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Teoria Geral do Direito Civil I

Turma B: Ano Letivo 2022/2023


Docente: Prof. Doutor José Alberto Vieira
Autor: António Matos

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Aviso: O presente resumo tem caráter meramente consultivo e de forma alguma
substitui os manuais da unidade curricular. Quaisquer eventuais erros ou omissões
provêm, não de eventual maldade, mas da burrice do autor ao não reparar nos
mesmos.
O presente resumo tem por base os manuais do Professor António Menezes
Cordeiro, tomos IV e III, com auxílio dos manuais dos professores Pedro Pais de
Vasconcelos, Mota Pinto, José de Oliveira Ascenção, entre outros.

O Direito Civil
O Direito Civil contemporâneo, como todo o Direito português,
consegue traçar as suas raízes ao Direito Romano. Ao longo do tempo, este
foi se adaptando às circunstâncias sociais, sendo codificado, por exemplo,
pelas Ordenações de reis como D. Manuel I.
É no código civil de Seabra, de 1867, que surge a primeira
codificação do Direito Civil português.
Porém, com o decorrer do tempo, e com a influência da escola alemã
pandectística, que procura buscar o Direito diretamente nas fontes
históricas. É com base no BGB alemão que surge, em 1966, um novo
Código Civil português, o atual.
Para definir Direito Civil precisamos de distinguir Direito Privado de
Direito Público, com base em 3 critérios:
 Critério do interesse: O Direito Público visa a satisfação do interesse
Público e vice-versa. O critério perde força pela dificuldade de
definir interesse público e privado;
 Critério da qualidade dos sujeitos: Direito Público é onde há
intervenção do Estado. O critério perde força pelo Estado atuar,
muitas vezes, como particular;
 Critério da posição dos sujeitos: Se, na relação jurídica, há uso do
ius imperii.
O Direito Civil preocupa-se, maioritariamente, com o Direito
Privado, sendo a base geral do mesmo. Quando uma medida especial não
resolve um conflito, olha-se para a norma geral. A norma especial
sobrepõe-se à norma geral.

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O Código Civil de 1966 está dividido da seguinte maneira:
I- Parte Geral
II- Direito das Obrigações
III- Direito das Coisas/Reais
IV- Direito da Família
V- Sucessões
As pessoas e a personalidade
A personalidade é uma qualidade: a qualidade de se ser pessoa. A
mesma adquire-se, de acordo com o Art. 66º nº1 do CC, ao nascimento
completo e com vida.
A personalidade jurídica designa a suscetibilidade de ser titular de
direitos e deveres, ou de ser sujeito de relações jurídicas.
Uma pessoa é um centro de imputação de normas jurídicas,
suscetível a ser titular de direitos e obrigações. Pessoa singular designa a
tradução, para a ordem jurídica, do ser humano.
Distingue-se, dentro da personalidade jurídica e os direitos que esta
confere, a capacidade de gozo e de exercício. A capacidade de gozo
adquire-se (em parte) com a personalidade jurídica, sendo conceitos
similares, medida de situações jurídicas de que uma pessoa pode ser titular
(quantitativo).
Nas palavras de CARVALHO FERNANDES, a capacidade de gozo
é “a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa pode ser titular e a
que pode estar adstrita a vinculações”.
A capacidade de exercício designa a medida de direitos que uma
pessoa pode exercer pessoal e livremente, de atuar independentemente no
mundo do Direito, de pôr em movimento a sua própria esfera jurídica. A
medida de direitos de que se possa ser titular ou destinatário (quantitativo).
A capacidade de exercício pode ser considerada gradativa, na medida
que os direitos que uma pessoa pode exercer pessoal e livremente vão
aumentando ao longo da vida. Há, no entanto, divergências na doutrina
acerca da viabilidade da personalidade entre os seguintes:
 Pessoa (nascimento completo e com vida)
 Nascituro (pessoa concebida, mas não nascida)
 Concepturo (Uma existência possível de uma pessoa não concebida)

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A personalidade jurídica cessa com a morte da pessoa, sendo alguns
dos seus direitos protegidos, nomeadamente pelo conjugue, etc art. 68º nº1
do CC.
Existem divergências quanto à defesa dos direitos de personalidade
das pessoas já falecidas, entre os que admitem que a personalidade jurídica
do defunto é “empurrada” depois da sua morte, havendo na mesma defesa
dos seus direitos; os que admitem que os herdeiros exercem os direitos do
defunto em seu nome e os que simplesmente admitem que os herdeiros têm
“direito à memória” do defunto, cabendo-lhes uma espécie de tutela geral
da personalidade do mesmo. Tal matéria será analisada posteriormente.
Os Incapazes
Ter direitos é consequência de se ter personalidade, não vice-versa.
São os direitos de personalidade. Porém, o exercício dos mesmos, e de
outros, depende da capacidade jurídica da pessoa, que requer capacidade de
querer e entender. Logo, deve-se vedar, por falta de experiência mediana
ou anomalia mental o normal prosseguimento da sua liberdade em prol da
pessoa em causa. As incapacidades são institutos que designam limitações
das capacidades jurídicas.
Tais incapacidades são fundadas:
 Na diminuição natural das faculdades da pessoa;
 Na restrição tabelada de aspetos da esfera jurídica;
 No desejo de proteção do incapaz.
Podem ser:
 Naturais;
 De decreto judicial.
É importante notar que uma incapacidade de exercício é uma
restrição de capacidade de exercício, mas o oposto não é igual. Alguém
pode ter limitações à sua capacidade e não ser considerado incapaz.
São incapazes de exercer livremente os seus direitos (entre outros,
como as incapacidades conjugais) os seguintes:
Os menores

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São menores todas as pessoas singulares que ainda não completaram 18
anos de idade (art. 122º e 123º do CC).
Os mesmos ficam, portanto, sob um regime de representação legal
pelos pais/tutores, exercendo os direitos do menor em seu nome de forma a
que a esfera jurídica do mesmo não esteja congelada. Esta incapacidade
suprida pelo poder parental é regulada pelos art. 1877º e seguintes e podem
ser limitados (1913º e seguintes).
A representação é a forma de suprimento da incapacidade traduzida
em ser admitida a agir outra pessoa em nome e no interesse do incapaz.
No caso dos tutores, são regulados pelos artigos 1927º e seguintes e
pelas regras do conselho de família (1951º e segs.).
O menor tem, portanto, incapacidade geral de exercício, com
exceções (que vão aumentando com a idade, art. 488º por exemplo) e parte
da sua capacidade de gozo limitada pela sua idade (não pode casar, por
exemplo). No regime de representação encontra-se também grande parte
dos direitos pessoais e de personalidade pelo caráter genérico das normas.
A esta representação legal pelos pais, autores como Giorgianni
afirmam que o menor não se encontra sob representação legal ou
incapacidade, mas sob uma sujeição face ao poder paternal.
Excetuam-se as situações previstas no art. 127º do CC,
nomeadamente:
1. Disposição de bens fruto de trabalho próprio a partir do 16
anos;
2. Negócios jurídicos da vida corrente ao alcance da sua
capacidade natural com despesas de pequena importância
(subjetivo e casuístico);
3. Negócios jurídicos relativos ao e praticados durante o trabalho,
arte ou ofício que o mesmo foi autorizado a exercer.
O término da incapacidade pode também ser feito através da
emancipação, um negócio jurídico que traduz a cessação da incapacidade
do menor, possível através do casamento aos 16 anos (1601º e 129º). O
menor passa a ter plena capacidade de exercício, mesmo assim com alguns
limites legais.
E se um menor praticar um negócio jurídico? Este fica exposto à
invalidade, que pode ser na modalidade de anulabilidade, nulidade ou de
invalidade mista) na modalidade de anulabilidade (destruição retroativa do

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negócio e dos seus efeitos) (art. 125º CC). Pode ser requerido o anulamento
por:
 O pai ou tutor, no prazo de um ano a contar do conhecimento
do negócio;
 O menor, no prazo de um ano a partir da maioridade;
 Qualquer herdeiro do menor, a contar um ano da morte deste
antes de um ano após se tornar maior.
O direito à anulação perde-se após 1 ano, se este tiver sido cumprido,
decorridos os prazos estipulados acima, o negócio convalida-se. Perde-se
também se o menor tenha usado de dolo para realizar o negócio jurídico. A
confirmação pode ainda ser pedida pelo menor depois de maior ou
emancipado ou pelo representante.
O art. 126º do CC (dolo), causa divergências na doutrina (pg 122-124
PPV):
 “Restritivistas”, o menor não pode pedir anulabilidade do
negócio jurídico mas os representantes podem (MC, PL, OA e
AV)
 “Punitivistas”, como os representantes agem sobre os direitos
do menor, estes não podem ter melhores direitos que o mesmo.
Não é legitima, portanto, a anulabilidade, defendendo os
legítimos interesses dos terceiros em boa-fé, a ratio legis
(PPV, MP e CF).
Pode o negócio também ser sanado da incapacidade pelos
mesmos sujeitos que podem anular o negócio. Mesmos os herdeiros,
não referidos no 125º nº2, presume-se que também possam (Oliveira
Ascensão).

Os Maiores Acompanhados
Existem pessoas que, por limitações físicas, psíquicas ou
comportamentais, não conseguem exercer os seus direitos de forma plena a
proteger os seus interesses. Desde há muito que tal facto é reconhecido, e
na lei portuguesa havia o regime de interdição e inabilitação.
Porém, tal regime mostrou-se ineficiente, apenas originando
estigmatização e quebras da privacidade e dignidade do “interdito”,
ignorando os progressos socio-económicos. Mostrando-se necessária uma
reforma que: respeitasse a Convenção de Nova Iorque de 2007 (Convenção
dos Direitos das Pessoas com Deficiência); defendesse a privacidade do

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maior e da família; respeitasse a autonomia, interesses e direitos do maior;
simplificar o processo e torna-lo mesmo mais flexível. Tal reforma viria em
2018 (Lei 48/2018 de 14 de agosto), criando o regime do maior
acompanhado, um modelo monista (único instituto), material (parte da
situação do visado), de acompanhamento (o maior é apoiado e não
representado) e estrito (a lei fixa bases claras, sem descer a minúcias).
Como bem ilustra António Pinto Monteiro, «em vez da pergunta:
“aquela pessoa possui capacidade mental para exercer a sua capacidade
jurídica?”, deve perguntar-se: “quais os tipos de apoio necessários àquela
pessoa para que exerça a sua capacidade jurídica?”»
Ao abrigo do precedente regime da interdição e da inabilitação, os
direitos da pessoa incapacitada eram arredados e subordinados aos valores
da segurança e certeza do comércio jurídico e à salvaguarda do património
familiar, funcionando aqueles mecanismos como forma de eliminar a plena
capacidade de exercício de direitos reconhecidos por lei, em face do estado
de incapacidade. O interdito (tutor)/inabilitado (curador) era equiparado ao
menor e via até mesmo o exercício dos seus direitos pessoais e
fundamentais limitados.
Assim, o novo instituto toma em conta a autonomia, vontade e
dignidade do acompanhado, não vendo a deficiência como algo que a
inferioriza ou que deve ser tratado, mas como uma característica da pessoa
que não a menospreza, mas que a torna merecedora de maior cuidado aos
olhos da lei. Este regime, flexível, casuístico e revogável é o que toma em
conta a dignidade da pessoa deficiente, não a substituindo, mas
acompanhando-a, não equiparando-a ao menor, mas oferecendo a real
ajuda que merece. A incapacidade total passa a ser o último recurso.
O acompanhamento, que deve ser decretado por um tribunal (139º
CC) e revisto, pelo menos, de cinco em cinco anos (155º CC). A análise
deve ter em conta o requisito objetivo de presença de uma das patologis do
138º e o elemento subjetivo de se ver impossibilitada de exercer plena,
pessoal e conscientemente os seus direitos e cumprir os seus deveres. Pode
ser requerido:
 Pelo próprio, podendo até ser em mandato (156º CC);
 Pelo conjugue, unido de facto ou parente sucessível, mediante
autorização;
 Pelo Ministério Público, sem autorização;
 Um ano antes da maioridade, para tomar efeito logo a seguir desta;

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Nas palavras de José A. Gonzalez: “a plenitude, supõe a inexistência
de restrições ou limitações factuais; a pessoalidade, exige que a pessoa seja
competente para agir sem necessidade de intermediação de um substituto
(representante), sendo incapaz, portanto, sempre que não puder agir por si
própria; a consciência pressupõe a presença de normal compreensão acerca
do significado e alcance dos efeitos jurídicos da actuação”. Nisto consiste o
elemento subjetivo, que deve ter como nexo de causalidade um elemento
objetivo de saúde, deficiência ou comportamental.
A autorização necessária para o cônjuge pode ser suprida em face
das circunstâncias, devendo ser pedida.
O acompanhamento, de acordo com o artigo 145º, limita-se ao
necessário, cabendo ao tribunal decidir a amplitude do próprio
acompanhamento, indo de completa representação legal a mero auxílio.
Os direitos de personalidade e negócios da vida corrente do
acompanhado são livres, salvo disposição em contrário (art. 147º CC).
A escolha do acompanhante é flexível, tutelada pelo art. 143º e 144º
do CC, devendo agir de acordo com os interesses do acompanhado. Este
pode escolhê-lo, tal como o seu representante legal, por exemplo, através
de documento escrito redigido antes da necessidade de acompanhamento,
ou de simples presunção da vontade. Na falta de escolha, deve ser
escolhida a pessoa que melhor salvaguarde os interesses do acompanhado,
na ordem referida no 143º. Mesmo assim, não é obrigatório seguir a ordem
referida no artigo.
A cessação ou modificação do acompanhamento pode ter efeitos
retroativos, tem em conta a situação atual do acompanhado e é regulada
pelo art. 149º CC.
E se o acompanhado praticar um ato? Os atos praticados pelo
mesmo, se violarem a decisão judicial. Surgem dúvidas se apenas o
acompanhante e acompanhado pode anular um ato. São anuláveis de
acordo com o artigo 154º do CC nas seguintes circunstâncias:
 Praticado após o registo do acompanhamento;
 Praticado após o início (publicitação) do processo de
acompanhamento mas apenas após a decisão final e se se mostrarem
prejudiciais ao acompanhado;
 Praticado antes do processo judicial pode ser incluído no instituto da
incapacidade acidental (257º CC)

