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DIREITO CIVIL I:

TEORIA GERAL

Cinthia Louzada
Ferreira Giacomelli
Revisão técnica:

Gustavo da Silva Santanna


Bacharel em Direito
Especialista em Direito Ambiental Nacional
e Internacional e em Direito Público
Mestre em Direito
Professor em cursos de graduação
e pós-graduação em Direito

S725d Sousa, Cássio Vinícius Steiner de.


Direito civil I: teoria geral [recurso eletrônico ] / Cássio
Vinícius Steiner de Sousa, Cinthia Louzada Ferreira
Giacomelli; [revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna]. –
Porto Alegre: SAGAH, 2018.

ISBN 978-85-9502-444-1

1. Direito civil. I. Giacomelli, Cinthia Louzada Ferreira.


II.Título.
CDU 347.1

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin - CRB -10/2147


Das pessoas naturais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar o começo da personalidade natural e os direitos do nascituro.


 Diferenciar os casos de incapacidade, morte e ausência.
 Analisar casos dos tribunais superiores envolvendo pessoas naturais.

Introdução
O ser humano é sujeito das relações jurídicas e chamado de pessoa natural,
sendo que a ele deve ser atribuída a personalidade, que é definida no
Direito como a aptidão para adquirir direitos e contrair deveres. A perso-
nalidade independe da vontade do indivíduo, de maneira que mesmo
uma criança recém-nascida é dotada de personalidade e, por isso, sujeito
de direitos. Outro aspecto essencial das pessoas naturais é a capacidade,
que pode ser dividida em capacidade de direito ou capacidade de fato,
sendo que aquele que não possui capacidade de fato, por alguma razão
prevista na lei, é incapaz.
Neste capítulo, você vai conhecer como e quando começa e termina
a personalidade das pessoas naturais, bem como os principais aspectos
da incapacidade absoluta e relativa, e como esses temas são tratados
pelos tribunais superiores.

A pessoa natural e o nascituro


Pessoa natural é o nome que se dá ao sujeito das relações jurídicas, o ser
humano. E a ela é atribuída a personalidade, nome que recebe no Direito a
aptidão para adquirir direitos e contrair deveres e que independe da vontade do
indivíduo. Assim, considerando esse conceito, até uma criança recém-nascida
tem personalidade e, por isso, é sujeito de direito.
Assim, dois conceitos são fundamentais para compreender a legislação
civil: pessoa natural e personalidade. Para Caio Mário Pereira (2014, p. 182),
2 Das pessoas naturais

“[...] aderimos à designação ‘pessoa natural’ para enxergar a pessoa tal como
existe, com todos os predicados que a sua individualidade enfeixa, a fim de
lhe conferir, neste estado, os atributos da personalidade”. É de se destacar que
a pessoa natural pode criar a pessoa jurídica, também dotada de personalidade
e com características específicas; no entanto, o objeto do nosso estudo aqui
é a pessoa natural enquanto indivíduo.

A terminologia pessoa física surgiu com a legislação sobre imposto de renda e


permanece até hoje no âmbito bancário para designar o que a lei civil chama de
pessoa natural, mas o termo não foi mantido no Código Civil de 2002 e até mesmo a
Constituição Federal utiliza a expressão pessoa humana.

A personalidade é um atributo da pessoa natural e está a ela indissoluvel-


mente vinculada. Quando nasce com vida, a pessoa natural adquire a persona-
lidade imediatamente, de maneira que ambas só terminam com a morte. Esse
entendimento é baseado no Direito romano, quando a personalidade jurídica
coincidia com o nascimento, sendo que, antes do nascimento, não havia que
se falar em sujeito de direitos. Como afirma Cario Mário Pereira (2014, p.
184), “[...] o Direito moderno assenta a regra do início da personalidade no
sistema romano, mas difunde outras que às vezes complicam e ensombram a
necessária exatidão dos conceitos”. É o caso do nascituro.
Nos termos do art. 2o do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line),
“a personalidade civil da pessoa começa no nascimento com vida; mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Nascituro é o feto
já concebido, com expectativa de nascimento com vida, mas a quem não se
confere personalidade (ainda que parte da doutrina civilista entenda que o
feto também seja possuidor de personalidade, desde a concepção). Trata-se
de uma proteção especial da legislação para que sejam resguardados os
interesses de quem se espera que venha à vida.
O Código Civil estabelece algumas situações nas quais se reconhece a
existência de um direito potencial ao ente concebido, como, por exemplo, a
admissibilidade da sua condição de herdeiro e donatário, além da garantia de
alimentos e cuidados gestacionais. Assim prevê o art. 6º da Lei nº. 11.804, de
5 de novembro de 2008 (BRASIL, 2008, documento on-line): “Convencido
da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos
que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da
parte autora e as possibilidades da parte ré”. No Código Civil (BRASIL,
Das pessoas naturais 3

