
Na fase de curadoria dos bens do ausente, em ação que deve ser proposta pelo MP ou
pelo interessado (qualquer sucessor), será nomeado um curador para guardar os bens do
ausente (art. 744, CPC/2015).
Serão curadores:
a) O cônjuge ou companheiro;
b) Os pais do ausente;
c) Os descendentes;
d) Um curador dativo (pessoa idônea e de confiança).
Uma vez que tenham sido arrecadados os bens do ausente, o art. 745, CPC/2015 determina
que seja publicado edital na internet, no site do Tribunal de Justiça e na plataforma de editais
do CNJ, onde deverá permanecer por 1 ano. Não havendo site, a publicação deve ocorrer, de
dois em dois meses, no órgão oficial e na imprensa da Comarca.
Passado 1 ano da arrecadação dos bens do ausente e da nomeação do curador, a sucessão
provisória poderá ser aberta pelos herdeiros. Se o ausente tiver deixado representante, o prazo
para abertura da sucessão provisória é de 3 anos após a arrecadação. Essa é a previsão do art. 26,
CC:
Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele
deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão
os interessados requerer que se declare a ausência e se abra
provisoriamente a sucessão.

O CPC/2015, contudo, traz a previsão, no § 1.º do art. 745, que o edital fará a previsão de
prazo e, no final deste prazo, é que poderá ser requerida a abertura da sucessão provisória.
§ 1º Findo o prazo previsto no edital, poderão os interessados requerer a
abertura da sucessão provisória, observando-se o disposto em lei.

100
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das sucessões. V. 6. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
14-20.

357
A doutrina tem entendido que aplica-se a disposição do CPC e não do CC (que prevê a
contagem de 1 ano a partir da arrecadação).
Poderão requerer a abertura da sucessão provisória:
Art. 27. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram
interessados:
I - o cônjuge não separado judicialmente;
II - os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;
III - os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua
morte;
IV - os credores de obrigações vencidas e não pagas.

A sentença de abertura da sucessão provisória só produz efeitos após 180 dias da sua
publicação na imprensa, ou seja, o trânsito em julgado desta sentença possui prazo especial e
diferente do geral (art. 28, CC).
Art. 28. A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só
produzirá efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa;
mas, logo que passe em julgado, proceder-se-á à abertura do
testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se o
ausente fosse falecido.
§ 1º Findo o prazo a que se refere o art. 26, e não havendo interessados na
sucessão provisória, cumpre ao Ministério Público requerê-la ao juízo
competente.
§ 2º Não comparecendo herdeiro ou interessado para requerer o
inventário até trinta dias depois de passar em julgado a sentença que
mandar abrir a sucessão provisória, proceder-se-á à arrecadação dos
bens do ausente pela forma estabelecida nos arts. 1.819 a 1.823.
Art. 29. Antes da partilha, o juiz, quando julgar conveniente, ordenará a
conversão dos bens móveis, sujeitos a deterioração ou a extravio, em
imóveis ou em títulos garantidos pela União.

Após este prazo é possível a abertura de eventual testamento e do inventário para partilha
dos bens. Para que os herdeiros ingressem na posse dos bens do ausente, deverão dar garantia,
através de penhor ou hipoteca dos seus bens (art. 30). Os que não puderem dar as garantias não
receberão o patrimônio, que ficará sob a administração do curador. Contudo, o cônjuge, os
descendentes e ascendentes poderão ingressar na posse, independentemente da garantia.

358
Art. 30. Os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente,
darão garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas
equivalentes aos quinhões respectivos.
§ 1º Aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a
garantia exigida neste artigo, será excluído, mantendo-se os bens que lhe
deviam caber sob a administração do curador, ou de outro herdeiro
designado pelo juiz, e que preste essa garantia.
§ 2º Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provada a
sua qualidade de herdeiros, poderão, independentemente de garantia,
entrar na posse dos bens do ausente.
Art. 31. Os imóveis do ausente só se poderão alienar, não sendo por
desapropriação, ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a
ruína.
Art. 32. Empossados nos bens, os sucessores provisórios ficarão
representando ativa e passivamente o ausente, de modo que contra eles
correrão as ações pendentes e as que de futuro àquele forem movidas.

Os herdeiros tem direito a percepção dos frutos dos bens. Se descendente, ascendente ou
cônjuge, percebem todos os frutos. Os demais sucessores, somente a metade.
Art. 33. O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor
provisório do ausente, fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens
que a este couberem; os outros sucessores, porém, deverão capitalizar
metade desses frutos e rendimentos, segundo o disposto no art. 29, de
acordo com o representante do Ministério Público, e prestar anualmente
contas ao juiz competente.
Parágrafo único. Se o ausente aparecer, e ficar provado que a ausência foi
voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua parte nos
frutos e rendimentos.
Art. 34. O excluído, segundo o art. 30, da posse provisória poderá,
justificando falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos
rendimentos do quinhão que lhe tocaria.
Art. 35. Se durante a posse provisória se provar a época exata do
falecimento do ausente, considerar-se-á, nessa data, aberta a sucessão
em favor dos herdeiros, que o eram àquele tempo.

Se o ausente reaparecer durante a sucessão provisória, o patrimônio lhe é devolvido.

359
Art. 36. Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de
estabelecida a posse provisória, cessarão para logo as vantagens dos
sucessores nela imitidos, ficando, todavia, obrigados a tomar as medidas
assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono.

Se depois de passados 10 anos da abertura dessa sucessão provisória (sentença) o ausente


não tenha retornado ou não tenha sido confirmada sua morte, os herdeiros poderão requerer a
sucessão definitiva (art. 37 a 39). A sucessão definitiva também pode ser requerida se restar
comprovado que o ausente conta com mais de 80 anos e que não há notícias dele há mais de 5
anos.
Art. 37. Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede
a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a
sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas.
Art. 38. Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que
o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas
notícias dele.

Se o ausente retornar nos 10 anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, terá direito
aos bens no estado em que se encontram, os sub-rogados em seu lugar ou o preço que os
herdeiros tiverem recebido pelos bens alienados. O § 4.º do art. 745, CPC/2015 determina que no
retorno do ausente deverão os sucessores provisórios ou definitivos serem citados para
contestar:
§ 4º Regressando o ausente ou algum de seus descendentes ou
ascendentes para requerer ao juiz a entrega de bens, serão citados para
contestar o pedido os sucessores provisórios ou definitivos, o Ministério
Público e o representante da Fazenda Pública, seguindo-se o
procedimento comum.

Se o ausente não retornar dentro do prazo de 10 anos, os bens serão definitivamente dos
herdeiros.
Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da
sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes,
aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se
acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e
demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois
daquele tempo.

360
Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente
não regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os
bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito
Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao
domínio da União, quando situados em território federal.

Trata-se de uma exceção do sistema sucessório, “tendo em vista que se admite a abertura
de sua sucessão simplesmente em razão de seu desaparecimento, sem que se tenha certeza de
seu falecimento”101.

2. Momento da transmissão da Herança. Comoriência - (Art. 8º CC)


Com a morte, como visto, transmite-se a herança, desde logo, aos herdeiros legítimos e
testamentários (art. 1.784), conforme a ordem da vocação hereditária (art. 1.829) ou, a sua falta, a
herança será recolhida pelo Município, Distrito Federal ou União (art. 1.844).
A transmissão da herança ocorre no exato momento da morte do de cujus, havendo a
necessidade que os herdeiros posteriormente aceitem a herança, vindo a tornar definitiva a
transmissão que já havia ocorrido, conforme disposto no art. 1.784. Como se verificou, é preciso
que o herdeiro sobreviva ao autor da herança (GONÇALVES, 2012, p. 36). Contudo, existem casos
em que ambos falecem em condições que não há como se precisar qual faleceu primeiro (em
um acidente de carro com morte instantânea, por exemplo).
A isso se dá o nome de comoriência, questão que se encontra prevista no art. 8º do
Código Civil:
Art. 8. Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se
podendo precisar quem precedeu aos demais, presumir-se-ão
simultaneamente mortos.

A importância da comoriência é regular os casos em que se torna impossível reconhecer


quem faleceu primeiro, para fins de transmissibilidade dos direitos hereditários. Roberto
Gonçalves (2012, p. 36) afirma que quando
[...] duas pessoas morrem em determinado acidente, somente interessa
saber qual delas morreu primeiro se uma herdeira ou beneficiária da
outra.

101
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 34.

361
Do contrário, inexiste qualquer interesse jurídico nessa pesquisa. O principal efeito da
presunção da morte simultânea é que, não tendo havido tempo ou oportunidade para a
transferência de bens entre os comorientes, um não herda do outro.
No caso de comoriência a sucessão de cada um deve ser regulada como se o comoriente
jamais houvesse existido. Nenhuma das pessoas atingidas sucederá a outra: por ficção jurídica é
como estas pessoas nunca tivesse existido. Não há transferência de bens e direitos entre os
comorientes.

EXEMPLO:
Num mesmo acidente morrem marido e mulher sem filhos. Com a regra, a sucessão de
cada um é regulada como se o comoriente jamais tivesse morrido. Venosa demonstra a vital
importância da comoriência:
[...] já que a pré-morte de um casal, por exemplo, tem implicações no
direito sucessório. Se faleceu primeiro o marido, transmitiu a herança à
mulher; se ambos não tivessem descendentes ou ascendentes, e a
mulher falecesse depois, a herança iria para os herdeiros dela, ou seja,
seus colaterais. O oposto ocorreria se provasse que a mulher falecera
antes. Tal situação pode ocorrer em casos de catástrofes, acidentes ou
mesmo por coincidência. Para evitar os entraves das presunções de pré-
morte, portanto, o Código presume comoriência, isto é, o falecimento
conjunto (VENOSA, 2012, p. 13)

Não sendo possível a prova da sobrevivência de nenhum deles, os herdeiros do marido


herdarão o que era dele; e os da mulher, o que era dela. Entre os comorientes, não há
transferência de direitos, isto é, nenhum pode suceder o outro, mas devem ser chamados a
sucessão os herdeiros daqueles que faleceram, 50% cada. Os bens serão herdados,
respectivamente, por seus parentes, na ordem da vocação hereditária do art. 1.829 CC.

3. Transmissão da Herança. Princípio da Saisine


O art. 1.784, CC afirma que havendo a morte, abre-se a sucessão e a herança transmite-se
desde logo aos herdeiros. A disposição legal reafirma o direito/princípio da saisine.
A sucessão mortis causa se abre com a morte do autor da herança. No exato momento do
falecimento, o domínio e a posse da herança transmitem-se aos herdeiros legítimos e
testamentários, mantendo o título, conteúdo e objeto. No momento da morte ocorre a abertura
da sucessão hereditária. O acervo patrimonial do falecido transmite-se aos herdeiros
independentemente de qualquer formalidade (desde logo, portanto).

362
Para que haja a transmissão é preciso que:
a) o herdeiro exista ao tempo da morte;
b) que a esse tempo não seja incapaz de herdar – a capacidade sucessória é verificada
no momento da morte.

Com a morte, extingue-se a personalidade civil e, por óbvio, a existência da pessoa natural
(art. 6.º), bem como a capacidade para ser titular de direitos e obrigações. Assim, pelo princípio
da saisine a posse da herança se transmite desde logo aos herdeiros. Segundo Tartuce (2012, p.
9) no momento da morte ocorre a delação (oferecimento da herança), segundo a qual os bens
do falecido transferem- se ao patrimônio dos herdeiros. Trata-se do período existente entre a
abertura da sucessão e a aceitação ou renúncia da herança.
No caso da aceitação, o efeito é retroativo à data do óbito. A aquisição dos direitos não
ocorre com a aceitação, mas sim com a morte do autor da herança. A aceitação é apenas uma
confirmação do direito do herdeiro, mas trata-se de um ato essencial, já que ninguém pode ser
herdeiro contra sua vontade (VENOSA, 2012, p. 15). Havendo renúncia, entende-se que o
renunciante jamais foi herdeiro.

A importância de saber o momento da morte é para que seja definida a lei que regula a
sucessão e a capacidade (legitimidade) para suceder, nos termos do art. 1.787, CC:
Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao
tempo da abertura daquela.

Tartuce (2012, p. 7) traz um exemplo para deixar clara a questão da capacidade para
suceder (e também para testar):
Determinado marido elabora um testamento deixando a parte
disponível de seus bens à sua esposa e, posteriormente, em razão de
esclerose, torna-se absolutamente incapaz. Em razão da doença, a
esposa o abandona, vindo ele a falecer cinco anos depois do divórcio do
casal. No caso descrito, o testador era capaz no momento da elaboração
do testamento e sua incapacidade superveniente não retira a validade do
testamento (art. 1.861, CC). Sua esposa tinha legitimidade para receber a
herança quando o testamento foi feito, mas perdeu-a no momento da
abertura, pois já se encontrava divorciada. Não será herdeira, portanto.

363
Desta forma, a capacidade de suceder é a do tempo da abertura da sucessão (momento
da morte) e, além disto, o lugar onde se abre a sucessão é o do último domicílio do de cujus.
Nestes termos:
Art. 1.785. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido.

Efeitos que derivam do Princípio da Saisine:


a) A herança transfere-se como um todo unitário, independentemente que sejam
vários herdeiros (art. 1.791), de modo que no período compreendido entre a abertura da
sucessão pelo falecimento do de cujus até o momento em que houver a partilha, a herança é
indivisível e o direito dos herdeiros será exercido em condomínio (co-herdeiros) (GONÇALVES,
2012, p. 39). Aqui aplicam-se as regras de condomínio.
b) O inventariante tem a posse direta e os demais herdeiros a posse indireta, mas
uma não anula a outra, conforme art. 1.197, CC, já que ambos ostentam a condição de
possuidores (GONÇALVES, 2012, p. 39-40). Como as regras são do condomínio, um herdeiro não
pode impedir o outro de usar o bem.
c) O herdeiro que sobreviver ao de cujus faz sua a herança por ele deixada. Ainda que
numa fração de segundo. Ele incorpora ao seu patrimônio deixado pelo morto (GONÇALVES,
2012, p. 41).
d) Comoriência – em razão da transmissão imediata da herança (princípio da saisine) é
importante fixar o momento exto da morte.

364
EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

02. Disposições gerais sobre sucessões; Herança e sua administração; Vocação/capacidade


hereditária

1. Lugar em que se abre a sucessão


A sucessão abre-se no local do último domicílio do falecido (art. 1.785, CC) (regra).
Exceções:
1. Falecido sem domicílio certo = situação dos bens (art. 48, § único, I, CPC/2015)
2. Falecido sem domicílio certo e com bens em lugares diferentes = local de qualquer
dos bens (art. 48, § único, II, CPC/2015)
3. Falecido com pluralidade de domicílios = qualquer deles (art. 71, CC)
Deve-se destacar que o CPC/2015 alterou a questão da competência, não importando
mais o local do óbito para a definição do lugar em que se abre a sucessão.
* Para todos verem: esquema

365
Estrangeiro:
Na sucessão de bens de estrangeiros, há uma disciplina especial. No caso de bens de
estrangeiros, situados no Brasil, aplica-se, via de regra, a lei do último domicílio do falecido (lei
estrangeira), salvo se a lei brasileira for mais favorável ao cônjuge ou filhos brasileiros (o
benefício é para situações em que o falecido for casado com brasileiro ou tiver filhos brasileiros).
Significa dizer que a lei protege o direito do cônjuge e dos descendentes em prejuízo de outros
herdeiros (ascendentes, colaterais).
* Para todos verem: esquema

2. Espécies de sucessão
O art. 1.786 define que a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.

a. Legítima
Decorre da lei; obedece a ordem da vocação hereditária (1.829) - ab intestato (bens fora do
testamento, testamento nulo) – art. 1.788. A sucessão legítima será sempre a título universal,
pois os herdeiros recebem a totalidade dos bens do falecido, ou, uma fração ideal (não
366
localizada) do patrimônio. Desta forma, os herdeiros participam da totalidade do ativo e do
passivo.

b. Testamentária
Decorre da manifestação da última vontade - bens abarcados pelo testamento (é válido
apenas sobre a quota disponível – 50% da sua parte). O falecido não tem o poder de dispor
livremente e integralmente do seu patrimônio. Havendo herdeiros necessários (cônjuge,
ascendentes e descendentes – 1.845), fica limitado pela liberdade de testar disposta no art. 1.789,
CC. O poder de dispor integralmente só ocorre na hipótese de herdeiros facultativos.
c. Simultânea:
A sucessão será simultaneamente legítima e testamentária quando houver testamento e
o extinto tiver herdeiros necessários.

RESUMO
* Para todos verem: quadro

Legítima Havendo herdeiros necessários, sem testamento.


Havendo herdeiros necessários, com testamento que tenha
caducado ou sido declarado nulo.

Testamentária Havendo testamento ou legado.

Simultânea Quando houver herdeiros necessários e, ao mesmo tempo,


testamento válido.

d. Sucessão a título universal e singular


Título universal: o herdeiro é chamado a suceder na totalidade da herança, fração ou
porcentagem. Pode ocorrer tanto na sucessão legítima como na testamentária.
Título singular: quando a transferência é de bens determinados a pessoas determinadas.
Ocorre, apenas, na sucessão testamentária (quando o testador deixa um legado).

e. Sucessão contratual
Apesar de não existir herança de pessoa viva (art. 426), é possível a sucessão contratual,
sendo vedado o pacto sucessório. Porém, excepcionalmente, podem em vida, a teor do art.
2.018, os ascendentes partilharem o seu patrimônio entre os descendentes por escritura pública
(com anuência de todos os descendentes):

367
Art. 2.018. É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou
de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros
necessários.

f. Sucessões irregulares
Sucessão irregular ou anômala é aquela que não obedece às normas próprias e à ordem
da vocação hereditária. A CF/88 estabelece, no art. 5.º, XXXI, o benefício ao cônjuge ou filhos
brasileiros, na sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil, permitindo a aplicação da lei
pessoal do de cujus, se mais favorável.

a. Espécies de sucessores
Herdeiro ou sucessor é aquele que será beneficiado com o patrimônio deixado pelo
falecido. O herdeiro pode ser legítimo ou testamentário.

a. Herdeiro legítimo:
O herdeiro legítimo é o que consta na ordem da vocação hereditária, indicada pela lei. Art.
1.829, CC e 1.790 (união estável). Classificam-se como necessários (descendentes, ascendentes e
cônjuge) e facultativos (colaterais e companheiros ou conviventes). É chamada a sucessão que
resulta da lei.
i. Necessários (legitimário ou reservatário):
É o descendente ou ascendente sucessível e o cônjuge (art. 1.845, CC), isto é, todo parente
em linha reta não excluído da sucessão por indignidade ou deserdação (ou renúncia). Os
herdeiros necessários não podem ser privados por disposição de última vontade. Sua existência
impede que o testador disponha a totalidade de seus bens. A eles é reservada a legítima
(metade da herança).
Segundo o art. 1.846, pertence aos herdeiros necessários a metade dos bens da herança
(legítima). A legítima corresponde, portanto a metade dos bens da herança deixada pelo
falecido, após a retirada da meação (se houver) e pagas as dívidas e despesas de funeral. Assim,
ao lado da expressão herdeiros necessários surge a ideia de legítima e de porção disponível,
conceitos que estão todos interligados.
Nesse sentido, o art. 1.789 afirma que havendo herdeiros necessários “o testador só pode
testar a metade da herança”. Não existindo herdeiros necessários (ascendente, descendente e
cônjuge) o testador pode dispor de 100% de seus bens. IMPORTANTE: durante a vida há a
liberdade de alienar, onerosamente, todo o patrimônio existente, não deixando nada de
herança. O que não pode haver é doação de todo o patrimônio ou excedendo a parte da
liberalidade para um dos filhos.

368
Nesse caso, algumas hipóteses podem ocorrer:
i. Se o autor da herança tiver doado, em vida, para algum herdeiro, em detrimento dos
demais, não mencionando que essa doação sai da sua parte disponível o herdeiro que
recebeu deverá, no inventário, trazer esses bens recebidos por doação a colação, descontando
da sua quota parte (entende-se como adiantamento de legítima);
ii. Se o autor da herança tiver doado, em vida, para algum herdeiro, mencionando que
se trata da sua parte disponível, não poderá exceder ¼ do patrimônio do casal (no caso de
comunhão universal, ou seja, ½ de meação e ½ de herança – dessa ½ da herança, somente a ½
(¼ do patrimônio, portanto) pode ser disponível).
Cálculo da legítima
O art. 1.847 traz a forma de cálculo da legítima. A legítima é calculada sobre a meação do
falecido, representada pelos bens existentes a época da abertura da sucessão.
Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na
abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral,
adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.

O cálculo da legítima é feito a partir do ativo da herança, ou seja, sobre a herança líquida,
descontadas as dívidas e despesas de funeral. Devem, ainda, ser adicionados os bens sujeitos à
colação.

Patrimônio de R$ 100.000,00
Regime de bens: comunhão universal
Cônjuge sobrevivente = meação → 50% → R$ 50.000,00 Herança = 50% → R$ 50.000,00
Dívidas do de cujus = R$ 10.000,00 Funeral = R$ 5.000,00
Total de despesas = R$ 15.000,00
50.000,00 – 15.000,00 = 35.000,00
Parte disponível = ½ → R$ 35.000,00 / 2 = 17.500,00
Legítima = a outra metade + eventuais bens doados em vida como adiantamento de
legítima.

Liberdade de testar - art. 1.789


Sem herdeiros necessários = liberdade plena de testar;

369
Com herdeiros necessários = apenas 50% da herança (excluída meação). A outra metade
constitui-se da legítima dos herdeiros. Deve ser respeitada a metade disponível aos herdeiros
necessários - art. 1846, CC.
E COMO SE CALCULA O VALOR PASSÍVEL DE SER TESTADO? O valor da parte disponível
(o que importa é o valor da avaliação e não o número de bens existentes) será definido nos
termos do art. 1.847, CC.
Após a avaliação será definido se o testador se manteve dentro da parte disponível. Se
houver excesso, haverá redução conforme as disposições dos arts. 1.966 a 1.968, CC:
Art. 1.966. O remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos, quando o
testador só em parte dispuser da quota hereditária disponível.
Art. 1.967. As disposições que excederem a parte disponível reduzir-se-ão
aos limites dela, de conformidade com o disposto nos parágrafos
seguintes.
§ 1º Em se verificando excederem as disposições testamentárias a porção
disponível, serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou
herdeiros instituídos, até onde baste, e, não bastando, também os
legados, na proporção do seu valor.
§ 2º Se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de
preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros
quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem estabelecida
no parágrafo antecedente.
Art. 1.968. Quando consistir em prédio divisível o legado sujeito a redução,
far-se-á esta dividindo-o proporcionalmente.
§ 1º Se não for possível a divisão, e o excesso do legado montar a mais de
um quarto do valor do prédio, o legatário deixará inteiro na herança o
imóvel legado, ficando com o direito de pedir aos herdeiros o valor que
couber na parte disponível; se o excesso não for de mais de um quarto,
aos herdeiros fará tornar em dinheiro o legatário, que ficará com o prédio.
§ 2º Se o legatário for ao mesmo tempo herdeiro necessário, poderá
inteirar sua legítima no mesmo imóvel, de preferência aos outros,
sempre que ela e a parte subsistente do legado lhe absorverem o valor.

Herança ≠ meação → herança é o patrimônio e dívidas que sobram após a exclusão da


meação. Ex.: regime de CUB. Dos 100% do patrimônio pertencente ao casal, 50% é meação e
50% é herança (sobre estes 50% é que será calculada a liberdade de testar).
Nesse sentido, a legítima é o limitador do poder de dispor. A legítima é sagrada e
inatingível (art. 1.961).
370
1. Facultativos:
Ao lado dos herdeiros necessários, encontram-se os facultativos, que são os colaterais até
4º grau. A existência de herdeiros facultativos não impede a disposição em testamento de todos
os bens pelo testador, assim considerado a sua parte disponível.
Conforme se verá mais adiante, também é herdeiro facultativo o companheiro
sobrevivente, pois, ao contrário do cônjuge, que não pode ser excluído da herança por ser
herdeiro necessário, o companheiro pode ser excluído através de testamento.

b. Herdeiro testamentário ou instituído:


É o herdeiro nomeado ou instituído, designado pelo testador por ato de última vontade
como uma parte do acervo, sem individualização de bens.
i. Legatário:
É o contemplado em testamento com coisa certa e determinada, singularizada, precisa.

3. Herança e espólio
A herança é conjunto patrimonial que é transmitido em razão do falecimento de alguém.
Deve-se destacar que a herança inclui tanto os bens, quanto os créditos e dívidas existentes em
nome do falecido.
A herança constitui o espólio, que é o titular do patrimônio. O espólio é um ente
despersonalizado, uma massa patrimonial ou universalidade de coisas, até a individualização
pela partilha. É utilizado sob o prisma processual. Ao espólio é reconhecida legitimidade ativa e
passiva e o seu representante é o inventariante ou, antes de sua nomeação, pelo administrador
provisório (art. 75, VII, CPC/2015).
O espólio responde pelas dívidas do falecido até a partilha e dentro dos limites da
herança. O espólio tem legitimidade para propor ação de despejo de imóveis de propriedade do
falecido. Após a partilha, cada herdeiro responderá pela dívida, dentro das forças de seu
quinhão. Realizada a partilha, o espólio deixa de existir, pois desaparece a universalidade
patrimonial.

4. Herança como um todo unitário e indivisível


O art. 1.791 dispõe que a “herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários
sejam os herdeiros”, aplicando-se as regras do condomínio. Trata-se da noção de
indivisibilidade.
Uma vez aberta a sucessão, esta é considerada um bem imóvel, mesmo que nos bens
deixados não existam imóveis (apenas móveis e automóveis, por exemplo) (art. 80, II, CC). Noção
de imobilidade.