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PPV teoriza que existem lapsos no nº2 do art. 154º do CC, ao
efetivamente eliminar o prazo de anulação e na alínea b) do nº1 do art. 154º
do CC, visto impor uma data de começo dos atos alvo de possível anulação,
mas não do seu fim.
Não obstante o que foi visto, o acompanhado tem ainda capacidade
para a prática de exercício de direitos pessoais e negócios da vida corrente,
ou seja: os negócios que a generalidade das pessoas celebra ou para
satisfação das necessidades do dia-a-dia ou para a satisfação de
necessidades que, ultrapassando o quotidiano, fazem ainda parte do
ordinário da vida, salvo disposição legal ou da decisão em contrário.
Existe ainda a figura do mandato com vista a acompanhamento, onde
a pessoa celebra um mandato de gestão dos seus interesses e bens,
prevenindo a eventual necessidade de acompanhamento. Esta é adequada
especial para pessoas afetadas por doenças degenerativas e deve tomar
posição prioritária no âmbito do acompanhamento. (156º)
O regime do maior acompanhado é, portanto, tremendamente
casuístico.
Os direitos de personalidade
Ter direitos é consequência de ter Personalidade Jurídica, e não o
contrário. A conceção dos mesmos foi mudando ao longo dos anos, sendo a
sua prevalência e proteção alvo de destaque na pandectística alemã e
sucessivos costumes da jurisprudência, dando cada vez maior relevância à
defesa dos mesmos e em qualquer realidade, até na virtual.
O Direito Objetivo de personalidade concerna as normas jurídicas
que positivam a defesa dos direitos de personalidade, fruto de sucessivas
evoluções do Direito e humanismo do próprio Homem.
Direito Subjetivo, como já visto, é uma permissão normativa
específica de aproveitamento de um bem. Sendo um bem uma realidade
capaz de satisfazer as necessidades ou apetências da pessoa.
Assim, os direitos de personalidade destacam-se dos direitos
fundamentais, sendo estes últimos relativos à relação indivíduo-Estado, os
direitos de personalidade dizem respeito a uma realidade intrínseca à
pessoa humana, aspetos específicos de pessoas suscetíveis a serem
disfrutados pela própria. São, portanto, poderes jurídicos pertencentes a
todas as pessoas, por força do seu nascimento, incidindo sobre a vida das
mesmas.

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Para os identificar podemos ver, portanto:
 Se o bem aproveitado está presente na pessoa e é desfrutada pela
própria;
 Se não permite a sua supressão (o direito à vida, no espaço de
liberdade que qualquer direito dá, não consente o suicídio);
 Se provém de uma norma permissiva específica (mesmo que
implicitamente);
 Se consagra valores básicos do sistema jurídico em questão.
Os direitos de personalidade consagram, portanto, realidades
inerentes à pessoa humana, permissões específicas de algo inerente à
pessoa humana, não permitindo a sua própria supressão, ligadas ao
personalismo ético do próprio Direito Civil.
“Mas o essencial é o próprio fundamento ético que está na base do
instituto. Só pode ser considerado direito de personalidade o que manifeste
esta exigência da personalidade humana” - Ascensão
Os direitos de personalidade não estão tipificados, estando presentes
na CRP, CC, etc.
O artigo 70º do CC fornece a o “direito geral” dos direitos de
personalidade, que dá azo ao surgimento de novos direitos de personalidade
através da interpretação da mesma, sendo os direitos específicos de
personalidade especificações de bens que integram a dignidade humana,
como a vida, integridade física ou nome. Assim, não é necessária previsão
legal para a proteção de um direito especial de personalidade, sendo o
artigo uma janela aberta do sistema jurídico para novos conteúdos, à luz do
conteúdo da personalidade ética.
Assim, autores como Oliveira Ascensão afirmam que o artigo 70º
concede uma proteção geral da personalidade, que concretiza depois em
figuras especiais. Por contrário, Antunes Varela afirma que existem direitos
de personalidade não incluídos na tutela geral do artigo 70º. Assim, o
Direito geral de personalidade, aceite na escola de Coimbra, é contestada
na escola de Lisboa e por outros países como a Espanha e Itália. Na defesa
do mesmo, autores como Larenz afirmam que o Direito geral de
personalidade não entra em conflito com a tutela geral, pelo que a aplicação
do mesmo exige a formulação de direitos singulares
Estes são:

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 Absolutos: Oposto a qualquer pessoa. Devendo todos respeito dos
mesmos;
 Não-patrimoniais: No sentido em que não podem ser traduzidos ou
abdicados por um valor monetário (vida), ou que têm alcance
patrimonial limitado numa relação jurídica (saúde) ou que são
avaliáveis em dinheiro e negociados no mercado.
 Intransmissibilidade: Não pode ser transmitido a terceiro.
 Inerentes: Adquirem-se à nascença;
 Irrenunciáveis/Inalienáveis;
 Não tipificados;
 Dupla inerência: Dizem respeito, ao mesmo tempo, à pessoa e ao
bem que tutelam.
 Gerais
Há a tendência para a prevalência dos direitos de personalidade,
porém, tal dependerá do caso concreto e dos direitos em choque. (335º
CC).
Os direitos de personalidade dividem-se, ainda, em necessários
(presentes em qualquer pessoa singular, como a vida) e eventuais (a sua
existência depende da existência do bem que tutelam, como o nome).
Os Direitos de personalidade podem ser protegidos por mais do que
um regime jurídico, tendo um tratamento diferente em cada um, o nosso
alvo é a tutela civil, uma tutela geral da proteção contra ofensas aos
mesmos, não havendo tutelas específicas.
A tutela civil contra atos ilícitos civis assenta em 2 meios de defesa:
 Responsabilidade civil (483º e sgs CC), reparação dos danos que
alguém causa através de indemnização (ou o ressarcimento, em
termos patrimoniais, dos danos materiais e morais sofridos pelas
vítimas), o meio de tutela geral. Sendo necessário para tal:
o Facto ilícito (483º CC);
o Dano (483º);
o Culpa (487º);
o Haver ou não imputabilidade (488º);
o Nexo de causalidade (563º CC).
 Tutela geral da personalidade (70º CC), tomando as “providências
adequadas” à situação, bitola necessária para fazer cessar a ameaça
ou atentado ao direito de personalidade visado.

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São coisas separadas a renúncia, transmissão e limitação voluntária.
De acordo com o artigo 81º do CC, qualquer limitação voluntária dos
direitos de personalidade é nula se contrariar os princípios da ordem
pública. Logo, a lei permite a realização de negócios de personalidade,
negócios jurídicos onde o objeto é um direito ou bem de personalidade.
Assim, o voluntariado para testar medicamentos e uso consentido da
imagem são lícitos, enquanto que o suicídio e venda de órgãos não.
O consentimento pode ser retirado a qualquer altura, devendo a
pessoa que o fez indemnizar a outra parte pelos prejuízos causados. Há aqui
uma exceção à pacta sunt servanta.
O direito à vida
O direito à vida, consagrado no artigo 24º da CRP, concerna a
preservação do mais básico da vida humana, o seu funcionamento vital, a
vida, somente isto. Todos os outros direitos provêm deste.
A este direito, que até pode ser formulado como o direito a não ser
morto, podendo ser oposto a qualquer indivíduo, direito e ao Estado, surge
o dever da não disposição da vida, da proteção da mesma, da reserva de
atos que possam por em perigo este bem e até o dever de auxílio ou
socorro.
Deste modo, não pode a vida ser renunciada ou limitada, facto bem
aceite por todos.
A dúvidas surgem nas questões periféricas do direito: o aborto, a
eutanásia e o suicídio. No entanto, coloca-se o dilema clássico de um
médico que só pode acudir um dos feridos em presença, tendo de deixar
morrer o outro. O Direito civil considerará que, por conflitos de deveres,
não houve qualquer violação de direito à vida, na medida em que faltou
qualquer ação humana destinada a atentar contra tal direito. Também
perante a legítima defesa, não haverá violação do direito à vida
Os direitos de personalidade não admitem a sua supressão e são
indisponíveis. Como tal, a prática do suicídio pelo próprio é um ato ilícito
não punível do ponto de vista penal, ato que roça no ilógico. Não se aplica
a responsabilidade civil.
Sobre a eutanásia trata-se da eutanásia ativa, visto que a passiva (ou
o cessar de tratamento por notar que traz sofrimento ao sujeito), não
podendo ser considerada eutanásia, mas o decorrer normal das perturbações
do agente, é vista como homicídio assistido.

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De facto, a aceitação da eliminação voluntária de uma vida humana,
ato irreversível e contra o juramento de médicos e todos os ensinamentos
ético-religiosos, por algo tão inqualificável e incerto como “sofrimento”,
quando a medicina moderna tem meios de, se não de eliminação, pelo
menos da supressão da própria dor, não pode ser admitida num
ordenamento jurídico que se preza pela defesa da dignidade da vida
humana.
O mesmo decorre no aborto, onde, excetuando os casos de perigo
para a vida da progenitora, a aceitação do ato ilícito vai contra toda e
qualquer conceção dos direitos do nascituro e dos interesses do pai, que, se
formos seguir o princípio da igualdade, devem ser respeitados.
A vida é o bem mais valioso de qualquer ser humano, não pode ser
negada, limitada ou roubada.
O direito à integridade física
A integridade física inclui não só a proteção do corpo físico da
pessoa contra quaisquer ameaças à sua personalidade física, seja o ato
consentido ou não e propositado ou não.
Incluído nesta definição encontramos a defesa da integridade
psíquica, que entende casos extremos como lavagem cerebral, mas que, per
si, leva em conta direitos como o direito ao repouso, desenvolvido pela
jurisprudência e doutrina (autónomo ou não da integridade física) e cuja
defesa assenta no bem de personalidade de descansar e de ter a sua
tranquilidade, especialmente na residência. Como consequência,
estabelecimentos que, mesmo obedecendo ao Regulamento Geral do
Ruído, já foram ordenados a fechar devido ao incómodo das pessoas lá
residentes.
A integridade moral, bom nome e reputação
A integridade moral (26º CRP, 70º nº1 e 484º CC) inclui a liberdade
de culto e dos seus valores éticos, também defendida constitucionalmente e
do direito à honra.
A inviolabilidade moral inclui, para além do respeito pelo culto, o
respeito pelas pessoas mortas.
O direito à honra diz respeito ao bem “honra”, a dignidade pessoal
pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se
insere e em que coabita e conviva com outras pessoas.

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Como tal, a honra tem uma vertente pessoal, a consideração de uma
pessoa por si própria, e social, ou o respeito e consideração de que o sujeito
goza na comunidade.
Portanto, a honra é inerente à personalidade e deve ser defendida,
podendo ser ameaçada por atos que a pessoa cometeu ou que lhe foram
imputados.
Questiona-se se as figuras públicas têm menor tutela do direito à
honra e privacidade. Aqui, a doutrina diverge.
De acordo com o artigo 180º nº2 do CP, a ilicitude de ofensa à honra
pode ser excluída se se demonstre convincente que o interesse público
sofreria dano grave e real sem a agressão à honra ou à privacidade do
lesado. Reina aqui, porém, o princípio do mínimo dano, onde o meio
utilizado não deve ser excessivo.
Porém, é admissível a exceptio veritatis? Pode uma ofensa à honra
ser tolerada apenas porque consta a verdade? Pode ser considerada ofensa à
honra? No caso do Direito Penal, a difamação cessa quando a veracidade
dos factos é provada.
Qualquer tentativa de amputar a verdade não pode invocar a veritas,
é o caso de maior parte das ofensas à honra, são insinuação e não frontais.
Mesmo assim, uma afirmação verdadeira pode ferir a honra, visto
poder ferir a consideração da pessoa o amor próprio do visado. A
veracidade não é, per si, uma exceção. Esta é a posição de MC, nem tudo o
que é verdade deve ser divulgado.
JAV, pelo contrário, afirma que a exceptio veritatis, nos termos
referidos abaixo, é admissível, pelo que a honra é um bem que cabe ao
indivíduo cuidar.
No entanto, e ligado ao conflito da honra com a liberdade de
informação, a análise das afirmações deve tomar em conta:
 A veracidade absoluta;
 O interesse político-social;
 A contextualização.
A honra não pode ser também tomada em conta aquando de
sentimentos de “honra geral” ou “nacional”, visto o bem defendido ser,
como os bens de personalidade o são, individuais, sendo difusa a atuação
nestas situações.

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Face às ofensas à honra, deve o ofendido ser indemnizado pelos
danos (incluindo lucros cessantes), artº 483º CC e 496º CC e devem ser
tomadas as providências adequadas (70º CC), que podem incluir pedidos de
desculpas ou retiradas de afirmações, tudo o que ajude na restauração da
verdade e honra.
Direito ao nome
O direito ao nome está previsto no art. 26º da CRP e 72º-74º do CC,
servindo este como defesa daquilo que garante a infungibilidade,
indivisibilidade e irrepitibilidade da pessoa humana. Todos têm o direito à
defesa daquilo que os torna indivíduos.
O nome é a representação linguística do ser humano. Inicialmente
uma só palavra, a complexificação das sociedades desenvolveu o próprio
nome de forma a incluir designações de família e tribo, sendo em muitas
culturas permitido que o mesmo fosse mudado ou substituído por alcunhas.
Na pandectística alemã, o direito surge não como direito real mas de
personalidade, mesmo com críticas de autores como Cunha Gonçalves,
devido à sua natureza familiar e social, na medida em que identifica a
família e persiste à morte da pessoa.
No Direito português, o nome do filho é escolhido pelos pais (1875º
CC), sendo composto por nomes próprios (apenas à pessoa) e apelidos
(família de origem). O adotado, nos termos do 1988º perde os seus apelidos
de origem, sendo o novo nome dado nos termos do 1875º.
No caso dos casados, a situação é regulada pelo 1677º do CC,
incluindo as situações de divórcio.
A regulação da atribuição e mudança do nome estão presentes no
Código de Registo Civil.
Do direito ao nome surgem as seguintes pretensões e poderes:
 Poder de usar o nome completo;
 Poder de abreviar o nome na ordem que entender;
 Poder de usar o nome abreviado;
 Poder de se opor a outrem que use o seu nome ilicitamente, para sua
identificação ou outros fins;
 Poder de, perante nomes total ou parcialmente idênticos, requerer ao
tribunal providências conciliatórias.

