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Escola Secundária C/ 3º Ciclo

Dr. Mário Sacramento


12ºH
2009/2010

A PESSOA, FUNDAMENTO E FIM DA ORDEM JURÍDICA


2.1 NOÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA

O Direito, ordem normativa destinada a regular a


vertente jurídica da vida do homem em sociedade,
tem este como sua personagem principal.

Os romanos já tinham consciência disto ao


afirmarem: “O direito é constituído por causa e
para o serviço do Homem”.

A vida em sociedade desencadeia uma


multiplicidade de relações sociais determinadas
pela necessidade da vida em comum, relações
essas, que quando tuteladas pelo Direito, dão
origem às relações jurídicas.
A expressão relação jurídica pode ser tomada
em vários sentidos:

Relação jurídica
Em sentido amplo Em sentido restrito

Toda e qualquer relação da Toda a relação da vida


vida social disciplinada pelo social disciplinada pelo
Direito, isto é, juridicamente Direito, mediante atribuição
relevante. a um sujeito de um Direito
subjectivo e a imposição a
outro de um dever jurídico
ou de uma sujeição.
São tradicionalmente referidos como elementos
da relação jurídica, os seguintes:

- Os sujeitos
- Objecto
- Facto
- Garantia
(ver página 196)

Os sujeitos são os entes entre os quais se


estabelece o vínculo em que a relação jurídica
se traduz.
Não é por acaso que os sujeitos ocupam o primeiro
lugar dos elementos da relação jurídica. Com esta
primazia pretende-se mais uma vez, chamar a
atenção para o papel do Homem em todo o
fenómeno jurídico.

Na realidade, sujeitos da relação jurídica são antes


de mais, os seres humanos.

No
. entanto não se pode reduzir o ser humano a
um dos elementos da relação jurídica, o sujeito.
A pessoa não se esgota no sujeito da relação
jurídica.

Aquela é substancialmente diferente deste, sendo


um pressuposto da própria relação jurídica.
O elemento “sujeito da relação jurídica” não traduz
mais do que a posição da pessoa.

Refira-se ainda, que como adiante se esclarecerá,


sujeito da relação jurídica pode ser não só a pessoa
humana, designada por pessoa singular, mas
também, outras realidades denominadas pessoas
colectivas.
No entanto, para poder agir juridicamente o ser humano
tem de se tornar uma pessoa jurídica e para obter essa
qualidade, precisa de ter personalidade jurídica.

A personalidade jurídica é precisamente a aptidão para


ser titular de relações jurídicas, ou seja, de direitos e
obrigações.

Estamos perante uma noção qualitativa. A personalidade


jurídica é uma qualidade que se tem ou não.

Quem não tiver personalidade jurídica, não pode ser


titular de qualquer direito em sentido subjectivo, nem
estar adstrito a qualquer vinculação.
A personalidade jurídica é uma qualidade atribuída
pelo Direito, o qual pelo menos teoricamente poderá
decidir quem, ou mesmo o quê, terá personalidade
jurídica ou não.

Não obstante, e nas sociedades actuais é entendido


que o Direito tem de atribuir essa qualidade a todo e
qualquer ser humano.

No direito português e à semelhança da


generalidade dos outros direitos, existem dois tipos
de pessoas jurídicas: a pessoa singular e a pessoa
colectiva.
Pessoa singular é todo e cada ser humano.

Na realidade no Direito português, pessoa jurídica é


antes mais, a pessoa que nos termos do artigo 66º nº1
do Código Civil, adquire personalidade jurídica “no
momento do nascimento completo e com vida”.

Personalidade jurídica, que de acordo com o nº1 do


artigo 68º do Código Civil, apenas cessa com a morte.

A Constituição da República Portuguesa parece


perfilhar este entendimento, quando no seu artigo 1º,
reconhece a “dignidade da pessoa humana” como
base da própria soberania do Estado Português.
Artigo 66º
Começo da personalidade

1.A personalidade adquire-se no momento do


nascimento completo e com vida.