371
Em razão disto, prevê o art. 1.793, CC, que apenas por escritura pública pode haver a
transmissão da herança (escritura pública de cessão de direitos hereditários). Trata-se de
requisito essencial para a validade do ato jurídico. Além disto, há a necessidade de outorga do
cônjuge do herdeiro, para a validade do ato (art. 1.647., I, CC).
Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que
disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

São firmadas duas ideias fundamentais do direito sucessório:


a. a devolução unitária da herança aos herdeiros: efeito translativo, se opera de plano,
nascendo a indivisibilidade da herança, que diz respeito à posse e ao domínio dos bens
transmitidos.
b. a noção de indivisibilidade do monte hereditário: da abertura até o momento da
partilha a herança permanece em condomínio, um todo unitário e indivisível até o transito em
julgado da partilha.
A indivisão inicia no momento da abertura da sucessão, que é considerada como um todo
unitário e indivisível. Com a partilha, haverá a individualização da quota parte de cada herdeiro,
quando, cada um, passará a administrar seu quinhão. Depois de julgada a partilha o art. 2.023
determina que o direito de cada herdeiro fica circunscrito aos bens do seu quinhão.
Contudo, enquanto não operada a partilha, os herdeiros são todos coproprietários e co-
possuidores da herança, tendo a regulação de seus direitos, conforme as disposições relativas
ao condomínio. Assim, como se trata de um condomínio, cada herdeiro tem os mesmos direitos
e deveres com relação ao todo, de modo que um herdeiro não tem mais ou menos direitos ou
deveres sobre bens específicos da herança. Significa dizer que nenhum herdeiro pode “se
apossar” de um bem determinado, em detrimento dos demais herdeiros. Neste caso, qualquer
herdeiro que se sentir prejudicado pode se utilizar das ações possessórias para assegurar sua
posse (arts. 1.825 e 1.827, CC).
A partir dessa noção de indivisibilidade, pergunta-se, é possível que algum herdeiro aliene
a herança? Sim, cada herdeiro pode alienar ou ceder, mas somente sua quota ideal, ou seja,
pode transferir a terceiro seu quinhão, mas não pode ser transferida parte certa e determinada
da herança. É nesse sentido a disposição do art. 1.793, § 2.º, CC: “é ineficaz a cessão, pelo
coerdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado
singularmente”. Neste caso, se o herdeiro alienar sua quota parte sobre o bem X, esta cessão só
terá eficácia se, com a partilha, o herdeiro, de fato, receber o bem X.
Mas, como são aplicadas as regras do condomínio, o coerdeiro pode alienar, respeitando a
preferência estabelecida no art. 504, CC.

372
5. Cessão de direitos hereditários
O art. 1.793 prevê que toda a herança ou parte dela (quota) é suscetível de alienação
(onerosa ou gratuita). O titular dos direitos hereditários, desde o momento da abertura da
sucessão, goza da faculdade dispositiva. Com a abertura da sucessão instaura-se a o
condomínio sucessório entre os herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784). Antes da morte
não é possível a cessão, pois o direito brasileiro veda o chamado pacto sucessório (contrato que
tem como objeto a herança de pessoa viva) – arts. 426 e 166, II e VII, CC. A forma de transmissão
destes direitos é a cessão. O cedente (herdeiro legítimo ou testamentário) transfere a qualidade
hereditária patrimonial.
A efetiva transferência do direito só se opera com a partilha (trânsito em julgado,
registrado no CRI). Porém, o cessionário se investe instantaneamente nos direitos alienados,
devendo, quando da abertura do inventário, se habilitar.
O Herdeiro único e universal pode ceder, também, no todo ou em parte. Se for universal, o
herdeiro-cedente nada mais terá a ver com a herança (persiste, é óbvio, sua responsabilidade
perante o cessionário até a efetividade do título hereditário: partilha averbada).

Forma e objeto
O direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel e, nesse sentido, para que seja
realizada a cessão, deve ser feita por escritura pública, com outorga uxória como condição de
validade do negócio jurídico (art. 1.793; art. 1.647, I; art. 166, IV).
A escritura deve estipular se a cessão é feita de forma gratuita ou onerosa; se estão sendo
cedidos todos os direitos hereditários ou somente de parte do quinhão; etc.
O objeto do contrato são os direitos hereditários.
O cedente: deve ter capacidade para alienar; garante a existência da herança, não sua
extensão.
O cessionário (aquele que adquire): recebe a herança no estado em que se encontra,
correndo o risco de ser mais ou menos, dependo da existência de dívidas; sub-roga-se nos
direitos do cedente, como se fosse ele próprio.
A cessão não pode ser feita quanto a um bem determinado, mas somente quanto à quota
parte do herdeiro cedente, sem individualização. Isto se dá em razão da indivisibilidade da
herança (todo unitário), de forma que é ineficaz a cessão de bem individualizado (art. 1.793, § 2.º,
CC).
§ 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre
qualquer bem da herança considerado singularmente.

Não quer dizer que a cessão não possa ser feita, mas dependerá da concordância dos
demais herdeiros. Ex.: “cede para Fulano de Tal os direitos hereditários que tem por falecimento
373
de XXX, sobre o imóvel Y”. Dependerá da concordância/liberalidade dos demais co-herdeiros.
Isto acontece, normalmente, quando os herdeiros fizeram a partilha de forma amigável,
dividindo entre eles os bens existentes.

Direito de acrescer
A cessão realizada abrange apenas os direitos hereditários existentes no momento da
cessão. Se depois de realizada houver, em favor do cedente, substituição ou direito de acrescer
(em razão de renúncia de um co-herderio, p. e.x.), os direitos daí resultantes não estarão
compreendidos na cessão realizada anteriormente (GONÇALVES, 2012, p. 58).

Direito de preferência do co-herdeiro


O herdeiro cedente, conforme art. 504, caput e § 1º, deve dar ciência aos herdeiros
condôminos, para exercício de prelação (preferência). Nesse sentido, o art. 1.794, CC traz a
determinação de que:
Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a
pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por
tanto.

Caso não tenha sido dado o direito de preferência à algum co-herdeiro, este poderá, nos
termos do art. 1.795, CC, exercer este direito a posteriori:
Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão,
poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o
requerer até cento e oitenta dias após a transmissão.

Este direito deverá ser exercido em até 180 dias após a ciência da alienação. E se mais de
um herdeiro quiser exercer o direito de preferência? Neste caso, segundo Tartuce (2012, p. 18)
deverá o quinhão cedido ser distribuído entre eles, na proporção de suas quotas hereditárias:
Art. 1.795. Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a
preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das
respectivas quotas hereditárias.

Outros aspectos relevantes da cessão:


- A Escritura Pública de Cessão não está sujeita ao registro imobiliário. Não existe a coisa
em concreto, falta o pressuposto da especialidade, pois o objeto da cessão é a transferência de
direitos e não da propriedade.
- A cessão deve ser juntada aos autos do inventário. O cessionário pode manifestar-se no

374
inventário (deverá se habilitar). Se for único herdeiro, pode requerer a adjudicação do bem
cedido. Pode ser nomeado inventariante. Pode requerer a abertura do inventário.
- Quando for feito inventário extrajudicial, pode-se realizar a cessão de direitos no
mesmo dia da escritura de inventário. Basta que todos os impostos (transmissão) estejam
pagos.
- Pela força dos § § 2º e 3º do art. 1.793, o cedente não responde pela evicção, a menos
que ceda bens inexistentes, ou que não lhe pertençam, em relação à sua quota-parte. Esta
regra decorre do princípio da indivisibilidade da herança e do caráter aleatório da cessão.
- A cessão depende da anuência conjugal (na hipótese de casados) porque a cessão é
translativa. Havendo resistência do cônjuge ou companheiro em anuir à cessão, possível a
busca do suprimento judicial de consentimento. Exceção: art. 1.647: alienar, fazer doação,
prestar fiança ou aval (Regime da Separação de Bens);
- O cessionário, responde como responderia o cedente, pelo passivo da herança (até o
limite do quinhão).
- A cessão pode sofrer desconstituição Judicial, quando eivada de qualquer dos vícios de
consentimentos;

- A ação anulatória deve ser promovida em autos próprios. Pode ocorrer a suspensão do
inventário ou não (depois de decidida a questão, faz-se, então, uma sobrepartilha).

- Os direitos testamentários ou legatários podem ser transferidos por cessão.


- Quando o cônjuge cede a totalidade, chamamos de cessão da universalidade de Bens
que compõe a meação. O cônjuge sobrevivo pode ceder parcialmente.

6. Responsabilidade dos herdeiros


Enquanto não realizada a partilha, o espólio responde pelas dívidas do falecido (art. 597,
CPC/2015), tendo o espólio, representado pelo inventariante, capacidade para ser parte (art. 12, V,
CPC/2015).
O art. 1.792 prescreve que o herdeiro tem responsabilidade somente no limite das forças
da herança, incumbindo-lhe a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse,
demonstrando o valor dos bens herdados. Contudo, para que o herdeiro não responda por
dívidas superiores às forças da herança, terá de comprovar o excesso, salvo se houver inventário
demonstrando o valor dos bens herdados (art. 796, CPC/2015). Como o inventário é um
levantamento dos bens, créditos e débitos existentes em nome do falecido, apura-se o valor das
dívidas e o valor dos bens necessários ao pagamento delas. Só serão partilhados os bens ou
valores que restarem após o pagamento das dívidas existentes (GONÇALVES, 2012, p. 54).

375
7. Abertura do Inventário – art. 1.796
O art. 1.796 prevê que 30 dias após a abertura da sucessão deve-se instaurar o inventário. O
CPC/2015 prescreve no art. 611 o prazo de dois meses a contar do óbito (abertura da sucessão)
para a instauração do inventário. O art. 616 do CPC/2015 arrola outras pessoas que têm
legitimação concorrente.
A inobservância do prazo pode acarretar sanção de natureza fiscal, com a imposição de
multa sobre o imposto, conforme súmula 542, STF. No caso do Rio Grande do Sul não há
nenhum tipo de sanção. Essa multa é, quase sempre, relevada pelo juízo do inventário. CADA
ESTADO REGULA A APLICAÇÃO DESTA SANÇÃO102.
O foro competente para a propositura do inventário é o mesmo do lugar da abertura da
sucessão:
Art. 1.796. No prazo de trinta dias, a contar da abertura da sucessão,
instaurar-se-á inventário do patrimônio hereditário, perante o juízo
competente no lugar da sucessão, para fins de liquidação e, quando for o
caso, de partilha da herança.

8. Administração provisória da Herança


Como regra, a administração da herança compete ao inventariante. Contudo, do
momento em que é aberta a sucessão até a nomeação e compromisso do inventariante, a
administração provisória fica a cargo do espólio, que é o administrador provisório (art. 613,
CPC/2015).
Art. 613. Até que o inventariante preste o compromisso, continuará o
espólio na posse do administrador provisório.

O administrador provisório está na posse da herança e representa o espólio ativa e


passivamente, devendo trazer ao acervo os frutos dos bens do espólio (art. 614, CPC/2015):
Art. 614. O administrador provisório representa ativa e passivamente o espólio, é obrigado
a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu, tem direito ao
reembolso das despesas necessárias e úteis que fez e responde pelo dano a que, por dolo ou
culpa, der causa.

Mas quem será o administrador provisório? O art. 1.797, CC traz o rol daqueles que podem
ser administradores provisórios:

102
São Paulo: Lei Estadual 10.705/2000; Minas Gerais: Lei Estadual: 14.941/2003; Maranhão:
Lei Estadual .912/1998.

376
Art. 1.797. Até o compromisso do inventariante, a administração da
herança caberá, sucessivamente:
I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da
abertura da sucessão;
II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se
houver mais de um nessas condições, ao mais velho;
III - ao testamenteiro;
IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos
incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo
grave levado ao conhecimento do juiz.

Questão que não é pacífica é a obediência ou não a esta ordem. Há decisões que
flexibilizam e permitem que a nomeação do administrador provisório seja distinta desta ordem
do art. 1.797, CC. Outras, contudo, entendem que deva ser, rigorosamente, obedecida.

9. Vocação hereditária. Capacidade para suceder - Art. 1.787.


Aptidão para tornar-se herdeiro (VENOSA, 2012, p. 50) de uma determinada herança. Esta
capacidade/aptidão é avaliada no momento da abertura da sucessão (morte do autor da
herança – princípio da saisine). O herdeiro, no momento da morte, deve ostentar essa condição.
Ex1: Se o autor da herança falecer hoje e deixar um herdeiro e, amanhã, entrar em vigor lei
nova retirando deste a condição de herdeiro, a nova lei não o atingirá, pois já lhe havia sido
transmitidos os direitos de posse e domínio.
Ex2: Se a abertura da sucessão tiver ocorrido antes da CF/88, que igualou os direitos
sucessórios dos filhos adotivos aos biológicos, se o de cujus tiver deixado um filho adotivo e o
falecimento tiver ocorrido antes da vigência da CF/88, o filho adotivo não herdará (GONÇALVES,
2012, p. 40). Diferente será se o falecimento ocorrer após a entrada em vigor da CF/88. Neste
caso, o filho adotado herdará da mesma forma que o biológico.
O art. 1.798 trata da legitimidade para suceder, estabelecendo que aqueles que estiverem
vivos ou concebidos no momento da abertura da sucessão serão legitimados a receber a
herança.
Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas
no momento da abertura da sucessão.

Segundo Tartuce (2012, p. 23) o art. 1.798, CC trata da sucessão legítima, admitindo como
herdeiro legítimo somente a pessoa natural e não a jurídica.
A partir daí, vem a tona a questão do nascituro. Salienta Gonçalves que os “nascituros
podem ser, assim, chamados a suceder tanto na sucessão legítima como na testamentária,
377
ficando a eficácia da vocação dependente do seu nascimento. Podem, com efeito, ser indicados
para receber deixa testamentária” (GONÇALVES, 2012, p. 69). Assim, nascendo com vida, os
efeitos retroagem a data da concepção. Se nascer o feto morto, não terá direitos, será como se
nunca tivesse existido. Assim, os direitos do nascituro são subordinados a condição resolutiva,
ou seja, nascimento com vida (TARTUCE, 2012, p. 24). Da mesma forma, caducam as disposições
testamentárias que beneficiam pessoas já falecidas (a deixa testamentária volta para a sucessão
legítima).
Mas para que tenha direitos, já deve estar o embrião implantado no útero materno? Se for
uma situação de fecundação in vitro haverá direitos sucessórios reservados ou não? De início é
preciso que fique claro que não há uma uniformidade ou unanimidade, nem na doutrina, nem
na jurisprudência.
Há quem entenda que apenas o nascituro (o embrião já implantado no útero materno –
com gravidez comprovada) poderá suceder legitimamente e não o embrião. Nesse sentido:
Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim afirmam que deve- se exigir a implantação no útero
materno para que possa haver o regular desenvolvimento com vida (TARTUCE, 2012, p. 24).
Em sentido contrário, há os que levam em consideração o art. 1.597, CC, que dispõe que se
presumem concebidas na constância do casamento as pessoas nascidas a qualquer tempo, em
se tratando de embriões excedentários, fecundados por fertilização homóloga. Neste caso: Zeno
Veloso afirma que mesmo após a morte do pai, havendo a implantação do embrião e sendo a
gestação levada a termo, o nascimento com vida e a aquisição da personalidade fazem com
que este filho seja herdeiro, porque considera-se que estava concebido quando o genitor
faleceu e, além disto, há a questão da igualdade trazida pelo art. 227, § 6.º, CF (TARTUCE, 2012, p.
25).
A III Jornada de Direito Civil, realizada em 2004, aprovou o enunciado 267, do Conselho da
Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
Enunciado 267 - Art. 1.798: A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser
estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de
reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da
pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às
regras previstas para a petição da herança.

Desta forma, entende o STJ que embrião também é considerado sucessor legítimo.

Para que alguém possa suceder, não basta invocar a ordem da vocação hereditária.
Devem ser preenchidas algumas condições (VENOSA, 2012, p. 53):

a. deve ser pessoa – animais não podem suceder. O que pode haver é o testador impor
378
ao herdeiro testamentário um encargo de cuidar de um animal em específico.
b. deve estar viva – pode já estar concebido na época da morte e terá direito se nascer
com vida e, então, tornar-se-á herdeiro desde a concepção.
c. deve ser capaz – é a aptidão específica para a herança, a legitimação. Assim não
basta existir no momento da morte, tem de ser legítimo, pois se o autor da herança tiver
deixado descendente, os ascendentes, mesmo que vivos, não serão legítimos;
d. não pode ter sido declarada indigna – aquele que praticar atos contra o autor da
herança, que sejam presumidos incompatíveis com os sentimentos de afeição real ou
presumida.

i. Legitimação para suceder por testamento:


O art. 1.799, CC traz a previsão daqueles que são legitimados a suceder por testamento,
além daquelas já existentes ou concebidas o momento da abertura da sucessão (nascituro):
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a
suceder:
1. - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador,
desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
2. - as pessoas jurídicas;
3. - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador
sob a forma de fundação.

No inciso I, o legislador abre exceção à regra geral, possibilitando que filhos não
concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que estas estejam vivas quando da
abertura da sucessão, venham a ser herdeiros testamentários. É a chamada prole eventual ou o
concepturo.
Mas, se, por exemplo, o testador instituir cláusula no testamento, contemplando o filho
não concebido de sua filha (seu eventual neto, portanto) e, quando a sucessão for aberta sua
filha estiver morta, caducará a disposição testamentária.
Dispõe o art. 1.800, CC que depois de feita a partilha os bens serão entregues a um curador
nomeado pelo juiz:
Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança
serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo
juiz.
§ 1º Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à
pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente,
às pessoas indicadas no art. 1.775.

379
§ 2º Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado,
regem-se pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no
que couber.
§ 3º Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a
sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte
do testador.
§ 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for
concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em
contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.

Deve ser destacado o § 4.º, que estabelece que se até dois anos após a abertura da
sucessão não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados caberão aos herdeiros
legítimos.
Quem deve existir no momento da morte do autor da herança são os pais do beneficiado,
não este, que, na hipótese, sequer precisa estar concebido (GONÇALVES, 2012, p. 73).
IMPORTANTE: Também deve ser salientado que essa disposição do art. 1.799, I, CC, aplica-
se tanto a filhos biológicos, quanto a filhos adotivos, em razão da igualdade estabelecida pela
CF, no art. 227, § 6º.
Com relação aos filhos havidos em razão de inseminação artificial, a questão é
diferenciada (e, de certa forma, injusta). Gonçalves (2012, p. 75) explica bem a situação:
Em princípio não se pode falar em direitos sucessórios daquele que foi
concebido por inseminação artificial post mortem, uma vez que a
transmissão da herança se dá em consequência da morte (CC, art. 1.784)
e dela participam as “pessoas nascidas ou já concebidas no momento
da abertura da sucessão” (art. 1.798).
A questão, no entanto, é tormentosa e cabe à doutrina e à jurisprudência
fornecer subsídios para sua solução. A doutrina brasileira se inclina no
sentido de negar legitimação para suceder aos filhos havidos por
métodos de reprodução assistida, quer na hipótese de a morte do
ascendente preceder à concepção, quer na de implantação de embriões
depois de aberta a sucessão. Solução favorável à criança ocorreria se
houvesse disposição legislativa favorecendo o fruto de inseminação post
mortem.
[...]
[...]se o Código Civil de 2002 trata os filhos resultantes de fecundação
artificial homóloga, posterior ao falecimento do pai, como tendo sido
“concebidos na constância do casamento”, não se justifica a exclusão de
380
seus direitos sucessórios. Entendimento contrário conduziria à aceitação
da existência, em nosso direito, de filho que não tem direitos sucessórios,
em situação incompatível com o proclamado no art. 227, § 6.º, da
Constituição Federal.

O inciso II, do art. 1.799, CC permite que também as pessoas jurídicas possam ser
beneficiadas no testamento. Desta forma, qualquer pessoa pode ser contemplada no
testamento, tanto física quanto jurídica, simples ou empresária, de direito público ou privado.
O inciso III, do art. 1.799, CC permite que o testador beneficie uma fundação que, nos
termos do art. 62, pode ser criada por escritura pública ou testamento. Neste último caso,
segundo Gonçalves (2012, p. 77), “por ainda não existir a pessoa jurídica idealizada pelo testador,
aberta a sucessão os bens permanecerão sob a guarda provisória da pessoa encarregada de
instituí-la, até o registro de seus estatutos, quando passará a ter existência legal”.
A doutrina admite que o testador deixe bens para uma pessoa jurídica existente de fato,
mas não de direito. São os casos das sociedades de fato, nos termos do art. 986, CC. O que se
deve perceber é que estas pessoas jurídicas existem, já estão atuando, ainda que não tenham
seus documentos constitutivos registrados. O que não se permite é que o testador beneficie
pessoa jurídica que, sequer existe de fato.
Se, contudo, os bens destinados para constituir a fundação forem insuficiente e o testador
não dispuser de forma diversa, deverão os bens serem destinados a outra fundação que tenha
finalidade igual ou semelhante (art. 63, CC). OBSERVAÇÃO: Já caiu questão no exame de
ordem sobre esta situação!

ii. Pessoas que não podem ser nomeados herdeiros testamentários, nem legatários
O art. 1.801 menciona que outras pessoas não podem ser nomeadas herdeiras, nem
legatárias:
Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:
I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou
companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - as testemunhas do testamento;
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver
separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante
quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.

Essas incapacidades passivas ocorrem em razão de serem consideradas suspeitas. No


inciso I a exclusão se dá por suspeição. No inciso II, da mesma forma, para garantir a segurança
381
da vontade do testador, evitando influência das testemunhas. O concubino do testador casado
também não pode figurar na sucessão (III) – concubinato = relação não eventual entre homem e
mulher impedidos de casar. O inciso IV veda ser instituído como herdeiro ou legatário o tabelião
ou escrivão, enfim, a autoridade perante quem se fizer ou aprovar o testamento. O intuito
também é proteger e assegurar a vontade livre do testador.

iii. Simulação de contrato oneroso e interposição de pessoa


O art. 1.802 dispõe:
Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas
não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de
contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os
descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado
a suceder.

Assim, mesmo com as proibições dos arts. 1.801, 1.798, 1.799, I, se forem contempladas
pessoas neles contantes, de forma direta ou mediante simulação, as disposições testamentárias
serão NULAS.
A nulidade da deixa testamentária pode revestir-se de duas formas: a) o
testador dissimulada a liberalidade sob a aparência de contrato oneroso;
ou b) recorre a interposta pessoa para beneficiar o proibido de suceder
(GONÇALVES, 2012, p. 84).

Para exemplificar a situação:


a) o testador confessa ser devedor de obrigação inexistente, ou alega ter prometido à
venda certo bem, afirmando já ter recebido o preço acordado;

b) o testador utiliza um “testa de ferro” para realizar a operação que tinha em mente;
c) o testador, com intenção de beneficiar a concubina, institui o pai da mulher,
beneficiando-a, indiretamente.
É lícita, contudo, a deixa ao filho do concubino, se também o for do testador (art. 1.803).

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

382
03. Aceitação da herança; Renúncia da herança; Exclusão da sucessão por indignidade e
deserdação; Herança jacente e vacante; Petição de herança
01. Aceitação da herança
Com o falecimento abre-se a sucessão e a transmissão opera-se desde logo. A aceitação
revela a anuência do beneficiário em receber a herança. Assim, o recebimento da herança é
facultativo, pois o beneficiário poderá deliberar (aceitar ou renunciar) seu direito. A aceitação (ou
adição) da herança é o ato pelo qual o herdeiro concorda com a transmissão dos bens do de
cujus, que ocorreu, por lei, no momento da abertura da sucessão.
Obs: Enquanto não manifestada a aceitação, entrementes, não é definitiva a
transmissão, no que foi claro o Código em seu art. 1.804 CC. Embora se de a transmissão
imediata, a aceitação vem a ser uma confirmação da aquisição que se dá a partir da
abertura da sucessão.

Espécies de aceitação:
O art. 1.805, estabelece as duas formas de aceitação: expressa e tácita.

383
e. Expressa - É a manifestada por escrito, público ou particular, de que o beneficiário
deseja receber a herança.
f. Tácita - É a que prevalece (Art. 1805, segunda parte, CC). A aceitação tácita resulta de
qualquer ato que demonstre a intenção de aceitar a herança, atos compatíveis com caráter de
herdeiro:
a) se o herdeiro cede seus direitos hereditários;
b) se o herdeiro nomeia advogado e se faz representar como tal no inventário;
c) se o herdeiro concorda com a avaliação, ou contesta;
d) se o herdeiro efetua cobrança de dívidas do espólio;
e) se requer a abertura do inventário;
f) quando paga dívida dos de cujus com numerário proveniente do espólio;

g) quando doa bens da herança;


h) que pratica atos que vão além de simples atos de conservação e administração e que
impliquem, necessariamente, a intenção de aceitar;
i) o silêncio do herdeiro, quando notificado para se manifestar (art. 1.807).

Art. 1805, §1º, CC: “não exprimem aceitação da herança os atos oficiosos, como o funeral
do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda interina”. Esses atos
são praticados de forma altruísta, sem o intuito de aceitar a herança.
ATOS OFICIOSOS = praticados de forma desinteressada, com objetivo de prestar favor.
ADMINISTRAÇÃO E GUARDA PROVISÓRIA = praticados pelo herdeiro para atender a uma
necessidade premente, sem intenção de tê-los para si.
Art. 1805, §2º, CC: a cessão pura e simples para os demais coerdeiros também não importa
aceitação da herança – equivale a uma renúncia (GONÇALVES, 2012, p. 91).
c) Presumida - É o que ocorre no caso do art. 1807, CC, quando algum interessado em
saber se o herdeiro aceita ou não a herança faz requerimento ao juiz, após passados 20 dias da
abertura da sucessão, para que lhe intime a dizer, em prazo não superior a 30 dias, se aceita ou
não a herança (GONÇALVES, 2012, 91). Nesse caso, o silêncio é interpretado como manifestação
da vontade (aceitação presumida).
Percebe-se, então, que a aceitação tácita difere da presumida, pois esta última
depende da provocação de um terceiro interessado, enquanto que a primeira resulta “de
atos próprios da qualidade de herdeiro”.
Todavia, quem seriam esses interessados?
a) Os demais herdeiros;
b) As pessoas que, em caso de não aceitação, serão promovidas à condição de herdeiros;
384
c) Algum credor.

Forma que a pessoa manifesta a aceitação:


a) Direta: oriunda do próprio herdeiro
b) Indireta: quando alguém faz pelo herdeiro. Pode acontecer em algumas hipóteses:
- oriunda de sucessores (art. 1809, CC) – se o herdeiro falecer antes de aceitar a herança
impede a transmissão desta a seus sucessores. Neste caso, transmite-se a eles o direito de
aceitá-la ou repudiá-la. Contudo, se para o recebimento da herança deve ser implementada
uma condição (diploma universitário, p. ex.), se falecer o herdeiro antes da realização da
condição, o direito hereditário é como se nunca tivesse existido e, portanto, os sucessores do
herdeiro não poderão aceitar por ele.
Ex.: A falece e deixa dois sucessores: B e C. Antes que houvesse a aceitação da herança por
estes, B falece e deixa os herdeiros X e Y. Neste caso, X e Y:

• Podem recusar a herança do avô e aceitar a do pai;


• Podem recusar a do pai;
• Não podem recusar a do pai e aceitar a do avô – seria, de certa forma, um aceite
“parcial” da herança!

- mandatários – é possível haver renúncia ou aceitação da herança por procuração.


- tutor ou curador – representantes do incapaz, mediante autorização judicial (art. 1748,
II, CC).
- credores – não poderá haver renúncia com prejuízo aos credores. Nesse caso, os
credores poderão aceitar a herança em nome do renunciante, a fim de evitar a fraude (art. 1.813,
CC). Neste caso os credores, com autorização do juiz do inventário, aceitam a herança, recebem
o quinhão hereditário do renunciante (na proporção da dívida) e, havendo saldo, os demais
bens/valores serão entregues aos demais herdeiros que seriam beneficiados com a renúncia. O
saldo não será devolvido ao renunciante.
c) Aceitação parcial ou condicional: Não pode haver aceitação parcial. Nesse sentido,
temos que interpretar o art. 1808, caput e §1º, CC, pois trata da questão de um mesmo herdeiro
ser:
- herdeiro universal de um título e;
- legatário de um título singular.
Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob
condição ou a termo.
§ 1º O herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitá-los,
renunciando a herança; ou, aceitando-a, repudiá-los.