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Conforme o art. 74º, quando o pseudónimo goze de notoriedade, tem
a mesma proteção conferida ao nome. Neste sentido pseudónimo inclui não
só a designação comum literária (art. 28º e 29º do CDA) mas também, por
exemplo, alcunhas.
O nome de pessoas coletivas é regulado pelo Registo Nacional de
Pessoas Coletivas.
Dentro de outras formas de tratamento, encontramos os graus
académicos, os títulos nobiliárquicos, os endereços eletrónicos e as
designações honoríficas que, mesmo não tendo acesso ao registo civil,
gozam de proteção.
Para concluir, nas palavras de Oliveira Ascensão, o direito ao nome
não é um direito originário, pelo que é imposto por outro direito de
personalidade, o de identidade pessoal.
A privacidade
Inerente ao Direito Civil, abrange o leque de práticas e características
privadas, intimas ou secretas da pessoa, onde lhe é reconhecido um espaço
ao abrigo da observância social e estatal.
A privacidade surge conectada com a teoria das esferas, sendo
importante, aqui, estas três:
 Vida íntima: O mais secreto da vida pessoal, que quase nunca é
partilhado, como a sexualidade, saúde, nudez;
 Esfera da Privacidade: Aspetos da vida pessoal mas fora da
intimidade, que a pessoa permite acesso nas suas relações;
 Esfera da vida pública, aquilo a que todos têm acesso no decorrer da
vida da pessoa.
Porém, a teoria de três esferas fracassa. A doutrina desenvolveu 5,
para denominar até onde vai a vida privada:
 Esfera Pública: Área de condutas acessível ao público,
independentemente de autorizações;
 Esfera individual-social: Relacionamento social normal establecida
com amigos e conhecido. Uma imagem, em teoria, poderia navegar
neste meio;
 Esfera Privada: Vida privada comum da pessoa e apenas acessível à
família e amigos mais próximos;

Faculdade de Direito de Lisboa – TGDC I – António Matos Página 16


 Esfera Íntima: Vida sentimental ou familiar no sentido mais estrito,
tutela absoluta.
 Esfera Secreta: Âmbito de que o próprio decidiu não revelar a
ninguém, com absoluta tutela;
É ilícita a violação da privacidade por motivos de lucro, a mesma é
tremendamente casuística, dependendo da pessoa, situação e interesse em
causa.
A fronteira absoluta, que não é transposta em nenhum caso, é a
esfera secreta, conforme o caso e pessoa. Na maioria das pessoas, localiza-
se a partir da privada.
Cartas-missivas confidenciais (75º-78º CC)
Uma carta é um texto exarado em papel com um destinatário. O
conteúdo é confidencial quando não puder ser comunicada froa do círculo
entre o remetente e destinatário. Este direito abrange outras formas de
comunicação, como o correio eletrónico.
Tudo isto trata-se dentro da proteção do direito à privacidade.
A confidencialidade obtém-se a partir de 3 teorias:
 Subjetivista: Depende da vontade do autor, devidamente expressa ou
até tácita (217º);
 Objetivista: Depende do teor da carta, se o assunto for de segredo
profissional, assuntos da vida privada ou ter sido acordada
previamente a confidencialidade;
 Direito de Personalidade: Resulta do teor da carta, podendo o autor
“interferir”, a carta ser confidencial depende da inserção de matérias
de personalidade
Interessante será notar que sobre a carta imputam variados direitos:
direito de propriedade sobre o suporte físico da carta, direito de autor sobre
o seu texto e direito à privacidade sobre os bens íntimos da mesma.
O destinatário da carta deve guardar reserva do conteúdo da mesma,
não se podendo aproveitar de elementos da informação presentes.
A confidencialidade cessa quando, por exemplo, entrar em colisão
com direitos que prevaleçam, (ameaça de bomba)
Após a morte do autor, a relação jurídica não é transmitida aos
sussores. Mesmo assim, os mesmos podem requerer a devolução ou
destruição da carta.

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As cartas podem ser publicadas de acordo com o artigo 76º. Porém, a
publicação de uma carta com, por exemplo, assuntos extremamente íntimos
choca com o artigo 81º.
No que consta da publicação de cartas não confidenciais, deve a
mesma não contrariar a expectativa fundada e lógica do autor, submetido à
boa-fé e bons costumes.
Direito à reserva da intimidade da vida privada
Cada um pode orientar a sua vida privada como entender. Como tal,
tem um bem de personalidade da sua concreta vida privada, que abrange
várias realidades que não são públicas, profissionais ou sociais. A
provacidade traduz-se num círculo de liberdade independente do Estado e
de terceiros e que o sujeito interessado poderá tratar como entender.
Com o seu desenvolvimento no mundo inglês, especialmente a partir
de casos como Warren/Brandels, deduziu-se que o inglês right to privacy
engloba 4 situações:
 Intromissão em negócios privados;
 Revelação de factos embarassosos;
 Publicidade falsa com aproveitamento da pessoa;
 Apropriação do nome ou imagem.
O regime vigente apela à reserva da intimidade da vida privada da
vida de outrem. Porém, tal proteção depende da natureza do caso (valores
que justifiquem a intromissão) e a condição das pessoas (ser um político ou
celebridade traz mais preponderância a certos factos, sabendo os visados do
mesmo).
Curiosa é a frase de Oliveira Ascensão: Quem sobe ao palco, não se
pode queixar da intensidade das luzes. Este autor também refere que este
direito não pode servir como fundamento da institucionalização de
egoísmos privados, sob pena de desvio da sua base fundamental, a
consideração da pessoa. Assim, na interpretação do caso concreto,
conforme nos guia o próprio artigo, devemos ver se se encontra
verdadeiramente ameaçada a personalidade da pessoa, se a intromissão
devassa algum aspeto da mesma, como o convívio familiar.
Direito à imagem
Tendo cada ser humano uma aparência física diferente dos demais,
considera-se a imagem como a representação de uma pessoa na sua
configuração exterior.

Faculdade de Direito de Lisboa – TGDC I – António Matos Página 18


Com o desenvolvimento da fotografia, e com a influência do “Caso
Bismark”, a ordem jurídica concedeu proteção à imagem identificativa da
pessoa, para além dos direitos reais que recaem sobre uma tela, por
exemplo.
O direito à imagem intervém para proteger valores de intimidade da
vida privada, da honra e do valor em jogo da própria imagem da pessoa.
Do direito à imagem e da sua interpretação, podemos retirar o direito
à palavra (pois as gravações e afirmações são suscetíveis da identificação
de uma pessoa) e que o direito abrange também a POSSE e OBTENÇÃO
da imagem de outrem. Também pela interpretação do artigo, aferimos que
se atribui proteção, também, à imagem sonora e psíquica da pessoa.
Como tal, na ordem jurídica portuguesa, o retrato de uma pessoa não
pode ser exposto, reproduzido ou lançado sem a sua autorização (se estiver
morta, das pessoas do 71º/2) EXCETO se o justifique a notoriedade, cargo,
exigência policial, judiciária, científica, didática ou cultural, venha
enquadrada num espaço público ou na de factos de interesse público ou que
hajam decorrido publicamente, SALVO SE levar a ofensa à honra. O uso
deve limitar-se ao uso específico.
A imagem que diga respeito à esfera privada, secreta e íntima carece
de autorização, nenhuma exceção do nº2 do 79º justifica uma invasão dos
mesmos. No âmbito das esferas públicas e individuais-sociais, a imagem
não precisa de autorização, mas apenas deve servir para documentar o que
se passa.
Estatuto Jurídico do nascituro
O CC afirma que a personalidade jurídica tem o seu início ao
nascimento completo e com vida, tal momento, de acordo com o art. 2º do
D-L nº 44128 de 28 de Dezembro de 1961, reporta-se à “expulsão completa
relativamente ao corpo materno (…) que, após esta separação, respire ou
manifeste quaisquer sinais de vida” como contrações de um músculo, do
cordão umbilical, “quer o o cordão umbilical esteja cortado ou não”.
É importante distinguir entre a situação de quem ainda não nasceu
mas já foi concebido (Nascituro) e a expectativa de alguém vir a ser
gerado (Concepturo). Os concepturos nada são e, pelo contrário, os
nascituros são seres humanos por nascer, sendo o nascimento apenas uma
fase importante da vida da pessoa, onde esta ingressa na polis.

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Vários preceitos do Código Civil comprovam que a este é
reconhecido um regime jurídico próprio que reflete a sua qualidade de
pessoa, como os artigos 952º, 2033º, 1855º, 1878º, 2240º. Mesmo que não
estivesse, o Direito deve ir além da lei e refletir a realidade social
subjacente ao mesmo, assim se define a personalidade. Assim, como não é
a lei que reconhece a PJ, o artigo 66º pode ser entendido como conferir
capacidade de gozo (PPV).
Há quem argumente que a atribuição de posições jurídicas ao
nascituro comprova a sua personalidade jurídica. Porém, Oliveira Ascensão
afirma que se tal fosse verdade, também os concepturos teriam
personalidade, algo absurdo.
A data da concepção é definida a partir do art. 1798º do CC. Nesta
fase, a situação tem duas características marcantes: o relacionamento
exclusivo com a mãe (limita a capacidade de gozo, tendo mesmo assim os
mais importantes direitos de personalidade) e a precariedade (encontrar
solução para o caso em que o nascituro morre antes de nascer. De acordo
com o nº2 do 66º, os direitos são destruídos retroativamente, como se o
mesmo nunca tivesse existido, uma ficção legal para simplificar o
processo).
Outra situação é admitir que a personalidade apenas começa com o
nascimento e, assim, quaisquer direitos atribuídos retroagem ao momento
da concepção ou aquisição ou até admitir que nos deparamos com “direitos
sem sujeito”.
Assim:
 Pires de Lima e Antunes Varela: antes do nascimento, o nascituro
não tem personalidade jurídica;
 Mota Pinto: Considera direitos sem sujeito aqueles atribuídos por
herança ou doação. Admite indemnização por danos causados dentro
do útero caso a criança nasça;
 Castro Mendes: Direitos sem sujeito também, mas a aquisição não
retroage, só a personalidade;
 Dias Marques: O nascituro não tem PJ mas, ao nascer, os direitos
adquiridos retroagem ao momento de aquisição.
 Galvão Teles: O nascituro é um ser vivo mas não como sujeito de
direito, tem proteção jurídica mas não personalidade. Personalidade
“condicionada” e “provisória”;

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 Carvalho Fernandes e JAV: Defendem que os nascituros não têm
direitos porque não há direitos sem sujeito. Assim, tornam o
nascituro num centro de imputação jurídica, sem qualquer garantia
de segurança, onde se engloba os direitos à integridade física e à
vida. Nascituro não tem PJ.
 Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro: O nascituro tem PJ desde o
momento da concepção;
 Capelo de Sousa: Personalidade parcial, onde o mesmo tem direito à
vida e desenvolvimento;
 Paulo Otero (o que fazes aqui?): O nascituro tem PJ a partir de um
dado momento de “início científico da vida”, garantida pelo
ordenamento jurídico-constitucional;
 Leite de Campos: O nascituro é tão pessoa como a já nascida, sendo
que as normas estão gastas e ultrapassadas
 PPV: O nascituro tem personalidade jurídica desde a sua concepção.
O formalismo positivista, que tenta encontrar a PJ pela atribuição de
situações jurídicas ao nascituro é errada, visto que a personalidade é
algo pré-legal. A capacidade de gozo é limitada aos direitos de
personalidade. Adere à ficção retroativa de destruição de direitos
(leitura a contrario sensu do nº2 art. 66º CC), especialmente
patrimoniais. O nascituro tem PJ desde que não morra.
 MC: Os nascituros têm PJ suspensa até ao seu nascimento, com
consolidação retroativa dos direitos atribuidos por lei.
Os concepturos não são entes. Como tal, não se reconhece nem a
personalidade nem a capacidade. Uma doação a um nascituro entra na sua
esfera jurídica, enquanto que uma doação a um concepturo, até à sua
concepção, o bem doado continua na esfera jurídica do doador. Se não for
concebido, a doação caduca (275º CC), mesma coisa na doação a um
nascituro que morre.
O nascituro pode participar em sucessões, sendo a administração dos
bens delegada aos pais (1878º). Como está sob condição suspensiva, é
posto em regime de administração (2237º). No caso de ser nascituro, a
administração cabe a quem caberia se já tivesse nascido (2240º nº2), no
caso de ser concepturo, a administração é feita pelos pais ou representante
legal (2240º).
Divergências também existem na indemnização dos nascituros.
Pode o próprio nascimento ser considerado um dano indemnizável?
Se decorrer de erro médico resultando numa gravidez não programada:

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Sim, por violação de contrato de prestação de serviços (decisões alemãs)
(com direito à vida!!!!), podendo ser pedida indemnização pelos pais e,
segundo Deutsch, pela criança, mesmo que seja entendido que a mesma
não pode alegar a sua própria vida como dano. Assim, na conceção
doutrinária corrente, os alimentos devidos ao filho podem ser considerados
danos indemnizáveis. Mesmo assim, não se pode alegar que, se a mãe
soubesse de uma malformação, teria abortado, visto não existir o direito a
“não-existir” ou à “vida boa/normal”. Em caso de agressão não-letal, pode
o próprio ser pedir a indemnização; no caso de deficiência permanente, esta
pode atingir os alimentos necessários para o sustento do mesmo; Dano-
morte aplica-se o 496º.
Aí está a questão fulcral do debate, relativizar o valor do ser humano,
considerá-lo como um dano que pode ser eliminado sob as pretensões de
terceiros é negar as bases do Direito Civil moderno e a evolução do
mesmo.
Concluindo, o nascituro tem personalidade jurídica, sendo a sua
capacidade de gozo plena dependente do seu nascimento.
A querela do dano-morte
A morte de uma pessoa causa danos morais e patrimoniais. A morte
de uma pessoa provoca desde logo danos patrimoniais, nomeadamente:
▪ Danos emergentes – (tudo o que é faturável) despesas havidas para
tentar salvar a vítima, nomeadamente transporte, internamento hospitalar,
medicação, honorários do pessoal médico, etc. (art.º 495/1 e 2).
▪ Lucros cessantes – o falecido não poderá mais trabalhar, ou, no
caso dos fisicamente agredidos, não poder mais trabalhar, implica um
direito de indemnização pela perda da faculdade de trabalho.
A morte de uma pessoa provoca também danos morais (art.º 496).
No art.º 496/1, tratase de indemnizações iure proprio, ou seja, recebidas
pelos beneficiários por direito próprio e por o legislador, conquanto que
abstratamente, partir do princípio que estas pessoas são as que,
efetivamente sofrem ou mais sofrem com a morte da vítima.
O art.º 496/2 dá azos a exceções, já que refere “pais ou outros
ascendentes”.
A somar a estes danos, a doutrina entende que há outros, sentidos
pela própria vítima, e que não podem deixar de ser compensados (v.g. uma
vítima que agoniza conscientemente durante semanas). Note-se, que em

Faculdade de Direito de Lisboa – TGDC I – António Matos Página 22


caso de morte, o direito às respetivas indemnizações transmitem-se iure
hereditário, sendo que os herdeiros poderão coincidir, ou não, com as
pessoas enunciadas no art.º 495/2.
Antunes Varela e Oliveira Ascensão contestam que o direito à vida
possa ser indemnizável a favor do lesado, defendendo que:
→ Sendo que com a morte cessa a PJ, não se pode constituir um
direito em algo que já não existe.
→ O art.º 496 esgota o universo dos danos indemnizáveis e dos seus
beneficiários
→ O direito europeu não seria favorável ao dano-morte.
No entanto, MC contesta esta doutrina dizendo:
→ se a morte não é ressarcível, então a vida não é um direito
subjetivo (algo que representaria um enorme retrocesso na defesa da
dignidade humana alcançada nas últimas décadas).
→ O art.º 496 não esgota o universo a que se aplica, sendo
necessário o complemento com os art.º 70/1, 483/1 e 2024.
→ O direito europeu não versa sobre esta matéria, acrescentando-se
que as nossas indemnizações estão muito aquém das concedidas na restante
Europa.
MC, MP e GT, são favoráveis à existência de indemnizações devido
à violação do direito à vida, como também devido aos danos morais
sentidos pelo próprio lesado, sendo estas passadas por meio hereditário
(descendente ou ascendente). Argumentos:
→ Não faz sentido assegurar direitos e depois negar-lhes o regime;
se existe um direito à vida então há que dotá-lo da competente tutela
aquiliana, logicamente a favor do seu titular.
→ A atual responsabilidade civil tem funções retributivas e
preventivas; ora, tais funções perder-se-ão quando se admitam direitos que
desaparecem logo que violados.
→ A mera aplicação do art.º 496/2 conduz a resultados inaceitáveis
(e.g. o agente responsável deve indemnizar o lesado ferido, contudo, se o
conseguir matar, nada paga).

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→ As indemnizações arbitradas pelos nossos tribunais são totalmente
insatisfatórias, pelo que incentivar todos os mecanismos que possam ajudar
a corrigir tão injusta situação
Termo da Personalidade: A morte
Todos os seres vivos têm uma duração limitada. A morte, como
cessação da atividade das funções vitais, a todos chegará, a chamada
“morte natural”. De acordo com a Lei 141/99 de 28 de agosto, a morte
corresponde à cessação irreversível das funções do tronco cerebral., numa
verificação feita por um médico. Em casos de não presença do cadáver mas
de inexistência de dúvidas sobre a morte do indivíduo, requere-se a morte
declarada.
Nos termos do nº 2 do art. 68º, em situação que dependa da
sobrevivência de uma ou outra pessoa, e havendo incertezas na ordem das
mortes, presume-se que as duas pessoas faleceram ao mesmo tempo. Se o
cadáver de alguém não for encontrado e não seja possível provar a sua
morte a mesma é declarada se não houver circunstâncias que permitam
duvidar da morte da mesma, um assento de óbito. Se não, passa-se para a
ausência.
Com a morte, acaba a pessoa, acabam o centro de imputação de
normas jurídicas e, de uma forma nuclear e decisiva, a personalidade
jurídica. O morto não pode ser titular de direitos e obrigações, mors omnia
solvit.
Os efeitos da morte podem ser os seguintes:
 De Direito Público:
o Constatação, certificação e registo do óbito: A morte é
verificada por um médico (em grande parte dos casos) e
sujeita a inscrição obrigatória no registo civil no prazo de 48
horas;
o Aplicação de regras relativas à inumação e cremação;
o Efeitos administrativos e fiscais: Cessação de todas as relações
de Direito Público de que a pessoa era titular e notificação das
Finanças.
 De Direito Privado:
o Cessação da Personalidade Jurídica: Seja pelos direitos
perderem o objeto ou o sujeito. Normalmente, cessam também
as relações jurídicas (ex: familiares), porém, a regra geral é a

Faculdade de Direito de Lisboa – TGDC I – António Matos Página 24


passagem dos negócios jurídicos para os herdeiros, sendo os
regimes definidos pela lei;
o Extinção dos direitos de personalidade, pessoais e alguns
patrimoniais;
o Abertura da sucessão.
Na morte, fica o cadáver da pessoa, o conjunto de despojos
inanimados de um ser humano, que historicamente sempre foi alvo de
tratamento especial (especialmente dos achados arqueológicos). Denominá-
lo de pessoa ou coisa é errado, estando abrangido por uma tutela especial
post mortem.
O regime jurídico português tem normas específicas do cuidado do
próprio cadáver, do respeito ao mesmo, seu uso para fins científicos e
colheita de órgãos e tecidos, como o Decreto-Lei 411/98 de 30 de
dezembro e Decreto-Lei 274/99 de 22 de julho.
Os direitos de personalidade do morto têm ainda proteção após a
morte do mesmo, uma pós eficácia, como na defesa da sua dignidade
presente no art. 71º do CC., numa continuação post mortem da dignidade
humana.
Tem-se defendido teorias como:
 Teoria do direito sem sujeito: Certos direitos permaneceriam, só que
sem sujeito;
 Teoria da Capacidade Parcial: Com a morte continua uma certa
capacidade que comporta deveres, especialmente na tutela da
memória do falecido;
 Teoria da subjetividade complementadora ou sublimada: A
dignidade da pessoa projeta-se além da morte;
 Teoria processuais: A tutela post mortem advém da transferência de
posições de processo;
 Teoria do alargamento de preceitos paralelos: Recolher na lei os
preceitos onde a vontade do falecido produz efeitos e generalizar;
 Teorias negativistas: A tutela post mortem é, na realidade, uma tutela
dos interesses dos vivos, especialmente no que consta da memória do
falecido.
Como ponderar as consequências da violação dos direitos?:
 Teoria da sensibilidade do falecido: Determina-se a violação
procurando reconstituir o que o próprio falecido sentiria;

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 Teoria da sensibilidade dos familiares vivos: Apela ao atentado aos
sentimentos destes, mercê da ofensa feita ao falecido;
 Teoria da ofensa da memória in abstracto: Não estão propriamente
em causa direitos de personalidade do falecido mas o respeito pela
sua memória, que é ameaçada por ameaças aos seus “direitos”
(Ascensão);
 Teoria da ofensa da memória in concreto: Aceita a ideia do respeito
à memória dos mortos, sendo as quebras da mesma sentidas pelos
familiares. É o respeito da memória tal como a mesma é sentida
pelos familiares
Na natureza da tutela e contradição dos art. 68º e 71º, surgem:
 Teoria do prolongamento da personalidade (Pires de Lima): A
personalidade não cessa totalmente com a morte, sendo
“empurrada”;
 Teoria da memória do falecido como bem autónomo (Ascenção):
Personalidade cessa, sendo a tutela referente a outro bem, a
memória;
 Teoria do direito dos vivos (Mota Pinto): A tutela visa a proteção das
pessoas nomeadas no 71º/2 afetadas por atos ofensivos ao morto.
Domicílio
O domicílio é a sede jurídica da pessoa, um espaço geográfico onde a
mesma fixa a sua vida e são relevantes para o Direito. O mesmo tem
importância para a concretização de variados atos jurídicos (82º-88º).
Para estabelecer o domicílio, o Direito Português toma em conta as
situações de domicílio, residência e paradeiro, sendo necessária a distinção
entre residência permanente, habitual, alternativa e ocasional.
O domicílio geral releva para uma pluralidade de situações jurídicas,
enquanto que o especial releva para situações jurídicas específicas.
O Direito dá liberdade às pessoas de fixarem o seu domicílio
(voluntário):
 Domicílio geral: A residência habitual (e/ou permanente) da pessoa
ou em qualquer das residências em que a pessoa alterna (se houver
predominância de uma, será essa- M.C.).
o Na falta de residência habitual, considera-se o domicílio a
residência ocasional ou mesmo o lugar onde a pessoa se
encontra;

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 Domicílio profissional (especial): O lugar onde a profissão é
exercida, imposto pela lei mas voluntário na medida em que o
exercício ou não de uma profissão e, por consequência, o seu lugar, é
livre;
 Domicílio eletivo (especial): Domicílio convencional que as partes
fixam para o efeito de determinados negócios.
A lei, em certos casos, fixa o domicílio (legal):
 Domicílio legal dos menores: O domicílio do menor é o lugar de
residência da família, com especificações (85º CC);
 Domicílio legal dos maiores acompanhados: Determinado da mesma
forma que a dos menores, ou no do respetivo acompanhante ou
noutro sítio especificado pelo tribunal;
 Domicílio legal dos empregados públicos: Os empregados públicos
cujas funções incidem num determinado lugar têm domicílio no
mesmo, dependendo das funções. Pode coincidir com o domicílio
profissional;
 Domicílio legal dos agentes diplomáticos portugueses: Lisboa
(ministério do negócios estrangeiros), quando no exercício de
funções no exterior.
Ausência
A ausência tem peso especial em Portugal, terra de emigração e de
navegações pelo desconhecido. A ausência acontece quando alguém não
está onde seria de esperar vê-la, sendo necessárias providências para os
seus bens e para a defesa dos seus interesses e os dos seus herdeiros e
ordem pública. Assim, alguém que foi realizar uma expedição para o Ártico
e está há três meses sem dar notícias não está ausente, mas uma pessoal
pontual deixar de aparecer onde seria expectável encontrá-la está ausente.
Notável é o nº3 do artigo 68º, que tem-se por falecida a pessoa que,
mesmo não sendo encontrado o cadáver ou reconhecido, as circunstâncias
não permitam duvidar da morte da mesma. Não havendo lugar a este
instituto.
Note-se que os seguintes institutos são gradativos mas não
sequenciais, podendo um ser imposto sem a presença do outro.
Outra nota importante é que não há ausência quando não existe
património a administrar ou quando existe representante legal ou
procurador.

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JAV acredita que quaisquer contratos caducam com a ausência.
Dívidas serão pagas através do património do ausente, situações jurídicas
passivas até ao limite do património.
Curadoria Provisória (89º-98º)
Pode ser nomeado para a administração de bens de alguém que
desapareceu sem dar notícias ou que não tenha deixado representante legal
ou procurador um curador (em certos negócios, um curador especial,
especialmente para defender interesses do ausente em caso de fraude da
mesma face ao atual procurador). (89º)
Pode ser requerida pelo MP ou qualquer interessado, sendo o curador
o conjugue, algum dos herdeiros presumidos ou algum dos interessados na
conservação dos bens. (91º e 92º)
O interesse dominante na curadoria provisória é a do ausente, o qual
se espera o retorno, sendo obrigatória a entrega de uma caução pelo
curador.
Cabe ao curador administrar os bens do ausente de acordo com os
interesses do mesmo, prestando contas perante o tribunal e sendo muitas
ações dependentes de autorização do MP.
O curador é remunerado com 10% da receita líquida que realizar.
Não havendo receita, e em outras disposições da administração de bens, o
curador fica sujeito ao instituto do mandato (1157º e segs).
A curadoria cessa nos termos do 98º. Note-se que a notícia da
existência do ausente não basta para afastar a curadoria, devendo o mesmo
pronunciar-se acerca da administração dos seus bens. Se este não se
pronunciar mas saber-se da existência do mesmo, prolonga-se a curadoria
provisória, visto não haver justificação da ausência para a curadoria
definitiva (Ascensão).
Curadoria Definitiva (99º-113º)
Decorridos dois anos sem se saber do ausente, ou cinco se este deixar
representante ou procurador, pode o tribunal decidir uma “justificação da
ausência”. É um regime mais rígido em todas as suas facetas.
Pode ser requerida pelos interessados nomeados no artigo 100º.
Neste instituto, o interesse dominante continua a ser o do ausente.
Porém, a expectativa do seu retorno é menor e começa a serem preparados

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os processos decorrentes da morte, sendo prosseguidos os interesses dos
sucessíveis com a abertura provisória da sucessão do ausente.
Os bens do ausente são entregues aos herdeiros à data das últimas
notícias e/ou referidos em testamento, se houver. Podem aparecer novos
interessados legítimos, sendo a partilha corrigida. Os curadores definitivos
não são proprietários dos bens.
A caução pode ser exigida, sendo aplicado aos novos curadores os
direitos e obrigações do 94º.
Sobre rendimentos, os curadores dispõem da totalidade dos mesmos,
sendo necessária a reserva de 1/3 dos mesmos para o ausente.
A curadoria cessa nos termos do artigo 112º.
Morte Presumida (114º-119º)
Decorridos 10 anos das últimas notícias, 5 se, entretanto, o ausente
tiver completado 80 anos de idade e nunca antes de decorridos 5 anos após
o ausente, se fosse vivo, completasse a maioridade.
A declaração produz os mesmos efeitos do que a morte, salvo no
casamento. Aqui, o Direito assume como improvável que o ausente volte,
entregando definitivamente os bens aos seus herdeiros nos termos do 101º e
sem caução. Os sucessores passam a ser, portanto, proprietários dos bens.
O instituto, ao contrário dos anteriores, não necessita de bens que carecem
de administração para ser declarado.
A morte produz efeitos recorrendo à data das últimas notícias do
ausente (de acordo com o STJ). Se, no entanto, for provado que a data
ocorreu em data diversa, deverá o mapa de sucessão ser redesenhado.
Se o conjugue do ausente contrair novo casamento, o antigo é
dissolvido por divórcio à data da declaração da morte presumida, sendo o
cônjuge, para todos os efeitos, tratado como viúvo. Não há, portanto,
bigamia.
Retorno do Ausente
Se o ausente regressar ou se dele houver notícias, os seus bens serão
devolvidos no estado em que estão ou os adquiridos em troca dos bens do
ausente (119º).
Deve o ausente ser indemnizado se houver má-fé dos sucessores.