2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros


dependem do seu nascimento.
Artigo 68º
Termo da personalidade

1. A personalidade cessa com a morte.


2. Quando certo efeito jurídico depender da
sobrevivência de uma a outra pessoa, presume-se,
em caso de dúvida, que uma e outra faleceram ao
mesmo tempo.
3. Tem-se por falecida a pessoa cujo cadáver não
foi encontrado ou reconhecido, quando o
desaparecimento se tiver dado em circunstâncias
que não permitam duvidar da morte dela.
Artigo 1º
República Portuguesa

Portugal é uma República soberana, baseada na


dignidade da pessoa humana e na vontade popular
e empenhada na construção de uma sociedade
livre, justa e solidária.
Corresponde, assim, a personalidade jurídica a
uma exigência da natureza e da própria
dignidade do ser humano, que deve ser
reconhecida pelo direito objectivo, sendo a
condição indispensável para que cada ser
humano, nas suas relações com os outros, realize
os seus fins e interesses, pois, como já se referiu,
o Direito existe por causa e para o serviço do ser
humano.
Capacidade jurídica

Havendo-se referido quem pode ser pessoa jurídica,


isto é, quem pode ser titular de direitos e estar
adstrito a vinculações, importa agora saber quais os
direitos e as vinculações de que uma pessoa pode
ser titular e a que pode ficar adstrita e, ainda, como
os pode exercer.

Só deste modo é possível caracterizar a posição de


cada um no mundo do Direito.

Há assim, necessidade de estudar um outro conceito


jurídico fundamental, afim do de personalidade
jurídica, que é o da capacidade jurídica.
O conceito de personalidade jurídica é um conceito
qualitativo – traduz uma qualidade ou característica
que se tem ou se não tem.

Já o de capacidade é um conceito quantitativo – é a


medida daquela susceptibilidade, que significa que a
capacidade é mensurável, podendo ser maior ou
menor.

À medida em que a capacidade se traduz, pode ser


referenciada em função de duas realidades distintas:
a da titularidade e a do exercício de direitos, a que
correspondem, respectivamente, a capacidade
jurídica ou de gozo de direitos e a capacidade de
exercícios de direitos.
A primeira que referimos, ou seja, a capacidade
jurídica ou de gozo é inerente à personalidade
jurídica, conforme decorre do artigo 67º do C.C..

Artigo 67º
Capacidade jurídica

As pessoas podem ser sujeitos de quaisquer


relações jurídicas, salvo disposição legal em
contrário; nisto consiste a sua capacidade jurídica.
Capacidade jurídica ou de gozo – é a aptidão para
ser titular de um círculo maior ou menor de
relações jurídicas.

Capacidade de exercício de direitos ou


capacidade de agir – significa a medida de direitos
e vinculações que a pessoa pode exercer ou
cumprir por si, pessoal e livremente.

Desta noção se conclui, que uma pessoa jurídica


só tem capacidade de exercício em relação a
certo direito, quando o puder exercer por si, isto é,
pessoal e livremente.
Enquanto a capacidade jurídica é uma simples
condição de gozo, uma condição estática, a
capacidade de agir denota uma actividade dinâmica,
o poder de pôr em movimento os direitos, de
produzir transformações mediante actuação jurídica
própria.

