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Fundamentos de Direito

ANO LETIVO 2021/2022


Capítulo IV – A Relação Jurídica
A RELAÇÃO JURÍDICA

“Num sentido amplo pode designar-se por relação jurídica toda a situação ou
relação da vida real (social) que é juridicamente relevante, de modo que é
disciplinada pelo direito. A relação jurídica não abrange, por isso, todas as relações
da vida social mas aquelas que, sendo suscetíveis de regulamentação jurídica, são
ordenadas pelo direito. Trata-se de um vínculo jurídico, de um vínculo normativo.”

(Heinrich Ewald Horster)


A RELAÇÃO JURÍDICA

Em termos objetivos, a relação jurídica é:

- Uma relação da vida social;

- Disciplinada pelo direito;

- Em que foi atribuído um direito subjetivo a uma pessoa;

- E imputada a outra a obrigação de respeito pelo direito atribuído;


A RELAÇÃO JURÍDICA

Os direitos protegidos, no âmbito da relação jurídica, são direitos subjetivos*, tais


como:

- Direito ao nome – artigo 72.º do Código Civil;

- Direito à imagem – artigo 79.º do Código Civil;

- Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada – artigo 80.º do Código Civil;

Nota: o direito subjetivo pertence aos homens. Pelo que é a própria pessoa que está
na base da relação jurídica.
A RELAÇÃO JURÍDICA
Relação Jurídica Abstrata

É uma relação virtual que equivale a determinado tipo, devidamente regulamentado


na lei. Ou seja, corresponde ao tipo negocial.

Exemplos:
- Contrato de compra e venda;

- Contrato de promessa;

- Contrato de arrendamento;
A RELAÇÃO JURÍDICA

Relação Jurídica Concreta

É a relação em que as regras da relação em sentido abstrato são aplicadas no caso


concreto. É uma relação jurídica realmente existente e individualizada.

- Existem pessoas determinadas;

- Há um facto jurídico (verificado ou produzido);


A RELAÇÃO JURÍDICA

Importa, ainda, distinguir estas duas realidades:

1. Relação Jurídica simples: A um direito subjetivo corresponde um dever


jurídico ou uma sujeição.

2. Relação Jurídica complexa: Quando perante um facto jurídico resulta uma


pluralidade de direitos e/ou obrigações.

Nota: Normalmente, as relações jurídicas são complexas.


A RELAÇÃO JURÍDICA
Quanto à sua estrutura:

A estrutura pode ser interna ou externa. A estrutura interna é o conteúdo, caracterizado


pelo conjunto dos elementos da relação que definem o vínculo jurídico.

O vínculo jurídico é o centro da relação jurídica – é o que estabelece o nexo entre os


sujeitos.

É a obrigação inerente ao direito subjetivo


A RELAÇÃO JURÍDICA

Quanto à estrutura externa são apontados os seguintes elementos:

1. Os sujeitos – as pessoas entre as quais a relação jurídica se estabelece. São os


titulares do direito subjetivo (sujeito ativo) e os titulares da obrigação
correspondente (sujeito passivo). São sempre pessoas em sentido jurídico, nunca
coisas;

2. O objeto – é o direito subjetivo (posição ativa) e respetiva obrigação (posição


passiva) – é o conteúdo.
A RELAÇÃO JURÍDICA

3. O facto jurídico – é o acontecimento (natural ou decorrente da ação humana)


que desencadeia ou produz efeitos jurídicos. Este é o elemento causal que leva a
relação jurídica abstrata, para o campo da realidade concreta.

4. A garantia – tem como função conferir efetividade aos poderes do titular do


direito subjetivo – ao sujeito ativo da relação – permitindo que o mesmo possa
fazer valer o seu direito, mesmo que o sujeito passivo não queira cumprir.
A RELAÇÃO JURÍDICA
• O direito subjetivo pode conferir ao sujeito ativo:

1. O poder de exigir – em termos jurídicos poderá intentar uma ação judicial


(garantia);

2. O poder de pretender – a garantia é mais fraca;

3. Um poder potestativo – impõe-se ao obrigado. A garantia é infalível. Há uma


sujeição à obrigação. (Ex. Direito de preferência – artigo 1409.º do CC ou Direito
de ocupação – artigo 1318.º do CC)
OS SUJEITOS

A relação jurídica só se pode estabelecer entre pessoas, que assumem a qualidade de


sujeitos ativos ou passivos. Pessoas em sentido jurídico.

Quem possui personalidade jurídica:


Suscetibilidade de ser titular de direitos e obrigações. Ou seja,
possibilidade de ser sujeito (ativo ou passivo) no âmbito de uma
relação jurídica.
OS SUJEITOS
PESSOAS SINGULARES

O seu regime encontra-se previsto nos artigos 66.º a 156.º do CC. A este elenco de preceitos
legais acrescem as disposições legais relativas aos direitos de personalidade, previstas nos
artigos 70.º a 81.º do CC.