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Os direitos que pressupõem a existência do ausente passam às
pessoas que seriam seus titulares caso o mesmo fosse falecido
A Pessoa Coletiva
Se a pessoa singular é a tradução técnico-jurídica do ser humano, a
pessoa coletiva é tudo o que não possa ser reconduzido a um ser humano.
As pessoas, naturalmente, agregam-se para a prossecução de fins comuns.
Ascensão afirma que a pessoa coletiva é a única designação que permite
agrupar, prosseguir e continuar interesses humanos que não encontram
suficiente suporte na pessoa física.
Porém, o conceito de personalidade jurídica ou esteve indefinido, ou
foi alvo de teorias de definição ao longo do seu desenvolvimento, sendo
mais recentemente definida como um determinado regime a aplicar aos
seres humanos implicados. Porém, sendo uma pessoa o centro de
imputação de normas jurídicas, capaz de ser titular de direitos e deveres e
de agir conscientemente sobre os mesmos, a pessoa coletiva será o centro
de imputação de normas jurídicas a algo não-humano. Ou seja,
organizações constituídas por uma coletividade de pessoas ou por uma
massa de bens dirigidos à realização de interesses comuns ou coletivos, às
quais a ordem jurídica atribui personalidade jurídica.
O Prof. Paulo Cunha faz ainda a distinção das pessoas coletivas
rudimentares, a quem a lei recusa direitos civis mas admite a titularidade de
direitos processuais, de ver o campo das normas de que é imputada limitada
pela lei, podendo ser definida, depois, como personalidade judiciária,
económica, laboral ou tributária. Quando o modo coletivo de regulação da
norma, afeta ao “ente coletivo” atinja toda a entidade considerada, falar-se-
á de pessoa coletiva, atingindo parte da entidade, falamos de pessoa
rudimentar.
A personalidade coletiva concentra-se, na doutrina portuguesa, na
teoria do realismo analógico, onde a mesma é o reconhecimento de uma
realidade social, dotada de um substrato, autónoma da personalidade
singular, com papel e individualidade diferente. Mesmo sendo inferior à
personalidade singular, carecendo da dignidade inerente à pessoa humana,
não se deve ignorar a origem humana da pessoa coletiva, e a subsequente
atribuição da personalidade pelo Direito. Falta às pessoas coletivas quase
tudo o que as pessoas humanas têm de importante. Autores como
Ascensão, mesmo assim, afirmam que as PC são modeladas pelo seu
reconhecimento jurídico, pelo que carecem do mesmo para a personalidade.

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Podemos separar as pessoas coletivas em:
 Pessoas coletivas públicas (de povo ou território, institucional e
associativas, como as ordens profissionais) ou privadas (corporações
e fundações), divididas pelas seguintes teorias:
o Teoria do interesse prosseguido: as pessoas coletivas públicas
interessam por prosseguir interesses públicos, por exemplo.
Mas o que é o interesse público?;
o Teoria da titularidade de poderes de autoridade: pessoas
coletivas públicas têm ius imperii, podendo praticar atos de
autoridade. Mas existem pessoas coletivas públicas que agem
no âmbito do Direito Privado?;
o Teoria da integração: pessoas coletivas públicas integram-se
na organização do Estado. Mas, após nacionalizações, não há
pessoas coletivas na organização do Estado que trazem
insatisfação científica?;
o Teoria da iniciativa: as pessoas coletivas públicas são criadas
pelo Estado. Mas não cria o Estado sociedades anónimas e/ou
que passam para domínio privado?;
o Teoria do regime: as pessoas coletivas submetem-se ao regime
do Direito Público. Porém, não existem situações híbridas e
entes públicos no foro comum?;
o Teoria agnóstica: É impossível distinguir, lmao.
 Pessoas coletivas de utilidade pública, que prosseguem fins de
interesse público, mesmo sendo privadas (ex: turística e desportiva
ou solidariedade social);
 Nacionais, estrangeiras, internacionais e comunitárias, o que tem em
conta a sede da mesma;
 Associativas (substrato é a agremiação de pessoas que juntam
esforços para um objetivo comum, exemplo são as associações civis)
ou fundacionais (substrato patrimonial);
 Com fins desinteressados (interesses sociais ou alheios) ou
interessados (ideais/não-económicos, na medida em que os
fundadores beneficiam da atividade mas não por razões económicas
ou económicos, de obtenção de vantagens patrimoniais, lucrativo ou
não). Numa PC associativa, fins lucrativos fazem-na uma sociedade
e a falta dos mesmos uma associação civil. (distinção um pouco
ultrapassada) (pg 160 PPV);
 PC comuns e especiais, regendo-se a mesma pelo regime genérico ou
se inclui normas diferenciadas, como legislação.

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O Substrato
A personalidade coletiva é atribuída pelo Direito perante a presença
do respetivo substrato, a realidade social que suporta a personalização,
definido por Ascensão como a conjugação dos meios pessoais e/ou reais
necessários e do mínimo de organização necessário para o funcionamento.
É o substrato que lhe dá existência no mundo exterior Sendo de vários
tipos:
 Elemento Pessoal (pessoas): A coletividade de indivíduos que se
agrupam para a realização de uma finalidade comum. Nas várias PCs
pode este substrato ser mais relevante ou não (nas fundações é o
elemento pessoal do fundador, nas associações e sociedades o papel
dos membros é relevante).
 Elemento Patrimonial (bens): As pessoas coletivas carecem de meios
para a prossecução dos seus fins, visto não adquirirem bens sozinhas
na sua constituição. Assim, é o complexo de bens que o fundador e
membros afetam à consecução do fim.
 Elemento teleológico (fins): Os fins da pessoa coletiva, os fins
sociais, não lucrativos ou lucrativos. O objetivo que desencadeia a
ação do agente e está imanente na sua ação. O âmbito da atividade e
objeto social proposto para atingir esse mesmo fim. Estão proibidos
atos ultra vires
 Elemento organizacional: Denominação, sede e forma de
funcionamento
Tipologia de Pessoas Coletivas e Privadas
Fala-se em tipicidade de pessoas coletivas para designar a sua
obediência a uma das formas previstas na lei para praticar os seus atos.
A trilogia clássica de pessoas coletivas privadas consiste na
associação, que dá corpo à liberdade de associação civil e a manifestação
da mesma, fundação, no sentido da entrega em vida ou em morte do
interessado de património e sociedade civil, que são o produto da
celebração de contratos de sociedade. Existem outros tipos, como a
sociedade comercial e cooperativa
Principio de tipicidade de pessoas coletivas, com liberdade
contratual. Mas não se pode estabelecer PC nos casos fora da lei. Logo, há
um numero fechado de PC.

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A liberdade de associação, fonte das pessoas coletivas, está presente
nos artigos 46º, 41º, 43º, 51º, 55º, 61º nº2 etc da CRP.
Os elementos essenciais são aqueles cuja presença é necessária para
o surgimento de uma PC, sendo estes:
 Ato constitutivo: Declaração de vontade da criação de uma PC.
Seguindo o artigo 158º e 280º do CC, deve o ato ser físico e legal.
Em certas PC, o ato constitutivo obedece à liberdade de forma dos
contratos.
o Teoria da norma: Vê o ato constitutivo como fonte autónoma
o Teoria do contrato: Vê o ato constitutivo como contrato de
constituição, sendo esta a predominante na lei, especialmente
na designação do ato em si.
o Ato coletivo: Vê a constituição como ato coletivo, devido às
vontades paralelas subjacentes à PC
o Deve conter elementos circunstanciais à fundação da PC
 Estatutos: Documento que regula as características da pessoa civil
criada (podem os estatutos e ato constitutivo estar sujeitos a escritura
pública)
o Deve conter (167º CC) as regras que regem a PC, a relação
com os associados, a destes entre si e com terceiros.
o Os bens ou serviços participados pelos sócios
o Denominação (omitido da lei mas necessário)
o Sede
o Fim
o Forma de funcionamento
o Duração, podendo ser indeterminada
o Direitos e deveres dos associados
o Condições de admissão, saída e expulsão
o Termos da extinção da PC
A não-presença destes aspetos determina a nulidade da PC nos
termos do 158º-A e 280º e 286º.
 Órgãos: Estruturas presentes nos estatutos e que permitem a
autodeterminação da PC, seguindo os princípios de separação de
poderes, de colegialidade, de livre aceitação e de responsabilidade,
agindo os mesmos como parte orgânica e como representação
(evolução histórica e divergência doutrinaria) da PC. Os órgãos não
agem em representação da PC mas como a própria PC. São, portanto,

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centros institucionalizados de poderes funcionais a exercer por um
indivíduo ou colégio com o objetivo de exprimir a vontade
juridicamente imputável à pessoa coletiva, numa relação de
“mandato”. Podem ser deliberativos, executivos e fiscalizadores.
o Administração: órgão colegial que tem o poder de dirigir os
assuntos próprios da PC, tomando as decisões e orientando a
atividade de forma a prosseguir os objetivos da mesma, com
poder de gestão e representação;
o Conselho Fiscal: Órgão de fiscalização de contas cujo estatuto
constitui lacuna na lei, devendo a mesma ser colmatada pelo
Código das Sociedades Comerciais
o Órgão deliberativo: Forma a vontade funcional da pessoa
Coletiva
Capacidade e Responsabilidade
Enquanto que a capacidade de gozo das pessoas singulares é
entendida como plena (como afirma ASCENÇÃO e MC, ao contrário das
doutrinas de AV e CF) (excetuando claramente as que requerem o “ser”
humano), limitada pela natureza das coisas, o exercício das pessoas
coletivas é limitada pelo princípio da especialidade: A mesma só abrange
todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes para a
prossecução dos seus fins. (160º CC) Este preceito amplo pode até
impossibilitar a limitação dos atos de uma PC.
Assim, por exemplo, uma Pc não tem direitos de personalidade, na
medida em que os mesmos são inseparáveis da pessoa humana. No entanto,
pode ser titular de direitos fundamentais relevantes à sua natureza, como o
direito ao nome (discutível) .
As pessoas coletivas, por não serem humanas, carecem de vontade
autónoma livre, levando alguns autores a designar as mesmas como
incapazes, servindo os órgãos e seus titulares como representação. Tal
afirmou durante muito tempo a doutrina. Como dito sobre os órgãos, hoje
entende-se que os mesmos atuam como parte orgânica da PC, exprimindo a
sua vontade por representação orgânica, e não voluntária ou legal. A
vontade dos órgãos é a vontade da PC
De facto, retirar eficácia a todos os atos cometidos pela PC que não
estivessem explicitamente exposta nos seus fins ou diretamente conectada
com os mesmos seria mergulhar na insegurança jurídica e impediria a
unidade do sistema.

