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∗
Doutorando e Mestre em Direito Privado pela PUC/Minas. Professor de Direito Civil no Centro Universitário UNA e no Centro
Universitário NEWTON PAIVA. Bolsista da CAPES.
1
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 21.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.281.
Contudo, o termo pessoa pode assumir diversos significados, em função do contexto no
qual é utilizado ou estudado. Na acepção jurídica, designa o ente a quem se atribui direitos e
obrigações.2 É o sujeito de direito.3 É o centro para imputação de direitos e deveres.4 É o
destinatário de normas jurídicas.5 Em síntese, considera-se pessoa a entidade investida de
personalidade jurídica.
2. PERSONALIDADE
Interessante destacar que a personalidade jurídica não é natural ao ser humano. Tanto
não é natural que já existiram seres humanos que não eram reputadas pessoas, como os escravos,
considerados coisas e possuindo valor essencialmente patrimonial. Além disso, a personalidade
também pode ser atribuída a determinados entes que não correspondem aos seres humanos, como as
2
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil comentado. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1936, p.166.
3
CARVALHO SANTOS, José Manuel de. Código civil brasileiro interpretado. 10.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, v.1,
p.229.
4
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2005, p.35.
5
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. Coimbra: Almedina, 2004, v.1, t.3, p.16
6
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.142.
2
associações, as sociedades e as fundações. Portanto, a personalidade é um atributo extrínseco aos
entes que a possuem.
Atualmente, não mais existindo a escravidão, todos os seres humanos são considerados
sujeitos de direito. Importante então fixar o momento a partir do qual o ser humano reúne as
condições necessárias para receber do ordenamento jurídico o atributo da personalidade. Duas
importantes teorias se difundiram na tentativa de equacionar o problema: a primeira, natalista,
postula que a personalidade civil deve começar a partir do nascimento com vida, enquanto a
segunda, concepcionista, defende que a personalidade civil deve ter seu início na concepção do ser
humano, ainda dentro do ventre materno.8
Conforme dispõe a primeira parte do art. 2º do Código Civil, parece que a aquisição da
personalidade pelo ser humano se dá mesmo do seu nascimento com vida. Aliás, o mencionado
dispositivo sempre foi tradicionalmente interpretado no sentido de se ressaltar o nascimento com
vida como fator decisivo para atribuir ao ser humano personalidade jurídica.
Nascimento ocorre com a separação do feto do ventre materno, podendo ser natural ou
artificialmente. A vida extra-uterina tem como referencial a respiração, revelada, por exemplo, pelo
choro, pelos batimentos cardíacos, pelos movimentos do diafragma ou dos músculos de contração
voluntária. Contudo, havendo dúvida sobre o nascimento com vida, a comprovação da respiração é
feita por exames que se fundamentam na densidade do pulmão que recebeu ou não ar atmosférico,
dentre os quais se destaca a docimasia hidrostática de Galeno. Em termos simples, o referido exame
consiste na inserção do pulmão do recém-nascido em uma bacia com água. Caso o pulmão bóie, ter-
se-á comprovado a respiração e, conseqüentemente, o nascimento com vida. Caso o pulmão afunde,
ter-se-á comprovado que o recém-nascido não chegou a respirar, nascendo morto.9
7
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, p.81
8
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil comentado. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1936, v.1, p.173.
9
Cf. FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998, p.244-245.
3
Interessante polêmica se instaura na determinação do momento de aquisição da
personalidade no ordenamento jurídico brasileiro, quando analisamos a situação do nascituro.