385
Assim, considerando que se trata de modalidades de sucessão distintas, nada impede que
o beneficiário renuncie ou não aceite integralmente a uma sucessão, conservando a outra. Ele
renuncia a toda herança e aceita o legado por inteiro, ou renuncia a todo o legado, aceitando
toda a herança.
O herdeiro ao continuar na posse dos bens, ocupa o lugar do de cujus em todas “as
relações jurídicas, sub-rogando-se em seus direitos e obrigações”.
O que lhe é vedado é aceitar parcialmente a herança. (A segunda parte do § 1º do art. 1.808
é que permite a renúncia parcial). Portanto, não pode o sucessor aceitar a herança sob
determinada condição (aceita, mas se não tiverem dívidas a serem pagas).

Irrevogabilidade da aceitação
O Código Civil, em seu art. 1.812, define a irrevogabilidade da aceitação e de renúncia.
Assim, realizada a aceitação (expressa ou tácita ou presumida) não haverá possibilidade de
revogar tal ato, de modo que a aceitação gera efeitos imediatos e definitivos.

Anulação da aceitação
Assim, depois de realizada a aceitação, se for verificado que o aceitante não é o herdeiro,
como por exemplo, chamar-se à sucessão os colaterais e, depois, verificar-se a existência de
filhos, deverá ser declarada a ineficácia da aceitação, devolvendo-se a herança a quem de
direito. Se, contudo, o inventário já tiver sido julgado, como homologação da partilha, apenas
com a ação de petição de herança é que será possível reivindicar o que lhe cabe.

02. Renúncia da herança


Art. 1806, CC.
É o ato solene pelo qual a pessoa, chamada à sucessão de outra, declara que não aceita. O
herdeiro não é obrigado a aceitar a herança. A recusa de recebê-la chama-se renúncia ou
repúdio. Os efeitos da renúncia retroagem a data da abertura da sucessão. Não se presume,
pois é negócio formal e não está sujeita a condição ou termo.
A renúncia tem como características: é unilateral, gratuita, irretratável e formal. Não é
possível haver promessa de renúncia.
Segundo o art. 1.806, CC, deve ser feita por instrumento público ou termo nos autos,
sendo, portanto, vedada a renúncia tácita. Necessita de uma ação, de uma atividade por parte
do herdeiro renunciante. Trata-se, pois, de negócio solene.

O art. 1808 NÃO ADMITE CONDIÇÃO OU TERMO na renúncia, ou seja, ela é essencial, pura
e simples.
386
EX: Escritura pública de renúncia: por meio desta escritura pública de renúncia, Joãozinho
renuncia a herança de Carlinhos, para que Marquinhos seja beneficiado. Nesse caso, se o
herdeiro renunciante declarar que deseja beneficiar outro herdeiro, a hipótese não é de
renúncia, mas de cessão de direitos hereditários.

Não existe renúncia em favor de alguém. Se alguém renunciar em favor de alguém,


trata-se de transmissão = cessão de direitos.

Características da Renúncia:
Rizzardo aponta as principais características da renúncia, acompanhando o entendimento
doutrinário dominante:
a) A unilateralidade, por não depender da vontade de outros herdeiros.
b) A abstratividade, isto é, a ausência de motivações. Não é colocada nenhuma razão, e
muito menos vem mencionado algum pagamento, posto que aí a figura seria cessão.

c) A indivisibilidade, porquanto a renúncia se opera em relação à herança, e não a um


bem, continuando o herdeiro a concorrer na partilha do restante do patrimônio. A lei não
admite renúncia parcial (art. 1.808).

d) Ato jurídico puro, ou seja, sem depender de condições ou termo. Art. 1.808
CC.

e) Gratuita, jamais se permitindo algum pagamento ou uma compensação, sob


pena de confundir-se, então, com a cessão de direitos.

f) Efeito retroativo, valendo a contar da morte do autor da herança. Arts. 1.784 e 1.804.
g) O formalismo, que é de rigor, nunca se acolhendo que seja reconhecida à renúncia
por manifestação verbal, nem por instrumento particular. A renúncia deve ser feita por
instrumento público ou termo judicial (art. 1.806). Não há presunção de renúncia ou renúncia
tácita. Deve ser expressa e formal.

Distinção entre os tipos de Renúncia:


- Abdicativa: é a verdadeira renúncia, pura, simples, sem condição, é dizer que não
quer, sem indicar favorecido. Essa renúncia opera-se em favor do monte. Incide, apenas o
imposto mortis causa (ITCD).

- Translativa: o herdeiro que renuncia em favor de determinada pessoa, o que implica


em transmissão da herança, envolvendo duas declarações de vontade: aceitação e alienação
simultânea. A renúncia existe apenas no nome, pois se trata de cessão de direitos hereditários.
A importância de diferenciar a renúncia pura e simples da translativa se dá em razão da
incidência de impostos. No caso da renúncia pura e simples incide, tão somente o ITCD (causa

387
mortis). Já no caso da renúncia translativa, há a incidência de dupla tributação: causa mortis
(ITCD – de cujus ao herdeiro) e inter vivos (ITBI - herdeiro ao terceiro/beneficiário). Equivale a
uma cessão de direitos hereditários.

Requisitos da Renúncia para ser válida


Para validade da renúncia são indispensáveis alguns pressupostos ou requisitos, como:
a) deve ser expressa: art. 1806, primeira parte, CC. Faz-se por declaração escrita;
“instrumento público ou termo judicial”.
b) deve ser promovida: art. 1806, segunda parte, CC - por instrumento público ou
termos nos autos (não apenas nos autos do inventário) ... em qualquer processo que se discuta a
herança). Significa dizer que há a necessidade de uma ação por parte do renunciante.
c) exige plena capacidade jurídica do renunciante, em razão das consequências que
acarreta. Assim, não pode renunciar aquele que for incapaz (nem por seu representante legal -
curador), a menos que obtenha a autorização judicial. Não basta capacidade genérica, sendo
necessária também a de alienar. Feita renúncia por mandatário, deve este exibir procuração
com poderes especiais para renunciar (art. 661, § 1.º, CC).
d) não pode ser feita antes de aberta à sucessão. O óbito é que deflagra o processo
sucessório e as questões relativas à qualidade de herdeiro.
e) sendo casado o herdeiro, há necessidade do consentimento do cônjuge - exceto no
regime da separação absoluta (art. 1.647, I). A outorga de consentimento do cônjuge é
indispensável para a validade da renúncia, pois o direito à sucessão aberta é considerado bem
imóvel (art. 80, II). Se o cônjuge nega-se a dar o consentimento, o juiz poderá supri-lo, conforme
art. 1.648, CC.
Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga,
quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja
impossível concedê-la.

f) uma vez realizada, RETROAGE à data da abertura da sucessão, no sentido de que o


renunciante é tratado como se nunca tivesse existido.

g) que não prejudique os credores: A Lei de Falências e Recuperação de Empresas – Lei


n. 11.101, de 9.02.2005, reconhece no art. 129, a ineficácia dos atos em relação a falência: inc. V: a
renúncia à herança ou legado, até dois anos antes da decretação da falência.

Nesse sentido, o art. 1.813, CC prevê que, se o herdeiro renunciar a herança e os credores
sentir-se prejudicados, poderão aceitar a herança pelo herdeiro:

388
Art. 1.813. Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à
herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do
renunciante.

§ 1o A habilitação dos credores se fará no prazo de trinta dias seguintes ao


conhecimento do fato.

§ 2o Pagas as dívidas do renunciante, prevalece a renúncia quanto ao


remanescente, que será devolvido aos demais herdeiros.

h) direito de acrescer: o quinhão volta automaticamente aos outros herdeiros. Se o


herdeiro for o único da classe são convocados os herdeiros da classe seguinte.

Na renúncia, não há que se falar em direito de representação. Os descendentes do


renunciante não podem representá-lo porque ele nada recebeu. RENÚNCIA E
REPRESENTAÇÃO NÃO VIVEM JUNTAS!

Formas de renúncia: art. 1.806


1) por termo nos autos – A renúncia por termo nos autos independe de homologação.
Basta que seja feito um termo, pelo escrivão judicial (cuja fé pública se assemelha/equipara a do
tabelião) para que tenha validade.
2) por escritura pública – nunca contrato particular, art. 1806, CC. O Código menciona
expressamente por instrumento público, inadmitindo escrito particular.

Efeitos da Renúncia:
Muitas são as implicações do ato de renunciar, irradiando alguns efeitos, em especial, a
exclusão do herdeiro renunciante de forma ampla e definitiva.
a) Exclusão, da sucessão, do herdeiro renunciante: o RENUNCIANTE é tratado como
se nunca tivesse sido herdeiro (retroage à data da abertura da sucessão, ou seja, desde o
óbito). O renunciante é afastado da sucessão (art. 1.810 e 1811). NÃO CABE, PORTANTO, DIREITO
DE REPRESENTAÇÃO.
b) direito de acrescer: a parte do renunciante passa imediatamente à dos outros
herdeiros da mesma classe, nos termos do art. 1810, CC.

389
* Para todos verem: esquema

A e B recebem a cota de “C” – A herança será divida em duas partes.


c) Se ele for o único descendente e renunciar, a renúncia não atinge aos herdeiros da
próxima classe (art. 1.810, segunda parte). Com isto, se o renunciante for filho único e tiver filhos,
estes serão os herdeiros (os netos do falecido). Nesse caso, os netos herdam em condição
própria, caso esses não existam, são convocados os ascendentes, seguindo-se a ordem legal.

* Para todos verem: esquema

B herdeiro renunciante
“H” e “L” herdarão por cabeça – 50% para cada um.

d) Renúncia e representação são incompatíveis (art.1.811). Se o renunciante vier a


falecer, os seus herdeiros não herdam. Inexiste direito de representação. Os descendentes do de
cujus não podem representar o renunciante na sucessão do ascendente, salvo se ele for o único
herdeiro de sua classe ou se todos os herdeiros de mesma classe renunciarem.

390
* Para todos verem: esquema

C herdeiro renunciante
A e B recebem a cota de “C”.
Herdeiros de C: não herdam

e) Se todos os herdeiros da mesma classe renunciarem, os filhos (netos do autor da


herança) serão chamados a suceder por direito próprio, por cabeça (art. 1811, CC). Neste caso,
mesmo que o falecido tiver deixado vários filhos, todos renunciantes, e cada um deles com
quantidade diversa de filhos, cada neto do autor da herança receberá em partes iguais, como se
os seus pais jamais tivessem existido (serão, todos eles, herdeiros de mesma classe e, neste caso,
não há diferença no percentual da herança). Se ele for o único descendente e renunciar, essa
renúncia não atinge aos netos, que herdam em condição própria, caso esses não existam, são
convocados os ascendentes...
* Para todos verem: esquema

A, B e C = herdeiros renunciantes
X, H, L e Y herdam por direito próprio ou cabeça. Não há diferença de percentual na
herança, neste caso.

e) SE A RENÚNCIA FOR LESIVA AOS CREDORES, aplica-se o art. 1813, de forma que o
credor poderá aceitar a herança pelo renunciante. Satisfeito o débito, havendo saldo, este será
devolvido ao monte, para repartir entre os demais herdeiros.

391
Renúncia de Legado e Herança:
Há diferença entre a renúncia de herança legítima e testamentária. No segundo caso,
havendo renúncia ao testamento, se houver substituto, este receberá. Do contrário, será
devolvido à massa. O art. 1.947, CC permite que o testador indique um substituto no
testamento, caso o beneficiário não aceite a herança ou legado:

Art. 1.947. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao


legatário nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder
aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a substituição foi
determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se
refira.

Com isto, se houver substituto, havendo renúncia por parte do beneficiário, o substituto
herdará. Se não houver (ou o substituto também renunciar), a herança ou legado deixados por
testamento deverá ser partilhada.
De qualquer forma, na sucessão testamentária, a renúncia do herdeiro acarreta a
caducidade da instituição, salvo se o testador tiver indicado substituto (CC, art. 1.947) ou houver
direito de acrescer entre os herdeiros (art. 1.943).

Irrevogabilidade da Aceitação e da Renúncia

Art. 1812, CC – São irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança. A


renúncia é irrevogável, a não ser que se comprove que o renunciante obrou por um vício que
aderiu a sua vontade. Nesse caso, se o ato de consentimento encontra-se viciado é anulável.
A renúncia é, também, irretratável, não admite revogação, pois, tratando-se de ato
jurídico unilateral. É um ato solene e se aperfeiçoa no momento da emissão da vontade,
gerando seus efeitos. ELA SE OPERA RETROATIVAMENTE.
É claro, como qualquer ato jurídico, proveniente de erro, dolo ou violência pode sofrer a
sanção de invalidade (é anulável a renúncia). OBS: art. 1813.
Nesse caso, ocorrerá a invalidade absoluta se não tiver sido feita por escritura pública ou
termo judicial, quando feita por pessoa absolutamente incapaz, não representada e sem
autorização judicial; e relativa, quando proveniente de erro, dolo ou coação, a ensejar a anulação
do ato por vício de consentimento, ou quando realizada sem a anuência do cônjuge, se o
renunciante for casado em regime que não seja o da separação absoluta de bens.
Quadro comparative
* Para todos verem: esquema
392
RENÚNCIA CESSÃO

Antes de aceitar a herança Após aceitar a herança

Expressa Expressa

Escritura pública ou termo nos autos Somente por escritura pública

Repúdio total da herança Cessão pode ser parcial ou total

Não pode haver renúncia em favor de pessoa A cessão é em benefício de pessoa ou


determinada – operada a renúncia a quota pessoas determinadas
parte divide-se entre os demais herdeiros

Irrevogável Irrevogável

Admite retratação em caso de vício de vontade


– mas é caso de anulação ou nulidade.

Renunciada a herança a parte do renunciante Cedida a herança e havendo direito de


acresce a dos demais acrescer ou substituição o cedente segue
tendo direitos (a cessão é apenas dos bens
existentes à época da cessão)

Renunciada a herança o herdeiro fica como se Cessionário assume posição equiparável a


nunca tivesse existido de herdeiro e este segue tendo direitos
sobre direito de acrescer e substituição

03. Excluídos da sucessão – art. 1.814 a 1.818, CC


A sucessão hereditária está assentada em uma razão de ordem ética: a existência de
afeição entre o falecido e o herdeiro. Este último deve manter um sentimento de gratidão e/ou
respeito à pessoa do de cujus. A inexistência ou a quebra desta afetividade, através da prática
de atos de desapreço e menosprezo contra o autor da herança ou atos delituosos, torna o
herdeiro indigno de receber os bens deixados pelo falecido.

3.1 Indignidade – art. 1.814


A indignidade é uma sanção civil que acarreta na perda do direito sucessório por parte do
herdeiro que venha a cometer os atos expressos no art. 1.814, CC.
No caso de prática de atos atentatórios ao de cujus, o legislador cria uma pena, que
consiste na perda da herança. Aplica-se ao sucessor legítimo e/ou sucessor legatário
(testamentário) que houver praticado ato de ingratidão.

393
O art. 1.814, CC traz expressas as causas que importam na exclusão do herdeiro
considerado indigno. Trata-se de situações taxativas, não se admitindo qualquer tipo de
interpretação expansiva.
Para Gonçalves (2012, p. 112), a exclusão por indignidade pressupõe:
a) seja o herdeiro ou legatário incurso em casos legais de indignidade;
b) não tenha sido reabilitado pelo de cujus;
c) haja uma sentença declaratória da indignidade.

O art. 1814, caput, CC enumera as hipóteses exaustivas da exclusão, que se dão em razão
de:
a) atentados contra a vida (dolo);
b) atentados contra a honra
c) atentados contra a liberdade do de cujus.
Não se admitem outros casos. A matéria não admite INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA OU
ANALÓGICA. O reconhecimento da indignidade deverá ser porfiado em ação própria,
estritamente, nas hipóteses legais.

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:


I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio
doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu
cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança
ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou
companheiro.
III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o
autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última
vontade.

I – é o de homicídio, tentado ou consumando, cometido pelo herdeiro contra o autor


da herança.
Como se vê, – pela própria redação do inciso – o reconhecimento da indignidade
independe de anterior condenação do indigno no juízo criminal.
A prova dessa indignidade pode ser feita no cível. É a mais grave das causas apontadas
pelo legislador, pouco importando os motivos.
A pena é aplicada aos que praticaram homicídio doloso ou tentativa contra o autor da
herança e seus parentes sucessíveis.

394
A prova do fato e da culpabilidade é feita no curso da ação civil. Não é preciso que já tenha
havido condenação criminal. Contudo, se já tiver sido condenado no crime, não mais se discute
no cível sobre quem é o autor do fato (a sentença penal transitada em julgado faz coisa julgada
no cível). Também, se o autor do fato tiver sido absolvido no criminal, não poderá ser declarado
indigno no juízo cível.
Além da sanção cível – exclusão por indignidade – o autor dos atos atentatórios contra a
vida do autor da herança ou ascendentes ou descendentes seus, sofrerá, ainda, as sanções
penais cabíveis.
E se houver sentença criminal absolvendo o réu (herdeiro), por inimputabilidade? E se o
juiz, absolver o réu pela inexistência do fato?
Nestes casos, a sentença criminal faz coisa julgada no cível, ou seja, civilmente a exclusão
ou a tentativa desta não surtirá efeitos (art. 935, CC). Portanto, a sentença do juízo criminal
impede que no cível se reconheça a indignidade.
Por outro lado, verifica-se que a lei exige que o homicídio seja voluntário. Exclui-se,
portanto, o homicídio culposo, decorrente de imprudência, imperícia e negligência. O dolo é
essencial para o reconhecimento da exclusão do herdeiro.

II – a hipótese retrata caso de denunciação caluniosa (art. 339, CP), da calúnia (art.
138), injuria (art. 139) e difamação (art. 140, CP). APENAS NA FORMA CONSUMADA – não
existe, neste caso, tentativa
O que diz o art. 339 do CP: “dar causa a instauração de investigação criminal ou processo
judicial contra alguém, (...) imputando-lhe a prática de crime que sabe ser inocente”.
Denunciação caluniosa.
Nos casos de calúnia, injúria e difamação ocorre o mesmo.
Pergunta-se: É necessária a condenação do herdeiro para se reconhecer a indignidade? O
que importa é, sem dúvida, saber se o herdeiro deu causa à ação penal contra o falecido.

III – Neste caso a lei visa garantir a plena liberdade de disposição do de cujus.
Inibir é cercear a livre disposição dos bens. Obstar é impedir a livre disposição. Em ambos
os casos, a conduta do herdeiro importa em indignidade. Trata-se, aqui, da fraude, do dolo e da
coação, denominados de atos inibitórios, que interferem na vontade do autor herança. Ora, se o
herdeiro pratica atos inibitórios abusando da confiança do testador ou falsificando a
manifestação de vontade, deve responder pelo ato, ensejando o afastamento da sucessão pelo
reconhecimento da indignidade, em autos apartados. Algumas situações fáticas:
a) herdeiro constrange o de cujus a testar;
b) herdeiro impede-o de revogar testamento anterior;

395
c) herdeiro suprime testamento cerrado ou particular dele;
d) herdeiro elabora testamento falso;
e) herdeiro cientemente, pretende fazer uso de testamento falsificado.

Procedimento para obtenção da exclusão – ação declaratória de indignidade


O reconhecimento da indignidade pressupõe uma declaração judicial (art. 1.815), de forma
que será proclamada por sentença, em regra, em ação promovida pelos interessados. Deve,
portanto, haver uma ação declaratória intentada com o objetivo de excluir o herdeiro da
herança, possibilitando o devido contraditório e a ampla defesa do herdeiro excluído.
O legitimado para propor a ação declaratória é qualquer interessado na sucessão. Assim,
admite-se a propositura por coerdeiro, Município, Distrito Federal ou União, na falta de
sucessores legítimos e testamentários.
Não tem interesse, contudo, aquele que não tiver benefício direto com a exclusão. Ex.:
quando o excluído tiver filhos, em razão do disposto no art. 1.816, CC, os irmãos do indigno não
terão legitimidade para propor a ação, pois não se beneficiarão com sua exclusão.
Trata-se de ação de interesse privado, mas, quando houver interesse público, admite-se a
legitimidade do Ministério Público. Neste sentido o enunciado 115, CJF/STJ:
O Ministério Público, por força do art. 1.815 do novo Código Civil, desde
que presente o interesse público, tem legitimidade para promover ação
visando à declaração de indignidade de herdeiro ou legatário.

A ação declaratória de indignidade só pode ser proposta após a morte do autor da


herança, pois antes não existe a sucessão. Com isto, há que se dizer que o herdeiro excluído
chega a receber a herança (pelo princípio da saisine). A eficácia da sentença, instaurado o amplo
contraditório, retira a qualidade de herdeiro: efeitos ex tunc (retroativo).
O prazo para a propositura da ação é de 4 anos contados da abertura da sucessão – art.
1.815, § único.

Efeitos da indignidade – art. 1816 CC


a) são pessoais os efeitos da exclusão – a condenação não passa da pessoa do
excluído. Se o excluído tiver filhos, estes herdarão em seu lugar, pois é como se o excluído fosse
morto antes da abertura da sucessão. O fundamento é de que a pena não passa da pessoa do
condenado. Desta forma, os herdeiros do indigno sucedem por representação.

396
* Para todos verem: esquema

H – herdeiro indigno.
A e B – herdarão por representação (no lugar de seu pai, como se ele nunca tivesse
existido).
Com isto:
X – recebe 1/3 Y – recebe 1/3
A e B – dividem o 1/3 que caberia a seu pai.

Se, contudo, não houverem herdeiros descendentes do indigno (se, no caso acima, A e B
não existissem), a parte do indigno será partilhada entre os herdeiros de mesma classe, que
herdarão por direito próprio. Neste caso, X e Y herdariam, cada um, 50% dos bens deixados.
No caso da sucessão testamentária, se houver substituto, este herdará. Do contrário,
voltará para o monte partilhável.

b) os efeitos da sentença retroagem à data da abertura da sucessão: embora se


reconheça que o indigno receber a herança no momento da abertura da sucessão, com a
sentença, os efeitos retroagem até esta data, de forma que o legislador determina que o
indigno seja considerado premorto (com isto, não há a incidência de imposto sobre a quota
parte do indigno, ou seja, se este tiver filhos, não haverá ITCD sobre o seu recebimento e ITBI
sobre a transmissão para seus filhos).
c) perda dos frutos e rendimentos: nos termos do art. 1.817, §único, o herdeiro excluído
deve restituir os frutos e rendimentos que tenha obtido até a declaração de indignidade, mas
tem direito a ser ressarcido das despesas com a conservação dos bens.

d) perda do usufruto e da administração dos bens que couberem aos filhos: com a
declaração de indignidade, se o excluído tiver filhos, estes serão os beneficiários da herança. O
art. 1.689, I e II, CC, prevê que os pais são os administradores e usufrutuários dos bens dos filhos.

397
Neste caso, sendo declarado indigno, o genitor perderá este direito. Se assim não fosse, poderia
tirar proveito dos bens da herança, da qual foi afastado por ingratidão.
Se o indigno é considerado um morto civil, para efeitos sucessórios, é natural que se lhe
retire a administração e o usufruto dos bens. Art. 1.816, § único.

Validade dos atos praticados pelo herdeiro aparente


O herdeiro indigno, como já afirmado, até o trânsito em julgado da sentença declaratória
de indignidade é considerado herdeiro legítimo. Desta forma, o art. 1.817, CC, prevê que os atos
de alienação onerosa realizados a terceiros de boa-fé, praticados antes da sentença de exclusão
são válidos. Cabe aos herdeiros prejudicados demandar, contra o excluído, indenização por
perdas e danos. NESTE CASO OS EFEITOS DA SENTENÇA SÃO EX NUNC – não retroagem!!!
(No geral a sentença retroage a data do óbito – privilégio da boa-fé).
Contudo, esta validade do ato dependerá de haver boa-fé do adquirente e, ainda, do ato
ter sido realizado a título oneroso. Se, contudo, tiver ciência da indignidade e, ainda assim,
adquirir o bem, deverá devolvê-lo. E, ainda, da mesma forma, se o ato for gratuito.

Reabilitação do indigno – art. 1.818, CC


O Código Civil admite expressamente a possibilidade de reabilitação do herdeiro pelo
autor da herança, através de testamento ou outro ato autêntico.
Trata-se de perdão. Sabem-se os sentimentos: PAI É PAI, MÃE É MÃE. Pode ocorrer que o
autor da herança, em vida, queira que o autor da ingratidão, não seja excluído, muito embora
tenha sido caluniado, injuriado, etc... Exclui-se, evidentemente, o homicídio, pela lógica do
impossível.
Este perdão é solene, porque a lei diz: ATO AUTÊNTICO OU TESTAMENTO, de forma que
deve ser expresso, embora não exista a exigência de palavras sacramentais. A reabilitação do
herdeiro pelo perdão, uma vez concedida, é irretratável.
Mesmo que o testamento seja anulado, a cláusula que reabilita o indigno permanece
válida.
Ato autêntico é qualquer declaração, por instrumento público, não se admitindo a
validade da escritura particular, cartas, declarações verbais ou de próprio punho, ainda que
corroboradas por testemunhas.
E se o ofendido após o ato de indignidade contemplar o herdeiro, por via testamentária?
Aqui, evidentemente, o herdeiro está reabilitado. Não há a necessidade de que exista a
expressão “perdoo o indigno”, ou algo equivalente, mas tão somente disposições que indiquem
o perdão. A redação do parágrafo único do art. 1.818, CC. O ato de perdão é inequívoco. Não
existe perdão tácito.
Então temos que o perdão, ou melhor a reabilitação pode ser:
398
a) expressa
b) tácita – mas por via testamentária, contemplando o herdeiro.

3.2 Deserdação
A deserdação é uma causa de exclusão pela qual o autor da herança, através de
disposição de última vontade – testamento – exclui de sua sucessão o herdeiro necessário que
tenha praticado atos moralmente censuráveis e previstos na lei civil.

IMPORTANTE: só se aplica aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e


cônjuge), que ficam privados de sua legítima, sem atingir a meação.
Trata-se de uma pena civil que é aplicada pelo próprio autor da herança, através de
testamento.