Em princípio todas as pessoas singulares, ao


atingirem a maioridade, adquirem capacidade de
exercício, que resulta do preceituado nos artigos
130º e 133º do Código civil.
Maioridade e emancipação
Artigo 130º
Efeitos da maioridade
Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire
plena capacidade de exercício de direitos, ficando
habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus
bens.
(Redacção do Decreto-Lei 496/77, de 25-11)
Artigo 133º
Efeitos da emancipação

A emancipação atribui ao menor plena


capacidade de exercício de direitos, habilitando-o
a reger a sua
pessoa e a dispor livremente dos seus bens
como se fosse maior, salvo o disposto no artigo
1649º.
(Redacção do Decreto-Lei 496/77, de 25-11)
Artigo 1649º
Casamento de menores
1. O menor que casar sem ter obtido a autorização dos pais
ou do tutor, ou o respectivo suprimento
judicial, continua a ser considerado menor quanto à
administração de bens que leve para o casal ou que
posteriormente lhe advenham por título gratuito até à
maioridade, mas dos rendimentos desses bens ser-lhe-ão
arbitrados os alimentos necessários ao seu estado.
2. Os bens subtraídos à administração do menor são
administrados pelos pais, tutor ou administrador legal, não
podendo em caso algum ser entregues à administração do
outro cônjuge durante a menoridade do seu consorte; além
disso, não respondem, nem antes nem depois da dissolução
do casamento, por dívidas contraídas por um ou ambos os
cônjuges no mesmo período.
(Redacção do Decreto-Lei 496/77, de 25-11)
Noções inversas das de capacidade são as de
incapacidade.

Em relação às noções de capacidade e


incapacidade verifica-se um fenómeno
terminológico curioso: por via de regra, quando se
fala em capacidade sem qualquer qualificativo,
está-se a designar a capacidade de gozo (art. 67º
do C.C.); pelo contrário quando se refere a
incapacidade, pensa-se em regra, na incapacidade
de exercício.
Com efeito, pode suceder uma pessoa ser titular
de direitos, isto é, ter capacidade de gozo e não
os poder exercer, por lhe faltar a necessária
idoneidade para actuar juridicamente, ou seja, a
necessária capacidade de exercício de direitos.

Estão nesta situação os menores e os dementes,


que embora sejam titulares de direitos, não os
podem exercer pessoal e livremente.

Surge-nos assim uma situação oposta à referida


anteriormente e que se designa por incapacidade
de exercício de direitos – genérica ou específica
– consoante se refira aos actos jurídicos em geral
ou a alguns em especial.
Perante uma situação de incapacidade de exercício,
o Direito poderia reagir de uma de duas maneiras: ou
não permitir que o sujeito em causa actuasse
juridicamente, paralisando o exercício dos seus
direitos e o cumprimento dos seus deveres, até que
ele obtivesse a necessária capacidade; ou criando os
mecanismos necessários para que os direitos
daquela pessoa, fossem exercidos e os seus
deveres cumpridos. Naturalmente que o direito optou
por esta segunda possibilidade.
Surgem-nos assim os meios de suprimento do
direito.

Observe-se desde já, que aqui apenas está em


causa a incapacidade de exercício. Só esta pode
ser suprida.

A incapacidade de gozo é insuprível.

Designam-se como meios de suprimento as


situações criadas pelo Direito, que permitem
solucionar os problemas técnico-jurídicos
resultantes da incapacidade de exercício.
Os meios de suprimento variam consoante a
incapacidade que pretendem suprir.

Por exemplo: O poder paternal é o meio de


suprimento da incapacidade resultante da
menoridade, enquanto a curatela é o meio de
suprimento relativo aos inabilitados.
Pessoas colectivas:

A capacidade das pessoas colectivas apresenta


importantes diferenças relativamente à das pessoas
singulares.

Pessoas colectivas são organizações constituídas por


uma colectividade de pessoas ou por uma massa de
bens, dirigidas à realização de interesses comuns ou
colectivos, às quais a ordem jurídica atribui
personalidade jurídica.