Nascituro é o que está por nascer, mas já concebido no ventre materno.10 É o ser humano já
concebido, mas que ainda se encontra em desenvolvimento do útero da mãe. Conforme já
mencionado, dispõe o nosso Código Civil, na primeira parte de seu art. 2º, que a personalidade
jurídica é adquirida pelo ser humano a partir do seu nascimento com vida. No entanto, a segunda
parte do elencado dispositivo codificado enuncia que a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do nascituro. Desta forma, percebe-se que o ordenamento jurídico confere proteção ao ente
que se desenvolve no útero, denominado, como vimos, nascituro. Há que se ressaltar, como o faz
Jussara Maria Leal de Meirelles, a ambigüidade trazida pelo art. 2º do Código Civil, pois “a
primeira parte do citado dispositivo legal pretende afirmar que antes do nascimento com vida
inexiste personalidade e, portanto, não haveria direitos a proteger; entretanto, a segunda parte
assegura proteção aos direitos do nascituro, ainda que não dotado de personalidade jurídica”.11
A doutrina majoritária atesta que nosso Código Civil adotou a teoria natalista,
possuindo o nascituro apenas uma singela expectativa de direito. Assinala, por exemplo, San Tiago
Dantas que “antes do nascimento a posição jurídica do nascituro não é, de modo algum, a de um
titular de direitos subjetivos; é uma situação de mera proteção jurídica, proteção que as normas dão,
não exclusivamente às pessoas, mas até às coisas inanimadas”. E continua, o autor: “estas normas
não estão reconhecendo nesses seres inanimados uma personalidade, mas considerando bens que
interessam ser guardados, de certa forma. Elas os cercam de proteção e é o que acontece com o
nascituro. Ele é protegido, mas não se lhe confere nenhum direito subjetivo”.12 A seu turno, Caio
Mário da Silva Pereira leciona que “o nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de
personalidade. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e
adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas,
se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de
personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já é ele sujeito de direito. Tão
certo é isto que, se o feto não vem a termo, ou se não nasce vivo, a relação de direito não se chega a
formar, nenhum direito se transmite por intermédio do natimorto, e a sua frustração opera como se
ele nunca tivesse sido concebido, o que bem comprova a sua inexistência no mundo jurídico, a não
ser que tenha nascimento”.13 E conclui, o autor: “assentado o começo da personalidade no
nascimento com vida, somente a partir de então existe uma pessoa em que se integram direitos e
10
AMARAL, Francisco. Direito civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.220.
11
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.51.
12
DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.134.
13
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.1, p.217.
4
obrigações. Até aí o que há são direitos meramente potenciais, para cuja constituição dever-se-á
aguardar o fato do nascimento e a aquisição da personalidade”.14
14
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.1, p.221.
15
AMARAL, Francisco. Direito civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.221
16
AMARAL, Francisco. Direito civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.221
5
o reconhecimento de paternidade em face de seu suposto pai (CC, art. 1.609, parágrafo único),
assim como também requerer alimentos.17 Na esfera penal, o nascituro pode ser sujeito passivo do
crime de auto-aborto (CP, art. 124).
17
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v.1, p.86-
87.
6
pode afastar a pretensão à confecção de certidão de natimorto, se a legislação civil confere
personalidade jurídica ao nascituro desde a concepção” (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de
Justiça. Apelação Cível 70013935192. Relator: José Trindade. Julgamento: 22/06/2006). “DPVAT.
EVENTO MORTE. NASCITURO. [...] O nascituro, porque provido de personalidade jurídica
desde o momento da concepção, também é sujeito da cobertura conferida pelo seguro DPVAT,
sendo devido o pagamento da indenização em caso de a interrupção da gestação decorrer de
acidente de trânsito” (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recurso Inominado
71000856724. Relator: João Pedro Cavalli Júnior. Julgamento: 23/02/2006).
Parece-nos que o nascimento com vida não tem o condão de determinar a atribuição de
personalidade ao ser humano, contudo, possui significativa relevância na dimensão de sua
capacidade de direito. Apesar de possuir personalidade, ao nascituro não são conferidos todos os
direitos que compõem a extensa seara do ordenamento jurídico civil, mas apenas aqueles que
direitos que lhe são expressamente tipificados em lei. A capacidade de direito do nascituro é
limitada, tornando-se genérica apenas a partir do seu nascimento com vida.18
Se o nascituro vier a nascer com vida, a sua capacidade de direito alarga-se, adquirindo
uma aptidão para titularidade de qualquer direito ou obrigação estabelecidos pelo ordenamento
jurídico, desde que não incorra em nenhuma restrição legal. Se nascer morto, a lei o considera como
não tendo chegado a existir, no que tange sua esfera jurídica patrimonial. A propósito, assinala
Pedro Pais de Vasconcelos: “a morte pré-natal não desencadeia a sucessão. [...] Os direitos
patrimoniais e outros que seriam suscetíveis de sucessão serão extintos retroativamente. Os direitos
que o pré-nascido tenha adquirido por doação ou sucessão, e cuja administração foi exercida pelos
pais ou outras pessoas a quem caberia a sua administração após o nascimento, cessam
retroativamente e tudo se passa como se não tivesse chegado a existir. E conclui: “é uma ficção
legal imposta pragmaticamente pela necessidade de simplificar a complexidade da vida e da
morte”.19
18
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2005, p.81.
19
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2005, p.74.