2002, documento on-line), destacam-se os seguintes artigos que protegem


o nascituro: “Art. 542 A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo
seu representante legal” e “Art. 1.779 Dar-se-á curador ao nascituro se o pai
falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar”.
Contudo, ressaltamos, mais uma vez, que, mesmo com o resguardo legal-
mente garantido dos direitos do nascituro, não há que se falar em personalidade
de um ente concebido, tendo em vista que só se adquire personalidade com o
nascimento, com vida. Para Caio Mário Pereira (2014, p. 186), “[...] a perso-
nalidade jurídica, no nosso Direito, continuamos a sustentar, tem começo no
nascimento com vida. Dois os requisitos da sua caracterização: o nascimento
e a vida”. Assim, se a criança nasce e falece em poucos minutos, já está con-
figurada a personalidade; esse fato é importante para situações que envolvem
o Direito sucessório, por exemplo, pois o falecimento de um herdeiro impacta
na partilha de bens e no recebimento de herança.
Uma vez sendo o nascimento com vida o fator determinante para a aqui-
sição da personalidade da pessoa natural, é importante destacar que o fim da
personalidade se dá com a morte, que poderá ser biológica ou presumida, nos
termos do Código Civil, tema que estudaremos no próximo tópico.

Figura 1. Pessoa natural, nascituro e personalidade: início e fim.


Fonte: Penteado (2004, documento on-line).

Incapacidade, morte e ausência


Antes de tecermos considerações sobre a morte, é importante estudar outro
aspecto fundamental da personalidade: a capacidade. Capacidade é a aptidão
da pessoa para exercer direitos e assumir deveres, nos termos do art. 1º do
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Código Civil. Em sentido genérico, a capacidade pode ser classificada em


capacidade de direito (ou de gozo) e capacidade de fato (ou de exercício).
Capacidade de direito é aquela comum a toda pessoa humana, é inerente
à personalidade. Só perdemos a capacidade de direito com a morte. Já capaci-
dade de fato é a possibilidade de exercer os atos da vida civil, efetivamente.
Para Flávio Tartuce (2015, p. 130):

[...] toda pessoa tem a capacidade de direito, mas não necessariamente a


capacidade de fato, pois pode lhe faltar a consciência sã para o exercício dos
atos de natureza privada. Desse modo, a capacidade de direito não pode,
de maneira alguma, ser negada a qualquer pessoa, podendo somente sofrer
restrições quando ao seu exercício.

Assim, aquele que possui as duas espécies de capacidade tem a capacidade


civil plena. Aquele que tem somente a capacidade de direito tem a capacidade
limitada. Não há aquele que somente possua a capacidade de fato, pois essa é
consequência da capacidade de direito. Podemos pensar na seguinte fórmula:

Capacidade de direito + capacidade de fato = capacidade plena

De outro lado, aquele a quem carece a capacidade de fato é chamado de


incapaz, podendo ser classificado em absolutamente incapaz ou relativamente
incapaz. Absolutamente incapaz é aquele menor de 16 anos, nos termos no
art. 3º do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line): “são absoluta-
mente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores
de 16 anos”. Nessa previsão, considera-se o critério etário para entender que,
nessa idade, a pessoa ainda não atingiu o discernimento para distinguir o que
pode ou não pode fazer. São denominados menores impúberes e precisam ser
representados pelos seus tutores legais para o exercício dos atos da vida civil.
A incapacidade relativa diz respeito àqueles que podem praticar os atos
da vida civil, tendo em vista que contam com algum discernimento básico,
mas devem ser assistidos. A assistência será realizada pelos tutores legais
nas seguintes hipóteses, previstas no art. 4º do Código Civil (BRASIL, 2002,
documento on-line):

Art. 4° São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:


I — os maiores de 16 e menores de 18 anos;
II — os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III — aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir
a sua vontade;
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IV — os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação
especial. Superada a análise das hipóteses de incapacidade, parte-se para
o estudo da morte, fim da pessoa natural e da personalidade. Nos termos
do art. 6º: “a existência da pessoa natural termina com a morte; presume-
-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de
sucessão definitiva”.