Características da deserdação

a) o arbítrio do autor da herança não é ilimitado (incondicionado); precisa seguir os


pressupostos legais e limites.
b) o autor deve mencionar a causa constitutiva e determinante da deserdação, entre as
indicadas na lei (para permitir a defesa e o contraditório);
c) deve ser clara e expressa; atendendo os requisitos legais;
d) não existe deserdação tácita, virtual ou implícita;
e) o testador pode retratar a deserdação (por testamento). EX: não vale simples
reconciliação; precisa cancelar, ou fazer um novo testamento, seguindo o rito anteriormente
adotado.
f) o testamento que é anulável (nulo), torna ineficaz a cláusula de deserdação;
g) condição ou termo são inconciliáveis com a deserdação;
ex: Ameaças, em relação ao herdeiro fazer ou deixar de fazer algo, sob pena de ser
deserdado, não têm o poder nem a legalidade para deserdar.
h) o excluído da sucessão não tem direito ao usufruto e à administração dos bens (art.
1816, parágrafo único, CC);
i) não há proibição de deserdação parcial (sanção proporcional à gravidade da ofensa,
apesar de não estar pacífica tal posição);
j) o herdeiro que falece antes do testador não pode ser deserdado (implicaria na quebra
do princípio da pessoalidade, alcançando os descendentes do punido. A pena é personalíssima).
No entanto, existe a possibilidade de deserdar o neto, vinculada a pré-morte do filho,
condicionada aos mesmos requisitos supracitados.

399
Causas da deserdação – art. 1.814, art. 1.962 e art. 1.963, CC
Os arts. 1.814, 1.962 e 1.963 trazem as causas da deserdação. Dispõe o art. 1.814, CC:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio
doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu
cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança
ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou
companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o
autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última
vontade.

Além destas, também autorizam a deserdação as causas previstas no art. 1.962 e 1.963, CC:

• Ofensas físicas: não bastam ameaças. A violência dever ser real e efetiva. Ato
voluntário do filho contra o pai. Ainda que tenha acarretado somente lesões corporais de
natureza leve e independentemente de condenação criminal. Aplicam- se ao caso as
excludentes de ilicitude.

• injúrias graves: devem ser dirigidas diretamente contra o testador. Não se justifica a
deserdação quando a ofensa atinge aos seus familiares. Contudo, a injúria contra o cônjuge ou
companheiro é passível de deserdação (art. 1.814, II). O adjetivo grave deve ser considerado e a
gravidade será avaliada conforme o caso concreto: cartas, bilhetes, gestos obscenos, condutas.

• relações ilícitas com a madrasta ou padrasto: podem criar um ambiente prejudicial


para a paz familiar. Não exige relações sexuais. Pode ser atos lascivos, libidinagem, intimidade,
luxúria, etc.

• desamparo, abandono, falta de assistência: pode abranger a falta de assistência


moral, material ou espiritual.

Requisitos de eficácia da deserdação:


O art. 1.964 afirma que somente com a declaração expressa da causa é que a deserdação
poderá ser ordenada via testamento. Fazendo-se a interpretação deste dispositivo com o art.
1.961, CC, tem-se que são requisitos para a deserdação:

a) existência de herdeiros necessários: a deserdação constitui-se da exclusão do


herdeiro necessário (descendente, ascendente ou cônjuge), sendo o único meio legal de afastá-

400
los da sucessão.

b) testamento válido: a deserdação não produz efeitos quando o testamento é nulo,


revogado ou caduco. O testamento é a única forma de haver a deserdação. Não se admite
outra forma. A deserdação deve ser expressa, embora não hajam expressões sacramentais. O
perdão ao deserdado só pode ser concedido em novo testamento.

c) expressa declaração de cláusula prevista em lei: as causas estão no art. 1.814, 1.962 e
1.963, CC. O rol é taxativo. Não se admitem outras causas não previstas. O testador deve
mencionar no testamento o motivo, a causa que o leva a deserdar o herdeiro.

d) propositura de ação ordinária: para que a deserdação seja ultimada, não basta a
simples declaração via testamento. Deve haver, ainda, uma ação ordinária, promovida pelo
beneficiário pela deserdação do herdeiro, que prove a veracidade da causa alegada pelo
testador, nos termos do art. 1.965.

Efeitos da deserdação:
O art. 1.816, CC afirma que os efeitos da exclusão são pessoais. Apesar de não haver
previsão expressa para a deserdação, aplica-se este mesmo dispositivo, tendo em vista que o
objetivo da indignidade e da deserdação é o mesmo.
- Privação em todo ou parte, da legítima, sendo o deserdado havido como se morto
fosse;
- É de índole pessoal a sanção;
- Aos ascendentes não cabe a representação;
- Os descendentes recolhem a herança por direito de representação;

Ação de deserdação – art. 1.965


Conforme afirmado, para que haja a deserdação, além da declaração no testamento, nos
termos do art. 1.964, deve ser proposta uma ação visando a confirmação da veracidade da causa
alegada pelo testador. Sem esta comprovação é ineficaz a deserdação.
Tal ação deve ser proposta pelo herdeiro instituído ou pelo herdeiro que aproveitará a
deserdação. A ação deve ser proposta dentro de 4 anos (parágrafo único), contados da data da
abertura do testamento; passado esse prazo, é herdeiro naturalmente.

3.3 Diferenças entre Indignidade e Deserdação


* Para todos verem: esquema

401
INDIGNIDADE DESERDAÇÃO

Decorre de lei, que prevê a sanção nos casos de Decorre da vontade do autor da herança que,
prática de atos previstos no art. 1.814, CC. em testamento, pune o responsável.

Resulta de causa impessoal, lastreando-se na Advém da vontade direta e expressa do


vontade presumida. testador.

É instituto da sucessão legítima, ainda que Só pode ocorrer na sucessão testamentária, pois
também possa alcançar o legatário. depende do testamento, com expressa
declaração de causa (art. 1.964).

Pode atingir todos os sucessores (legítimos, Só atinge os herdeiros necessários


testamentários ou legatários). (descendente, ascendente e cônjuge).

Sua efetivação se dá por ação judicial, proposta A deserdação se dá por testamento, com
por terceiros interessados, em ação própria e expressa declaração da causa (art. 1.964).
obtida mediante sentença judicial (art. 1.815).

Admite reabilitação, mediante perdão do Não comporta perdão, pois o ato


ofendido. correspondente é praticado em testamento (ato
de última vontade). Pode, contudo, novo
testamento revogar o anterior.

Nem sempre os fatos são anteriores à morte do Os suportes fáticos são anteriores à morte do
autor da herança autor da herança.

3.4 Diferenças entre ser excluído da sucessão e não ter legitimidade para suceder:
* Para todos verem: esquema

EXCLUSÃO POR INDIGNIDADE FALTA DE LEGITIMIDADE

A pessoa recebe a coisa e a perde A pessoa nunca recebeu, pois não tinha
legitimidade para tanto.

É uma pena civil aplicada ao herdeiro ou É a inaptidão para receber a herança, por
legatário pela prática de determinados atos motivos de ordem geral, independente de
de ingratidão. seu mérito ou demérito.

O indigno existe e perde a herança havida, ou O ilegítimo não existe para a sucessão,
seja, o direito existiu até a declaração de portanto, não tem direito de suceder.
indignidade

Os herdeiros do indigno recebem sua parte Os herdeiros do não legitimado não

402
recebem

Obstaculiza a conservação da herança Impede que surja p direito à sucessão

04. Herança jacente e herança vacante - Art. 1.819 a 1.823


A herança sempre deve ser entregue aos sucessores do falecido. Se ocorrer de o falecido
ter falecido e não deixar descendentes, esta herança será recolhidapelo Município, Distrito
Federal ou União, dependendo de onde estejam localizados os bens. Contudo, para que isto
ocorra, devem ser observados alguns procedimentos.
Quando abre-se a sucessão e o de cujus não deixou herdeiros, nem testamento
conhecido, diz-se que a herança é jacente (art. 1.819).
A herança JAZ enquanto não se apresentam herdeiros do falecido para reclamá-la. Assim,
o Estado determina, para evitar o perecimento da herança, que haja a sua arrecadação para
que, ao fim, seja entregue aos herdeiros que se apresentem e tenham legitimidade para
suceder.
Somente depois de realizadas as diligências legais, ainda não aparecerem herdeiros, é que
a herança será declarada vacante, para o fim de ser incorporada ao patrimônio do Poder
Público.
Existem, portanto, duas fases: a jacência e a vacância.
HERANÇA JACENTE: Assim, quando aberta a sucessão verifica-se que o de cujus não
deixou testamento, nem tem herdeiros, diz-se que a herança é JACENTE (art. 1.819, CC). Mesmo
quando haja herdeiro sucessível, enquanto não se souber da sua existência, a herança será
jacente.
HERANÇA VACANTE: depois que o Estado arrecadou os bens, com o intuito de impedir o
perecimento da riqueza, depois de realizadas as diligencias a fim de verificar a existência de
herdeiros, se restar demonstrado não existirem herdeiros sucessíveis, a herança jacente será
declarada VACANTE.

Casos de jacência:
Para que se configure a jacência deve haver – art. 1.819, CC:
a) ocorrência do óbito;
b) sem deixar testamento conhecido ou ser este caduco. Neste caso, tem-se duas
situações:
Sem testamento:
a. Inexistência de herdeiros conhecidos
b. Renúncia da herança por todos os herdeiros

403
Com testamento:
c. Herdeiro instituído ou testamenteiro não existir ou não aceitar a herança

d. Falecido não tiver herdeiros necessários.

c) sem deixar herdeiro legítimo (art. 1829);


d) com herdeiros que renunciaram;
e) com herdeiros ausentes (ou, com beneficiários não conhecidos).

Há, ainda, a hipótese de ser considerada jacente a herança na qual o de cujus testou para
o filho concebido, mas ainda não nascido, seus bens. Neste caso, falecendo o testador e ainda
não tendo nascido a criança, a herança será declarada jacente e recolhida, até o nascimento
com vida do beneficiário. É possível, neste caso, que seja retirado valor para a manutenção da
gestação da mãe, se ela não tiver meios de subsistência.

Arrecadação da herança jacente


Se o autor da herança não tiver deixado herdeiros, o patrimônio não pode ficar “solto”, de
forma que devem haver medidas para proteção e arrecadação do patrimônio. Cabe, então, ao
juiz da Comarca em que tiver domicílio o finado tomar tais providências (art. 738 e ss., CPC/2015).
A guarda e administração dos bens ficará a cardo de um curador, nos termos do art. 739,
CPC/2015:
Art. 739. A herança jacente ficará sob a guarda, a conservação e a
administração de um curador até a respectiva entrega ao sucessor
legalmente habilitado, ou até a declaração de vacância.

Cabe ao curador:
Art. 739, § 1o Incumbe ao curador:
I - representar a herança em juízo ou fora dele, com intervenção do
Ministério Público;
II - ter em boa guarda e conservação os bens arrecadados e promover a
arrecadação de outros porventura existentes;
III - executar as medidas conservatórias dos direitos da herança;
IV - apresentar mensalmente ao juiz balancete da receita e da despesa;
V - prestar contas ao final de sua gestão.
§ 2º Aplica-se ao curador o disposto nos arts. 159 a 161.

404
Durante a arrecadação o juiz ou a autoridade policial que estiver cumprindo a diligência
(art. 740, § 2.º, CPC/2015) fará a inquirição dos vizinhos do falecido, visando descobrir sua
qualificação, existência de outros bens e o paradeiro de seus sucessores.
A arrecadação será suspensa se aparecerem o cônjuge, companheiro ou herdeiro do
falecido para reclamar os bens (§ 6º, art. 740, CPC/2015).
Finalizada a arrecadação, serão expedidos editais, nos termos do art. 741, CPC/2015 – na
internet, site do tribunal e na plataforma do CNJ, devendo permanecer por 3 meses. Em não
havendo o site, a publicação deverá ocorrer na imprensa da Comarca, por 3 vezes, com
intervalos de 1 mês entre cada uma.
Havendo herdeiro habilitado, a arrecadação converte-se em inventário (art. 741, § 1.º, § 3.º,
CPC/2015).

Declaração de vacância
Não havendo herdeiro habilitado, após um ano da publicação do edital, a herança será
declarada vacante (art. 743, CPC/2015).
Será VACANTE a herança quando, depois de todas as diligências, inclusive com a
publicação de editais, passado um ano, não houverem herdeiros sucessíveis habilitados. Há
uma exceção: se todos os chamados a suceder renunciarem a herança, será, desde logo,
declarada vacante (art. 1.823, CC), sem que haja a fase de jacência.
Uma vez sendo declarada, por sentença, a vacância, o cônjuge, companheiro ou herdeiros
só poderão reclamar seu direito através de ação de petição de herança (art. 743, § 2.º, CPC/2015).
Após a declaração de vacância, podem os credores pedir o pagamento das dívidas
reconhecidas, nos limites da força da herança (art. 1.821, CC + art. 741, § 4.º, CPC/2015).
Mas essa declaração de vacância não faz com que os bens da herança se incorporem,
desde logo, ao patrimônio do Município ou Distrito Federal (se localizados nos seus territórios)
ou à União (se localizados em território federal). Para tanto, o art. 1.822, CC prevê o prazo de 5
anos da abertura da sucessão.
O Código não deixa dúvida sobre a exclusão dos colaterais da sucessão se não
habilitarem até a sentença de vacância – art. 1.822, § único. Os demais herdeiros têm o
prazo de 5 anos.

05. Petição de herança - art. 1.824 a 1.828, CC


Pode ocorrer, por qualquer razão, que algum herdeiro não seja relacionado no inventário e
na partilha. Nesse caso, sua condição jurídica de herdeiro não é reconhecida (filho a ser
reconhecido de uma relação extraconjugal do de cujus).

405
Nesse caso, para que esse herdeiro possa ter seu direito reconhecido e, então, receber
parcela que lhe cabia na universalidade, deverá ingressar com uma ação judicial. Esse é o caso
da petição de herança.
EXEMPLOS:
1. Alguém que se aposse ilegalmente da herança ou de parte dela;
2. Herança que é recolhida por parentes mais afastados do falecido e o interessado é de
grau mais próximo, de classe preferencial;
* Para todos verem: esquema

Filho 1 = pré-morto.
Filho 2 = desaparecido – não se sabe da existência
Neto 1, 2 e 3 = herdarão por direito próprio, pois a classe anterior (dos filhos) não existe = 1/3
para cada um.
Neto 1 = pré-morto → sua quota parte será divida entre Bisneto 1.1 e 1.2.
Quanto o Filho 2 for “descoberto”, terá direito de pleitear a herança (sua quota parte).
Neste caso, ficará com a ½ da herança e a outra ½ será dividida entre os herdeiros de Filho 1.
3. A herança é distribuída entre os herdeiros legítimos, e aparece testamento do de
cujus, em que outra pessoa é nomeada herdeira;
4. O filho não reconhecido ingressa com ação de investigação de paternidade e, de
forma cumulada, com a petição de herança.

Conceito:
A petição de herança é uma ação, oferecida pelo herdeiro preterido, no sentido de que lhe
seja deferida a quota parte que lhe cabe, por direito. Trata-se, pois, do meio jurídico pelo qual o
herdeiro (excluído por qualquer razão – não se sabia da existência, por exemplo) pode se utilizar
para garantir sua condições e o acesso aos bens deixados pelo falecido (art. 1824, CC)

406
A ação visa, portanto, o reconhecimento da qualidade de herdeiro e a satisfação quanto ao
acervo hereditário, ou seja, contemplar o herdeiro – autor da ação – com sua quota parte na
herança. Necessita, contudo de uma ação de estado, ou seja, de uma ação que objetive a
declaração do parentesco.
A petição de herança tem dúplice objetivo:
a) o reconhecimento judicial da qualidade do herdeiro ou a condição de herdeiro
(qualidade sucessória);
b) a proclamação do princípio de que, sendo vários os herdeiros, qualquer deles pode
demandar a totalidade da herança.

Ação de petição de herança x Ação reivindicatória


Petição de herança – persegue-se o quinhão, sem especificar os bens. Tem, portanto,
caráter universal.
Reivindicatória – o objetivo é buscar o próprio bem, ou seja, coisas individualizadas. Tem
caráter singular.

Outro esclarecimento feito é a diferenciação entre a ação de petição de herança e a ação


reivindicatória. Lembremos que naquela o que se quer é a restituição da universalidade da
herança – por isso também chamada de ação universal em conformidade com o disposto no
art. 1825 -, enquanto nesta o objeto é coisa determinada. Logo, a ação reivindicatória é o
instrumento correto para o legatário.

RESUMO:
* Para todos verem: esquema

PETIÇÃO DE HERANÇA REIVINDICATÓRIA

Universal Singular

Pretende a devolução da herança como um Pretende a devolução de coisas destacadas,


todo ou em quota ideal singulares e determinadas

Visa o reconhecimento da qualidade de Visa o reconhecimento do direito de


herdeiro propriedade sore determinada coisa

Proposta pelo herdeiro a ser reconhecido Proposta pelo legatário, por exemplo

Legitimidade para propor a ação:

407
LEGITIMIDADE ATIVA: A lei fala: “o herdeiro pode”, isto significa, que o herdeiro legítimo
ou testamentário ostentam a qualidade, a titularidade ativa. Tem legitimação ativa, também, o
síndico, o administrador, o testamenteiro, o curador, o companheiro (a), etc.
a) O inventariante;
b) O testamenteiro;
c) O filho em ação de Investigação de Paternidade (de forma cumulada);
d) Herdeiro testamentário excluído da sucessão;
e) O companheiro sobrevivo;
f) Parentes do de cujus excluídos por outros titulares;
g) O curador da herança do morto;
h) Herdeiros não necessários preteridos pelos testamentários;
i) Filho não reconhecido pelo pai;
j) Síndico/administrador da falência do morto;

LEGITIMIDADE PASSIVA: Será réu nessa ação, aquele que estiver na posse da herança
como se fosse herdeiro, aparentando uma qualidade e assumindo a posição de herdeiro, sem o
ser verdadeiramente.
a) Herdeiro aparente (possuidor dos bens hereditários);
b) Terceiro estranho à sucessão causa mortis;
c) Herdeiro que possua por outro título (usucapião).
d) Estado (quando há herança jacente)

Efeitos da sentença:
Reconhecida a qualidade hereditária do autor da petição de herança, transmite- se a
titularidade do patrimônio deixado em seu favor. Com a procedência da ação e o trânsito em
julgado há o reconhecimento da ineficácia da partilha em relação ao autor da ação, sendo
dispensada sua anulação. Bastará o requerimento de retificação da partilha realizada
anteriormente.
Esses efeitos também são diferentes com relação ao possuidor de boa e má-fé e quanto
ao terceiro adquirente:

408
Possuidor:
Aquele que possua os bens, com o julgamento da petição de herança, deverá devolvê-los,
com todos os acessórios. Responderá por perdas e danos e pelos frutos que tiver colhido, salvo
direito de retenção, se estiver de boa-fé.
Art. 1.826. O possuidor da herança está obrigado à restituição dos bens do
acervo, fixando-se-lhe a responsabilidade segundo a sua posse,
observado o disposto nos arts. 1.214 a 1.222.
Parágrafo único. A partir da citação, a responsabilidade do possuidor se
há de aferir pelas regras concernentes à posse de má-fé e à mora.

Assim, se o possuidor for de boa-fé: Será de boa-fé a posse do herdeiro aparente que a
houver adquirido acreditando ser verdadeiramente o herdeiro (art. 1.201, CC).
a) tem direito aos frutos percebidos (1214), devendo restituir os pendentes e os colhidos
por antecipação (1215);
b) os frutos naturais ou industriais reputam-se percebidos e colhidos (art. 1215);
c) não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa (art. 1217);
d) tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, podendo levantar as
voluptuárias (art. 1219).

Já o possuidor de má-fé:
a) Art. 1216, CC – pelos frutos colhidos e percebidos (e pelo que deixou de perceber por
culpa);
b) responde pela perda e deterioração da coisa, a que não der causa (art. 1218);
c) não tem direito de retenção de benfeitorias (nem levantar as voluptuárias); as
necessárias serão ressarcidas (art. 1218, 1220, 1222).

Terceiro adquirente:
A questão que se discute é se a alienação feita pelo herdeiro aparente é válida ou não.
Art. 1.827. O herdeiro pode demandar os bens da herança, mesmo em
poder de terceiros, sem prejuízo da responsabilidade do possuidor
originário pelo valor dos bens alienados.
Parágrafo único. São eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo
herdeiro aparente a terceiro de boa-fé.
O Dispositivo regula a hipótese do bem não se encontrar nas mãos do possuidor, mas de
terceiros.

409
Se a alienação tiver sido feita a título gratuito, os bens devem ser devolvidos ao herdeiro,
de imediato.
Contudo, se o negócio tiver sido realizado pelo terceiro adquirente e pelo herdeiro
aparente a título oneroso, se o adquirente estiver de boa-fé, será válido o negócio.
Herdeiro aparente (Art. 1.817CC):
É aquele que recebe a herança como se fosse o titular desse direito, ou seja, reputa-se ser
aquele o herdeiro, porém, não o é.
Exemplos:
1) pessoa que entra na posse dos bens, sem saber que existiam outros herdeiros de grau
mais próximo;
2) na hipótese de herdeiro testamentário, cujo testamento é invalidado.
3) a posse de herdeiros, quando há posterior reconhecimento de outro em Ação de
Investigação de Paternidade.
4) se herdeiro (aparente), cumpriu a vontade do testador (com bona fide), tem seus atos
protegidos (terceiro adquirente de boa-fé).

O art. 1.828 prevê que o herdeiro aparente de boa-fé tem seus atos protegidos por lei em
benefício de terceiros de boa fé:
Art. 1.828. O herdeiro aparente, que de boa-fé houver pago um legado,
não está obrigado a prestar o equivalente ao verdadeiro sucessor,
ressalvado a este o direito de proceder contra quem o recebeu.

O artigo prevê duas hipóteses:


a) Se o herdeiro aparente pagou um legado, não responde (alguém deveria cumprir a
vontade do testador).
b) Cabe ao verdadeiro herdeiro, a possibilidade de buscar do legatário o que (este)
recebeu indevidamente.
Consequência dos atos praticados pelo herdeiro aparente quanto ao terceiro de boa-
fé: Art. 1.824 CC. Parágrafo único. São eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo
herdeiro aparente a terceiro de boa-fé. Obs: não a título gratuito, só a oneroso, art. 1.828 CC.

Prazo para propositura da ação de petição de herança


Muito embora a Súmula 149 do STF atribui o caráter de imprescritibilidade à ação de
investigação de paternidade, a petição de herança está limitada ao prazo prescricional de 10
anos (art. 205, CC). Inicia-se a correr o prazo prescricional com a data da abertura da sucessão.
Lembrando que todas suspensões e interrupções prescricionais aplicam-se nesse caso e que a

410
prescrição não corre contra pessoas absolutamente incapazes – só começa a correr quando
completar 16 anos, passando a ser relativamente incapaz.

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

411
04. Sucessão legítima: falecido solteiro

SUCESSÃO LEGÍTIMA
A sucessão legítima é subsidiária da sucessão testamentária. Nestes termos, o art. 1.788,
CC dispõe:
Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos
herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem
compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o
testamento caducar, ou for julgado nulo.

Cumpre destacar, que a sucessão pode ser legítima e testamentária e, muito embora a
primeira tenha caráter subsidiário por força do disposto no artigo 1.788 é aquela que na prática
tem universal ocorrência. Com isto, a existência de testamento não exclui a sucessão
testamentária.

412
Desta forma, haverá sucessão legítima:
a) quando o falecido não tiver deixado testamento;
b) quando o falecido deixou testamento apenas sobre parte de seus
bens;
c) quando o falecido deixou testamento mas este caducous ou foi
declarado nulo.

De resto, o chamamento dos sucessores é por classes, quando a mais próxima exclui a
mais remota, nos termos dos artigos 1.833, 1836, § 1º e 1.840, CC, em relação absoluta e
preferencial, com as exceções apontadas (direito de representação, indignidade, deserdação,
renúncia).

1. Ordem da vocação hereditária - arts. 1.829 a 1.850.


Com o falecimento do de cujus, a herança transmite-se desde logo aos herdeiros. Mas
esse chamamento ocorre através de uma sequência, denominada ordem da vocação
hereditária. Há, portanto, uma relação preferencial, quando uns excluem os outros de classe
subsequente.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente,
salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal,
ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou
se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver
deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge
sobrevivente;
IV - aos colaterais.

Verifica-se, pois, a existência de quatro classes de herdeiros:


1. Descendentes e o cônjuge (dependendo do regime de bens);
2. Ascendentes e o cônjuge (independentemente do regime);
3. Cônjuge (sozinho);
4. Colaterais até o 4.º grau e companheiro.

Nesse sentido, os arts. 1.833, 1.836, § 1.º e 1.840, CC dispõe:


Art. 1.833. Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os
mais remotos, salvo o direito de representação.
413
* Para todos verem: esquema

Desta forma, se “A”, solteiro, falece, deixando filho e pai vivos, a sucessão regular-se-á da
seguinte forma: o filho recebe toda a herança do pai e, seu avô (pai do falecido), nada receberá,
pois a classe mais próxima exclui a mais remota.

* Para todos verem: esquema

Art. 1.836. Na falta de descendentes,


são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o
cônjuge sobrevivente.
§ 1º Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais
remoto, sem distinção de linhas.
Art. 1.840. Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais
remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos.

Os herdeiros parentes sucedem ou por direito próprio, ou por direito de representação, ou


por direito de transmissão.
a) Sucessão por cabeça ou direito próprio: Sucessão por CABEÇA ocorre quando todos
414
os herdeiros são do mesmo grau. Cada herdeiro do mesmo grau corresponde uma quota igual
na herança. A herança é dividida entre todos os herdeiros aos quais é deferida
b) Sucessão por estirpe: sucessão de graus diversos: Sucessão por ESTIRPE concorre,
na sucessão, descendentes que tenham com o de cujus graus de parentesco diferentes, ou
quando a partilha, em vez de se fazer igualmente entre pessoas, faz-se entre certos grupos de
descendentes, grupos constituídos pelos descendentes do herdeiro do grau mais próximo. A
sucessão por estirpe dá-se na linha reta descendente, excepcionalmente, na linha transversal,
mas nunca na linha reta ascendente.).

* Para todos verem: esquema

– Recebe por direito próprio – por

– Recebem por representação do FILHO 1 (pré-morto). Trata-se de herança por estirpe.

c) Sucessão por linha: verificada no caso de haver ascendente da linha paterna e da


linha materna, concorrendo à sucessão na herança conjuntamente, e em igualdade de
condições. Obs: cada linha recebe metade do patrimônio, independente de haver dois
ascendentes em um lado e dois no outro.
* Para todos verem: esquema

415
a. Descendentes
Os filhos herdam por direito próprio, por cabeça ou per capita, recebendo quotas iguais e,
os netos herdam por estirpe, a não ser que todos os filhos já faleceram. Nesse caso, os netos, por
estarem no mesmo grau, herdam por cabeça ou direito próprio (sucessão avoenga).

EXEMPLOS:
1. Por direito próprio:
Cada filho receberá ¼.
* Para todos verem: esquema

Além disto, na linha descendente, os de grau mais próximo, excluem os mais remotos:
* Para todos verem: esquema

2. Por estirpe:
* Para todos verem: esquema

O filho 2 receberá ½ - por direito próprio. Os netos receberão a outra metade, em razão do
filho 1 ser pré morto – por estirpe (representação).

416
3. Por direito próprio (dos netos):
* Para todos verem: esquema

Cada neto receberá ¼ da herança – por direito próprio. Assim:

• Filhos – sucedem por cabeça.