7
assistida, a concepção, isto é, a fusão dos gametas masculino e feminino pode dar-se fora do corpo
da mulher, podendo, inclusive, o embrião ser armazenado por um período de tempo indeterminado
através de um processo de congelamento com nitrogênio.20 Adverte Jussara Maria Leal de Meirelles
que os embriões congelados e mantidos em laboratório não encontram a devida proteção na clássica
normativa civilística, não se enquadrando nas molduras da categoria abstrata de sujeito de direito
adotada pelo nosso direito privado.21 No entanto, na opinião da autora, tendo em vista a
proximidade individual existente entre um determinado embrião e a pessoa humana, impõe-se o
reconhecimento de se respeitar e proteger juridicamente este novo ente.22 O grande desafio é
justamente determinar como deverá ser realizada essa proteção.
A existência jurídica da pessoa natural termina com morte, conforme teor da primeira
parte do art. 6º do nosso Código Civil. Assim, a constatação da morte determina a supressão da
personalidade jurídica conferida ao ser humano pelo sistema legal. Por conseqüência, o falecido
deixa de ser destinatário de normas jurídicas, não podendo mais ser considerado sujeito de direitos
ou de deveres.
Sabe-se que os efeitos jurídicos da morte manifestam-se nas relações de que o falecido
era parte, extinguindo-as ou modificando-as, conforme sejam intransmissíveis ou transmissíveis.
Dentre as diversas vicissitudes da morte, podemos citar: a abertura da sucessão, com a transmissão
20
Sobre as repercussões jurídicas da utilização das técnicas de reprodução assistida, cf. o nosso RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite.
Breve comentário sobre aspectos destacados da reprodução assistida. In: SÁ, Maria de Fátima Freire de (org.). Biodireito. Belo
Horizonte: Del Rey, 2002, p.283-303.
21
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.51-56.
22
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.149-
150.
8
imediata do patrimônio do falecido aos seus herdeiros (CC, art. 1784); a extinção de contratos
personalíssimos, como o contrato de prestação de serviço (CC, art. 607) e o contrato de mandato
(CC, art. 682, II); o pagamento de prêmio em virtude de contrato de seguro de vida (CC, art. 757); a
extinção de usufruto (CC, art. 1410, I); a dissolução de sociedade conjugal (CC, art. 1571, I); a
extinção do poder familiar (CC, art. 1635, I).
Importante também destacar que a morte real será atestada por médico, que declarará a
causa e o momento do falecimento, levados em conta na lavratura do registro de óbito junto ao
cartório civil.
23
Cf. FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998, p.281-283.
24
SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de morrer. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.45.
25
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v.1, p.324.
9
da impossibilidade de recuperação do cadáver ou da inexistência de outras provas que atestem
cabalmente o acontecido. Quando o desaparecimento de alguém tenha ocorrido em determinadas
circunstâncias que não permitam duvidar de sua morte, apesar de não ter sido possível encontrar ou
identificar seu cadáver, considera-se, para fins jurídicos, a pessoa natural falecida.
26
A ausência é conceituada como o desaparecimento de uma pessoa de seu domicílio, sem dar notícias do lugar onde se encontra,
nem deixar procurador para administrar seus bens, acarretando dúvida a respeito de sua existência. A ausência é caracterizada
conforme dispõe o art. 22 do Código Civil.
27
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.1, p.225.
28
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006, v.1, p.158.
10
Filho, a declaração de morte presumida deve ser obtida através de procedimento de justificação, nos
termos da Lei no 6.015/73 e conforme disciplinado pelos arts. 861 a 866 do Código de Processo
Civil.29
Entendemos que a morte presumida somente poderá ser constatada e declarada por meio
de uma ação declaratória inominada, sendo devidamente respeitados o princípio do devido processo
legal e seus corolários. Todos os interessados (notadamente, os sucessores do presumível falecido)
devem ser citados e poderão amplamente participar da construção do provimento jurisdicional,
apresentando e impugnando razões e provas. Além disso, nesta ação, o juiz definitivamente emitirá
julgamento acerca do mérito da constatação da morte presumida, o que, evidentemente, garante uma
maior segurança jurídica. Lembre-se, inclusive, que o pedido de declaração da morte presumida é
condicionado, conforme dispõe o art. 7º do Código Civil, ao esgotamento das buscas do suposto
morto, cabendo ao juiz examinar o prévio atendimento ao requisito, o que, obviamente, não poderia
ser feito em sede de ação de justificação. Parece-nos que deve se dar prevalência à segurança
jurídica ante as graves conseqüências advindas da constatação da morte presumida, o que é
potencialmente alcançável através da ação declaratória, mesmo que o procedimento desta venha a
ser um pouco mais demorado. Afinal, uma vez declarada a morte presumida, proceder-se-á a
sucessão direta dos bens do morto presumido.
29
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 8.ed. Saraiva: São Paulo, 2006, v.1, p.131.
30
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 27.ed. Rio de Janeiro, 1999, v.2, p.513.