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As limitações podem ser:
 Ditadas pela natureza das coisas: Como a vedação de direitos e
obrigações inseparáveis da pessoa singular
 Limitações legais: Proibição legal .
 Limitações Estatutárias: Meras regras de conduta internas, visto que
os estatutos não podem limitar a capacidade da PC.
 Limitações deliberativas: Limitações à prática impostas pela PC por
deliberações internas
Podemos considerar que a doutrina portuguesa trata, nas pessoas
coletivas, da junção dos termos de capacidade de gozo e de exercício como
apenas de “capacidade”.
Mesmo assim, em certos casos, pode a PJ da PC ser “levantada” em
certos processos individuais, especialmente naqueles em que um agente
age, como parte do órgão de uma PC, age em abuso de direito, nos termos
do 334º CC., devendo ser subsidiário.
Constando dos artigos 165º 998º 500º e 800º do CC, a atribuição de
responsabilidade à PC foi alvo de desenvolvimento ao longo dos anos,
passando pela atribuição de responsabilidade contratual e, depois, delitual.
Através da responsabilidade do comitente, as PC são responsáveis
pelos atos dos seus representantes, agentes ou mandatários mesmo sem
culpa, visto que a mesma age sob a figura dos mesmos, desde que seja um
ato funcional, praticado no exercício das funções. Assim, a PC não
responde se o presidente da direção se envolver numa rixa num bar. Não
ignoremos, mesmo assim, casos de levantamento da personalidade para
imputação de atos cometidos pelos titulares dos órgãos da PC.
Como entes dotados de personalidade jurídica, as pessoas coletivas
são análogas às pessoas singulares. O seu agir existe no âmbito da
autonomia privada e tem como inerente a responsabilidade, sendo que, as
pessoas coletivas são responsáveis pelos seus atos e pelas consequências do
seu agir. Assim, a PC cria a sua autonomia e vontade pelos seus órgãos.
A própria essência da representação não permitiria que fossem
imputados às pessoas coletivas os atos ilícitos praticados pelos seus
representantes. Eles seriam juridicamente imputáveis aos representantes
que os praticassem.
Segundo PPV, esta construção, embora conceptualmente correta,
pelo menos aparentemente, seria praticamente inadequada e acarretaria

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injustiças, deixando os terceiros vítimas dos danos. Sendo que se
responsabilizaria os titulares dos órgãos das pessoas coletivas, cujo
património poderia ser insuficiente para a indemnização e deixaria intacta a
pessoa coletiva, não obstante ser beneficiária do ilícito danoso.
Manuel de Andrade conclui que a exclusão da responsabilidade
contratual das pessoas coletivas deveria traduzir-se, aliás, num privilégio
injustificável.
Assim, PPV critica dizendo que: sendo hoje as pessoas coletivas os
principais agentes da vida económica, a concentração da responsabilidade
nos titulares dos órgãos das pessoas coletivas, inerentes à responsabilização
da pessoa coletiva propriamente dita, iria resultar numa terrível perturbação
da economia, já que ninguém lhe concederia crédito superior à dimensão
dos patrimónios pessoais dos titulares dos seus órgãos. A solução, além de
ser eticamente injusta seria também praticamente nociva.
Tal torna-se importante especialmente em casos de autonomia
patrimonial perfeita, onde o património autónomo é o que responde por
certas dívidas.
De notar ainda que a linguagem genérica da capacidade da pessoa
coletiva não a nega certos direitos de personalidade, como o direito ao
nome.
Concluindo, em princípio, os atos ultra vires são nulos. Porém, a
dificuldade na sua identificação é tanta que se questiona a sua existência.
Aquisição de Personalidade
A evolução histórica da aquisição de personalidade coletiva passou
por:
 Advir de outorga do Estado: Ato legislativo de especial solenidade,
sem Direito comum aplicável
 Provir de concessão estadual: Atribuição da PC continuava a
requerer uma mudança do ordenamento jurídico
 Resultar de reconhecimento individual: Ato administrativo
individualizado (158º)
 Emergir de reconhecimento automático ou normativo: verificadas
certas circunstâncias, há personalidade (sociedades comerciais)
 Derivar das próprias partes interessadas: Vem da mercê da simples
atuação dos interessados.

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Os comportamentos seguidos dependem do tipo de PC em causa,
uma ordem profissional ainda requer reconhecimento individual e estatal.
Assim, o reconhecimento consiste no elemento de Direito
transformador de uma organização ou ente de facto num ente ou pessoa
jurídica, o elemento formal da personalidade.
Portanto, o ato de constituição pode ter várias formas, desde escritura
pública até um mero negócio jurídico.
As Associações
Jurisprudência alemã define como conjunto corporacional
organizado e duradouro de um certo número de pessoas, que prossigam um
fim comum.
A associação é o tipo paradigmático de pessoa coletiva, de conjunto
de mais de duas pessoas numa PC dotada de Assembleia Geral,
Adminsitração e Conselho Fiscal.
A associação, mesmo que prossiga atividades lucrativas para agir
conforme os seus objetivos, não pode ter o mesmo como seu fim. A ajuda
de associados ou de terceiros com os rendimentos da associação não é
considerada lucro.
A constituição de uma associação deve ser feita através de escritura
pública, mencionando os bens e serviços que os sócios concorrem para
património social, denominação, sede, fim, forma de funcionamento, e
duração (só necessária quando não for por tempo indeterminado). A lei não
prevê um número mínimo de associados (discutível, 182º/1/d) -> 1007º/d))
Estatutos devem mencionar os direitos e obrigações dos sócios,
condições de admissão, saída e exclusão e termos de extinção.
Existe a possibilidade da combinação do ato constitutivo e estatutos
num só documento.
Portanto, a personalidade adquire-se através da escritura, sendo a sua
publicação o pretexto do conhecimento. Deve o notário zelar pela
legalidade de todo o processo de constituição.
A invalidade e apreciação de vícios conforme o artigo 158º-A deve
ter em conta o artigo 292º.
As tomadas de decisões são feitas através de deliberações sociais,
atos jurídicos não negociais que formam a vontade funcional da associação,

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com natureza plural no que concerne o órgão e seus membros e natureza
unitária na perspetiva da associação. As deliberações seguem o princípio
maioritário aquando da sua votação.
Estatutos contrários à lei = nulo
Deliberações que violam a lei ou estatutos = anulável
Podem ser extinguidas nos termos do art. 182º CC, conectado da
extinção de todo ou parte do substrato
A fusão de associações é um tema controverso, mas podemos admitir
que a mesma vem por forma de alterações de estatutos.
Extinta a associação, segue-se o 166º e 183º e 184º relativos à
entrega dos bens, num processo complexo que pode demorar anos onde os
órgãos continuam em gestão.
Existem, ainda, associações com regimes especiais, como partidos
políticos, associações de pais e de família, associações de estudantes,
associações de defesa do consumidor e ambiente, associações católicas,
instituições de solidariedade social, associações de mulheres, associações
laborais, associações desportivas
Os Associados
Não obstante os direitos e deveres poderem estar referidos e
limitados nos estatutos, a doutrina e jurisprudência desenvolveu direitos e
obrigações típicos, como:
 Direitos: inerentes ao status de associado, direitos associativos
o Direitos Participativos: participar na AG, votar, solicitar
informações, de aceder às instalações e ser eleito
o Direitos de desfruto de benefícios associativos: Dependem do
caso, como uso de vantagens internas (usar um campo de golfe
ou ter descontos) ou exteriores (participar em listas de
deputados ou ir a eventos reservados a associados)
o Direitos honoríficos e designativos: Direito de usar o título ou
designação de associado.
 Obrigações:
o Obrigações contributivas: contribuições de adesão ou pertença
à associação
o Obrigações participativas: Devem os sócios participar nas
atividades correntes

Faculdade de Direito de Lisboa – TGDC I – António Matos Página 38


o Deveres acessórios: Decorrentes da boa fé, de não prejudicar a
imagem da associação e de ser leal
Toda esta matéria não está marcada pelo princípio da igualdade,
visto o mesmo exercer-se contra o Estado, podendo os privados assumir
posições de preferência exceto se forem de caráter público. Mais ainda, esta
não pode agir em arbítrio.
Pode a associação deliberar, também, sobre a forma de sanção e
eventual expulsão de um associado, seja em AG ou Conselho Disciplinar.
Assembleia-Geral
Órgão deliberativo por excelência a quem cabe a formação da
vontade interna da associação através da reunião dos associados.
Assim:
 Elege e destitui titulares de órgãos da associação;
 Aprovação do balanço;
 Alteração dos estatutos;
 Extinção da associação;
 Outras funções não-reservadas a outros órgãos.
 Outras funções não atribuídas a outros órgãos
Os estatutos regulam a convocação da assembleia, devendo haver
pelo menos uma convocação anual, pelos associados ou associação. A
convocação deve ser feita por via postal.
As decisões são tomadas por maioria absoluta dos presentes, sendo
outros limites impostos pela lei ou estatutos. No entanto, não pode o
associado ou seu representante votar em situações de conflito de interesses
(176º/1).
Em todos os órgãos colegiais e assembliais (eu ns mano), há quórum
constitutivo e deliberativo (quantos votos são necessários, em regra é a
maioria absoluta dos presentes, ¾ dos presentes para alteração dos
estatutos, art) (175º). Em segunda convocação pode haver menos de
metade dos associados. Não presença do quórum constitutivo implica a
anulabilidade (177º). Têm de ter em atenção vícios procedimentais
(como quorums) e substantivos (conteúdo das deliberações).
Decisões tomadas com certos vícios são anuláveis, porem, podemos
admitir o regime de nulidade para evitar a convalidação da deliberação
ou se for ofensivo aos bons costumes ou ordem pública.

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Direção/ Órgão de administração
Cabe-lhe a administração e direção da PC, representando-a também.
Podem não ser eleitos em AG, mas têm de ser destituídos na mesma
Conselho Fiscal
Órgão que procede à fiscalização das contas da associação.
As Fundações
Correspondem à institucionalização de fins humanos, a cuja
prossecução é afeta uma massa de bens. O seu substrato não tem caráter
corporativo, mas é afeto a uma massa de bens e um fim institucional.
Pode ainda ser definida como a institucionalização de fins humanos
para cuja prossecução é personalizada uma organização dotada dos bens e
do suporte económico necessários. A lei afirma que a mesma deve ser de
“interesse social”, que beneficiem, categorias distintas do fundador e de
pessoas a ele diretamente relacionadas. Mesmo assim, a própria fundação
pode escolher o elemento do substrato com maior preponderância.
PPV afirma que o elemento teleológico é o dominante, mesmo em
fundações afetas a preservação de bens.
MC define as fundações tendo em conta o substrato patrimonial,
como uma massa de bens afetos a fins humanos institucionalizados.
O regime das mesmas encontra-se na parte geral do CC e na Lei-
Quadro das Fundações.
Podem ser:
 Fundações Privadas: criadas por pessoas de Direito privado;
 Fundações públicas e de Direito Público: Criadas por pessoas
coletivas publicas;
 Fundações públicas de Direito Privado: Criadas por pessoas coletivas
públicas e pessoas de Direito Privado, desde que estas não tenham
influência dominante.
As fundações são instituídas, negócio jurídico unilateral, inter vivos
ou mortis causa (por testamento, 2204º CC) de resto seguindo a forma das
doações (947º) e sucessões (2204º). Depois, segue-se a elaboração dos
estatutos da mesma. Devendo o ato de constituição nomear o fim e os bens
de que é dotada. Deve a fundação ser reconhecida por ato administrativo,

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podendo ser recusada. Após a constituição, os bens são autonomizados do
fundador.
Devem os estatutos definir a sede, organização e funcionamento,
quando não for claro é nulo conforme o 280º.
Na sua estrutura orgânica, as fundações não têm AG, deve o órgão de
administração formar a vontade funcional da mesma. A fundação pode
instituir, pelos seus estatutos, outros órgãos.
Pelas dívidas das fundações responde o seu património.
Os estatutos podem ser alterados desde que não contrariem a vontade
do fundador e não alterem o fim essencial, podendo a entidade
administrativa expandir ou até mudar os fins da fundação nos termos do
artigo 190º. Os encargos podem ainda ser reduzidos, caso dificultem o
prosseguimento do fim, pela entidade administrativa.
As Sociedades Civis
Reguladas pelos art. 980º a 1021º do CC, as mesmas são tratadas
como um contrato, onde partes contribuem com bens para a prossecução de
atividades com vista à repartição do lucro. Existem vários tipos, como a
sociedade comercial e anónima.
A forma de contrato é livre, sendo as partes limitadas pela lei, boa fé
e usura (280º e 281º CC).
O regime remete para a compropriedade (1407º nº1 CC). A
distribuição do lucro é feita conforme as entradas na sociedade. As dívidas
são subsidiárias em relação à sociedade mas solidárias em relação aos
sócios. Restantes especificidades estão contidas no código, como a morte
de um sócio, dissolução da SC, etc.
Da personificação das SC (as sociedades comerciais têm PJ), há
quem afirme que o facto de esta responder por factos ilícitos e ser sujeito
autónomo de situações jurídicas, esta tem personalidade jurídica. Por
contrário (Pires de Lima, Mota Pinto, este destacando que, mesmo assim,
têm personalidade judiciária), há quem afirme que o facto da lei ter de
regimentar a mesma e a dúvida sobre a personalidade de sociedades
instantâneas e efémeras retiram a personalidade jurídica à SC.
JAV afirma que devemos aplicar por analogia o art. 157º e 167º,
havendo os mesmos requisitos e efeitos (autonomia patrimonial perfeita),
tal como afirma MC.

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Ao contrário de outros sistemas jurídicos, o Direito português admite
a PJ mesmo sem autonomia patrimonial perfeita. ASCENÇÃO e CASTRO
MENDES afirmam que a personalidade vem da realidade substancial da
empresa, se esta aparece como titular autossuficiente das situações
implicadas. Assim, e conforme CASTRO MENDES, a personalidade da
sociedade dependeria do ato solene de constituição através de escritura
pública no RNPC com o mesmo procedimento que as sociedades, como
defende MC e JAV. Se não, trata-se de uma sociedade sem personalidade.
Assim, MC adota a perspetiva de Paulo Cunha, pelo que o Direito
reconhece um sujeito autónoma oponível erga omnes. Como tal, requer
regime próprio, especialmente de publicidade. Portanto, aplicando o CC,
CSC e RNPC, a SC terão PJ quando sujeitas a escritura pública conforme o
artigo 157º.
A distinção sobre sociedades é importante, visto o regime da
personalidade, ou falta dela, é diferente. As Sociedades Civis
personificadas são sujeitos imputáveis de Direito, sendo alvo de
patricipações, direitos e bens enquanto que as não personificadas vêm os
atos e situações jurídicas imputáveis a eles próprios, numa relação de mero
contrato e comunhão de bens. Com PJ: 980º e ss. E 157º por analogia. Sem
PJ: 980º e ss. E 195º (exceto nº3 e 198º) e ss. Por analogia.
Associações sem Personalidade Jurídica e Comissões
Especiais
Organizam as associações que não cumprem os requisitos do artigo
158º e 167º CC não personificadas. A organização é deixada à autonomia
privada ou, na falta da mesma, ao regime das associações excetuando as
normas que pressupõem PJ, campo de difícil determinação.
Há, ainda, um fundo comum com natureza de comunhão. Este tem
uma certa autonomia patrimonial, seguindo as regras da comunhão.
A grande diferença entre asp e associações com PJ vem pela
responsabilização, no primeiro caso, dos associados. A semelhança de
regimes leva a alguns crer que a asp tem personalidade jurídica, mas apenas
não é reconhecida como pessoa coletiva.
As comissões tratam de um grupo de pessoas que se incumbe, de
uma certa tarefa, de prossecução de um certo fim, a quem é cometida a
realização de algo, de um fim lícito e alturista. Não surgindo com PJ, são
pessoas rudimentares.