• Netos – sucedem por estirpe. Se, contudo, os filhos forem todos falecidos, os netos
herdarão por cabeça, por serem todos de mesmo grau.

b. Ascendentes
Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes. Não se admite o
direito de representação na linha ascendente (art. 1.852).
§ 1º - mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas;
* Para todos verem: esquema

Pai = ½ da herança.
Mãe = ½ da herança.

Se, contudo, A falece, deixando a mãe viva e sendo o pai premorto, mesmo que tenha avós
paternos vivos, sua mãe recolherá toda a herança.
Pai = ½ da herança. Mãe = ½ da herança.

No caso do Pai falecido, a Mãe


herda toda a herança do filho/de
cujus, pois não há direito de
representação na sucessão dos
ascendentes.

417
§ 2º - linha paterna e materna (metade)
* Para todos verem: esquema

Neste caso, cada um


recebe 25%.

Neste caso, os avós paternos


receberão a ½ da herança e a
avó materna a outra ½.

Sucessão ascendente – ad infinitum – pais, avós, bisavós


Não existe Direito de Representação (art. 1.852 veda):
Assim, se não houver prole, herdam os genitores do falecido, em partes iguais.

c. Colaterais - até 4.º grau – arts. 1.839 e 1.840, CC


Os colaterais não são herdeiros necessários, mas sim, facultativos, de forma que, para
excluí-los da sucessão basta que o autor da herança disponha do patrimônio via testamento.
Desta forma, havendo sucessão do colateral, o patrimônio será deferido na seguinte ordem:
1º) os irmãos (parentes em 2º grau);
2º) tios e sobrinhos (parentes em 3º grau);
3º) primos e tios avós e sobrinhos-netos (parentes colaterais em 4º grau).

Irmão bilaterais e unilaterais:


Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com
irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um
daqueles herdar.

418
* Para todos verem: esquema

Multiplique os dois herdeiros bilaterais 2x2


= 4 e some os unilaterais + 2 = 6. Neste
caso, os herdeiros bilaterais receberão 2/6 e
os unilaterais, 1/6.

Irmãos germanos ou bilaterais: mesmo pai e mãe;


Unilaterais: só pai ou a mãe;

Na sucessão colateral há a representação, ainda que de forma excepcional quando é


permitido que os filhos de irmãos representem o premorto (art. 1.840, CC).
Art. 1.840. Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais
remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos.
Neste caso, o sobrinho, representando o pai pré-morto (irmão do de cujus), herda por
estirpe. Apenas o(s) filho(s) de irmãos do morto podem representar os pais (os netos, não
pode, conforme art. 1.840).
Irmãos herdam para direito próprio (cabeça), enquanto seus descendentes por
representação (por estirpe).

2. Herdeiros necessários
O art. 1.845, CC estabelece quem são os herdeiros necessários:
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o
cônjuge.
1. descendentes
2. ascendente
3. cônjuge (o companheiro não é herdeiro necessário, mas sim, facultativo)

Herdeiros necessários são os que não podem ser afastados da sucessão legítima por
vontade do autor da herança. Possuem a garantia da legítima.
Legítima: a porção (a metade) que a lei reserva aos Herdeiros Necessários, sobre o acervo
existente, quando da abertura da Sucessão.

419
* Para todos verem: esquema

Cláusulas restritivas
O autor da herança, conforme determina o art. 2.014, CC pode definir quais os bens e
valores que comporão os quinhões hereditários de cada herdeiro:
Art. 2.014. Pode o testador indicar os bens e valores que devem compor
os quinhões hereditários, deliberando ele próprio a partilha, que
prevalecerá, salvo se o valor dos bens não corresponder às quotas
estabelecidas.

Contudo, existindo cônjuge sobrevivente, essa estipulação feita pelo de cujus em


testamento será apenas uma sugestão, pois o cônjuge sobrevivente tem preferencia na escolha
dos bens a serem partilhados.
Além disso, o autor da herança não pode estabelecer cláusulas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e incomunicabilidade sobre os bens da legítima sem que haja justa causa. É
o que dispõe o art. 1.848, CC.
Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não
pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade,
impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.
§ 1º Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da
legítima em outros de espécie diversa.
§ 2º Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser
alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens,
que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros.

Assim, apenas se houver justa causa é que essas cláusulas poderão ser estabelecidas pelo
de cujus via testamento. Essa justa causa deve ser trazida pelo de cujus no testamento. Ex.:
incomunicabilidade, pois o cônjuge do herdeiro necessário é um caçador/caçadora de dotes, pq

420
o cônjuge do herdeiro possui filho fora do casamento e, em razão do regime da comunhão
universal, esse filho acabará por herdar o patrimônio do de cujus, etc. Inalienabilidade e
incomunicabilidade, pois o herdeiro é consumidor compulsivo e aposta em jogos de azar, etc.

Art. 1.849.
Art. 1.849. O herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua parte
disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legítima.

Legítima: consiste na metade dos bens do autor da herança, no óbito;


Quota disponível: é a metade da herança, com liberdade de testar.
Regra simples: o herdeiro necessário herda a legítima e, pode receber a quota disponível,
por testamento (parte disponível ou legado).
DOAÇÕES = enquanto não ultrapassar a “quota disponível”, é válida, sem necessidade de
colacionar por ocasião do inventário; ao contrário, as doações, que se adicionam ao valor dos
bens, para cálculo de legítima (1.847).
Assim, uma mesma pessoa pode ser, na mesma sucessão, herdeira legítima e
testamentária.

Colaterais: exclusão sem contemplar:


Supremacia dos herdeiros necessários sobre os facultativos: colaterais
Regra: Se os colaterais não forem contemplados pelo testador (e se, a quota disponível
beneficiar outros), estarão excluídos da Sucessão. É uma forma indireta de deserdação (sem
ação e sem complicação).
Herdeiros Facultativos: liberdade de testar é absoluta; a totalidade do patrimônio por ser
objeto de testamento.

Colação (art. 2.002 a 2.012 CC/02)


Colacionar é conferir os bens e valores recebidos antes da abertura da sucessão de forma
a garantir a igualdade da legítima.

3. Direito de representação
Existem duas maneiras diferentes de suceder:
a) Por direito próprio/cabeça;
b) Por representação.

421
O direito de representação é restrito e ocorre quando a lei chama certos parentes do
falecido a suceder em seu lugar, assumindo todos os direitos que ele teria se vivo fosse, ou seja,
chama outrem a herdar em lugar de parente mais próximo do autor da herança, porém
premorto, ausente ou incapaz de suceder (GONÇALVES, 2012, p. 216). Nestes casos, se opera a
vocação indireta na sucessão legítima.
O chamado a suceder, neste caso, receberá por estirpe.
Herança per capita: Per capita, quer dizer “por cabeça”. Ex. morre o pai; se ficam três
filhos, todos herdam e a cada um cabe um terço do monte mor.
Herança por estirpe: Por linha genealógica. Ex. morre o pai (de cujus); dos três filhos que
teve, um é pré-morto em relação ao de cujus, mas deixou dois herdeiros. A herança do de cujus
será dividida em três partes; os filhos do herdeiro pré-morto receberão o quinhão que a este
caberia, dividindo-o em dois. Eles concorrem por estirpe à herança, junto com os demais filhos
do de cujus, e que são seus tios.

Pressupostos (requisitos):
1) A morte do representado: não há representação de herdeiro vivo. Exceção: ter sido
declarado deserdado, indigno ou ausente. Não cabe na renúncia.
2) Parentesco em linha descendente: o representante deve ser descendente do
representado, ou, EXCEPCIONALMENTE, colateral – filho do irmão (sobrinho) do autor da
herança. A descendência é a civil e não apenas a biológica (adoção, também).
3) Capacidade sucessória do representante em relação ao representado: (legitimação
para herdar). Deve ter legitimação para herdar. Ex. O filho substitui o pai morto na herança do
avô (linha descendente); ou filho substitui o pai pré-morto na sucessão de um tio (linha
colateral). Importante ressaltar a isonomia Constitucional: igualdade dos filhos.
4) Inexistir solução de continuidade no encadeamento de grau entre o representante e
o representado: não se opera per saltum et omisso médio. Ex. o bisneto não representa o filho
do autor da herança se ainda vive o neto deste.
5) Que reste, no mínimo um filho do de cujus ou, na linha colateral um irmão do falecido.
Se não a sucessão será por direito próprio.

Efeitos
A representação produz dois efeitos:
1) O representante (representantes) só pode herdar o que herdaria o representado, se
vivesse (se vivo fosse) (art. 1854, CC). A porção é a mesma;
2) O quinhão do representado partir-se-á por igual entre os representantes (art. 1855,
CC).
3) O renunciante à herança de uma pessoa pode inobstante representá-la na sucessão
422
de outra. Na renúncia, os descendentes do abdicante não herdam por direito de representação
(art. 1856, CC). Assim, os efeitos da renúncia não passam da herança à qual houve manifestação
de repúdio.
4) Os representantes estão obrigados a trazer à colação os bens doados ao
representado pelo autor da herança (art. 1791); quando os netos, representando os pais,
sucedem os avós, serão obrigados a trazerem colação, para igualdade de legítima;
5) O representante é considerado um herdeiro legítimo (e necessário... colaterais, não),
com todos os direitos inerentes (direito da saisina – art. 1572 – 1.784), sendo igualitária sua
posição relativamente aos co-herdeiros.
6) A responsabilidade do representante por dívidas do espólio se sujeita ao benefício do
inventário – responde por elas até o limite do quinhão;
7) A quota hereditária do representante não responde pelas dívidas do representado,
mas pelas do autor da herança.
8) O direito de representação se opera na sucessão legítima (excepcionalmente, na
testamentária, quando será chamada de substituição.

Representação na linha descendente


Art. 1851 e 1852: O direito de representação dá-se na linha reta descendente, mas nunca na
ascendente. Não vivendo o filho do de cujus, necessariamente herdarão os netos deste último,
que são os filhos daquele. Os filhos herdam por cabeça, ao passo que os netos (representantes)
herdam por estirpe. Na hipótese de todos os filhos já terem falecido, herdando unicamente os
netos, a herança reparte- se em quinhões iguais – os netos herdam por direito próprio,
pertencendo à mesma classe. Herdam iure proprio e in capita. (art. 1835CC)

Linha Colateral/Transversal - art. 1.843 e 1.853


Apenas na hipótese de filhos do irmão do falecido que concorrem com os outros irmãos
deste. Filhos de irmãos mortos (sobrinhos do autor da herança) quando concorrem com irmãos
do morto, herdam por estirpe. Só herdarão por cabeça se todos os irmãos do autor da herança
forem falecidos. O sobrinho neto não pode representar, a limitação legal é intransponível.
Enquanto na linha descendente o direito de representação é ilimitado; que inexiste na
linha ascendente, na linha colateral, excepcionalmente, pode ocorrer.

Irmãos germanos - ou bilateral (do mesmo pai e mesma mãe);


Irmãos unilaterais (só o pai ou a mãe em comum). São irmãos paternos ou consanguíneos
e maternos ou uterinos.

423
Posição:
O irmão unilateral recebe metade do que receberá o irmão bilateral;
- os filhos de irmão unilateral (sobrinhos do “de cujus”) recebem metade do que
receberão os tios.

- os filhos de irmão unilaterais recebem metade do que receberão os filhos de irmão


germanos.

EXEMPLOS:
1º Exemplo: Se o de cujus deixa três irmãos, sendo que um deles já falecido com filhos, a
herança será dividida em três partes, cabendo uma para cada irmão vivo e a terceira deverá ser
repartida entre os sobrinhos que herdarão por representação. Receberão a parte que caberia ao
pai, se vivo fosse.
2º Exemplo: o de cujus deixa um (1) irmão vivo; um irmão (pré-morto) com dois filhos e
outro irmão (pré-morto) com três filhos. Divide-se em três partes iguais, correspondente às três
estirpes.
3º Exemplo: o de cujus deixa 3 irmãos vivos, 1 irmão pré-morto com filhos e outro irmão
pré-morto sem filhos. Divide-se em quatro (4) partes.
4º Exemplo: o de cujus deixa três irmãos vivos; um irmão pré-morto com filhos; outro
irmão pré-morto, com um filho pré-morto que tem um filho vivo. Divide- se em quatro (4)
partes... sobrinho-neto não herda.

Linha Ascendente
Art. 1852: O direito de representação se dá na linha reta descendente; mas nunca na linha
ascendente. Se um filho, ao falecer, deixa o pai vivo e a mãe já se encontra falecida, sem
quaisquer herdeiros descendentes, o progenitor vivo será contemplado com toda herança. Os
progenitores maternos nada herdarão.

Na indignidade, deserdação e ausência


A pena ou punição restringe-se à pessoa do indigno ou deserdado, não se estendendo a
estranhos, ou aos parentes, que poderão representá-los.
Na ausência, não fica prejudicado o direito de representação dos filhos. (art. 22, CC e art.
745 CPC/2015)

424
Na renúncia à herança (Art. 1.811, CC)
Não há direito de representação. Porém, se todos os herdeiros da classe renunciarem, os
filhos dos herdeiros renunciantes virão ao inventário por direito próprio, recebendo a herança
por cabeça, isto porque, o ato do renunciante tem caráter pessoal, não se estendendo aos filhos.

Direito de Representação na Herança Testamentária


No testamento, mesmo que haja a quebra da ordem vocacional, posto que pessoas
estranhas possam ser contempladas, não há representação.

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

425
05. Sucessão legítima: falecido casado ou convivente em união estável
1. Cônjuge sobrevivente OU Companheiro sobrevivente103
A ordem da vocação hereditária do art. 1.829 coloca o cônjuge sobrevivente como herdeiro
concorrente com descendentes e ascendentes e, na falta destes, como herdeiro da totalidade
da herança.
Assim, traz a grande inovação do Código em matéria de sucessões, em relação à condição
do cônjuge: a concorrência com descendentes (no Regime da Comunhão Parcial, com bens
particulares, etc..) e a concorrência com ascendentes (desimportando o regime de bens).
CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTES: condicionado ao regime;
A concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do de cujus vai depender
do regime matrimonial de bens. Não haverá concorrência se o cônjuge sobrevivente tiver sido
casado (com o falecido) pelo regime da comunhão universal de bens (1.667) ou pelo regime da
separação obrigatória (1.641), ou se, no regime da comunhão parcial (1.658), o autor da herança
não houver deixado bens particulares.
CONCORRÊNCIA COM ASCENDENTES: independente do regime.

Requisitos para que o cônjuge seja herdeiro – art. 1.830, CC:


O cônjuge herda os bens deixados pelo falecido. Contudo, o art. 1.830 estabelece os
requisitos para tanto:
Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge
sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados
judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova,
neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do
sobrevivente.
a) Abertura da Sucessão não estavam separados judicialmente: Consumada a
dissolução (separação ou divórcio) desaparecia o direito sucessório entre eles. Sucessão
pressupõe vínculo conjugal.
b) Nem separado de fato há mais de 2 anos: Salvo quando com a convivência se
tornara impossível e não houve a culpa do sobrevivente. Contudo, a EC 66/2010 aboliu a
discussão da culpa no direito de família. Desta forma, deve-se entender, quanto a este
dispositivo que, havendo separação fática (independentemente do prazo), o cônjuge
sobrevivente não herdará. A previsão do prazo de 2 anos estava vinculada a exigência deste

103
Em 10/05/2017 o STF reconheceu repercussão geral em que entende inconstitucional a
diferenciação na sucessão do cônjuge e do companheiro.

*** ver decisões do STF nos RE 646721 e RE 878694

426
prazo para a realização do divórcio direto. Como a EC 66/2010 possibilita a realização do divórcio
tão logo tenha havido o rompimento do casal, entende-se, com base em Tartuce (2012, p.
151) que este prazo não mais deve ser considerado.

Concorrência do cônjuge sobrevivente com os DESCENDENTES


O art. 1.829, I estabelece que:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo
se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no
da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no
regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares;

O que se verifica é que o critério utilizado pelo legislador para definir a concorrência ou
não com os descendentes é o regime de bens que regia do casamento do autor da herança e o
cônjuge sobrevivente.
A regra é, então, que haja a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes
do autor da herança. Existem, contudo, exceções.

REGIMES EM QUE O CÔNJUGE SOBREVIVENTE NÃO HERDARÁ


a) Regime da comunhão universal de bens: 1ª exceção:
Neste regime de bens, todos os bens, presentes e futuros, dos cônjuges, assim como as
dívidas, se comunicam. Neste caso, como o cônjuge sobrevivente é meeiro (tem direito a
metade do patrimônio por direito), não há razão para concorrência.

Exemplo:
* Para todos verem: esquema

- Patrimônio de R$100.000,00
- Meação: R$ 50.000,00
- Legítima: R$ 50.000,00
- A = R$ 25.000,00
- B = R$ 25.000,00

427
Obs: Neste Regime (CUB) não é justificável a meação e a parte legítima.
A meação é de 50% de todos os bens (onerosos e gratuitos), não importando a data e a
forma de aquisição.

b) Regime de Separação Obrigatória de Bens: 2ª exceção - Art. 1.641 – 1.687


A segunda hipótese excetuada pelo legislador (art. 1.829, inc. II) é aquela em que o regime
adotado do casamento foi o da Separação Obrigatória de bens, por força da lei. Neste caso,
aplica-se a súmula 377 do STF, de forma que, ao final do casamento (por morte ou divórcio),
haverá a comunicação do patrimônio adquirido de forma onerosa durante a união. Desta forma,
o cônjuge sobrevivente terá direito a meação destes bens. Há discussão, quanto a aplicação da
súmula, sobre a necessidade de prova do esforço comum ou não. Não há uniformidade
jurisprudencial. Desta forma, o cônjuge sobrevivente receberá a metade dos bens comuns e,
quanto aos particulares, não terá direito a nada.

c) Comunhão Parcial: sem bens particulares: 3ª exceção


Sem bens particulares, não há concorrência (regra geral). O cônjuge sobrevivente não
concorre com os descendentes, porque é meeiro, quando o autor da herança não houver
deixado bens particulares (bens doados, havidos por inventário ou legado, ou adquiridos antes
do casamento).

REGIMES EM QUE O CÔNJUGE SOBREVIVENTE HERDARÁ


a) Separação convencional de bens – há a concorrência
No regime da separação convencional, há pacto antenupcial e os cônjuges definem a
incomunicabilidade do patrimônio, ou seja, cada um conserva o seu patrimônio particular.
Contudo, apesar de haver uma separação absoluta dos patrimônios, com o falecimento de um,
o outro será herdeiro, em concorrência com os descendentes.

b) Comunhão Parcial de Bens com bens particulares: há concorrência


Se o autor da herança deixar bens particulares, o cônjuge sobrevivente concorre com os
descendentes.
A questão que se impõe e tem demonstrado muito polêmica, com dissensões,
desarmonia, divergências e críticas da doutrina, diz respeito ao montante da concorrência que
pode ser expresso na seguinte indagação: “o cônjuge terá a sua quota calculada sobre todo
espólio, ou somente com relação aos bens particulares deixados pelo falecido?”

428
1ª corrente – concorrência apenas sobre bens particulares
Esta é a posição MAJORITÁRIA da doutrina. O cônjuge, neste caso, receberia, apenas
parte dos bens particulares e não da totalidade da herança, ou seja, seria meeiro dos bens
comuns e herdeiro, em concorrência com os descendentes, dos bens particulares.

EXEMPLO:
* Para todos verem: esquema

• 10.000 de bens particulares


• 100.000 de bens comuns
• Cônjuge = 50% bens comuns + concorrência sobre
bens particulares
• Filhos = 25% dos bens comuns para cada um + 1/3
dos bens particulares – art. 1.832, CC.

* Para todos verem: esquema


Cônjuge
Meação – 50% sobre bens comuns Herança –
¼ (25%) sobre bens particulares
Filhos
Bens comuns = ¼ para cada
Bens particulares = 18,75% para cada

2ª corrente – concorrência sobre toda a herança


Sustenta que além de meação sobre os bens onerosos, o cônjuge herda em concorrência
com os descendentes sobre a totalidade da herança, em virtude do princípio da indivisibilidade
da herança.

EXEMPLOS:
Patrimônio: R$ 10.000,00 (particulares)
R$ 100.000,00 (aqüestos)
Herança: R$ 60.000,00 (50 +10).

429
* Para todos verem: esquema

Cônjuge = 50% de meação + ¼ do total em


concorrência
Filhos = ¼ da herança

* Para todos verem: esquema

Art. 1.832
Cônjuge = 50% de meação + 1/4 da herança
em concorrência
Filhos = dividem ¾ da herança = 15% para
cada um

c) Regime de participação final nos aquestos (art. 1.672 CC)


Embora não expressamente previsto, nesse regime, ocorre a concorrência. A opção por
este regime deve ser elaborada através de pacto antenupcial. Neste caso, a partilha assemelha-
se aos casos de comunhão parcial de bens:
- havendo bens particulares e aquestos = participação (espécie de meação) sobre os
aquestos e concorrência sobre os particulares.

- havendo bens particulares e não havendo aquestos = concorrência sobre os


particulares, sem participação.
- havendo apenas aquestos = apenas participação, sem concorrência.

QUINHÃO DO CÔNJUGE QUE CONCORRE COM DESCENDENTES:


O art. 1.832, estabelece a proporção da concorrência do cônjuge sobrevivente com os
descendentes:
Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I)
caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não

430
podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for
ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Há duas situações diferentes: filiação comum e filiação exclusiva do autor da herança.


Desta forma, a concorrência ficará da seguinte forma:
FILHOS COMUNS = herdará em partes iguais (até 3 filhos) ou, se tiver mais de 3 filhos (4,
por exemplo), o cônjuge sobrevivente herdará, no mínimo, ¼ da herança.
FILHOS EXCLUSIVOS DO AUTOR DA HERANÇA = o cônjuge sobrevivente herda em
partes iguais (independentemente do número de filhos).
Se os descendentes forem exclusivos do autor da herança, não sendo descendentes
comuns, o cônjuge sobrevivente não terá direito à ¼ da herança (bens particulares), cabendo-
lhe, tão somente, quinhão igual ao que couber a cada um dos filhos.
Isto aplica-se, também, nos casos em que houver concorrência com herdeiros netos.
Exemplo:
* Para todos verem: esquema

Neste caso, ter-se-á sucessão por cabeça e não por representação.

FILHOS COMUNS E EXCLUSIVOS DO AUTOR DA HERANÇA = FILIAÇÃO


HÍBRIDA = o cônjuge sobrevivente herda em partes iguais (independentemente do
número de filhos). Neste caso, mesmo havendo filhos comuns, não lhe é reservada a quarta
parte da herança.

Concorrência do cônjuge sobrevivente com os ASCENDENTES:


O art. 1.829, II prevê a concorrência do cônjuge sobrevivente com os ascendentes do autor
da herança, INDEPENDENTEMENTE DO REGIME DE BENS ESCOLHIDO:

a) com ascendente em 1º grau – 1/3


b) metade: se houver um só ascendente ou maior for o grau.
* Para todos verem: esquema
431
Cônjuge sobrevivente = meação + 1/3 Pai = 1/3

Mãe = 1/3

- Avós maternos (não herdam)


- Pai = ½
- Cônjuge = meação + ½ da herança

CÔNJUGE COMO HERDEIRO DA TOTALIDADE DOS BENS:


O Cônjuge sobrevivente, na falta de descendentes e ascendentes, recolhe a totalidade da
herança (e a meação): (deve estar casado). Exige-se que a relação matrimonial não estivesse
rompida no momento da abertura da sucessão.
O Cônjuge é herdeiro concorrente (necessário) com descendente e ascendente; é
herdeiro exclusivo (necessário), quando não há descendente e nem ascendente. O cônjuge
exclui os colaterais da sucessão.
Sucessão ao Cônjuge (repete o art. 1.603, III) é chamado à totalidade da herança, a
totalidade do acervo, qualquer que tenha sido o regime de bens.

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO:


O art. 1.831, CC estabelece o direito real de habitação para o cônjuge sobrevivente,
independentemente do regime de bens:
Art. 1.831 Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens,
será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança,
o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à
432
residência da família, desde que seja o único daquela natureza a
inventariar.

Neste caso, mesmo que o bem seja deferido, pelo inventário, a outro herdeiro, caberá ao
cônjuge o direito real de habitação, sendo, então, vedada a venda deste imóvel (desde que seja
o único daquela natureza a inventariar).

2. Companheiro = união estável


Em 10/05/2017 o STF reconheceu repercussão geral em que entende inconstitucional a
diferenciação na sucessão do cônjuge e do companheiro.
As decisões do STF nos RE 646721 e RE 878694 declararam inconstitucional o art. 1.790, CC.
Em razão disto, a sucessão do companheiro passou a ser tratada da mesma maneira que a
sucessão do cônjuge.

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

433
06. Sucessão testamentária: testamento em geral, capacidade para testar, formas de testar
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
• Se alguém falece sem deixar testamento sucessão legítima (sucessão por força de lei)
obedece a ordem da vocação hereditária.
• Se o testamento não compreender todos os bens do testador ou o testamento for
invalidado ou caducar também haverá sucessão legítima.
• Sucessão testamentária representa a vontade do testador.
• Se não foi feito testamento, presume-se que a pessoa tenha concordado com a ordem
da vocação hereditária.

• Sucessão legítima representa, portanto, a vontade presumida do testador.


• Contudo, do ponto de vista quantitativo, no Brasil prevalece a sucessão legítima (há a
limitação da liberdade de testar).

1. Conceito:
A noção de testamento está clara no art. 1.857 e 1.858 do Código Civil, sendo considerado
um “ato personalíssimo e revogável pelo qual alguém dispõe da totalidade dos seus bens, ou de
parte deles, para depois de sua morte” (GONÇALVES, 2012, p. 228).
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade
dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.

§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no


testamento.

§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial,


ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a
qualquer tempo.

Assim, para que o testamento tenha validade jurídica é preciso:


* capacidade de testar do testador
* capacidade de receber do herdeiro instituído ou legatário
* ato jurídico revestido das formalidades legais

434
Mas essa noção do art. 1.857 limita a vontade do testador a disposições de caráter
patrimonial. Contudo, sabe-se que o testamento serve, também, para disposições de caráter
diferente do patrimonial:

• Reconhecimento de filhos fora do casamento (art. 1.609, III)

• Nomeação de tutor para filho menor (art. 1.729, § único)

• Reabilitação do indigno (art. 1.818)

• Instituição de fundação (art. 62)

• Imposição de cláusulas restritivas se houver justa causa (art. 1.848).