31
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 27.ed. Rio de Janeiro, 1999, v.2, p.516.
11
2.2.3. COMORIÊNCIA
Por fim, no que tange à morte, devemos analisar o art. 8º do Código Civil. Segundo se
depreende do enunciado do mencionado dispositivo legal, se dois ou mais indivíduos falecerem na
mesma ocasião, não se podendo averiguar quem faleceu primeiro, presumir-se-ão simultaneamente
mortos. Trata-se do instituto da comoriência, singelamente definido como “a presunção de morte
simultânea de pessoas reciprocamente herdeiras”.32 A presunção, elemento essencial da definição
apresentada, pode ser compreendida como a conseqüência que sistema jurídico deduz de certos
fatos, e que fica estabelecida como verdadeira, mesmo sendo obtida por meio de um exame baseado
em indícios. Vale dizer, é o resultado de um julgamento fundado em aparências.
Se, por exemplo, no mesmo acidente, morrem João e seu filho José, este, sem
descendentes, ambos serão reciprocamente herdeiros, conforme a ordem fixada no art. 1.829 do
Código Civil. Para evitar-se conflito de interesses entre pessoas diretamente ligadas aos falecidos,
por exemplo, seus cônjuges, estabelece a lei presunção de morte simultânea, não havendo, portanto,
transmissão de direitos entre eles. Imagine, no exemplo citado, que João tenha falecido antes de
José, a herança daquele será dividida em partes iguais entre sua esposa e seu filho e, após a metade
da herança se agregar ao patrimônio de José, será transferida para a esposa deste. Diversa solução
ocorreria se o filho falecesse antes do pai.
32
AMARAL, Francisco. Direito civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.226.
12
simultaneamente, vítimas de acidente automobilístico, não se operou sucessão entre aqueles, nem
entre aqueles e estes. Assim, a indenização decorrente de apólice de seguro de vida em grupo, em
que os consortes constavam reciprocamente como beneficiários, é de ser paga de forma rateada aos
herdeiros de ambos.” (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento
598569952. Relator: Maria Berenice Dias. Julgamento: 28/11/2002).
Há quem afirme que a comoriência trata-se de uma presunção absoluta, que não pode
ser elidida por prova em contrário.33 No entanto, a melhor doutrina, inclusive majoritária, defende
que se trata de uma presunção relativa, podendo ser desconstituída mediante apresentação de prova
idônea em sentido oposto.34 A propósito, mais uma vez, a jurisprudência é valiosa:
“COMORIÊNCIA. Falecendo os pais e os filhos em um mesmo desastre, e havendo o atestado de
óbito do filho declarado que este falecera cinco minutos após seus pais, a herança daqueles cabe a
este. Prevalência do documento médico que atestou o momento do óbito do filho como posterior ao
dos pais. Comoriência, tão-só, quanto a estes. Desconstituição do atestado de óbito do filho por
ação própria, se for o caso. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 144.514-4/1.
Relator: Alfredo Migliore. Julgamento: 18/04/2000).
3. CAPACIDADE
33
COSTA LOURES, José; GUIMARÃES, Taís Maria Loures Dolabela. Novo código civil comentado. Belo Horizonte: Del Rey,
2002, p.13.
34
CARVALHO SANTOS, José Manuel de. Código civil brasileiro interpretado. 10.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, v.1,
p.314-315.
35
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. Coimbra: Almedina, 2004, v.1, t.3, p.294.
13
esta espécie de capacidade como uma aptidão concreta para a titularidade de determinados direitos e
deveres.36
36
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2005, p.89.
37
DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.135.
38
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.1, p.263.
39
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. Coimbra: Almedina, 2004, v.1, t.3, p.294.
40
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2005, p.89.
14
(também não designada por aquela). Note-se aliás que, falando de atuação própria e exclusiva da
pessoa capaz de exercício, compreendemos nesta fórmula a atuação desenvolvida por um
representante voluntário ou procurador (escolhido pelo próprio representado)”.41
Mais uma vez, a lição de Manuel Domingues de Andrade é preciosa: “se a capacidade
de direitos não pode faltar de todo a um sujeito jurídico, outro já o caso da capacidade de exercício.
Pode haver – e há na realidade – pessoas em sentido jurídico destituídas, até por completo, desta
capacidade. Ela pressupõe, com efeito, na pessoa uma vontade consciente e a aptidão para
41
ANDRADE, Manuel Domingues. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1997, v.1, p.31.
42
AMARAL, Francisco. Direito civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.227.
43
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2005, p.90-91.
44
ANDRADE, Manuel Domingues. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1997, v.1, p.31.