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No que respeita ao regime patrimonial das comissões especiais, a lei
não admite a constituição de um fundo comum com alguma autonomia
patrimonial, pelo que oss membros da comissão e as pessoas encarregadas
de administrar os fundos recolhidos são pessoal e solidariamente
responsáveis pela sua conservação e pela sua afetação ao fim visado, e
ainda pelas dívidas contraídas em nome da comissão.
Só quando não se cumpre o fim para que foi constituída a comissão,
poderão os respetivos fundos ser restituídos aos subscritores. Se os fundos
se revelarem insuficientes para o sentido em vista, se este fim se revelar
impossível ou se restar algum saldo depois da sua realização, os fundos
recolhidos terão o destino que tiver sido previamente previsto. Caso nada
tenha sido previsto, poderão ser utilizados com um fim enólogo ou poderão
ainda ser afetados pela autoridade administrativa a um outro fim que
respeite, tanto quanto possível, a intenção dos subscritores que para ele
tenham contribuído
As Coisas e Bens
Os bens são os meios, são tudo aquilo que não seja pessoa e que tiver
uma utilidade, isto é, que for apto a satisfazer uma necessidade, a realizar
uma apetência ou a alcançar um fim. Ou, como o CC nos diz, tudo o que
pode ser objeto de relações jurídicas. A sua escassez faz com que o Direito
tenha de agir na resolução de litígios.
Outra definição de Gomes da Silva afirma que devem ser entendidos
como bens os meios extrajurídicos, físicos ou intelectuais, que sejam hábeis
para realizar os objetivos, ou seja, tudo o que sirva para o Homem atingir
qualquer fim de forma juridicamente idónea.
Bem e coisa não são o mesmo, podendo os dois ser objeto de
relações jurídicas. Assim, uma coisa é uma modalidade de bem. A
definição legislativa deixa muito a desejar portanto, não seguindo a
tradição romana e usando uma definição circular de conceitos que carecem
de claridade.
Oliveira Ascensão define coisa como realidade exterior ao Homem e
dele independente na sua subsistência que tenha utilidade,(Só é coisa o que
é bem, logo, o que pode ser usado licitamente para fins humanos)
individualidade (Refletida na aptidão de satisfazer, individualmente,
necessidades) e seja suscetível de apropriação ( afetado pelo Direito à
realização de fins de pessoas individualmente consideradas. Logo, o Sol
não pode ser coisa). Uma parte da coisa pode ser coisa se pode ser

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individualmente útil (farol de um carro). Ascensão destaca o caráter pré-
legal da coisa, condenando a fórmula normativa de definição circular.
Mota Pinto define como os bens, ou os entes, de caráter estático,
desprovidos de personalidade e não integradores do conteúdo necessário
desta, suscetíveis de constituirem objeto de relações jurídicas.
JAV define como porção delimitada de realidade, ou seja, tudo
aquilo que, tendo existência objetiva, não faz parte da pessoa, sendo
exterior a ela. Também define como toda a porção delimitada de realidade
material ou intelectual exterior à pessoa humana.
O nosso CC segue o código civil alemão pela sistemática
pandectística e pelo recurso a “coisa” e não a “bens”. Conecta-se com o
código napoleão e o conceito amplo de res de Gaio adotada pelo Código de
Seabra.
O legislador usa, ao mesmo tempo, o termo coisa (mais usado na
doutrina lusitana, vindo do res romano) e bens/bona. Nestes termos, um
bem assume uma capacidade de satisfazer necessidades humanas, sendo a
sua utilização mais comum aquando de coisas imateriais, como os bens de
personalidade. Porém, é difícil enquadrar bens como a integridade física no
conceito de utilidade, eminentemente económico.
De acordo com MC, a coisa, não sendo pessoa, não se pode
enquadrar em limitações que ignoram a realidade subjacente (como os que
afirmam que são coisas o que é economicamente viável) ou que não
atentam à evolução do Direito e lei. Como tal, MC define coisa como toda
a realidade figurativamente delimitada a que o Direito dispense um estatuto
historicamente determinado para os seres inanimados. Refletem o mundo
exterior. Assim: 1) Delimita um objeto de relações jurídicas 2) Olha o
conteúdo histórico que dá a dimensão cultural e realidade 3) Exclui os seres
vivos.
Assim, a designação do CC não pode ser levada à letra, visto que não
são somente as coisas que podem ser objeto de relações jurídicas.
Um direito não é um bem ou coisa, mas a afetação jurídica de um
bem, que é o objeto do direito.
De acordo com JAV, as coisas não são realidades que o Direito
limita-se a reconhecer, como a personalidade, mas são designações criadas
pelo Direito, sendo dado à natureza e ciência pelo mesmo. Assim, enquanto

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que a ciência veja um terreno como único, o Direito pode ver como vários
prédios rústicos, ou seja, várias coisas.
→ Atributo da economicidade – coisa não tem necessariamente
natureza económica.
→ Atributo da utilidade – a coisa útil deteria a faculdade de
satisfazer necessidades humanas, surgindo como bem. Há coisas que não
são bens, por não terem qualquer utilidade; e há bens que não são coisas,
por terem natureza humana.
→ Atributo da ocupabilidade e permutabilidade – a
permutabilidade representa a possibilidade de se tecerem relações de
mercado sobre a coisa e a ocupabilidade traduz a possibilidade de uma
coisa ficar sob o controlo material exclusivo de uma pessoa.
→ Atributo da comercialidade – poderá ser uma característica de
algumas coisas, embora que não de todas.
→ Atributo da raridade – a raridade de uma coisa apenas traduz a
ideia de que existe uma certa resistência à oferta, para poder ser alcançada.
→ Atributo da delimitação – uma realidade ilimitada não pode ser
considerada coisa, sendo o Atlântico uma coisa, assim como um carro ou o
planeta Terra.
→ Atributo da materialidade – embora as coisas materiais
traduzam uma categoria nuclear de coisa, nos nossos dias, é a categoria das
coisas incorpóreas a área de especial crescimento.
Classificação das coisas
O artigo 203º do CC e os seguintes oferecem-nos tipos de coisas.
Porém, a tipificação e caracterização não é taxativa.
Coisas corpóreas e incorpóreas
A distinção é importante visto que o art. 1302º limita a propriedade
às coisas corpóreas.
As coisas corpóreas são aquelas que se revelam aos sentidos,
sensorialmente constatáveis, sendo delimitáveis e domináveis, pertencem
ao mundo material (JAV), alvo de atuação humana direta. Por si, dividem-
se em coisass materiais, que se compõem de matéria, que têm dimensões,
volume e massa e coisas imateriais, que não têm matéria, como a
eletricidade, mas que são sensorialmente constatáveis (MC discorda com a

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designação de coisas imateriais). A designação, portanto, não se limita ao
estado sólido, sendo líquidos e gases coisas corpóreas desde que
armazenados e delimitados. Assim, a atmosfera não é uma coisa, mas uma
garrafa de oxigénio sim.
JAV define coisa corpórea como porção da realidade material
exterior à pessoa e sem vida. É, portanto, objetiva, exterior e apreensível.
Apenas as coisas corpóreas são suscetíveis de posse (1304º CC)
As Coisas incorpóreas são as que têm uma existência meramente
social, exteriores às pessoas (JAV) e não no mundo da física, como os bens
intelectuais, as prestações e os quia ou iura jurídicos (situações ativas de
direitos e poderes). JAV define como porção delimitada da realidade
intelectual exterior à pessoa humana. Apenas a inteligência humana as
percebe e lhes dá dimensão, não os sentidos.
A programação e dados digitais, hoje, são entendidos como coisas
incorpóreas com suporte numa coisa corpórea, sendo que, se for de caráter
criativo, segue o regime das obras literárias.
Coisas no comércio e fora do comércio
O CC, no nº2 do 203º, distingue coisas fora do comércio como as
que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se
encontram em domínio público e que são insuscetíveis de apropriação,
como os baldios.
Este conceito conecta-se à ideia romana de res extra commercium e
res communes omnium, que não podiam ser objeto de apropriação
individual por pertencerem ao Estado ou à comunidade como um todo.
O domínio público explica a primeira condicionante, pelo facto do
Estado ser detentor de um direito estruturalmente público, sujeito à
soberania direta do mesmo, relativo a coisas públicas que lhe competiriam
e que seriam inalienáveis.
Assim, a natureza pública é determinada pelo uso direto pelo público
e a colocação de um status especial.
Borges Carneiro define coisa comum como as coisas “cuja
propriedade pertence a todo o género humnao e o uso a cada pessoa”.
Portanto, a teoria do domínio público vem afirmar que o Estado,
para o prosseguimento das suas funções, carece de meios materiais, como
as coisas, usando os seus poderes de autoridade para atingir esses fins.

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Obedecendo aos critérios do destino das coisas e do critério das
características, podem ser usadas para uso público, serviços públicos ou
que satisfazem os fins de uma pessoa coletiva pública. Os bens de domínio
público podem ser alvo de concessão a privados.
O regime do domínio público encontra-se no art 82º da CRP, que por
si remete para a lei.
Assim, quando falamos de domínio público e conforme o Decreto-
Lei 477/80 de 15 de outubro, regulado pela portaria 42/2001 de 19 de
janeiro:
 Domínio público natural:
o Domínio Hídrico: Leitos e margens (50m) das águas do mar e
outras navegáveis ou flutuáveis, sempre que lhe pertençam e
leitos e margens de águas não-navegáveis quando atravessem
terrenos públicos do Estado (D-L 468/71). Ver também D-L
70/90 de 2 de março, Lei 58/2005 de 29 de dezembro
o Domínio Aéreo: Pode-se considerar que o domínio aéreo
começa para lá da altitude onde o interesse do proprietário já
não chega, matéria a regulamentar. Ver art 1344º do CC, D-L
477/80 de 15 de outubro e 84º/1 b) da CRP.
o Domínio Mineiro: D-L 90/90 de 16 de março e 84º/1 c) CRP.
Os jazigos minerais, hidrominerais e geotérmicos pertencem
ao Estado.
 Domínio Público Artificial:
o Domínio dos transportes:
 Domínio Ferroviário: Estradas, ferrovia, que podem ser
desamortizadas. Ver CRP 84º/1 d) e D-L 477/80 de 15
de outubro; D-L 276/2003 de 4 de novembro. Marcello
Caetano afirma que, como a lei é omissa sobre os tipos
de estradas, segue-se a letra da lei e apenas as estradas
nacionais pertencem ao Estado.
 Domínio telegráfico, telefónico e elétrico:D-L 477/80
de 15 de outubro. Sobre a eletricidade só nas redes de
distribuição.
o Domínio Monumental:
 Domínio cultural e histórico: alínea m) do tao famoso
decreto-lei, inclui os palácios, monumentos, museus,
bibliotecas, etc.

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o Domínio Militar: organizações e instalações militares, navios,
aeronaves, carros de combate, etc.
Incluídos aqui estão os cemitérios
Esta definição escapa à noção de coisa, especialmente na
insuscetibilidade de apropriação. Portanto, consideremos fora do comércio
as coisas de domínio publico.
Coisas móveis e imóveis
O código não definiu nenhum dos tipos, limitando-se a enumerar o
que é coisa móvel e imóvel.
Nota: Apenas as coisas corpóreas podem ser móveis ou imóveis. No
caso de coisas incorpóreas, como os bens intelectuais, seguem o regime de
coisas móveis.
Da letra da lei podemos definir coisa imóvel como uma porção
limitada de solo e o que lhe esteja ligado com caráter de permanência, ou
seja, não podem ser deslocadas da posição que ocupem na superfície,
normalmente. Assim, árvores, arbustos, águas são coisas imóveis.
JAV define coisa imóvel como porção delimitada de solo ou que
esteja ligada a ele, uma área territorial demarcada fisicamente pelas suas
extremas que separam esse imóvel de outros.
Coisas fora da enumeração do artigo 204º serão, portanto, móveis?
Pires de Lima defende que a lista é taxativa, Oliveira Ascenção que não e
Menezes Cordeiro e JAV que, sendo taxativa, deve ser complementada.
Sustentamos a segunda posição, a de Ascenção, pelo facto da própria lei,
em normas como o D-L 477/80 de 15 de outubro, no artigo 4º, integram
coisas imóveis que não remontam ao 204º, como minas. Assim, serão
coisas móveis as que não se enquadram na teleologia das imóveis.
Prédio Rústico- porção delimitada de solo ao qual acrescem
construções implantadas sem autonomia económica.
Prédio Urbano- Edifício incorporado no solo com os terrenos que
lhe sirvam de logradouro (pode ser gozado, fruído ou disfrutado por
alguém, dando apoio à construção).
A distinção vem pela funcionalidade dominante, a do solo ou das
edificações, se o solo é instrumental do gozo das habitações ou se as
edificações são instrumentais para o gozo do solo.

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Assim, a confusão da distinção vem pelas construções que não
potenciam a exploração do solo e por terrenos que não servem de
logradouro, como afirma Ascensão, sendo que a lei civil não reconhece
prédios mistos. Ao não reconhecer prédios mistos, ao transformar um
prédio rústico em urbano, o solo perde autonomia jurídica, tornando-se
parte componente do prédio.
Mesmo assim, a doutrina portuguesa desenvolveu quatro teorias de
distinção entre os dois:
 Teoria do Valor: O prédio será rústico ou urbano tendo em conta a
parcela que tem maior valor (Castro Mendes)
 Teoria da Afetação Económica: Será rústico ou urbano tendo em
conta o objetivo do aproveitamento, se do terreno ou construção
(Carvalho Fernandes e JAV). Assim, como afirma JAV, uma
herdade é um prédio rústico.
 Teoria do Fracionamento: Divide, pela autonomia privada, o
prédio em dois, um rústico e um urbano se tiverem autonomia
económica (Oliveira Ascenção)
 Teoria da Consideração Social: São rústicos ou urbanos consoante,
na comunidade jurídica, sejam havidos por terrenos ou por
construções, olhando para os objetivos do proprietário (atividade
agrícola) e até o próprio espaço onde está inserido (prédios dentro de
aglomerados são urbanos) (Menezes Cordeiro)
Dentro dos prédios encontraremos edifícios, uma construção
importante ou de habitação ou pronta a habitar.
Fazem parte das coisas imóveis as partes integrantes, coisas
originalmente móveis que foram ligadas materialmente ao prédio com
caráter de permanência, como as cadeiras da universidade ou elevadores.
Perdem a autonomia a menos que sejam separadas ou que sejam alvo de
negócios jurídicos, algo raro.
Manuel de Andrade afirma que as mesmas deviam estar fisicamente
presas ao imóvel para serem integrantes. Cunha Gonçalves afirma que,
desde que a coisa esteja ao serviço do imóvel na sua destinação económica,
a mesma seria parte integrante.
O planeamento urbano e direito fiscal tem deturpado as distinções
entre prédios rústicos e urbanos.