2. Características:
a) Ato personalíssimo: é privativo do autor da herança. Não se admite testamento por
procuração.
b) Ato revogável (mudado a qualquer tempo): a expressão revogável é mais adequada e
correta; é a principal característica dos testamentos. A revogabilidade é da essência do
testamento.
c) Negócio jurídico unilateral: aperfeiçoa-se com a vontade única do testador. Não há a
necessidade de manifestação da vontade do beneficiário.
d) Unipessoal: um só agente pode testar, num só ato. O testamento de mão comum é
defeso em lei, visa garantir a liberdade das disposições e evitar o pacto sucessório - proibido art.
1.863 CC. Assim é vedado o testamento conjuntivo (mão comum), feito por duas ou mais
pessoas, seja simultâneo (disposição conjunta para beneficiar terceira pessoa), recíproco
(instituindo benefícios mútuos) ou correspectivo (disposições em retribuição de outras
correspondentes). Nada impede, contudo, que o casal faça cada um seu testamento em que
um deixa os bens para o outro. O que não pode é isso ser feito em um mesmo ato. Podem fazer,
no mesmo momento, mas em atos diferentes.
e) Solene: é um negócio jurídico não apenas formal, mas provido de formalidades
essenciais, prescritas em lei. A solenidade assegura a existência, a validade e a eficácia. O
formalismo constitui garantia e salva-guarda à liberdade de testar.
Exceção: testamento nuncupativo (de viva voz), admissível como espécie de testamento
militar (art. 1.896).
f) Gratuito: não exige do contemplado qualquer correspectivo, contrapartida ou
reciprocidade, ou seja, não há vantagens para o testador. Mesmo que haja encargo para o
beneficiário, o testamento segue sendo gratuito. Está contida na unilateralidade. Não existe
contra-prestação (exigível). Entretanto, o herdeiro responde pelas dívidas (arts. 1.792 e 1.821).
g) Revogável: a vontade testamentária é essencialmente revogável (art. 1.969), é ato de

435
última vontade, desde que não tenha sido modificado; A revogabilidade é conceito legal e da
essência do testamento. É irrenunciável a liberdade de revogar ou modificar o testamento. Toda
renúncia é considerada não escrita. Pode, contudo, o testador, modificar o testamento a
qualquer momento e quantas vezes quiser (art. 1.858). Exceção: o testamento é irrevogável com
relação a cláusula na qual eventualmente o testador tenha reconhecido filho fora do
matrimônio (art. 1.609, III). Se houverem vários testamentos sucessivos, feitos pelo mesmo
testador, com seu falecimento, terá validade apenas o último, a não ser que sirva para
completar o anterior.
h) Patrimonialidade não necessária: serve para dispor de parte ou de todo patrimônio
(parte disponível), bem como para instituir herdeiros, deserdá-los ou retratar a deserdação
(1.857, § 2º).
i) Ato causa mortis: a morte do testador é condição de eficácia do testamento, com
imediata abertura do processo sucessório. Assim, o testamento só produz efeitos com a morte
do testador. A abertura da sucessão é essencial para o cumprimento das disposições contidas
no testamento.

3. Capacidade para testar: art. 1.860


A capacidade testamentária pode ser ativa (quem pode dispor) ou passiva (quem pode
adquirir por testamento). A capacidade do agente é requisito de validade do testamento. O art.
104 do CC trata da validade do negócio jurídico:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Além desses requisitos gerais, para o testamento ainda são exigidos os requisitos da
inteligência e da vontade, de compreender e de querer, ou seja, a possibilidade de
compreender o caráter e os efeitos do ato e querer praticá-los.
A regra, portanto é a capacidade e a incapacidade é a exceção, de forma que a capacidade
se presume e a incapacidade se prova.
Nesse sentido, o art. 1.860 dispõe:
Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-
lo, não tiverem pleno discernimento.
Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.

436
O dispositivo legal dispõe sobre os que não podem testar, por não terem discernimento,
de forma que se subentende que todos os demais possuem capacidade para testar. Assim,
podem testar os cegos e os analfabetos, por exemplo. A norma do art. 1.860 é restritiva e só
abrangem os casos específicos, não permitindo interpretação extensiva.

a. Incapacidade para testar (art. 1.860)


São os casos que mais ocupam os tribunais.
a) Em razão da idade: os menores de 16 anos, por serem absolutamente incapazes não
podem testar. Não possuem maturidade e firmeza suficiente para dispor de seus bens. É nulo o
testamento elaborado por menor de 16 anos.
Os relativamente incapazes (maiores de 16 anos) podem testar, mesmo sem a
assistência do representante legal. Essa desnecessidade de assistência dos pais ou
representantes legais para o feitio do testamento se dá em razão de que o testamento é
personalíssimo e só o maior de 16 anos mesmo poderá fazer o testamento.

b) Por falta de discernimento: aquelas pessoas que não tem discernimento não são
amentais, ou seja, se encontram, momentaneamente, fora de seu juízo perfeito, em razão de
uma patologia (arteriosclerose, excessiva pressão arterial, etc), embriaguez, uso de
entorpecente, etc. Trata-se de uma situação transitória.
c) Incapacidade testamentária dos relativamente incapazes: os relativamente
incapazes são proibidos de testar, exceto os maiores de 16 anos, cujo § único do art. 1.860 prevê a
possibilidade. Não podem testar, portanto os ébrios habituais e os viciados em tóxicos, por não
terem consciência dos atos praticados. O surdo mudo só não testa se não conseguir expressar
sua vontade. O surdo, mas não mudo, poderá testar, conforme art. 1.866.
d) Hipóteses não geradoras da incapacidade: exceto as hipóteses previstas no art.
1.860, todas as pessoas podem fazer testamento válido. A idade avançada, por exemplo, não é
suficiente para negar a capacidade testamentária. O que determina a incapacidade
testamentária é a falta de discernimento. Deve-se destacar que, em razão do Estatuto da
Pessoa com Deficiência, houve alteração dos arts. 3.º e 4.º do CC. Sendo assim, os deficientes
mentais não são mais incapazes podendo, portanto, testar.

Observação:

• A capacidade deve ser verificada no momento da elaboração do testamento.

• Na dúvida, decide-se pela validade do ato, em respeito ao princípio do in dubio pro


capacitate.

• Os Tribunais (STF, especialmente) têm entendido que para a decretação da nulidade


de testamento deverá haver prova inequívoca da incapacidade do testador.
437
b. Momento em que se exige a capacidade - capacidade superveniente (art. 1.861)
A capacidade, o juízo perfeito deve existir na época da elaboração do testamento. Neste
instante que deve ser aferida.
Se no momento de realizar o testamento o testador tinha lucidez, o ato será válido,
mesmo que perca o juízo após a lavratura do ato. Se, contudo, no momento de realizar o
testamento o testador estava embriagado, por exemplo, mesmo que no dia seguinte esteja
curado, o testamento será nulo. Neste caso, somente testando novamente para que o ato não
seja nulo (ver art. 169, CC – o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação).
c. Impugnação da validade do testamento (art. 1.859)
A validade do testamento só pode ser discutida/questionada após a morte do testador.
Enquanto estiver vivo, não há o que se discutir, mesmo porque o testamento pode ser alterado.
Assim, prevê o art. 1.859 que extingue-se em 5 anos o prazo para impugnar a validade do
testamento, contando da data do seu registro. O lapso quinquenal é contado da Ação de
Registro, Abertura e Cumprimento do Testamento (arts. 735 a 737 do CPC/2015). A ação de
Registro só pode ser proposta a partir do óbito.
Por sua vez, o art. 1.909 afirma que são anuláveis as disposições testamentárias que sejam
viciadas por erro, dolo ou coação, extinguindo-se em 4 anos o direito de anular a disposição a
partir do momento em que o interessado tiver conhecimento do erro.
Significa dizer, portanto, que, ainda que se trate de um testamento nulo (realizado sem a
observância da forma legal ou que o testador deliberou mediante dolo) só pode ser anulado até
4 anos após a ciência do vício.
4. Formas ordinárias de testamento
Art. 1.862 – testamento ordinário: público, particular e cerrado; Art. 1.886 – testamentos
especiais: marítimo, aeronáutico e militar.
Se o testamento não for feito através das formas e solenidades estabelecidas na lei, O ATO
SERÁ NULO DE PLENO DIREITO, SEM PRODUZIR QUALQUER EFEITO (art. 104, III). O que se
percebe, portanto, é que ao lado do casamento, o testamento é um dos atos mais solenes do
direito brasileiro, não admitindo outra forma que não a prevista em lei. Neste caso, aplica-se o
art. 166, IV - não revestir a forma prescrita em lei, de forma que será inválido o testamento que
não observar a forma prescrita em lei.

a. Testamento conjuntivo (ou de mão comum) – art. 1.863.


Quando duas pessoas, como marido e mulher, fazem conjuntamente, no mesmo ato e no
mesmo instrumento, o testamento, dispondo de seus bens. Esta espécie de testamento é
vedado pelo direito brasileiro, nos termos do art. 1.863, CC.

438
Formas de testamento conjuntivo:
Simultâneo: quando os testadores contemplam terceiros
Recíproco: testadores instituem um ao outro. O que sobreviver fica com todo o
patrimônio.
Correspectivo: quando o benefício outorgado por um dos testadores ao outro retribui
vantagem correspondente.
Não se impede, porém, que, SEPARADAMENTE, marido e mulher façam testamento um
para o outro. Pode até ser na mesma data, com termos semelhantes, mas em ATOS DISTINTOS,
separados.

b. Testamento Público – arts. 1.864 a 1.867, CC:


O testamento público é aquele escrito pelo Tabelião de Notas, no Tabelionato, nos termos
das declarações prestadas pelo testador. O Tabelião pode servir-se de notas, minuta ou
apontamentos do testador para realizar a escritura, devendo, para sua validade, haver a
presença de duas testemunhas durante todo o ato.
Diz-se PÚBLICO não apenas por estar registrado no livro de notas, mas também porque é
feito perante duas testemunhas. Logo, não é reservado, nem sigiloso, podendo qualquer
pessoa dele tomar conhecimento.
Requisitos – Art. 1.864 CC:
1. Lavratura do ato notarial pelo Tabelião. O ato é privativo do notário (tabelião) ou seu
substituto legal.
2. Presença de testemunhas – (número = 2). As testemunhas devem presenciar todo o
ato e ter capacidade plena.
3. Leitura do Testamento. Tão logo seja redigito o testamento, este deve ser lido pelo
Tabelião, na presença do testador e das testemunhas ou pelo testador, na presença do Tabelião
e das testemunhas. Esse requisito é fundamental e serve para que se verifique a coincidência da
vontade do testador e o que se encontra expresso no testamento. Deve ser feito em ato
contínuo, de forma que as testemunhas acompanhem todo o processo (declaração do testador,
redação e leitura). No caso do cego (art. 1.867) a leitura deve ser feita duas vezes: uma pelo
Tabelião e outra por uma das testemunhas (designada pelo testador). Não pode fazer
testamento público o surdo e o surdo-mudo. Podem fazê-lo o surdo, o analfabeto, o cego e o
alfabetizado.

4. Assinaturas. Depois de lido o testamento, deve ser coletada a assinatura do testador,


das testemunhas e do Tabelião.

439
Cumprimento, registro e abertura do testamento:
Realizado o testamento público, deve-se, com o falecimento do testador, se realizar o
registro do testamento. Isto é feito através de uma ação judicial através da qual o portador do
traslado do testamento (ou de uma certidão) pede ao juiz que determine o cumprimento do
mesmo. Art. 736, CPC/2015.
c. Testamento cerrado – Arts. 1.868 a 1.875, CC:
O testamento cerrado é aquele pelo qual o testador elabora o termo (ou alguém a seu
rogo e pelo testador assinado), com caráter sigiloso, que depende de instrumento de aprovação
do Tabelião, realizado na presença do testador e duas testemunhas, seguindo-se do seu
fechamento e costura do instrumento, sendo o documento entregue ao testador.
Só tem eficácia com a lavratura do auto de aprovação, pelo tabelião, na presença de 2
testemunhas.
Art. 1.872 – O testador deverá saber ler, pois precisa ter meios de se certificar que, no caso
de terceiro redigir o testamento a seu rogo, seguiu corretamente e fielmente as suas instruções.
Neste caso, o testador pode não saber escrever, mas, necessariamente, deve saber ler.
Art. 1.873 – O surdo-mudo pode fazer testamento cerrado, desde que escreva e assine.

Requisitos:
O art. 1.868, CC estabelece os requisitos e formalidades do testamento cerrado. O
testamento cerrado se compõe de algumas fases:
a) a elaboração do testamento. O Tabelião pode escrever e aprovar o testamento (1.870).
Assinatura do testamento é imprescindível. Entrega ao Tabelião, acompanhado de 2
testemunhas. Requer a lavratura do auto de aprovação (art. 1.869).

b) entrega do testamento. O testamento deve ser entregue pessoalmente pelo testador


ao tabelião, constituindo-se de ato personalíssimo, não admitindo a utilização de portador.
c) Participação das testemunhas. As testemunhas participam do ato de entrega do
testamento, mas não precisa que conheçam o seu conteúdo.

d) Lavratura do auto de aprovação pelo Tabelião. Depois de aprovado, o auto de


aprovação será lido pelo oficial e assinado pelas Testemunhas, Testador e Tabelião. O auto de
aprovação deve vir, conforme o art. 1.869, CC, logo após a última palavra do testador. A
solenidade de aprovação deve ser feita sem interrupções.
e) Cerramento. Trata-se da última fase do testamento cerrado. O tabelião dobra a cédula
e costura-a com cinco pontos de retrós e lança pingos de lacre sobre cada um. Se houver o
rompimento do lacre pelo testador, não terá validade o testamento. Se for feito o rompimento
contra a vontade do testador, deverão os interessados demonstrar ao juiz tal fato, para que não
anule o ato.

440
Abertura, registro e cumprimento.
O art. 1.875, CC dispõe acerca da abertura, registro e cumprimento do testamento cerrado.
Assim, falecendo o testador, deverá o testamento ser apresentado ao juiz que o abrirá, o fará
registrar e determinará seu cumprimento. Deve-se observar, portanto, que, quem abre a cédula
testamentária devidamente cosida é o juiz. Será extraída cópia autêntica do testamento para
juntar ao inventário.
Art. 735, CPC/2015 = se não houver vício externo que o torne suspeito de nulidade ou
falsidade, o juiz abre o testamento e mandará que o escrivão leia na presença do apresentante.
Depois de ouvido o MP, estando tudo nos conformes, o juiz mandará registrar, arquivar e
cumprir o testamento. Uma vez registrado o testamento, deverá o testamenteiro (indicado ou
dativo) assinar o termo de testamentaria.
Testamento dilacerado (1.972): ter-se-á como revogado. É o risco desta modalidade de
testamento: uma deterioração ou dilaceramento acidental.

d. Testamento particular – Art. 1.876/1.880


O testamento particular ou hológrafo é aquele no qual o testador elabora o ato de
disposição de última vontade de próprio punho (ou digitado e impresso), sendo assinado pelo
testador e lido para três testemunhas, que também o subscreverão. As testemunhas terão o
dever de, com a morte do testador, confirmar a autenticidade do testamento.

Requisitos:
O art. 1.876 apresenta os requisitos e formalidades do testamento particular.
a) Deve ser escrito e assinado pelo testador.
b) Inquirição das testemunhas em juízo (confirmar o testamento);
c) Pode ser feito em idioma estrangeiro;
d) A lei permite que terceira pessoa redija, pois pode ser datilografado;
e) Se for escrito a mão, deverá ser feito pessoalmente pelo testador.
f) Uma testemunha pode confirmar (Leite, 393).
g) Leitura e assinatura de 3 testemunhas

Publicação e confirmação do testamento particular


O art. 1.877, CC determina que, falecido o testador, o testamento deve ser publicado em
juízo, sendo citados os herdeiros legítimos. Neste processo, as três testemunhas serão inquiridas
pelo juízo e, havendo o reconhecimento da autenticidade, o juiz confirmará e determinará seu
cumprimento.

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Art. 737, CPC/2015: com o falecimento do testador deverá haver o requerimento de
registro do testamento. Poderão requerê-lo o herdeiro, legatário, testamenteiro ou outra
pessoa, detentora da cédula testamentária. O herdeiro que não tiver requerido a publicação do
testamento deverá ser intimado (§ 1.º). Uma vez que esteja tudo nos conformes e ouvido o MP, o
juiz confirmará o testamento.

e. Testemunhas instrumentárias
A atuação das testemunhas no testamento tem a função de conferir validade ao ato.
Em princípio, todas as pessoas capazes, podem ser testemunhas. Contudo, o art. 228, CC
determina as pessoas que não podem ser testemunhas (cuidado com as alterações do Estatuto
da Pessoa com Deficiência):
Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I - os menores de dezesseis anos;
II - (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) III -
(Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) IV - o
interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; V -
os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o
terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade.
§ 1º Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o
depoimento das pessoas a que se refere este artigo.
§ 2º A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de
condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os
recursos de tecnologia assistida. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
(Vigência)

f. Codicilos – Art. 1.881/1.885


Toda pessoa capaz de testar pode dispor em codicilo. É um ato de última vontade pelo
qual o testador dispõe sobre questões mais pessoais ou sobre bens de pequeno valor.
O objeto do codicilo é inferior ao do testamento, sendo, portanto, limitado. Não pode
instituir herdeiro ou legatário, efetuar deserdações, legar imóveis ou disposições patrimoniais
de valor considerável.
Pode ser usado para:
a) destinar coisas de pouca monta, pouco valor;
b) pode conter nomeação ou substituição de testamenteiro;
c) disposição sobre o enterro;
d) legar joias, móveis e roupas de pouco valor, de seu uso pessoal;

442
e) reconhecer filho havido fora do matrimônio;
f) indicação de divisas e limites;
g) liberalidade não pode ultrapassar 10% do acervo imobiliário.

Formas:
- é hológrafo; simplificada; sem formalidades;
- é válido datilografado, desde que datado e assinado pelo testador;
- não exige testemunhas;
- pode ser escrito por meios mecânicos (jurisprudência dominante);

- deve ser escrito pelo disponente ou por terceiro;


- não exclui a forma pública, embora indique a particular.

Execução:
As mesmas regras do testamento particular. Se público ou cerrado, segue-se as normas
de execução destes (art. 737, § 3.º, CPC/2015).
Art. 1885 – Se fechado, para manter secreto, a abertura se processa como o testamento
cerrado: será aberto pelo juiz que fará registrar.

Consequências:
Art. 1.882 – O codicilo pode ser autônomo, ou pode existir como parte integrante de um
testamento.
- Não revoga testamento. Por este é revogável (1.884);
- É revogável por outro codicilo;
- Mais de um codicilo: Na dúvida, vale a última disposição;
- É válido exista ou não testamento;
- Sendo o codicilo parte integrante ou complementar do testamento, anulado ou
revogado este, deixa de existir aquele;
- As regras da capacidade no testamento valem para o codicilo.

5. Formas especiais de testamento:


Além das formas ordinárias de testamento previstas (público, cerrado e particular), o CC
prevê formas especiais de testamento, as quais não podem ser livremente escolhidas pelas
pessoas (como nas formas ordinárias), mas sim são determinadas por circunstâncias e situações
excepcionais nas quais se encontra a pessoa que pretende manifestar sua vontade. Estes

443
testamentos tem como características a redução das formalidades, em razão da presença
destas circunstâncias ou situações excepcionais.
Art. 1.886. São testamentos especiais:
I - o marítimo;
II - o aeronáutico;
III - o militar.
Art. 1.887. Não se admitem outros testamentos especiais além dos
contemplados neste Código.

Seu registro e cumprimento se dará de acordo com o art. 737, § 3.º, CPC/2015, obedecendo
as regras do testamento particular.

a. Marítimo
É a declaração de última vontade, feita a bordo de navios, embarcações: em alto mar.
Pode ser feito pelos tripulantes ou pelos passageiros (art. 1.888). Justifica- se em caso de
emergência e necessidade. Não prevalece se a embarcação estiver em local onde o testador
poderia ter desembarcado e testado de forma ordinária (art. 1.892). Caducará se o testador não
morrer em viagem, nem nos 90 dias subsequentes ao seu desembarque em terra, onde possa
fazer, na forma ordinária, outro testamento (art. 1.891).
Requisitos
- viagem realizada em navio nacional (extensão do território nacional);
- navio de guerra ou mercante (transporte de pessoas de um porto a outro).

- testador esteja a bordo do navio.


- cédula testamentária seja registrada no diário de bordo.

- testamento fique sob a guarda do comandante.

Formas
- na forma do Público ou cerrado;
- exige apenas duas testemunhas;
- será lavrado, em regra, pelo Comandante;
- se o testador não puder assinar, alguém assina a rogo;
- o registro do testamento será no diário de bordo: parágrafo único, do art. 1888.

b. Aeronáutico: 1.888 e 1.889


É aquele feito por quem estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial,
perante pessoa designada pelo comandante. É feito por perante pessoa designada pelo
444
Comandante. A garantia da entrega ao Comandante é o registro no diário de bordo. A
integridade do testamento fica sob guarda do Comandante.
Formas e requisitos
- público ou cerrado, nos termos do art. 1.888, CC

- requisitos: os mesmos do marítimo.


- o comandante não se envolve na elaboração do testamento pois está conduzindo a
aeronave.

Caducidade: Efemeridade
Art. 1.891 – Caducará: Tem eficácia temporal e condicional:
a) não morrer na viagem;
b) 90 dias subsequentes ao desembarque não testar da forma ordinária
c) É nulo o testamento feito em portos – neste caso, poderia ser feito através de uma
forma ordinária de testamento. Tem que ser em alto mar (Art. 1892).

O prazo de caducidade: 90 dias após o último desembarque: no fim da viagem. Perde a


eficácia: 90 dias (não três meses). Se o testador ficar impedido de fazer pela foram ordinária
(doença), valerá a disposição (prova).

c. Militar – Art. 1.893


É o realizado pelo militar e outras pessoas a serviço das Forças Aéreas em campanha
(médicos, enfermeiros, engenheiros, ...), que estejam participando de operações de guerra
dentro ou fora do país. Justifica-se pela excepcionalidade da situação.

Requisitos
- Que a Força esteja “em campanha” (dentro ou fora do país) – mesmo missão de paz.

- Que o testador esteja participando da guerra, em campanha, sem possibilidade de se


afastar para realizar o testamento pela forma ordinária.

- Qualquer pessoa envolvida – civil ou militar.


- Que não haja, no local, um tabelionato onde o testador possa dispor de seus bens
através de testamento público.
- Que a situação de perigo seja real.

Formas
Pode ser de 3 formas: público, cerrado ou nuncupativo.

445
- Público: o comandante da tropa ou diretor do hospital ou oficial de saúde funcionará
como tabelião. Lavrado perante duas testemunhas ou por três, caso o testador não saiba assinar
(uma delas assinará a rogo).
- Cerrado: o testador entregará o escrito, devidamente assinado, ao oficial de patente
mais acima, que o datará, indicará o lugar em que lhe foi apresentado, assinando-o com as duas
testemunhas, devolvendo-o ao apresentante.

- Nuncupativo: é feito de viva voz, perante duas testemunhas, por alguém que esta
empenhada em combate ou ferida, ou seja, a pessoa está exposta a risco de vida e
impossibilitada de usar a forma escrita. Se findar a guerra ou o testador convalescer, cessarão os
motivos que autorizam esta forma de testamento.
As declarações são feitas a duas testemunhas: que devem escrevê-las e confirmar em
juízo. É exceção e possui o risco, pois se o testador falecer, ficará nas mãos das
testemunhas.

Caducidade: Art. 1.895


a) Noventa dias possa fazer da forma ordinária. Caduca da mesma forma que o
marítimo.
b) Não era prazo de eficácia se apresentar as formalidades prescritas (art. 1.895):
segurança e definitividade. Não caducará.

446
EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

07. Sucessão testamentária: disposições testamentárias, legados, substituição


testamentária, redução de disposições testamentárias, revogação de tratamento,
rompimento de testamento. Inventário e partilha
1. Disposições testamentárias em geral - Art. 1.897/1.911
As disposições testamentárias contemplarão unicamente pessoas naturais ou jurídicas.
Inadmissível a contemplação de animais. São de natureza:
a) pessoal – nomeação de tutor, reconhecimento de filho, etc.
b) patrimonial; referente aos bens

a. Interpretação do testamento:
Quando da interpretação das cláusulas testamentárias, deve-se atentar para buscar a
verdadeira intenção do testador, ainda que não tenha se saído bem com as palavras escritas. É
nesse sentido a determinação do art. 1.899, CC.

b. Regras proibitivas:
• Nomeação a termo: Art. 1898

447
A designação do tempo: é vedada, com exceção do Fideicomisso. É cláusula não escrita. A
herança se transmite imediatamente, a partir do óbito. Aberta a sucessão o herdeiro não tem o
que aguardar.
Reafirma o princípio da saisine – a herança transmite-se com a morte.
Nesse caso, não há o prejuízo da nomeação em si, mas sim da designação do termo
(inicial ou final).

• Instituição de herdeiro sob condição captatória: Art. 1.900, I


Não admite nenhuma espécie de pacto sucessório (vedação de contrato que tenha por
objeto herança de pessoa viva – art. 426, CC).
Essa condição captatória “é a que representa um induzimento, mediante nomeação e
favorecimento de outrem, como herdeiro, para que este também inclua o captador, ou terceiro,
em suas disposições testamentárias, como beneficiário” (Gonçalves, p. 331).
Ex.: lego tal quantia para Fulano se ele me contemplar em seu testamento.
Ex.: deixo a Fulano, que instituo como meu herdeiro, o quanto ele me transmitir em seu
testamento.
Essa vedação é em razão de que a instituição de herdeiro deve ser através da plena
liberdade e vontade do testador e, sendo possibilitada essa hipótese, poderia haver influência
do captador sobre o testador.

• Referência a pessoa incerta: Art. 1.900, II


Não há como ser cumprido um ato de disposição de última vontade se o beneficiário não
puder ser identificado. Nesse sentido, não é válida a disposição testamentária em que conste:
“beneficio meus amigos” ou “beneficio a pessoa mais digna da cidade”. Trata-se de expressões
vagas, de forma que não há como precisar quem é a pessoa que o testador pretende beneficiar.
Quanto mais claro, melhor será. Contudo, não é preciso indicar o nome da pessoa, desde
que existam características possíveis de identificar o beneficiário.
Ex.: deixo x% dos meus bens para o primeiro filho da minha irmã Fulana, que nascer após a
minha morte.

• Beneficiar pessoa incerta, a ser identificada por terceiro: Art. 1.900, III
É simples. Neste caso, não seria uma liberalidade personalíssima do falecido, mas sim do
terceiro, que determinaria quem seria beneficiado.

• Beneficiar ao herdeiro, ou a outrem, da prerrogativa de fixar o valor do legado:


Art. 1.900, IV
É simples. Neste caso, não seria uma liberalidade personalíssima do falecido. Quem deve
fixar o valor do legado é o testador e não terceiro, ainda que a sua ordem.
Ex.: A, B e C são meus herdeiros, cada um com a proporção que Fulano decidir.

• Beneficiar às pessoas indicadas nos arts. 1.801 e 1.802: Art. 1.900, V

448
Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:
I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou
companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - as testemunhas do testamento;
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver
separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante
quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.
Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas
não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de
contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os
descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado
a suceder.
c. Regras permissivas:
• Nomeação pura e simples: art. 1897
Puro e simples: não tem condição suspensiva e nem resolutiva. Não há qualquer encargo,
condição ou contraprestação.
Ex.: nomeio Fulano como meu herdeiro, que receberá x% da minha herança.