15
determinar de modo legalmente reputado normal, e portanto para gerenciar com mediano
conhecimento de causa, sagacidade e prudência os seus interesses. Ora isto nem sempre se verifica.
Por isso a lei, admitindo embora a capacidade como regra geral, claramente reconhece como
possível a incapacidade”.45
45
ANDRADE, Manuel Domingues. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1997, v.1, p.32.
46
CARVALHO SANTOS, José Manuel de. Código civil brasileiro interpretado. 10.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, v.1,
p.281.
47
ANDRADE, Manuel Domingues. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1997, v.1, p.33.
48
ANDRADE, Manuel Domingues. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1997, v.1, p.33.
16
A incapacidade absoluta designa completa vedação ao exercício de direitos e deveres
pelo seu titular. O absolutamente incapaz não participa direta e pessoalmente de relações jurídicas,
sendo sua vontade considerada irrelevante. Ele não pode sozinho praticar atos jurídicos válidos e
eficazes, razão pela qual o ordenamento jurídico confere-lhe um representante para velar pelos seus
interesses. O representante executa atos jurídicos em nome do incapaz, sem qualquer interferência
deste. Se o absolutamente incapaz sozinho praticar algum ato jurídico, a hipótese é de nulidade (CC,
art. 166). Isso significa que tal ato poderá ser anulado, deixando de produzir efeitos, bastando que o
vício seja adequadamente alegado, que pode ser feito a qualquer tempo (CC, art. 168).
49
Segundo o art. 5º do revogado Código Civil, eram considerados absolutamente incapazes: os menores de dezesseis anos; os loucos
de todo gênero; os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade; e, os ausentes, declarados tais por ato do juiz.
17
possui discernimento suficiente para distinguir o que lhe convém ou não. A fixação do limite de
dezesseis anos é arbitrária, não encontrando amparo em nenhum critério preciso de mensuração da
maturidade, que, de fato, é adquirida gradualmente e não em um instante, assim como é alcançada
por cada pessoa em tempos diferentes.50 Contudo, o estabelecimento de certo limite, mesmo que
aleatório, faz-se necessário para atribuir um mínimo de segurança às relações jurídicas, uma vez que
seria impossível a averiguação individual do grau de discernimento de cada pessoa para cada ato
jurídico a ser praticado.51
Finalmente, devemos ainda alertar que nosso ordenamento jurídico não considera
válidos os atos dos alienados, embora praticados nos intervalos lúcidos, recusando-lhes, assim,
qualquer fase de capacidade no transcurso da alienação.53 Nesta situação, João Baptista Villela
critica a posição adotada pela sistemática do novo código, que não acompanhou as mudanças
operadas na ciência psiquiátrica. Conforme o autor, “depois da grande revolução da psiquiatria
biológica, reverteu-se a situação anterior na qual os casos de enfermidade mental intermitentes se
50
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2005, p.110.
51
ANDRADE, Manuel Domingues. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1997, v.1, p.32.
52
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil comentado. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1936, v.1, p.178-179.
53
CARVALHO SANTOS, José Manuel de. Código civil brasileiro interpretado. 10.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, v.1,
p.257.
18
compunham fundamentalmente de longos períodos de enfermidade, intervalados por períodos de
lucidez. Hoje, segundo depoimentos dos especialistas na área médica, é possível por meio do
controle por drogas, se não eliminar totalmente o período de enfermidade, reverter a situação para o
estado anterior; ou seja, podemos ter longos tempos períodos de sanidade pontuados por pequenos
lapsos de enfermidade. Então, não há mais sentido estabelecermos uma incapacidade de caráter
permanente e duradouro, quando a situação, em razão dos progressos médicos, mudou
radicalmente”.54
54
VILLELA, João Baptista. Capacidade civil e capacidade empresarial: poderes de exercício no projeto do novo Código Civil. In:
AA.VV. Comentários sobre o projeto do código civil brasileiro. Conselho da Justiça Federal: Brasília, 2002, p.43-44.
55
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 8.ed. Saraiva: São Paulo, 2006, v.1, p.93.
56
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.1, p.280-281.
19
é incapaz, nesse sentido factual, significa uma tautologia; seria mesmo que dizer que a pessoa que é
paralítica não pode andar”.57
57
VILLELA, João Baptista. Capacidade civil e capacidade empresarial: poderes de exercício no projeto do novo Código Civil. In:
AA.VV. Comentários sobre o projeto do código civil brasileiro. Conselho da Justiça Federal: Brasília, 2002, p.44.
58
DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.141.
59
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil comentado. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1936, v.1, p.180
60
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, p.102.