Via de regra, a morte é biológica, com a verificação de um cadáver e


consequente registro da certidão de óbito. Contudo, a lei reconhece a morte
presumida quando não há cadáver; nessa hipótese, a morte presumida pode
ser decretada em virtude de uma ausência prolongada do indivíduo, quando
não se sabe nada a seu respeito — situação regulada nos art. 22 e seguintes do
Código Civil ou nas hipóteses do art. 7º (BRASIL, 2002, documento on-line):

Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:


I — se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II — se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente
poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo
a sentença fixar a data provável do falecimento.

Para Venosa (2012, p. 162):

[...] temos que entender de forma clara as situações de desaparecimento da


pessoa e suas consequências jurídicas. A morte de uma pessoa pode ser incerta
quando não houver notícia de seu paradeiro e houver motivo para acreditar
que tenha falecido.

É o caso de um acidente aéreo no mar, por exemplo, quando se sabe que


o indivíduo estava a bordo, mas não se localiza o corpo.

Entendimento dos tribunais superiores


A personalidade, os direitos do nascituro, a capacidade e a morte são temas
que, não raras vezes, são objeto de discussão dos tribunais superiores. No que
se refere aos direitos do nascituro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende
que, mesmo sem possuir personalidade civil, o feto deve ser considerado
como detentor de direitos. Na decisão de 2014, referente ao Recurso Especial
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(REsp) nº. 1.415.727, a parte pleiteava o recebimento do seguro obrigatório em


virtude de um acidente de trânsito que resultou na interrupção da gestação.
Na decisão, o relator do recurso afirmou:

[...] há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro,


dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expec-
tativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz
sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que
é direito pressuposto a todos os demais (BRASIL, 2014, documento on-line).

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a estabi-


lidade provisória da gestante que possui vínculo empregatício se refere a uma
proteção também ao nascituro. É o que se percebe no julgamento de embargos
de Declaração em Agravo de Instrumento nº. 448572 na afirmação de que:

[...] o legislador constituinte, consciente das responsabilidades assumidas pelo


Estado brasileiro no plano internacional (Convenção OIT nº. 103/52, art. 6º)
e tendo presente a necessidade de dispensar efetiva proteção à maternidade e
ao nascituro, estabeleceu, em favor da empregada gestante, expressiva garantia
de caráter social, consistente na outorga, a essa trabalhadora, de estabilidade
provisória (ADCT, art. 10, II, b) (BRASIL, 2010, documento on-line).

Quanto à morte presumida por ausência e a consequente abertura da su-


cessão (transferência de bens para os herdeiros), o STJ (REsp nº. 1.298.963,
de 2013) entende que é necessária a atenção aos prazos previstos no art. 22 e
seguintes do Código Civil para que seja possível o pagamento do seguro de
vida deixado pelo falecido. Assim, fundamenta-se a decisão:

3. A lei, fulcrada no que normalmente acontece, ou seja, no fato de que as


pessoas, no trato diário de suas relações, não desaparecem intencionalmente
sem deixar rastros, elegeu o tempo como elemento a solucionar o dilema,
presumindo, em face do longo transcurso do tempo, a probabilidade da ocor-
rência da morte do ausente. 4. Estabelecida pela a lei a presunção da morte
natural da pessoa desaparecida, é o contrato de seguro de vida alcançado
por esse reconhecimento, impondo-se apenas que se aguarde pelo momento
da morte presumida e a abertura da sucessão definitiva (BRASIL, 2013,
documento on-line).

Portanto, não basta a decretação de ausência para o recebimento do


seguro: é necessária a sentença de morte presumida, após o cumprimento
dos prazos legais.
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BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 maio 2018.
BRASIL. Lei nº. 11.804, de 5 de novembro de 2008. Disciplina o direito a alimentos
gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 6 nov. 2008. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11804.htm>. Acesso em: 21
maio 2018.
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº. 448572 ED / SP, Rel.
Ministro Celso de Mello, 2ª Turma. Julgado em: 30 nov. 2010. Disponível em: <http://
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=617888>. Acesso
em: 21 maio 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 1.298.963 — SP, Rel. Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma. Julgado em: 26 nov. 2013. Disponível em: <http://
www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?id=1331261>. Acesso em: 21 maio 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 1.415.727 — SC
(2013/0360491-3), Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma. Julgado em: 4 set.
2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_
registro=201303604913&dt_publicacao=29/09/2014>. Acesso em: 21 maio 2018.
PENTEADO, A. Direito Civil. Disponível em: <http://slideplayer.com.br/slide/6968197/>.
Acesso em: 21 maio 2018.
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. I.
TARTUCE, F. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. 11. ed. São Paulo: Método,
2015. v. 1.
VENOSA, S. S. Direito Civil: parte geral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

Leitura recomendada
DINIZ, M. H. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
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