• Nomeação sob condição: art. 1897


Condição é acontecimento futuro e incerto do qual depende a eficácia do negócio
jurídico.
Ex.: deixo minha casa para Marcelo se ele me sobrevier.
Se houver uma condição suspensiva a aquisição do direito pelo herdeiro dependerá do
implemento da condição. O implemento da condição terá efeito retroativo (ex tunc). Se não
houver o implemento da condição, a cláusula testamentária caducará.
Ex.: Fulano receberá “x valor” mensal enquanto for estudante de direito.
Neste caso, havendo uma condição resolutiva, se Fulano parar de estudar, não mais
receberá o valor definido pelo testador.

• Nomeação com a imposição de encargo: art. 1897


A herança pode vir subordinada a um encargo que o beneficiário deverá cumprir, caso
aceite a herança.
Ex.: instituo Fulano como meu herdeiro, que receberá x% do meu patrimônio, com o
encargo de alimentar Cicrano até os 24 anos de idade.
Há discussão doutrinária e jurisprudencial quanto ao descumprimento do encargo e a
perda da validade da disposição testamentária. A maioria da doutrina entende que,

449
descumprido o encargo, os interessados deverão propor ação judicial para que seja declarada a
ineficácia da deixa testamentária.

• Disposição motivada: art. 1897


É possível a nomeação de herdeiro por certo motivo. O testador ao nomear alguém como
seu beneficiário não é obrigado a indicar o motivo, mas, caso queira, não pode haver a confusão
com obrigação modal (de encargo), pois se trata de fatos passados.
Ex.: nomeio Fulano como meu herdeiro, pois foi ele quem salvou a vida do meu filho no
acidente de carro sofrido em 2006.

• Disposição com cláusulas de inalienabilidade: art. 1.911


O art. 1.911 dispõe sobre a possibilidade de o testador estabelecer ônus ou gravame sobre
os bens que integram a herança. Essa cláusula de inalienabilidade que pode ser imposta, traz
como consequência a impenhorabilidade e a incomunicabilidade desses bens.
Trata-se, portanto, da transferência do domínio de forma limitada.
Quando se faz a interpretação do art. 1.911 em conjunto com o art. 1.848, verifica-se que a
restrição imposta ao testador de justa causa, refere-se tão somente a imposição de cláusulas
para a legítima. Quanto ao testamento ou legado, não há a imposição de justa causa.

2. Invalidade das disposições testamentárias


O TESTAMENTO É ATO SOLENE E FORMAL – tais exigências são para a segurança e
proteção do testador, contra o abuso da influência alheia.
Se o testamento não for apresentado, o juiz pode determinar a sua busca e apreensão.
A INVALIDADE por vício de forma obedece a tríplice finalidade:
a) estabelecer a autenticidade do testamento em relação a terceiros e assegurar as de
última vontade;

b) distinguir a verdadeira vontade do de cujus;


c) proteger o de cujus contra decisões precipitadas.

3. Rompimento do testamento
Ocorre a ruptura do testamento quando “há a superveniência de uma circunstância
relevante, capaz de alterar a manifestação de vontade do testador, como, verbi gratia, o
surgimento de um herdeiro necessário” (Gonçalves, p. 457)
Enquanto a revogação depende da vontade do testador, o rompimento independe de sua
vontade, sendo determinado pela lei.

450
a. Superveniência de descendente sucessível (art. 1.973):
Ex.: ação de investigação de paternidade procedente posterior ao testamento, sem o
conhecimento prévio do testador.
A existência de qualquer filho quando da feitura do testamento afasta a caducidade,
mesmo que, após, surjam outros.
Hipóteses:
a) Nascimento posterior de filho, ou outro descendente. Só no caso do testador que não
tinha nenhum descendente.
b) Aparecimento de descendente, que o testador supunha falecido, ou cuja existência
ignorava. Se o testador sabia da existência do herdeiro e, ainda assim, testou, o testamento
subsiste.

c) Reconhecimento voluntário ou judicial do filho, ou a adoção, posteriores à lavratura do


testamento.

b. Surgimento de herdeiros necessários ignorados, depois do testamento (art. 1.974)


Surgimento, depois do feitio do testamento, de outros herdeiros necessários, que o
testador não conhecia.

c. Subsistência do testamento se conhecida a existência de herdeiros necessários


(1.975)
Se o testador dispõe somente de sua metade disponível, a exclusão dos herdeiros
necessários não implica na ruptura do testamento.
Se o testador avançou na legítima do herdeiro necessário de que tinha conhecimento, o
testamento não se rompe, mas reduz-se a liberalidade, para o efeito de restaurar por inteiro a
quota legalmente reservada.

4. Revogação do testamento
CADUCIDADE – o ato perde a validade por uma causa que o esvazia, ou em razão de um
fato que lhe retira o objeto.
NULIDADE – há um vício, embora as consequências sejam idênticas: deixa de existir a
disposição testamentária, ou se invalida, ou perde todo o efeito. Entretanto, a nulidade depende
de declaração judicial, enquanto a revogação é ato unilateral.
REVOGAÇÃO – O testamento é essencialmente revogável. Trata-se de mudança na
redação feita pelo próprio testador.

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a. Espécies de revogação
REVOGAÇÃO EXPRESSA: dá-se mediante a confecção de novo testamento, onde é
indispensável mencionar a revogação do anterior, ou parte dele. Observa-se a mesma
solenidade pra a celebração (art. 1.969 CC). Não é necessário que a revogação seja efetuada por
outro testamento da mesma modalidade, mas, necessariamente, tem de ser feita por outro
testamento. Ex: testamento marítimo pode revogar público; cerrado pode revogar particular.
REVOGAÇÃO TÁCITA: decorre do surgimento de novo testamento, cujos dizeres e o
conteúdo apresentam-se incompatíveis com o anterior. Ante a contradição, permanece sempre
a disposição mais recente. O simples fato de existir novo testamento não significa que tenha
revogado o anterior. Ambos podem coexistir, desde que não sejam contraditórios, ou seja,
desde que se complementem.

b. Formas de revogação:
Segundo o art. 1.970, CC, a revogação do testamento pode se dar de forma total ou parcial.
1) Total = revogação pura e simples: declara-se, em novo testamento, a revogação do
anterior, não fazendo qualquer limitação ou reserva.
2) Parcial: limita-se ao tópico atingido – art. 1.970 CC
3) A revogação de um testamento, mas existindo outro, sem que a este haja alguma
referência, leva a concluir quanto à revogação de apenas um, perdurando o outro.
4) A revogação do testamento de reconhecimento de filho é válida. Contudo,
revoga-se o testamento, não a declaração de reconhecimento – esta é intangível – única
forma irrevogável do testamento.
5) O novo testamento não atinge os legados, pois estes são especificações dos bens.

c. Efeitos da revogação:
- priva-se o testamento de qualquer eficácia, se total, ou da eficácia na parte atingida,
se parcial;

- passa a vigorar a sucessão (legítima) hereditária, em todos os seus efeitos.

d. Anulabilidade – nulidade do testamento:


Tal como em todo negócio jurídico, a vontade do testador é válida e eficaz se isenta de
erro, dolo ou coação.
Tais vícios nodoam, comumente, disposições testamentárias, mas também podem
manchar o próprio testamento. Bem pode ocorrer que alguém teste sob coação ou dolo.
Provado o vício da vontade, deve ser anulado o testamento, a requerimento do
interessado.

452
O erro, obstáculo e a violência física determinam a nulidade e não a simples a nulidade do
testamento, visto que determinam a falta de vontade, não sendo, rigorosamente, vícios de
consentimento.
Certas formas testamentárias excluem a possibilidade de ocorrência de alguns vícios de
vontade.
O erro determina a anulabilidade quando se dá:
a) nos motivos;
b) na designação;
c) na indicação dos bens.

Nulificam por duas razões: o testamento é um ato personalíssimo (art. 1.858) e,


unilateral (art. 1.863).
A disposição testamentária deve resultar de uma vontade livre de qualquer influência ou
pressão, interna ou externa.
Haja dolo, ou simplesmente pacto sucessório nas disposições captatória, a instituição está
viciada, porque contraria a liberdade essencial às disposições de última vontade, e transforma
em convocação o que a lei quer que seja espontânea manifestação unilateral.

5. Legados – art. 1.912 e seguintes, CC

* Destinação de bens a título particular, singular.


* Prédio, cifra em dinheiro, automóvel, etc.

* Coisa certa e determinada deixada a alguém via testamento ou codicilo.

a. Situações OU Classificação:
Legado de coisa alheia – não pode o testador legar coisa certa que não lhe pertença no
momento da abertura da sucessão (art. 1.912).
Exceções:
Art. 1.912 – será válido o legado de coisa alheia, se a coisa, mesmo não pertencendo ao
testador na época do testamento, após o testamento, vier a integrar o patrimônio do testador.
Art. 1.913 – o testador determina que o herdeiro entregue bem seu (dele herdeiro) a
terceira pessoa. Trata-se, na verdade, de um encargo que, se não cumprido, equivale à renúncia.
Art. 1.915 – confuso. Como deve o herdeiro cumprir o legado.
Legado de crédito. Art. 1.918 – trata-se de uma cessão de crédito, em que o legatário
substitui o testador e primitivo credor e pode promover a respectiva cobrança.
Legado de alimentos. Art. 1.920 – engloba o sustento, a cura, o vestuário e a casa,
enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor. Via de regra, cabe ao testador

453
fixar o valor. Caso não o faça, o Juiz deverá fixar estes alimentos, atendendo para as forças da
herança e para as necessidades do alimentário. Exemplo: compelir herdeiro a pagar alimentos a
terceiros.

b. Nulidade por incapacidade do herdeiro ou legatário


São nulas as disposições em favor de incapazes de suceder, ainda quando simulem a
forma de contrato oneroso ou os beneficiem por interposta pessoa, o pai, a mãe, os
descendentes e o cônjuge do incapaz (art. 1.802 CC). Ex.: não podem suceder as pessoas
definidas no art. 1.801.

c. Direito de Pedir:
Desde a morte do testador o legatário tem direito de pedir a coisa deixada por legado art.
1.923 CC.

d. Caducidade dos legados


Art. 1.939 e art. 1.940
CONCEITO: “Caducar é perder a eficácia, decair, ficar sem efeito, inutilizar-se. Ocorre pela
superveniência de fato, independente da vontade do testador”. (nulidade pressupõe um vício de
origem) (Leite, p. 560)
Não se confunde com revogação. Nesta, há uma declaração de vontade. Na caducidade,
ocorre a perda da eficácia, total ou parcial, da disposição testamentária, por fato alheio à
vontade do testador.
Formas de caducidade dos legados – Hipóteses de caducidade – art. 1.939:
a) herdeiro ou legatário pré-morto;
b) um dos beneficiários recusa sua parte na herança ou abre mão do legado;
c) quando o herdeiro é afastado por qualquer causa de exclusão por indignidade.

6. Direito de acrescer entre herdeiros e legatários


Art. 1.941 CC

a. Conceito:
Ocorre quando o testado contempla vários beneficiários no testamento, deixando para
todos a mesma herança, em porções não determinadas e um deles vem a faltar.
O direito de acrescer ocorre, também, no direito das coisas (art. 1.411, CC), como nos casos
em que o usufruto é constituído em favor de duas ou mais pessoas. Nestes casos, havendo o
usufruto simultâneo (e deve estar expresso no documento), a parte do usufrutuário que falecer,

454
acrescerá ao do sobrevivo. Ex.: imóvel com usufruto para o casal João e Maria, de forma
simultânea (50% para cada). Neste caso, falecendo João, o usufruto será 100% de Maria.
Este direito de acrescer, no caso do direito sucessório, ocorre apenas na sucessão
testamentária, pois na sucessão legítima o direito de representação impede a aplicação deste
instituto, salvo os casos de direito de renúncia.

Exemplos:
* Para todos verem: esquema

Sucessão legítima - representação:


Considerando que C é pré-morto, se tiver filhos, estes herdarão. Havendo representação, A
ficará com 1/3; B, igualmente com 1/3; e, a parte de C (1/3) será divida entre D e E.

Sucessão legítima - renúncia:


Considerando que A renuncie, sua parte será acrescida à de B e C (cujos filhos herdarão
por representação, no caso de ser pré-morto).

Sucessão testamentária:
Se o falecido tiver deixado 10% de seu patrimônio (ou uma casa) para A e B, a herança será
dividida: 90% (por sucessão legítima), entra A, B e C (30% para cada um); 10% entre A e B. Como,
neste caso, o testador não deixou expresso como seria a divisão dos 10% entre A e B, caso B
faleça, A receberá todos os 10% (pelo direito de acrescer). Diferente será se o falecido disser:
“Deixo 10% do meu patrimônio para A e B, em parte iguais” (ou em qualquer percentual
definido). Neste caso, não haverá o direito de acrescer.
Desta forma, o direito de acrescer, na sucessão testamentária, ocorrerá na hipótese do art.
1.941, CC – caso do exemplo acima – ou, ainda, no caso do art. 1.942, CC – quando os nomeados

455
em conjunto receberem uma só coisa (legado) ou quando esta não puder ser dividida sem risco
de desvalorização.
Art. 1.941. Quando vários herdeiros, pela mesma disposição testamentária,
forem conjuntamente chamados à herança em quinhões não
determinados, e qualquer deles não puder ou não quiser aceitá-la, a sua
parte acrescerá à dos co-herdeiros, salvo o direito do substituto.
Art. 1.942. O direito de acrescer competirá aos co-legatários, quando
nomeados conjuntamente a respeito de uma só coisa, determinada e
certa, ou quando o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de
desvalorização.

Portanto, não haverá o direito de acrescer quando o testador tiver deixado, de forma
expressa, a especificação do quinhão de cada co-herdeiro ou co-legatário (um terço, metade,
etc). Se isto ocorrer, a quota do herdeiro ou legatário que não quiser ou não puder aceitar a
sucessão testamentária será devolvida aos herdeiros legítimos – art. 1.944, CC.
O direito de acrescer também não ocorre no caso de haver substituição. Ex.: deixo 10% do
meu patrimônio para João e Carla e, em substituição de qualquer deles, para Fernando. Se João
ou Carla não quiserem ou não puderem aceitar, Fernando herdará.

b. Fundamentos:
a) Decorrência da vontade presumida do testador – quando nomeia vários beneficiários
pela mesma disposição testamentária, para toda a herança ou parte dela, sem determinar a
porção de cada um; ou quando deixa a vários legatários a mesma coisa ou parte dela.
Presume-se que ele desejava que se um faltasse, os demais ficassem com a herança.
b) Quando ocorre o direito de acrescer, o acréscimo é forçado, pois não pode o
beneficiário (co-herdeiro ou co-legatário) aceitar sua parte e renunciar ao direito de acrescer.
Ademais, nos termos do art. 1.943, § único, os co- herdeiros ou co-legatários, aos quais acresceu
o quinhão daquele que não quis ou não pôde suceder, ficam sujeitos às obrigações ou encargos
que o oneravam.

c. Pressupostos:
Para que ocorra o direito de acrescer, alguns pressupostos ou requisitos devem estar
presentes:
a) Nomeação de vários herdeiros ou legatários na mesma disposição testamentária;
b) Atribuição sem discriminar as porções ou o quantum, no mesmo bem ou porção de
bens.

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c) A falta ou impossibilidade de herdar de um herdeiro ou legatário instituído no
testamento.
d) O testamento não pode ter indicado uma pessoa determinada para que, na falta do
herdeiro ou legatário, receba sua parte – não pode haver substituto.
e) Indivisibilidade do bem, no caso de legados.
f) Indeterminação das quotas hereditárias.

d. Espécies de disposições conjuntas


Existem três tipos de disposições conjuntas:
a) Conjunção real – re tantum – quando os instituídos são chamados para suceder na
mesma coisa por frases distintas. Ex.: Deixo o imóvel X a José. Deixo o imóvel X a João.
b) Conjunção mista – re et verbis – quando a designação dos beneficiários é feita na
mesma frase, para a mesma coisa. Ex.: Deixo o imóvel X a José e a João.

c) Conjunção verbal – verbis tantum – neste caso há a designação dos beneficiários na


mesma disposição, e, ainda, a especificação do quinhão de cada um. Ex.: Deixo o imóvel X para
José e para João, metade para cada um.

Deve-se destacar que só haverá direito de acrescer nas conjunções real e mista. Na verbal
não há, pois o testador especifica o quinhão de cada um. Fica expressa a vontade do testador de
que cada um receba a quota que ele determinou.

e. Direito de acrescer entre co-herdeiros


Quando os co-herdeiros, pela mesma disposição de um testamento, são conjuntamente
chamados à sucessão em quinhões não determinados.
Ex.: Marília e Vinicius são meus herdeiros em 20% de meus bens.
Esta disposição estabelece uma solidariedade, uma conjunção entre herdeiros (RET ET
VERBIS – UMA SÓ FRASE DE DISPOSIÇÃO).
Daí necessário que estejam presentes 3 (três) elementos:

a) a instituição de herdeiros numa só cláusula;


b) a identidade de bens ou quotas hereditárias;
c) indeterminação das quotas hereditárias.

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f. Direito de acrescer entre legatários:
Arts. 1.941/1.942 CC: há um ou mais bens especificados, mas todos os legatários são
nomeados para o recebimento em comum deste patrimônio, em que não é possível sua divisão
(deterioração).
- inexiste acréscimo no legado em dinheiro (por ser genérico).
- também, no legado de alimentos (ao necessitado);
- o acrescentamento abrange-lhes os ônus (1.943, CC).

g. Legado de usufruto
Testamento institui o exercício do usufruto em favor de duas ou mais pessoas. O usufruto
é o direito de usar e gozar da coisa, por tempo certo ou vitaliciamente. Haverá o direito de
acrescer quando a nomeação for conjunta, sem especificação das quotas. Assim, são requisitos:
a) que haja a nomeação conjunta, sem especificar as frações em que incide o usufruto; b)
sempre sobre um bem individuado.

7. Substituições testamentárias
O testador pode, além de estabelecer o beneficiário de seu testamento, instituir o
substituto, ou seja, a pessoa que, na impossibilidade do herdeiro testamentário (ou legatário) de
herdar (seja por já ser falecido ou por não aceitar a herança, p.ex.), herdará em seu lugar. É o que
estabelece o art. 1.947, CC:
Art. 1.947. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao
legatário nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder
aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a substituição foi
determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se
refira.

Segundo Gonçalves (2012, p. 399) a substituição é “a indicação de certa pessoa para


recolher a herança, ou legado, se o nomeado faltar, ou alguém consecutivamente a ele.
Atualmente existem duas hipóteses de substituição: vulgar e a fideicomissária.

a. Substituição vulgar
Quando o testador designa uma ou mais pessoas para ocupar o lugar do herdeiro ou
legatário que não quiser ou não puder aceitar o benefício.
Trata-se de uma instituição condicional (que só ocorre que o beneficiário não puder ou
não quiser receber) e subsidiária (só produz efeitos se a disposição principal não produzir
efeitos). Estabelece a vocação direta, pois o substituto herda diretamente do falecido.

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A substituição vulgar pode ser:
a) Simples ou singular, um só substituto para um ou muitos herdeiros instituídos
b) Coletiva ou plural, quando há mais de um substituto a ser chamado
simultaneamente
c) Recíproca, quando são nomeados dois ou mais beneficiários, estabelecendo que
reciprocamente se substituam. Neste caso, os herdeiros recolherão a cota do que faltar.

O substituto assume o lugar do substituído, com os mesmos direitos e deveres,


sujeitando-se, inclusive, a condição ou encargo imposto ao substituído.

b. Substituição fideicomissária
Trata-se das situações nas quais o testador estabelece um beneficiário, mas com a
incumbência de, após, por sua morte, ou em vida, transmitir o bem a outra pessoa, inclusive sob
certa condição.
Existem três figuras: a) Fideicomitente – o instituidor, testador, doador; b) Fiduciário (ou
gravado) – que recebe o bem para, após, efetuar a transmissão; c) Fideicomissário (ou
substituto) – pessoa que recebe o bem quando da morte do fiduciário.
O testador fixa o tempo do fideicomisso: vitalício (até a morte do fiduciário); a termo (em
tempo prefixado pelo testador) ou condicional (se depender de implementação de alguma
condição resolutiva).
Trata-se de uma vocação dupla, pois tanto o fiduciário, quanto o fideicomissário se tornam
titulares da herança. O fiduciário enquanto estiver vivo ou não ocorrer a condição ou termo. O
fideicomissário após estes períodos.
Há direito de acrescer – art. 1.956, CC: Se o fideicomissário aceitar a herança ou legado,
terá direito a receber também aquilo que acresceu aos fiduciários.
É proibido o fideicomisso sucessivo, ou seja, não pode o testador deixar o bem para A, com
o dever de, com sua morte, transmitir para B e este, para C. A cláusula não será totalmente nula.
Quando A falecer, B adquirirá a propriedade do bem.

8. Redução das disposições testamentárias:


A liberdade de testar é relativa, pois havendo herdeiros necessários, o testador só poderá
dispor da metade da herança. Assim, para resguardar a legítima, a lei permite a redução das
disposições testamentárias. Desta forma, toda vez que as disposições testamentária
ultrapassarem a quota disponível do testador, poderão ser reduzidas. Não causa a nulidade,
nem é hipótese de anulação do testamento, bastando que se reduza as disposições
testamentárias.

459
Assim, deve-se apurar o valor total do patrimônio na data da abertura da sucessão,
abatidas as dívidas e despesas de funeral, adicionando-se os bens sujeitos a colação (art. 1.847,
CC). A partir daí, o valor líquido é divido em duas metades – uma delas a legítima e a outra, a
parte disponível. Os valores que ultrapassarem a metade disponível devem ser reduzidos,
proporcionalmente, nos termos do art. 1.967, CC.
Ordem: 1) herdeiro instituído (ou proporcionalmente, se houver mais de um); 2) legatário,
na proporção do seu valor; 3) redução das doações (começando pela mais nova ou
proporcionalmente se forem na mesma data).
O testador pode, ainda, estabelecer forma diferente para a redução (§ 2.º):

§ 2o Se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de


preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros
quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem estabelecida
no parágrafo antecedente.

Em se verificando excederem as disposições testamentárias a porção disponível, será


proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituídos, até onde bastem,
e, não bastando, também os legados, na proporção de seu valor. Ex. Se alguém tem 2 filhos faz
uma disposição a favor de um no montante de 60%, a redução ocorre em 10%.
Se o testador, prevenindo o caso de redução, dispuser que se inteirem, de preferência,
certos herdeiros ou legatários, a redução far-se-á nos outros quinhões ou legados, observando-
se ao seu respeito a ordem estabelecida na regra anterior. Ex. Bens 70mil reais. Deu 20 mil a um
amigo e 50 mil a um sobrinho. Tem filho, reserva da legítima. Desconta, visto que mencionou,
primeiro do sobrinho.

9. Testamenteiro:
Testamenteiro é o executor do testamento. É a pessoa que o de cujus encarrega de fazer
cumprir suas disposições de última vontade.
O testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos (quando a atuação é
conjunta, cumulando funções) ou separados (quando o exercício da testamentaria é feito uns
em falta dos outros).
Testamentaria – conjunto de funções que são realizadas pelo testamenteiro, o complexo
de direitos e obrigações.
Trata-se de encargo complexo na execução do testamento – não é múnus ou função
pública, mas encargo de ordem privada, de caráter facultativo. Há ampla liberdade de escusar-
se à testamentaria. Um ou mais, conjuntos ou separados, para cumprir a última vontade.

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a. Espécies de testamenteiro:
O testamenteiro pode ser:

• Instituído: quando o testador o nomeia

• Dativo: quando não havendo testamenteiro nomeado ou, se o nomeado recusar a


testamentaria, o juiz nomeia alguém para o encargo – art. 735, § 4.º, CPC/2015.

• Testamenteiro universal: a quem se confere a posse e a administração da herança ou


de parte dela, caso não haja herdeiros necessários – art. 1.977. O art. 1.978 determina que o
testamenteiro universal pode requerer o inventário e cumprir o testamento.

• Testamenteiro particular: não desfruta do direito de posse ou administração da


herança por não tê-los ou por tê-los perdido.

b. Nomeação do testamenteiro:
O testamenteiro pode ser nomeado no próprio testamento ou codicilo. O testador pode,
ainda, instituir um ou vários testamenteiros para atuar em conjunto ou em separado. Se não
houver testamenteiro, o cumprimento do testamento deverá ser cumprido pelo cônjuge ou
companheiro sobrevivente ou qualquer herdeiro. Se não houver testamenteiro, o juiz nomeará
dativo, obedecendo a ordem (§ 4.º, art. 735, CPC/2015).

c. Aceitação do encargo:
A pessoa que é nomeada testamenteira pode aceitar ou não o encargo. Em se tratando de
um múnus privado ninguém é obrigado a exercer.

d. Atribuições do testamenteiro:
1.979, CC – Registro do testamento – como o testamenteiro é o detentor (em regra) do
testamento, a ele incumbe (compete/pode) levá-lo a registro.
1.980, CC – Obrigação do Testamenteiro: cabe ao testamenteiro a execução do
testamento. Para tanto, deve:
1. apresentar o testamento em juízo para o registro.
2. depois de registrado o testamento, dar cumprimento, ou seja, executar as disposições
nele constantes – prazo – 180 dias.
1.982, CC - O testamenteiro – executor da última vontade – age de acordo com os poderes
conferidos pelo Testador.
1.983, CC - Prazo de 180 dias: suficiente. O prazo pode ser prorrogado (§ único)
1.984, CC – Na ausência de nomeação de testamenteiro, a execução testamentária,
compete a um dos cônjuges ou herdeiro nomeado pelo juiz.

461
3. defender a validade do testamento – art. 1.981, CC
1.981, CC - Propugnar a validade do testamento: deve defender a validade do testamento,
contra quem impugnar em juízo.
4. exercer as funções de inventariante, se estiver na posse e na administração da
herança ou se não houver cônjuge, nem herdeiros necessários.
1.990, CC - O testamenteiro exerce as funções de inventariante, na hipótese do testador
“tiver distribuído toda a herança em legados”.
5. prestar contas – art. 1.980.
1.985, CC - o encargo não se transmite aos herdeiros do testamenteiro. É encargo pessoal
indelegável. O testamenteiro pode fazer-se representar em juízo por procurador (1.985) e
mandatário (1.764)
1.986, CC - Mesmo conteúdo – responsabilidade solidária dos testamenteiros aceitantes.