20
habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento
reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; e, os pródigos.61
61
Segundo o art. 6º do revogado Código Civil, eram considerados relativamente incapazes: os maiores de dezesseis anos e os
menores de vinte e um anos; os pródigos; e, os silvícolas.
62
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, p.97.
63
LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.312.
21
miséria por sua culpa”.64 Os pródigos são “pessoas que, por irreprimível impulso, desfazem de seus
bens, mediante gastos injustificáveis, compras ou vendas desastrosas, esbanjando o seu
patrimônio”.65 A prodigalidade é tratada como um desvio comportamental, que acarreta
repercussões negativas no patrimônio de uma pessoa, razão pela qual a incapacidade dela
decorrente, conforme dispõe o art. 1.782 do Código Civil, alcança somente os atos jurídicos de
natureza patrimonial, por exemplo, empréstimo, quitação, venda, troca ou doação.66 O pródigo não
fica impedido de praticar, sem assistência do curador, atos jurídicos extrapatrimoniais e de mera
administração.
3.1.3. INTERDIÇÃO
64
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, p.111.
65
NADER, Paulo. Curso de direito civil. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.1, p.198.
66
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 8.ed. Saraiva: São Paulo, 2006, v.1, p.98.
22
perícia médica em processo de interdição é exigência legal e o perito deve apresentar laudo
completo e circunstanciado do estado do interditando, sob pena de anulação parcial do processo”
(MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 1.0000.00.200268-1. Relator: Abreu Leite.
Julgamento: 15/05/2001).
Vale registrar que a sentença de interdição produz efeitos desde sua prolação, embora
sujeita a apelação. Deverá também ser registrada no cartório civil para que produza efeitos perante
terceiros. Mais do que isso, ressalte-se que a interdição não é irreversível. Uma vez cessada a sua
causa, o interditado pode requerer a desconstituição da declaração judicial de incapacidade. O
requerimento será apensado aos autos da interdição, devendo ser ouvidos o curador e o órgão
ministerial, assim como realizado exame pericial.
Não há uma resposta legal para a questão, a doutrina tem entendido que a sentença de
interdição possui natureza declaratória, razão pela qual se pode mesmo reconhecer a incapacidade
de uma pessoa antes de sua interdição, desde que a causa da incapacidade seja ignorada pela outra
parte que age de acordo com a boa-fé. A propósito, assinala Silvio Rodrigues: “o interesse geral,
representado pelo anseio de infundir segurança nos negócios jurídicos, impõe que se prestigie a
boa-fé. Dessa maneira, devem prevalecer os negócios praticados pelo amental não interditado
quando a pessoa que com ele contratou ignorava e carecia de elementos para verificar que se tratava
de um alienado. Entretanto, se a alienação era notória, se o outro contratante dela tinha
conhecimento, se podia, com alguma diligência, apurar a condição de incapaz, ou ainda, se da
23
própria estrutura do negócio ressaltava que seu proponente não estava em seu juízo perfeito, então o
negócio não pode ter validade, pois a idéia de proteção à boa-fé não mais ocorre”.67
67
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 33.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.1, p.46-47.
24
3.2. CAPACIDADE DE FATO PLENA
Importante ressaltar que a fixação deste limite de idade constitui verdadeira opção de
política legislativa. O legislador pressupõe que o jovem com dezoito anos já possui a maturidade e
discernimento necessários para atuar, pessoalmente, nas relações jurídicas, defendendo e
fomentando os seus próprios interesses.
3.2.1. EMANCIPAÇÃO
A capacidade de fato também pode ser adquirida por meio da emancipação. Considera-
se emancipação a aquisição da capacidade de fato antes da idade legal.68 Trata-se do ato pelo qual o
menor se liberta, seja do poder familiar, seja da tutela, cessando, desde logo, a incapacidade de
fato.69 Vale dizer, a emancipação designa a atribuição de plena capacidade de fato ao indivíduo que
ainda não completou os dezoito anos de idade, assim tornando-o apto para o exercício dos atos
jurídicos da vida civil, sem necessidade de assistência ou representação. Considera-se ato jurídico
irrevogável, isto é, uma vez emancipado, o jovem não retorna ao estado de incapacidade, exceto se
a antecipação da capacidade de fato considerar-se nula.70 Existem três modalidades de
emancipação: voluntária, judicial ou legal.
A emancipação voluntária (CC, art. 5º, parágrafo único, inciso I) se dá pela outorga dos
pais, ou de um deles na falta do outro. A concessão deverá ser declarada por meio de escritura
pública lavrada no cartório de notas, considerada elemento substancial de validade jurídica,
devendo o beneficiário contar, ao menos, com dezesseis anos completos. Ressalte-se que esta
modalidade emancipação não depende de homologação judicial para produzir seus efeitos jurídicos
esperados, sendo necessário apenas o registro da escritura pública no cartório cível competente.