A esta categoria pertencem o Estado, os municípios, as


juntas de freguesia, as fundações, as sociedades
comerciais, os clubes de futebol, as instituições de
caridade, como a Caritas ou a Cruz Vermelha, as
associações recreativas ou culturais, etc.
Pessoas colectivas
SECÇÃO I
Disposições gerais
Artigo 157º
Campo de aplicação
As disposições do presente capítulo são aplicáveis às
associações que não tenham por fim o lucro económico dos
associados, às fundações de interesse social, e ainda às
sociedades, quando a analogia das situações o justifique.
Artigo 158º
Aquisição da personalidade
1 - As associações constituídas por escritura pública ou por outro
meio legalmente admitido, que contenham as especificações
referidas no n.º 1 do artigo 167.º, gozam de personalidade
jurídica.
2. As fundações adquirem personalidade jurídica pelo
reconhecimento, o qual é individual e da competência da
autoridade administrativa.
(Redacção pela Lei nº 40/2007, de 24-08)
Em termos da capacidade de gozo, a doutrina é
praticamente unânime em considerar que a pessoa
colectiva tem apenas uma capacidade específica de
gozo, pois está limitada aos direitos e vinculações
adequados à prossecução dos seus interesses,
conforme decorre do estipulado nos artigos 12º nº 2
da C.R.P. e 160º do Código Civil.
Assim, relativamente à capacidade das pessoas
colectivas, impera o chamado princípio da
especialidade.
Artigo 160º
Capacidade
1. A capacidade das pessoas colectivas abrange
todos os direitos e obrigações necessários ou
convenientes à prossecução dos seus fins.
2. Exceptuam-se os direitos e obrigações vedados
por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade
singular.
Este artigo procede à delimitação da capacidade de
gozo da pessoa colectiva, em conformidade com os
seguintes elementos:

De acordo com o primeiro elemento, positivo, a


capacidade jurídica de gozo da pessoa colectiva
compreende “os direitos e obrigações necessários ou
convenientes à prossecução dos seus fins”.

Nestes termos, uma pessoa colectiva que se dedique,


por exemplo, à construção civil, tem capacidade de
gozo para comprar materiais de construção, contratar
operários, etc. No entanto, já não poderá, proceder
de forma habitual ao aluguer de automóveis de que
seja proprietária.
Estamos perante um direito vedado por lei.
Deste modo, a capacidade de gozo da pessoa
colectiva não compreende, por exemplo, os direitos
de uso e habitação, regulado nos artigos 1484º e
seguintes do Código Civil.

Uso e habitação
Artigo 1484º
Noção
1. O direito de uso consiste na faculdade de se
servir de certa coisa alheia e haver os respectivos
frutos,
na medida das necessidades, quer do titular, quer
da sua família.
2. Quando este direito se refere a casa de morada,
chama-se direito de habitação.
Considerando o último elemento, também negativo,
de delimitação da capacidade de gozo da pessoa
colectiva, ficam dela excluídos “os direitos e
obrigações que sejam inseparáveis da pessoa
singular”.

A pessoa colectiva não tem capacidade para


designadamente, casar, perfilhar, elaborar
testamentos e ser titular de alguns dos direitos de
personalidade, como o direito à vida ou à integridade
física.

Assim se justifica, que a pessoa colectiva seja criada


apenas para a prossecução de certos e determinados
fins que limitam a sua capacidade jurídica.
Artigo 12º
Princípio da universalidade
1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão
sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão
sujeitas aos deveres compatíveis com a sua
natureza.

Este preceito constitucional, se por um lado consagra


a figura da pessoa colectiva, por outro reconhece a
sua individualidade própria e natureza distinta da
pessoa singular.
No respeitante à capacidade jurídica de gozo da
pessoa colectiva, não existem grandes
divergências doutrinárias, já o mesmo não sucede
quanto à sua capacidade de exercício.

Porém, a corrente de opinião que parece mais


adequada juridicamente considera aplicável às
pessoas colectivas o princípio da capacidade
genérica de exercício, pois a lei dota-as de órgãos,
através dos quais elas actuam juridicamente, tal
como as pessoas singulares o fazem. Esses
órgãos das pessoas colectivas estão vinculados a
estas por uma relação orgânica, não se distinguido
delas, antes confundindo-se com as próprias
pessoas colectivas.

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