Remuneração do testamenteiro: a testamentaria é função remunerada. O testamenteiro


tem direito a receber um prêmio ou vintena pelos serviços prestados, a ser fixado livremente
pelo testador. Se não o fizer, o juiz fixará, dentre os limites de 1 a 5% da herança líquida.
1.987, CC - Direito ao prêmio – Vintena – de 1 a 5% sobre a herança líquida.
Herdeiro ou legatário não recebe a gratificação.
1.988, CC - o herdeiro ou legatário nomeado testamenteiro pode escolher o prêmio (1 a
5%) ou a herança ou legado (o que lhe for mais favorável).
Destaca-se, contudo, que este herdeiro a que o art. 1.988 refere-se é o herdeiro instituído
ou o legatário e não o herdeiro necessário. No caso de herdeiro necessário nomeado
testamenteiro, terá direito a receber o prêmio, pois não é obrigado a exercer gratuitamente o
encargo.
O pagamento da vintena deve ser feito em dinheiro, não sendo admitida a adjudicação de
bens para pagamento, salvo se for o meeiro.
1.989, CC - Perda do prêmio:

a) O testamenteiro perde o direito à vintena quando é removido e não cumprir o


testamento;
b) quando faz despesas ilegais;
c) quando é negligente ou prevaricador;
d) quando não inventariar os bens (por culpa). O novo testamenteiro receberá o prêmio.

462
INVENTÁRIO E PARTILHA
1. Inventário
Aberta a sucessão com o falecimento do autor da herança, seu patrimônio é, desde logo,
transmitido aos herdeiros legítimos e testamentários, de acordo com o art. 1.784, CC. Como a
herança é transmitida “como um todo unitário”, é preciso que seja feita a individualização de
cada quota parte dos herdeiros, a fim de terminar com o estado de comunhão. Nesse sentido,
deve-se instaurar o processo de inventário, para que seja possível realizar a partilha dos bens e
individualização dos quinhões hereditários.
Inventário significa achar, encontrar. Utilizada juridicamente no sentido de enumerar e
catalogar aquilo que “foi encontrado”, que pertence, neste caso, ao falecido.
O procedimento de inventário é previsto no art. 610 e seguintes do CPC/2015.

2. Inventário negativo
Mesmo que não existam bens, é possível que seja feito o processo de inventário. Serve, tão
somente, para comprovar que aquele que faleceu não possui bens a inventariar.
Ex.: art. 1.523, I – causa suspensiva – viúvo que não deu partilha aos filhos não deve casar –
regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641, I). É possível que esta penalidade não seja
imposta se restar comprovado que não haverá prejuízo aos filhos. A forma de fazer essa prova é
o inventário negativo.
Será dada abertura ao inventário, feita a pesquisa de bens e a sentença judicial declarará a
inexistência de bens a serem partilhados.

3. Inventário conjunto
Em situações excepcionais é possível que seja realizado o inventário de duas pessoas ao
mesmo tempo, no mesmo processo, visando a economia processual. HIPÓTESES: Art. 672,
CPC/2015 – identidade de herdeiros, herança deixada pelos dois cônjuges ou companheiros ou
dependência de uma das partilhas em relação à outra.

4. Dispensa de Inventário
Dependendo dos bens que componham o acervo hereditário o inventário pode ser
dispensado – Lei 6.858/80 - Pagamento, aos Dependentes ou Sucessores, de Valores Não
Recebidos em Vida pelos Respectivos Titulares – FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço) e PIS-PASEP (Fundo de Participação) – art. 666, CPC/2015.
Outros bens:
- bens que o de cujus tenha apenas a posse – não é necessário fazer inventário –
aquisição originária da propriedade – uscucapião.

463
- contas poupança – se o de cujus tiver um segundo titular na conta, este poderá sacar
os valores, ainda que a jurisprudência tenha uma tendência a deferir só a metade dos valores.
- Alvará judicial: em sendo necessário o levantamento de importâncias em dinheiro ou
venda de algum bem antes de completado o inventário, é possível que as partes façam
requerimento em juízo de alvará judicial para tal fim. Normalmente a justificativa utilizada é o
pagamento das custas do inventário, impostos, taxas, etc.

5. Inventário Judicial
O inventário judicial é divido em:

a) inventário judicial pelo rito tradicional – arts. 610 a 658, CPC/2015;


b) inventário judicial pelo rito do arrolamento sumário – art. 659, CPC/2015;
c) inventário judicial pelo procedimento do arrolamento comum – art. 664, CPC/2015.

a. Inventário judicial pelo rito ou procedimento tradicional Abertura do Inventário


O art. 611, CPC/2015 prevê que o inventário deve ser aberto dentro de dois meses a contar
do falecimento e terminar nos 12 meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar o prazo, de
ofício ou a requerimento da parte. Caso esse prazo não seja cumprido, haverá sanção de
natureza fiscal (aplicação de multa). Na prática, ao menos no RS, esses prazos não são
obedecidos e não há qualquer aplicação de multa em razão do descumprimento. Outros
Estados, contudo, fazem a previsão de incidência de multa sobre a avaliação do patrimônio (em
torno de 20%).
Legitimidade para requerer o inventário
Art. 615, CPC/2015: quem estiver na posse e administração do espólio deve dar abertura ao
inventário. Esse, contudo, não necessariamente, será o inventariante, pois da abertura do
inventário até a nomeação do inventariante haverá um administrador provisório. Podem, ainda,
requerer o inventário: o cônjuge ou companheiro, herdeiro, legatário, testamenteiro,
cessionário, credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança, MP, Fazenda Pública ou o
administrador judicial da falência do herdeiro, legatário, autor da herança, cônjuge ou
companheiro supérstite (art. 616, CPC/2015).
A ação de abertura do inventário deve ser instruída com a certidão de óbito do de cujus e
procuração para o advogado.
O requerimento de abertura do inventário será instruído com a certidão de óbito do de
cujus (obrigatório – art. 615, § único, CPC/2015) e procuração outorgada ao advogado que assina
a petição. Poderá, ainda, conter:
- certidão de casamento do de cujus;
- cédula testamentária;

464
- certidões de nascimento, ou outro documento, dos herdeiros;

- certidões dos imóveis, etc.

Foro competente
O foro competente para processamento do inventário é o foro do último domicílio do de
cujus, mesmo que os herdeiros residam em localidade diversa (arts. 1.785 e 1.796, CC e art. 48,
CPC/2015).
Administrador provisório
Até que seja nomeado inventariante e este preste compromisso, a administração da
herança ficará a cargo do administrador provisório nomeado pelo juiz (art. 613, CPC/2015). Este
tem a função de representação do espólio, devendo trazer ao acervo frutos percebidos, tendo
direito de ser reembolsado pelas despesas necessárias. Responde por danos a que der causa
(art. 614, CPC/2015).
Nomeação de inventariante
Ingressando os herdeiros com o processo do inventário, o juiz despachará e nomeará o
inventariante, que prestará compromisso e as primeira declarações (prazo de 20 dias) (art. 620,
CPC/2015). A função do inventariante é administrar os bens do espólio, sendo seu representante
legal até que a partilha seja efetivada.
A ordem preferencial104 de pessoas que podem ser nomeadas inventariante é trazida pelo
art. 617, CPC/2015:
Art. 617. O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem:
I - o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse
convivendo com o outro ao tempo da morte deste;
II - o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, se
não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não
puderem ser nomeados;
III - qualquer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na
administração do espólio;
IV - o herdeiro menor, por seu representante legal;
V - o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio
ou se toda a herança estiver distribuída em legados;
VI - o cessionário do herdeiro ou do legatário; VII - o inventariante judicial,
se houver;
VIII - pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial.

104
O STJ entendeu que esta ordem é preferencial e não absoluta (REsp 402.891)

465
Depois de escolhido o inventariante pelo juiz, deverá prestar compromisso em 5 dias, de
bem e fielmente desempenhar o cargo (art. 617, § único, CPC/2015).
Obs.: o compromisso de inventariante poderá ser assinado por procurador, desde que
com poderes especiais para assinatura do termo de compromisso de inventariante (art. 105,
CPC/2015).
As atribuições do inventariante estão dispostas nos arts. 618 e 619, CPC/2015, de onde se
destacam as principais: representação do espólio, administrador dos bens, prestar as primeiras
declarações, juntar aos autos documentos e certidões necessários.
O inventariante pode ser removido do encargo nos casos previstos no art. 622, CPC/2015.
Como o inventariante realiza um múnus público, pode ser removido a qualquer momento, se
comprovada a prática de determinados fatos, descritos no art. 622, CPC/2015:
Art. 622. O inventariante será removido de ofício ou a requerimento:
I - se não prestar, no prazo legal, as primeiras ou as últimas declarações;
II - se não der ao inventário andamento regular, se suscitar dúvidas
infundadas ou se praticar atos meramente protelatórios;
III - se, por culpa sua, bens do espólio se deteriorarem, forem dilapidados
ou sofrerem dano;
IV - se não defender o espólio nas ações em que for citado, se deixar de
cobrar dívidas ativas ou se não promover as medidas necessárias para
evitar o perecimento de direitos;
V - se não prestar contas ou se as que prestar não forem julgadas boas;
VI - se sonegar, ocultar ou desviar bens do espólio.

Essa enumeração é exemplificativa, podendo haver casos outros em que o juiz entenda
que é caso de remoção do inventariante. Contudo, a simples demora no término do inventário
não justifica a remoção. Para que isto ocorra, deve a demora ter se dado por culpa do
inventariante.
O procedimento para remoção do inventariante está constante nos arts. 623 a 625,
CPC/2015.

Primeiras declarações
Com a nomeação do inventariante, deverá prestar as primeiras declarações no prazo de
20 dias. Essas primeiras declarações deverão conter (art. 620, CPC/2015):
I - o nome, o estado, a idade e o domicílio do autor da herança, o dia e o
lugar em que faleceu e se deixou testamento;
II - o nome, o estado, a idade, o endereço eletrônico e a residência dos
466
herdeiros e, havendo cônjuge ou companheiro supérstite, além dos
respectivos dados pessoais, o regime de bens do casamento ou da união
estável;
III - a qualidade dos herdeiros e o grau de parentesco com o
inventariado; IV - a relação completa e individualizada de todos os
bens do espólio,
inclusive aqueles que devem ser conferidos à colação, e dos bens alheios
que nele forem encontrados, descrevendo-se:
a) os imóveis, com as suas especificações, nomeadamente local em que
se encontram, extensão da área, limites, confrontações, benfeitorias,
origem dos títulos, números das matrículas e ônus que os gravam;
b) os móveis, com os sinais característicos;
c) os semoventes, seu número, suas espécies, suas marcas e seus sinais
distintivos;
d) o dinheiro, as joias, os objetos de ouro e prata e as pedras preciosas,
declarando-se-lhes especificadamente a qualidade, o peso e a
importância;
e) os títulos da dívida pública, bem como as ações, as quotas e os títulos
de sociedade, mencionando-se-lhes o número, o valor e a data;
f) as dívidas ativas e passivas, indicando-se-lhes as datas, os títulos, a
origem da obrigação e os nomes dos credores e dos devedores;
g) direitos e ações;
h) o valor corrente de cada um dos bens do espólio.

OBS.: Via de regra, quando se dá abertura ao inventário, se for consensual, já são


prestadas as primeiras declarações, com a informação de todos os herdeiros (qualificação
completa, endereço, parentesco, ...), juntada de todos os documentos, avaliação já
apresentada e a forma da partilha.
As primeiras declarações devem ser prestadas por petição, firmada por procurador com
poderes especiais (a procuração do advogado deve constar, expressamente, poderes para
prestar as primeiras declarações) (art. 620, § 2.º, CPC/2015).

Citação dos interessados


Após as primeiras declarações os interessados (cônjuge ou companheiro e herdeiros)
deverão ser citados (pelo correio - § 1.º), havendo a intimação do Ministério Público, se houver
herdeiro incapaz, da Fazenda Pública e eo testamenteiro, caso haja testamento (art. 626,
CPC/2015).
467
Essa citação é dispensada se todos os herdeiros já estiverem representados nos autos ou
se comparecerem espontaneamente.

Fase de impugnações:
Concluídas as citações as partes poderão impugnar alguma declaração prestada pelo
inventariante, no prazo de 15 dias, nos termos do art. 627, CPC/2015.
Se a impugnação for julgada procedente, o juiz determinará que as declarações sejam
retificadas.
Em caso de haver uma questão que demande produção de provas que não a documental,
especialmente no que se refere ao art. 627, III, CPC/2015 – contestar a qualidade de herdeiro – o
juiz deverá remeter o impugnante para as vias ordinárias (dilação probatória) e suspender o
inventário (art. 627, § 3.º, CPC/2015).

Avaliação dos bens inventariados:


Em seguida será feita a avaliação dos bens, com a remessa dos autos para a Fazenda
Estadual, a fim de que estabeleça o valor dos bens e realize o cálculo do imposto de transmissão
causa mortis (ITCD) – arts. 629 e 630, CPC/2015.

Últimas declarações:
Depois de aceita a avaliação dos bens ou resolvidas possíveis impugnações à avaliação, o
inventariante deverá prestar as últimas declarações (art. 636, CPC/2015), quando poderá
descrever bens que, porventura tenham sido esquecidos (mesmo que por desconhecimento).
As partes serão ouvidas sobre as últimas declarações, podendo alegar a sonegação de bens pelo
inventariante somente depois da última declaração feita por ele, de que não existem outros
bens a inventariar (art. 621, CPC/2015).

Pagamento dos impostos:


Feitas as últimas declarações, é feito o cálculo do imposto, que deverá ser pago (art. 637,
CPC/2015).
Nessa fase, devem ser juntadas certidões negativas de débitos municipais, estaduais e
federais. Para tanto, deverão estar quitados os IPTUs, ITRs, e outros impostos incidentes sobre os
bens do de cujus.

b. Inventário judicial pelo rito do arrolamento sumário:


É uma forma simplificada de inventário-partilha, quando todos os herdeiros são maiores,
capazes e a partilha é amigável.

468
Nesse caso, quando da abertura do inventário já são juntados todos os documentos
necessários, prova da quitação do imposto, partilha, etc, e o juiz apenas homologa, nos termos
do art. 2.015, CC.
Como é um procedimento sumário, é desburocratizado e, nesse sentido, o art. 660,
CPC/2015 dispensa a lavratura de termos de quaisquer espécies.

c. Inventário judicial pelo rito ou procedimento do arrolamento comum


Esta modalidade está estabelecia no art. 664, CPC/2015 e aplica-se aos casos em que o
valor dos bens do espólio for inferior a 1.000 salários mínimos, quando haverá a dispensa de
avaliação, sendo indicado o valor pelo inventariante nas suas declarações. Neste caso, não
importa existência ou não de consenso, mas sim o valor do patrimônio.

6. Inventário administrativo:
A lavratura da Escritura Pública de Inventário trata de uma forma facultativa. Não há
obrigatoriedade da partilha extrajudicial. Assim, se todos forem capazes e concordes, o
inventário e a partilha poderão ser feitos no Tabelionato de Notas (art. 610, § 1.º, CPC/2015).

Requisitos/pressupostos:
Todos capazes (capacidade de todos os interessados) e de acordo (ausência de
litigiosidade). Não pode envolver incapazes, nem existir testamento. Objetiva desburocratizar e
agilizar o procedimento judicial de inventário e partilha.
Se o testamento já foi anulado, pode ser feito o inventário extrajudicial, fazendo constar da
Escritura as informações da ação anulatória transitada em julgado.
Os herdeiros e meeiros são representados por advogado (indispensável, conforme art. 610,
§ 2.º, CPC/2015) e devem assinar a Escritura.
Se por todos reconhecida a União estável do falecido, poderá o companheiro sobrevivente
promover o inventário extrajudicial. Do contrário, via judicial e com reconhecimento.
A opção pela via extrajudicial, poderá, inclusive, ser solicitada durante o trâmite do
procedimento judicial do inventário (arrolamento), mediante a suspensão ou desistência.
Na via judicial existe a fixação da limitação em face da competência territorial: local do
óbito/último domicílio do de cujus. No âmbito extrajudicial, a escolha do Tabelião é liberalidade
das partes, não se condicionando ao domicílio, situação dos bens ou local do óbito.

7. Sonegados:
Aberto o inventário, é dever do inventariante apresentar as primeiras e últimas
declarações, com a indicação e caracterização dos bens a serem partilhados. Caso o

469
inventariante ou algum herdeiro não descreva algum bem, intencionalmente, de forma a
desfalcar o ativo do espólio, cometerá o delito civil de sonegação, sujeitando-se às penas dos
arts. 1.992 e 1993, CC.

“Sonegados são os bens ocultados maliciosamente, enquanto sonegação é a conduta


de quem age deste modo, negando informações necessárias ao conhecimento do monte-mor,
com isto, desviando ou deixando de restituir os bens da herança. (Nader, 2007, p. 577)”.
São diversas as hipóteses de sonegação.
Sonegação – omissão ou ocultação dolosa;
Intenção maliciosa de ocultar os bens do espólio e fraudar a expectativa dos herdeiros.

Penas:
Os arts. 1.992 e 1.993 do CC determinam as penas aplicadas; ao herdeiro que sonegar –
perderá o direito que teria sobre o bem, devendo restituí-lo, bem como aos seus frutos; se o
sonegador for o inventariante, ainda será removido da inventariança.
A pena é civil. Remoção do inventariante (art. 622, VI, CPC/2015) e perda do bem sonegado,
que é imposta por sentença.
A pena só poderá ser imposta em ação ordinária (LEITE, p. 724). Se o sonegador for
testamenteiro perde direito à vintena e é removido do cargo de inventariante.
Para que tenha cabimento a ação de sonegados não é preciso que o sonegador negue a
restituição dos bens, mas que tão somente não os descreva, estando tais bem em seu poder, ou
em poder de terceiros, com sua ciência.

ART. 1994 – ação de sonegados.


O prazo prescricional é de 10 (dez) anos. Foro é do inventário

ART. 1995 - Indenização e perdas e danos.


Julgada procedente a ação de Sonegação, os bens devem ser restituídos ao espólio. Se já
foram alienados, o culpado deverá pagar o valor correspondente aos bens, além de perdas e
danos. Se o bem não estiver mais no patrimônio do sonegador, será responsável pelo seu valor,
mais perdas e danos (art. 1.995, CC).

ART. 1996 - Arguição:


A arguição da sonegação só pode ocorrer depois das últimas declarações no inventário,
encerrada a descrição dos bens (com a declaração que não há outros a descrever/inventariar).

470
8. Do pagamento das dívidas
O espólio responde pelas dívidas do falecido, mas feita a partilha, cada herdeiro
responderá, dentro do limite de seu quinhão (art. 796, CPC/2015).
ART. 1997
Onde há dívidas, há responsabilidade solidária dos herdeiros. Antes da distribuição da
herança, pagam-se as dívidas. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido. O
patrimônio do de cujus é a garantia dos credores.
Ex. se existe um só herdeiro, ele é responsável exclusivo de todo pólo passivo sucessório.
Até a partilha: da abertura da sucessão até a partilha – os bens da herança,
respondem pelo passivo. Feita a partilha, a proporcionalidade da parte (quota) é que
responde. A partir da divisão da herança, cada herdeiro responde – individualmente – pela
satisfação da dívida da herança (LEITE, p. 735).
Constituem-se em encargos da herança:
1. Despesas funerárias;
2. Vintena do testamenteiro;
3. Dívidas do falecido;
4. Cumprimento dos legados.
Antes da partilha, podem os credores pedirem ao juiz o pagamento das dívidas vencidas e
exigíveis (art. 642, CPC/2015).

9. Colação
Instituto de origem romana, a colação é reunião dos bens recebidos pelo(s)
descendente(s), a título de liberalidade (doação), antes da abertura da sucessão.
O que exceder a metade disponível, para cálculo das legítimas, devem ser conferidos na
parte indisponível.
ART. 2002 - Apenas os descendentes estão sujeitos a colação.
ART. 2003 - A colação visa igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge
sobrevivente.
Art. 621, § único, CPC/2015 – os bens a serem colacionados terão seu valor calculado pelo
valor do tempo da abertura da sucessão (para óbitos ocorridos após a entrada em vigor desta
lei). No caso de óbitos ocorridos antes de março de 2016, aplica-se a regra do art. 2004 – O valor
da colação é aquele atribuído na liberalidade; se não tiver valor, por ocasião da partilha, se
estimará o valor da época da liberalidade( os bens serão avaliados com base no valor do tempo
da liberalidade); as benfeitorias, frutos e rendimentos são do donatário, “que responde pelos
danos e perdas que eles sofrerem” (§§ 1º e 2º, do art. 2004).

471
ART. 2009 - Também, os netos, que herdam por direito de representação substituindo o
pai pré-morto, “serão obrigados a trazer à colação”.

a. Dispensa da colação.
“O doador pode dispensar o donatário da colação, determinando que a liberalidade saia
de sua metade disponível, contanto que a doação não exceda o valor da quota disponível,
comutado o seu valor ao tempo da doação” (Gonçalves, p. 542).

ART. 2005 – Contanto que não excedam a parte disponível (sua metade), computada ao
tempo da liberalidade (doação).
Deve ser expressa tal condição, em que pese inexistir forma sacramental.
Se a doação não exceder a parte disponível, não há que falar em colação. Se exceder, o
excesso deve ser colacionado. (Cf. LEITE, p. 770).

ART. 2006 - A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no
próprio título de liberalidade.
A dispensa deve constar da Escritura Pública (liberalidade); do testamento: deve ser
expressa e constar do próprio título.
ART. 2007 - São sujeitas à redução as doações em que se apurar o excesso... no
momento da liberalidade.
O caput do art tem redação mas técnica que a do Código de 16, determinado a redução e
na a colação (e metade disponível).
ART. 2008 – Determina que o herdeiro renunciante deve conferir as doações recebidas,
para buscar a igualdade das legítimas.
ART. 2010 - São excluídos da colação: gastos ordinários como: educação, alimentos,
vestuário, despesas com casamento e doença. “Havendo excesso... perdem o caráter de
ordinários e devem ser colacionados” (LEITE, p. 782).
ART. 2011 - As doações remuneratórias, também, denominadas sob encargo, não
constituem liberalidade, sendo desnecessária a colação.
ART. 2012 – Por ocasião do inventário de cada cônjuge se travará a colação.

10. Partilha
Terminado o inventário, partilham-se os bens entre os herdeiros e cessionários,
separando-se a meação do cônjuge sobrevivente. É a forma de terminar com a comunhão dos
bens, com o condomínio (salvo se não for possível dividir o bem – quando deverá ficar em

472
condomínio, sendo, apenas, definido o percentual de propriedade de cada herdeiro sobre o
bem).
Se houver apenas um herdeiro, providencia-se a adjudicação dos bens, pois não haverá
partilha dos bens, nem divisão, de forma que poderá haver o inventário simplificado.
Procedimento: ver arts. 647 a 658, CPC/2015

a. Legitimação para requerer a partilha:


ART. 2013 – interessados
a) Credores;
b) herdeiros;
c) cessionários;
d) legatários (reclamar o legado);
e) testamentários.;
f) “Qualquer herdeiro pode requerer”
b. Forma de partilha:
ART. 2014 – ART. 2015 –
a) Escritura Pública;
b) Termo nos autos do inventário;
c) Escrito particular homologado;

A partilha amigável pode ser formulada, tanto no inventário como no arrolamento.


a) Inter vivos: por escritura pública ou testamento.
b) Pos morten: no curso do inventário ou do arrolamento, na forma do art. 2015.

ART. 2016 – se houver divergência ou algum herdeiro for incapaz. Nestes casos, a partilha
judicial é obrigatória, sendo a divisão determinada pelo juiz, respeitando os valores e
proporcionalidade das quotas.

c. Plano de partilha:
Melhor critério: bom senso, equilíbrio, igualdade possível.
Sempre que os herdeiros divergirem as partes formularão ao juiz pedido de quinhão e o
juiz deliberará. Deverá ser apresentado o esboço da partilha que deverá ser efetivada pelo juiz.
ART. 2017 – Igualdade possível: quanto à natureza, valor e qualidade.
Igualdade é equidade. Princípio fundamental da partilha.

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Neste caso, se o juiz tiver de decidir a partilha, normalmente optará pela mais justa e
equânime possível (provavelmente, dividir tudo entre todos).

d. Partilha em vida:
A partilha em vida é aquela feita pelo pai ou qualquer ascendente, via escritura pública ou
testamento, mas que não pode prejudicar a legítima dos herdeiros necessários.
ART. 2018 – Partilha em vida: possibilidade de ser fazer a partilha em vida ou por
testamento, reservada a legítima dos herdeiros necessários.
ART. 2019: Divisão Cômoda: Venda Judicial: Divisão do valor apurado:
“Dos bens insuscetíveis de divisão cômoda”: bens que não o couberem na meação do
cônjuge (ou companheiro) ou no quinhão do herdeiro, serão vendidos judicialmente.
a) venda judicial;
b) cessão de direitos;
c) partilha-se o valor apurado.
d) Parágrafo Primeiro: adjudicação a todos. Um, dois ou três podem requerer a
adjudicação (total das quotas). Não se fará a venda se os herdeiros requerem a adjudicação.

Não pode prejudicar a legítima dos herdeiros.

ART. 2020 – divisão dos frutos percebidos é fundamental. Podem ser partilhados em
aditamento. Respondem por dano (dolo ou culpa) deram causa.
ART. 2021 – Bens litigiosos, remotos, liquidação morosa ou difícil: poderá ser feita a partilha
dos outros e, a sobrepartilha dos demais, “com o consentimento da maioria dos herdeiros”.

Não há razão para sobrestar a partilha. “A partilha do líquido não se pode demorar por
causa do ilícito”.

e. Sobrepartilha:
ART. 2022 –

a) Os bens sonegados ficam sujeitos a sobrepartilha;


b) quaisquer outros que se tiver ciência após a partilha.

Se a partilha foi feita com dolo ou outro vício de consentimento, cabe ação de anulação e,
não sobrepartilha.

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Somente depois de recolhidos todos os impostos é que a partilha será julgada e que será
expedido o auto de partilha, para ser registrado no CRI.

11. Garantia dos quinhões


ART. 2023 – “Aberta a sucessão e instaurado o processo de inventário, os herdeiros
passam a ser condôminos do espólio” (LEITE, p. 814).

DATA DA ABERTURA DA SUCESSÃO < ÓBITO > UNIVERSABILIDADE >


INDIVISIBILIDADE < CONDOMINIO < INVENTÁRIO > TRANSITORIEDADE> < PARTILHA > <
DIVISÃO > QUINHÃO.

A partilha faz cessar a comunhão e a indivisibilidade. O inventário cria um período de


indivisão patrimonial. Do óbito ao trânsito em julgado da partilha (única forma de transmissão
dos direitos: Cessão de Direitos Hereditários) há indivisibilidade (universalidade). A partilha não é
atributiva de propriedade, mas declarativa.
Se algum dos herdeiros, for tolhido, após a partilha, do exercício (domínio ou posse), tem o
direito de ser indenizado pelos outros: é a garantia dos quinhões hereditários.
Art. 2.024 – Evicção: parcial ou total. A garantia dos quinhões é devida sempre, pouco
importante se a partilha é amigável ou não. O evicto será indenizado pelos co-herdeiros (2.026).

12. Anulação da partilha


O art. 2.027, CC prevê que o prazo para anular a partilha é de 1 ano.

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EM RESUMO
* Para todos verem: esquema

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