68
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil comentado. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1936, v.1, p.194.
69
CARVALHO SANTOS, José Manuel de. Código civil brasileiro interpretado. 10.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, v.1,
p.295-296.
70
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006, v.1, p.153.
25
PASSIVA. O pátrio poder é munus publico, é poder-dever, é encargo irrenunciável, insusceptível de
renuncia ou autodestituição, e o genitor que dele se exonera, pela emancipação voluntária do menor
púbere, em desacordo com a eventual imaturidade psíquica do filho menor, não evita a
responsabilidade civil solidária, sendo parte legítima ad causam passiva na ação de reparação de
danos por ato ilícito do filho” (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível
1995.001.07652. Relator: Carpena Amorim. Julgamento: 06/02/1996). “RESPONSABILIDADE
CIVIL DOS PAIS PELOS ATOS DOS FILHOS MENORES. EMANCIPAÇÃO. A emancipação
concedida pelo pai ao filho menor é liberalidade exclusivamente benéfica deste. Tem a finalidade
de liberá-lo da assistência, facilitando-lhe a prática dos atos jurídicos. [...] Nestas circunstancias a
delegação total da capacidade, outorgada pelo pai ao filho menor, não compreende exoneração da
responsabilidade, que não se substitui, nem se sucede, para delir a solidariedade nascida do ato
ilícito. Não é nulo, mas ineficaz, o ato da emancipação, em face de terceiros e do menor, prejudicial
pela totalidade da carga na obrigação de indenizar, por isso cognoscível o defeito e pronunciável de
oficio, no próprio processo” (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível
186065454. Relator: Clarindo Favretto. Julgamento: 18/08/1988). “PENSÃO ALIMENTÍCIA.
MAIORIDADE CIVIL DA ALIMENTANDA. VÍNCULO DE PARENTESCO. Ainda que se
reconheça que a obrigação decorrente do pátrio poder tenha se encerrado com a emancipação da
filha, por força do vínculo de parentesco, persiste o direito à prestação de alimentos se a
alimentanda dos alimentos necessitar” (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível
1.0145.01.031790-0/001. Relator: Maria Elza. Julgamento: 11/12/2003)
A emancipação judicial (CC, art. 5º, parágrafo único, inciso I) é aquela que decorre de
provimento judicial, no caso de divergência entre os pais ou no caso tutela, devendo o emancipando
contar com, no mínimo, dezesseis anos completos. No caso de desacordo entre os pais, uma vez que
o poder familiar sobre os filhos é exercido em conjunto, assegura-se a qualquer um deles recorrer ao
juiz para a solução do desacordo.71 No caso de tutela, não tendo o tutor poder suficiente para
emancipar o menor, caberá ao juiz verificar se o tutelado está em condições de ser declarado
plenamente capaz.72
71
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006, v.1, p.152-153.
72
CARVALHO SANTOS, José Manuel de. Código civil brasileiro interpretado. 10.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, v.1,
p.297.
26
liberdade de investigação. Feita a prova, o juiz decidirá sobre a conveniência da emancipação,
levando em conta os interesses do menor. A sentença que conceder emancipação deverá ser
registrada no cartório civil para produzir efeitos em face de terceiros.
Por fim, a emancipação legal (CC, art. 5º, parágrafo único, incisos II ao V) é aquela na
qual a incapacidade cessa pela ocorrência de certo evento disposto em lei. Basta que o jovem se
amolde a uma das hipóteses legais para que adquira a capacidade plena. A emancipação legal é
automática, não sendo preciso nenhum outro ato complementar.
A primeira hipótese decorre do casamento. Adverte Clóvis Beviláqua não ser “razoável
que o chefe de uma família se ache sob a autoridade de outrem, que as graves responsabilidades da
sociedade doméstica sejam assumidas pela intervenção, ou sob a fiscalização, de um estranho”.73 A
emancipação é uma conseqüência imediata do casamento reputado válido, sendo a atribuição de
plena capacidade aos casados irreversível, ainda que a sociedade conjugal venha a ser dissolvida
pela viuvez, pela separação ou pelo divórcio.74 No casamento da pessoa menor de idade, o
interessado deve ter, ao menos, dezesseis anos, sendo necessário também autorização de ambos os
pais, conforme consignado no art. 1.517 do Código Civil. No entanto, o casamento pode ser
realizado, excepcionalmente, se o interessado não tiver alcançado a idade núbil, em caso de
gravidez, à luz do disposto no art. 1.520 do Código Civil.