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Os limites dos prédios também são alvo de discussão, na medida em
que é necessário delimitar até onde vão os direitos dos proprietários. O art.
1344º do CC diz que a propriedade abrange o espaço aéreo correspondente
à superfície, bem como o subsolo e que não esteja desintegrado pela lei ou
negócio jurídico.
Sobre os limites aéreos e do subsolo, autores como Gesterding ou
Werenberg e Ascensão afirmam que o ar, não sendo uma coisa, não estaria
incluída na coisa imóvel e no direito de propriedade da pessoa. Windscheid
e Dernburg e Menezes Cordeiro seguem a tradição romana do direito de
extender do “céu aos infernos”.
JAV afirma que o ar tem todas as características de coisa corpórea,
sendo que a própria CRP apenas afirma como estar dentro do domínio
público o espaço não atingido por direitos de propriedade. JAV afirma que
os limites devem ser os limites da capacidade humana.
Quanto ao subsolo, Ascensão defende que se limita ao “efetivamente
ocupado”, sendo, portanto, suscetível a expansão. JAV, como no espaço
aéreo, defende que este faz parte do imóvel e segue a doutrina de Dernburg,
onde o fim natural encontra-se onde acaba a possibilidade de domínio
humano. O direito do proprietário é ainda limitado pela lei ou negócio
jurídico e pelo nº2 do 1344º, que limita a extensão do direito real de gozo e
não a coisa em si. Portanto, o nº1 e as doutrinas afirmadas dizem respeito à
extensão da coisa, enquanto que o nº2 dizem respeito à extensão do direito
real de gozo.
Posteriormente, sobre edifícios com vários fogos, Oliveira Ascensão
afirma que os mesmos fazem parte de um único prédio urbano, logo, um
único imóvel, sendo as frações autónomas partes do mesmo. Um bloco de
apartamentos é, portanto, uma coisa simples.
As águas também podem ser alvo de apropriação privada (1385º
CC). As águas em movimento e ligadas ao solo, como rios, são
consideradas imóveis autónomos. De outro modo, são tratadas como partes
componentes do imóvel onde se encontram.
Desligadas do solo, as árvores, arbustos e águas tornam-se coisas
autónomas e móveis. Ligadas ao solo, são coisas imóveis que fazem parte
componente do imóvel onde se encontram, sem autonomia.
Dentro do conceito de coisas móveis, incluímos as coisas
semoventes, que, sendo coisas móveis, têm movimento próprio, como

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animais. Alguns autores afirmam que podemos considerar automóveis e
aeronaves como semoventes, não concordo.
Ainda nas coisas móveis, que são tudo o que a lei não define como
imóvel, surgem dúvidas sobre:
 A energia: Na generalidade dos Direitos é considerada coisa móvel.
Não sendo ciração humana e sendo possível a sua apropriação e
captação pelos, a mesma é corpórea.
 Os móveis sujeitos a matrícula e registo: Certos móveis requerem
esquema público de identificação, como automóveis e navios. Sendo
alvo de registo, podem constituir hipotecas e não penhoras, como
seria de esperar.
 As coisas representativas: Coisas que representam um valor que as
transcende, como o dinheiro, títulos de crédito
Coisas Simples e Complexas; Composta e Coletiva
São simples as coisas que não podem disinguir-se em mais de uma
coisa, existindo sobre ela um Direito que implica a unidade dos atos
jurídicos que a têm como objeto. Pode ter elementos substituíveis desde
que não prejudique a sua natureza. Assim, não pode ser materialmente
dividida sem prejuízo à sua identidade como coisa. Ou, como afirma
Ascensão, o que interessa é se socialmente não se divisem sobre ela outras
coisas.
São complexas aquelas que integram na sua unidade uma
pluralidade de coisas simples, tratada como una unidade só na vida social.
Mais uma vez, olhamos no sentido da utilidade, se a utilidade que
tenha em si coexista com as diferentes utilidades que tenham as partes que
a integram. (ex: uma máquina, que tem uma utilidade onde coexiste a
autonomia das peças que a compõem).
As coisas complexas podem ser, por sua vez, compostas quando têm
um tratamento jurídico unitário mas cujas partes integrantes, enquanto não
forem separadas, perdem autonomia enquanto coisa, estando sujeitas ao
regime de coisas simples, ou coletivas/universalidades de facto quando
têm tratamento jurídico unitário como coisas sem que as coisas que as
integram percam a sua autonomia (ex: estante de biblioteca, coisa coletiva
quando olhamos para os livros e composta quando olhamos para as tabuas).
Porém, JAV afirma que os direitos incidem não sobre a coletividade mas
sobre cada coisa individual. Assim, num rebanho os direitos recaem sobre
cada ovelha e não sobre o rebanho, que não é coisa, as universalidades de

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facto. JAV parece aderir a uma teoria atomística das universalidades,
contrariada pela maioria da doutrina e próprio código. De facto, pode a
universalidade em si ser objeto único de relações jurídicas, visto ser
definida como um conjunto de coisas móveis com destino unitário, numa
leitura a contrario sensu do artigo 206º.
Mesmo assim, nas palavras de Ascensão, o que caracteriza a coisa
coletiva não é ser tratada pelo direito como unidade, mas poder sê-lo.
Coisas fungíveis e infungíveis
São fungíveis as coisas que intervêm nas relações jurídicas não in
specie mas in genere, substituídas por não ser importante a sua identidade
concreta. A moeda é fungível (dependendo do caso) visto que, num
negócio jurídico, não importa a identidade concreta das notas e moedas.
Assim, se partir um computador, posso substituí-lo ao dono por um do
mesmo género, qualidade e quantidade. Determinam-se, portanto, pelo
género, por conta, peso ou medida.
Tanto as coisas móveis e imóveis podem ser fungíveis
Coisas consumíveis e inconsumíveis
São consumíveis as coisas que no seu uso regular, para a utilidade
específica do bem, importa a sua destruição ou alienação. Visa,
maioritariamente, o regime do usufruto (1451º, 1468º 1483º CC). A
classificação é casuística. Um livro pode ser, para um leitor, inconsumível,
visto que a leitura não causa destruição do livro, mas para um vendedor
será consumível, visto que o uso implica alienação na venda.
Deterioráveis e duradouras
As deterioráveis perdem valor com o seu uso, como os automóveis.
As duradouras mantêm-se como são com o uso ou têm degradação apenas
como consequência do tempo. A doutrina não concorda com as
características das mesmas e as suas divisões, sendo que autores como
Ascensão inclui as coisas deterioráveis na categoria de coisas consumíveis.
Coisas divisíveis e indivisíveis
Liga-se ao critério de coisas simples ou complexas. São divisíveis as
que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição do
valor específico ou prejuízo para o uso a que se destinam, como um litro de
gasolina. São critérios cumulativos, sendo que a presença de um torna a
coisa indivisível. Relevante para 1412º e 1052º. A coisa pode ser

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indivisível por norma legal ou negocial, como no 1376º e 1412º
respetivamente
A indivisibilidade pode ser natural, como num quadro a óleo ou
avião, legal, quando definida por lei, como um terreno rústico cuja divisão
causaria um tamanho inferior à unidade mínima de cultura.
Coisas presentes e futuras
São futuras as coisas que ainda não estão em poder do disponente ou
a que este não tem direito na altura da declaração negocial. Inclui-se aqui
as coisas naturalmente futuras, que ainda não existem e as coisas alheias.
(211º, 893º, 880º, 408º/2).
Coisas principais e acessórias
Critério de distinção é o vínculo funcional de acessoriedade, sendo
acessórias as coisas que, não constituindo partes integrantes, estão afetadas
por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra. São coisas
móveis que desempenham uma função instrumental em relação à coisa
principal de forma duradoura mas não permanente.
Assim, JAV define coisa principal como a que tem destinação ou uso
independente e acessórias as que consubstanciam, de forma duradoura, uma
coisa que se encontra ao serviço ou afeta ao uso de outra. Ambas têm
autonomia jurídica. A lei não distingue entre acessórias e pertenças (que
perdem o valor autónomo quando separados da principal, porque não pode
ser usado sem ela)
O nº2 afirma que um negócio jurídico que tem como objeto a coisa
principal não inclui as acessórias salvo declaração em contrário. Esta
declaração, porém, pode ser tácita e conforme os costumes. Em caso de
dúvida devem considerar-se excluídas, conforme a lei. Mesmo assim, deve-
se atentar à natureza do negócio. Alguns autores, como Oliveira Ascenção,
afirma que há um costume contra legem que revogou o nº2, sendo costume
que o objeto abranja as coias acessórias.
Face a tal, MC propõe várias soluções:
 Alargamento das partes integrantes
 Aproveitamento das regras de interpretação e integração do negócio
(JAV apoia) (236º e ss.), entende-se que quem compra uma piscina,
por exemplo, quer comprar também a rede de limpeza, na medida em
que o sentido normal de uma declaração negocial referente à coisa
principal abrange também a acessória.

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 Deveres acessórios derivados da boa fé das partes (762º/2) quem
compra uma coisa fá-lo para que ela seja usada ou para que produza;
logo, a coisa adquirida deve vir acompanhada dos acessórios
necessários.
 Defesa do consumidor, conforme a LDC “Os bens e serviços
destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se
destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as
normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo
adequado às legítimas expectativas do consumidor.

Mesmo assim, especificando o código que coisas acessórias


também inclui o que serve de ornamentação, inclui benfeitorias
voluptuárias como coisas acessórias.
Coisas frutíferas e infrutíferas
Prende-se à suscetibilidade de produção de frutos, algo que a coisa
produz periodicamente (pode-se antecipar com rigor quando a coisa dá
frutos) sem prejuízo da sua substância. Se são produzidas aleatoriamente ou
causam dano à substância, são produtos. Não deve, também, ser
considerado fruto o que for necessário para manter a integridade da coisa
frutífera e a sua capacidade de frutificação (ou seja, o “lucro”).
JAV define como tudo aquilo que separado da coisa pode ser visto
como rédito desta. Não faz, portanto, referência à periodicidade?
A lei distingue frutos naturais de civis. Naturais são os que provêm
diretamente da coisa e da natureza, industriais os que advêm do trabalho
do homem, civis são rendas ou interesses que a coisa produz em
consequência de uma relação jurídica.
A propriedade dos frutos pertence ao titular da coisa frutífera ao
tempo em que forem colhidos. Em caso de mudança de titularidade, estes
são partilhados na proporção da duração do direito de cada um nos
naturaise proporcionalmente à duração do direito nos civis.
Podem, ainda, ser:
 Pendentes ou separados: Estão ligados à coisa produtora
 Percebidos: Separados da ação humana
 Extantes: Não se encontram no património de uma pessoa. Se estão,
são consumpti. Frutos percebidos que se encontram com o possuidor

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 Percibiendos: Aqueles que, não havendo sido gerados, o podiam ter
sido com a diligência devida. 1271º
Benfeitorias
São ações, despesas e intervenções feitas para conservar ou melhorar
a coisa que não lhe coubesse, que se destinem a manter ou aumentar a
produtividade da mesma. Mas nem são coisas, sendo apenas objeto de
relações jurídicas. 1273º-1275º
 Necessárias: Têm por fim (não importa se foram hábeis) evitar a
perda, destruição ou deterioração da coisa. São indispensáveis
 Úteis: Não sendo indispensáveis, aumentam o valor da coisa
 Voluptuárias: Não são necessárias nem aumentam o valor, mas
servem para o recreio (prazer acrescido) do benfeitorizante
Os Animais
Com o sucessivo reconhecimento das sensibilidades animalescas
pelo Direito, a Lei 8/2017 de 3 março visou atualizar o regime dos animais
no Direito Português. Como tal, a lei passou a reconhecer a possibilidade
de indemnização no caso de dano ou morte de animal, os deveres de
propriedade dos mesmos e a sensibilidade dos mesmos. Art. 201º, 493º e
1305º-A, 1318º e 1323º e 1733º/1 e 1775º/1, 1793º-A.
Assim, a lei establece deveres, dissocia os animais das coisas móveis
e establece regras quanto ao achamento. No entanto, a lei e a proteção que
confere deve ser realista e séria e não ceder a preceitos utópicos de setores
político-partidários.
Em suma, os animais não são pessoas nem coisas, mas “seres vivos
dotados de sensibilidade”. Enquanto MC defende a personificação dos
animais, tornando-os centros de imputação de normas jurídicas, a
diversidade legislativa a que isso levaria e a dificuldade em definir os
animais com e sem proteção leva a que este prefira o aperfeiçoamento das
normas já em vigor.
Assim, MC identifica como horrendas práticas ibéricas como as
touradas (mesmo as portuguesas, menos sangrentas que as dos nossos
vizinhos), embora pareça defender as práticas de Barrancos (???) e o tiro
aos pombos, vistos como espetáculos de tortura pública que contrariam o
progresso do Direito.

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Glossário
Personalidade Jurídica- Suscetibilidade de se ser titular de situações
jurídicas, ou direitos e deveres
Capacidade de exercício- Medida de direitos que cada pessoa pode atuar
por si, pessoal e livremente
Capacidade de gozo- Medida de situações jurídicas que uma pessoa pode
ter. Ser titular de direitos e obrigações
Anulabilidade-

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