 Os homens possuem personalidade jurídica, não necessitando de qualquer concessão,


reconhecimento ou atribuição expressa por lei.

 A personalidade resulta do nascimento completo e com vida – art. 66.º, n.º 1 do CC.
Os sujeitos
Diferente é a capacidade de exercício de direitos, que se caracteriza pela capacidade de
dispor dos direitos de que se é titular (tomar decisões sobre eles) ou de intervir na
constituição de situações ou relações jurídicas.

O que significa que quem não possuir a capacidade de exercício:

Menores (art. 122.º do CC) e interditos (art. 138.º do CC + 950.º CPC) – necessita de um
representante legal, que em seu nome e no seu interesse, exerça os seus direitos.

NOTA: REPRESENTAÇÃO LEGAL ≠ REPRESENTAÇÃO VOLUNTÁRIA


OS SUJEITOS
PESSOAS COLETIVAS

São organizações criadas pelos homens e às quais a ordem jurídica atribuiu personalidade
jurídica. São:

- Organizações de pessoas (sociedades, associações) ou conjuntos de bens, massas


patrimoniais (instituições);

- Que se encontram estruturados e organizados tendo em vista um fim comum (este fim
transcende potencialidades individuais);
OS SUJEITOS

A Pessoa Coletiva é uma criação do direito, pelo que carece do reconhecimento de


personalidade jurídica. Assim que lhe é atribuída personalidade, a pessoa coletiva
passa a ser uma pessoa em sentido jurídico perfeitamente autónoma. O seu
regime encontra-se previsto nos artigos 156.º a 194.º do CC.
OBJETO
OBJETO IMEDIATO

Ao direito subjetivo corresponde a obrigação – é o conjunto “direito subjetivo/vinculação”.

Exemplos de objetos:

- Direitos sobre a coisa (e não a coisa) – artigo 407.º do CC;

- Dispor do direito à prestação – artigo 446.º, n.º 1 do CC;

- Transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito – artigo 879.º do CC


OBJETO

OBJETO MEDIATO (objeto de direito)

É aquilo sobre que podem incidir os poderes que caracterizam o direito subjetivo.
Ou seja, o objeto de direito é atribuído ao elemento ativo da relação jurídica.

O que é que não é objeto:

- As pessoas singulares;

- A personalidade;
Objeto
O objeto mediato incide sobre as coisas. Sobre estas poderá recair um poder de domínio
quando se trata de coisas corpóreas ou um poder de utilização exclusiva quando estão em
causa coisas não corpóreas (ex. patentes, programas informáticos”). O artigo 202.º n.º 1 do
CC contém a noção de coisa (ver).

Nota: Os alunos deverão estudar as classificações das coisas, designadamente:

a. Coisas públicas/coisas privadas

b. Coisas móveis/coisas imóveis


FACTO JURÍDICO
Em termos gerais, os factos jurídicos dão origem à constituição, modificação ou extinção
de relações jurídicas ou aquisição, modificação ou extinção de direitos subjetivos e das
correspondentes obrigações.

Facto jurídico ≠ Efeitos jurídicos

Manuel Andrade considera que o facto jurídico é “todo o ato humano ou todo o
acontecimento natural juridicamente relevante”, pois produz efeitos jurídicos.
FACTO JURÍDICO

Normas do Código Civil relativas ao facto jurídico:

1. Negócio jurídico – artigos 217.º a 294.º do Código Civil;

2. Atos jurídicos – artigo 295.º do Código Civil;

3. Repercussão do tempo nas relações jurídicas – artigos 296.º a 333.º do Código


Civil;
FACTO JURÍDICO
Quando falamos acerca dos factos jurídicos necessitamos de considerar que existem:

a. Factos jurídicos voluntários – ações humanas, todos os atos resultantes da vontade. É a


vontade que provoca o próprio facto, contudo, poderá não abranger os efeitos jurídicos.

b. Factos Jurídicos involuntários – factos legais, factos naturais. O próprio facto produz-
se independentemente da vontade humana. (Ex. decurso do tempo, o nascimento, a aquisição
da maioridade, o perecimento natural de uma coisa.)
FACTO JURÍDICO
• Factos voluntários:

1. Factos lícitos – que estão de acordo com a ordem jurídica;

2. Factos ilícitos – que são contrários à ordem jurídica;

• Quantos aos efeitos:

Os efeitos jurídicos que decorrem de um facto ilícito implicam a aplicação de uma


sanção. A sanção civil procura reparar os danos sofridos (reestabelece os interesses
privados da pessoa ofendida).
FACTO JURÍDICO
OS ATOS JURÍDICOS (EM SENTIDO ESTRITO)

Os factos voluntários lícitos compreendem os atos jurídicos em sentido mais amplo (inclui os
negócios jurídicos e os atos jurídicos em sentido estrito).