Advertem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que a expressão emprego
público utilizada no enunciado normativo codificado não é tecnicamente adequada, pois acaba por
limitar a finalidade da norma.76 A norma objetiva emancipar a pessoa que efetivamente possua e
exerça um conjunto de atribuições estatais, que, por sua vez, podem ser inerentes a um cargo ou
emprego público.77 De qualquer modo, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho apontam
73
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil comentado. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1936, v.1, p.196.
74
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 33.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.1, p.57.
75
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 33.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.1, p.58.
76
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 8.ed. Saraiva: São Paulo, 2006, v.1, p.107.
77
O cargo público e emprego público constituem em unidades de atribuições conferidas ao servidor público, sendo que se
diferenciam tendo em vista a natureza do vínculo jurídico que liga o servidor ao Estado. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o
ocupante de emprego público tem um vínculo contratual, sob a regência da CLT, enquanto o ocupante do cargo público tem vínculo
27
que a referida hipótese de emancipação restou esvaziada na sistemática do novo Código Civil,
perdendo sua importância prática. Para os autores, “tal conclusão se dá pela circunstância de que
dificilmente a lei admitirá o provimento efetivo em cargo ou emprego público antes de dezoito
anos, até mesmo porque esta é a idade mínima admitida para a capacidade plena trabalhista [vide
art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988]. E, como se sabe, atingido esse patamar de
dezoito anos, já estará adquirida a plena capacidade civil”.78
estatutário, regido pelo Estatuto dos Funcionários Públicos que, na União, está contido na lei que institui o regime único – Lei no
8.112/90” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2000, p.420-421).
78
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 8.ed. Saraiva: São Paulo, 2006, v.1, p.108.
79
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 33.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.1, p.59.
80
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 33.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.1, p.59.
28
Ainda sobre esta hipótese de emancipação, não podemos deixar de recorrer à asseverada
crítica do Professor João Baptista Villela: “[...] essa linguagem que se usa e abusa hoje, muitas
vezes empregada em sentido absolutamente impróprio, está a determinar não uma relação de
causalidade, mas uma relação de dependência. Ora, se trato de economia própria em função do
estabelecimento, estou exigindo que o estabelecimento seja um prius em relação à economia
própria. Portanto, o que o Projeto [hoje, nosso código vigente] está dizendo é que primeiro tenho de
ter o estabelecimento e depois tenho que ter a economia própria, o que é um desastre completo. Por
quê? Porque a lógica correta que está presente no Código Civil hoje [atualmente, nosso revogado
código], ainda que incompletamente formulada, é a de que o menor, por sua capacidade de
planejamento e de conservar interesses, supre a falta de amadurecimento biológico, revelando-se
pessoa habilitada a operar no mundo das relações privadas, das relações sociais e econômicas do
Direito Privado”. E continua: “[...] em termos atuais, o estabelecimento civil ou comercial explicita
uma capacidade que o menor já tinha. Digamos que o estabelecimento é aquele marco de
visibilidade que o menor apresenta e que faz presumir nele tudo aquilo que é necessário para que se
reconheça o exercício da capacidade de fato. O Projeto [hoje, nosso código vigente] diz que o
menor tem que ter economia própria em função dos estabelecimentos; portanto, está dizendo, em
bom português, que ele se estabelece, mas como ainda não tem economia própria, porque esta tem
de ser obtida em função do estabelecimento, ele se estabelece sem ser capaz, com isso criando um
enorme problema. E, se ele desenvolver o seu estabelecimento num período em que não tem
capacidade, obtendo economia própria por meio dessa atividade, então, terá a emancipação”.81
Interessante observar que o novo Código Civil enuncia que a capacidade plena pode ser
atingida através da relação de emprego, desde que, em função dela, o jovem passe a ter economia
própria. No entanto, não devemos esquecer que o salário é inerente à relação de emprego,
constituindo, na verdade, expressão de uma economia própria. Parece-nos que o novo Código Civil
está utilizando uma tortuosa fórmula que leva a concluir que a simples relação de emprego é causa
efetiva de emancipação. Em nosso país, tal possibilidade legal pode ensejar várias injustiças.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Manuel Domingues. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1997, v.1.
81
VILLELA, João Baptista. Capacidade civil e capacidade empresarial: poderes de exercício no projeto do novo Código Civil. In:
AA.VV. Comentários sobre o projeto do código civil brasileiro. Conselho da Justiça Federal: Brasília, 2002, p.42-43.
29
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil comentado. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1936, v.1.
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CARVALHO SANTOS, José Manuel de. Código civil brasileiro interpretado. 10.ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1963, v.1.
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GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 27.ed. Rio de Janeiro, 1999,
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MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. Rio de
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30