Os atos jurídicos (em sentido estrito) – estão regulados no artigo 295.º do CC. Este produz
os seus efeitos independentemente da vontade.

Diferentemente, os negócios jurídicos caracterizam-se pela produção dos efeitos queridos


pela vontade.
FACTO JURÍDICO
• O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas:

1. A Prescrição – artigo 298.º, n.º1, 300º a 327.º do Código Civil

O devedor poderá opor-se ao exercício de um direito prescrito ou cumprimento da prestação,


nos termos do artigo 304.º do Código Civil. Caso tenha sido exercido o direito prescrito, este
não poderá ser repetido, nos termos do n.º 2 do aludido normativo legal.

Na prescrição, o direito de exigir (obrigação civil) fica reconduzido ao direito de pretender


(obrigação natural).
FACTO JURÍDICO
O prazo ordinário de prescrição é de 20 anos – artigo 309.º, 311.º, n.º 1 do CC. Porém, existem prazos
inferiores.

Quando é que o prazo começa a correr?

Quando o direito poderia ser exercido (artigo 306.º do Código Civil). Contudo, há dois incidentes na
contagem:

1. Interrupção – verificando-se uma causa de interrupção o tempo decorrido é desconsiderado


(artigo 326.º do CC);

2. Suspensão – verificando-se uma causa de suspensão o tempo decorrido mantém-se.


FACTO JURÍDICO
Artigo 310.º do CC – Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
FACTO JURÍDICO
Artigo 316.º do CC – Prescrevem no prazo de seis meses os créditos de estabelecimentos de
alojamento, comidas ou bebidas, pelo alojamento, comidas ou bebidas que forneçam, sem
prejuízo do disposto na alínea a) do artigo seguinte.
Artigo 317.º do CC - Prescrevem no prazo de dois anos:
a) Os créditos dos estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a
estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino, educação, assistência ou
tratamento, relativamente aos serviços prestados;
b) Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não
destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma
indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de
negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se
destine ao exercício industrial do devedor;
c) Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das
FACTO JURÍDICO
CASO PRÁTICO 1:

O António é estudante de Engenharia na Universidade Católica Portuguesa. Natural de Vila


Pouca de Aguiar, necessitou de arrendar um quarto perto da faculdade. O Sr. Manuel,
senhorio, aceitou arrendar o quarto, no valor de 250 €, por mês.

Acontece que, o António não pagou a renda de janeiro de 2021, pelo que, o Sr. Manuel
enviou uma carta, a 2 de março de 2021 interpelando-o para o cumprimento.

QUESTÃO: Estará a dívida prescrita? Fundamente a resposta.


FACTO JURÍDICO
Segunda parte da hipótese prática:

E se o Sr. Manuel tivesse intentado uma ação para cumprimento da prestação? Estaria em
causa uma causa de interrupção da prescrição?

Na resposta:

- Fazer a distinção entre causa de interrupção vs causa de suspensão (incluindo os efeitos);

- Enquadramento jurídico;

- Concluir se no caso concreto se verifica a interrupção e fundamentar.


FACTO JURÍDICO
2. A caducidade – artigo 298.º, n.º 2, 328.º a 333.º do Código Civil

O direito extingue-se a partir do momento em que expirou o prazo dentro do qual deveria ter
sido invocado (há uma preclusão do direito). Verificando-se a caducidade, o direito “morre”/
desaparece.

Esta exceção é reconhecida pelo tribunal, nos termos do artigo 333.º do CC e, caso exista,
conduz ao indeferimento liminar da petição, nos termos do artigo 474.º, n.º 1 do CC. A
caducidade é verificada em larga medida nos direitos potestativos.
FACTO JURÍDICO

CASO PRÁTICO 1:

O António pretende vender o carro, da marca Volvo, do ano 2016, pelo valor de
20.000 €. Para tanto, anunciou o negócio numa plataforma digital. O André gostou
do veículo e propôs a compra do mesmo, pelo valor de 15.000 €. O António não
pretende baixar o valor do negócio, contudo, apresentou a seguinte contraproposta:

“Aceita vender o veículo por 20.000 €, valor pago em duas prestações iguais, no
valor de 10.000 €.”
FACTO JURÍDICO
Para tanto, o André teria que aceitar o negócio nos 15 dias seguintes à receção da proposta
negocial. O André rececionou a proposta a 15 de outubro de 2021. Hoje, dia 9 de novembro,
contactou o António informando que aceita a proposta. O António informou que já havia
vendido o carro no dia 5 de novembro.

1. Poderia fazê-lo? Fundamente.

2. E se o negócio tivesse sido celebrado a 25 de outubro? A resposta seria a mesma?


Fundamente.

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