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PESSOAS COLETIVAS – resumos PPV

1. Compropriedade

Por vezes, a intervenção e atuação plural de várias pessoas, em torno de interesses comuns, é
juridicamente configurada como comunhão.

É construída uma contitularidade de um mesmo bem, em que todos comungam no


aproveitamento da utilidade potenciada por esse bem. Os contitulares relacionam-se com a
coisa, ou o direito, ou o bem objeto da comunhão, e só acessória e instrumentalmente
(secundariamente) uns com os outros.

A posição de várias pessoas em relação ao bem não é necessariamente igual, embora o seja
em princípio (art. 1403º e ss do CC). Pode divergir a nível quantitativo e qualitativo, mas tem
como polo dominante o aproveitamento comum da utilidade daquele bem de que são
contitulares.

1404º CC → compropriedade

Enquanto que nas estruturas contratuais as situações jurídicas se polarizam sobre as partes,
aqui é sobre o bom que é comum, com o qual todos os titulares se relacionam. A comunhão é
uma estrutura jurídica muito mais densa do que a contratual.

Comunhão romana → o bem determina o modo de exercício e da afetação

- o comproprietário tem direito a uma quota do bem, mas essa quota não corresponde a uma
parte determinada dele;

- identidade dos consortes não é essencial;

- podem transmitir as suas quotas, em princípio livremente, embora com preferência dos
outros na aquisição;

- qualquer consorte pode exigir a divisão, em princípio a qualquer tempo;

- divisibilidade pode ser limitada convencionalmente por períodos não superiores a 5 anos,
que podem ser renovados;

- as relações dos consortes são acessórias e secundárias;

Comunhão germânica (mão comum) → o fim a prosseguir deixa de se centrar sobre o próprio
bem e sobre o simples aproveitamento de toda a utilidade que este permitir; fim separado do
bem e cuja prossecução o bem fica afeto

- estrutura mais sólida e duradoura;

- os consortes não podem livremente alienar as suas quotas nem obter a divisão

Matilde Pinhol
Direito português tem semelhanças com esta comunhão na comunhão matrimonial e nos
baldios.

Diferenças entre comunhão romana e mera contratualidade

MC

- tudo se decide por consenso, por unanimidade;

- necessário acordo de todas as partes

CR

- regime de deliberação por maioria;

- necessário o acordo de todos, podendo ser desconsiderada a discordância de um ou mais


contitulares (sociabilidade; consagrado no art. 1407º CC)

1406º

1407º

1498º

Conclui-se: na compropriedade, qualquer dos comproprietários pode,


isoladamente, reivindicar a coisa comum e usá-la singularmente, contanto que não a
empregue para fim diferente daquela a que a coisa se destina e não prive os outros do
uso a que têm direito

O contrato é, em princípio, precário:

- pode ser revogado pelas partes quando quiserem;

- sem acordo, qualquer das partes pode ainda denunciar um contrato duradouro em
que não tenha sido estipulado um termo final

A compropriedade (comunhão romana) é também tipicamente instável:

- qualquer dos consortes pode obter a divisão, embora possa ser estipulada a indivisão
por períodos não superiores a 5 anos (art. 1412º CC)

Matilde Pinhol
A propriedade horizontal é mais sólida, não sendo admitida a divisão

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Pessoas coletivas:

1. De cariz corporativo ou associativo

Ex: associações e sociedades (agrupamentos de pessoas que se associam para a


prossecução de fins comuns)

2. De caráter fundacional ou institucional

Ex: fundações (institucionalização de fins dos seus fundadores a cuja prossecução são
afetados os meios patrimoniais necessários)

Personalidade coletiva → estrutura jurídica própria das formas mais sofisticadas do agir plural
e da institucionalização de fins, que se traduz numa autonomização jurídica em relação às
pessoas humanas individuais que as constituem ou que as instituem como centros autónomos
de imputação jurídica, como sujeitos de direito

DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS SOBRE PESSOAS COLETIVAS:

Ficcionismo personalista (SAVIGNY e WINDSCHEID) → vem do personalismo kantiano;


centrado sobre a pessoa humana, logo não admite a pessoa coletiva a não ser como uma
construção fictícia/artificial da ordem jurídica e não pode ser colocada no mesmo plano em
que se encontra a pessoa humana (esta sim constitui o fundamento onto-axiológico do Direito)

Esta visão é dualista: separa bem e com clareza a personalidade singular da coletiva como duas
realidades diferentes

Ficcionismo patrimonialista (BRINZ) → encara a personalidade coletiva como afetação da


massa patrimonial a um certo fim, para cuja prossecução a ordem jurídica atribui a capacidade
de ser sujeito de direitos e obrigações e de praticar atos jurídicos, à imagem das pessoas
singulares

Este modo de pensar nega a realidade da personalidade coletiva mas, diferentemente dele,
assenta a sua base, já não nas pessoas, mas nos bens que constituem o seu substrato. As
pessoas coletivas seriam patrimónios sem sujeito, afetos à prossecução de certos fins

Normativismo formalista (KELSEN) → parte da ordem jurídica e da norma para a pessoa; a


personalidade, tanto como singular ou coletiva, é uma construção da ordem jurídica: a pessoa,

Matilde Pinhol
como suporte de deveres jurídicos e direitos subjetivos, não é algo diferente dos deveres
jurídicos e dos direitos subjetivos dos quais ela se apresenta como portadora

As pessoas, coletivas e singulares, são a unidade personificada das normas jurídicas que
obrigam e conferem poderes, são construções jurídicas criadas pela ciência do direito

Segundo Kelsen, quando se diz que a ordem jurídica confere a uma corporação personalidade
jurídica, isso significa que a ordem jurídica estatui deveres e direitos que têm por conteúdo a
conduta dos indivíduos que são órgãos e membros da corporação constituída através de um
estatuto constitutivo da corporação

Monista

Realismo analógico (VON GIERKE) → entende as pessoas coletivas como entes realmente
existentes na vida social, dotados de um substrato próprio e que desempenham na sociedade
e na vida de relação papéis, e aí assumem uma individualidade e uma subjetividade nova,
diferente da dos seus membros, fundadores ou beneficiários

LARENZ → a pessoa coletiva é um “ente do mundo social” que permite a formação de uma
vontade comum, diferente das vontades de cada membro e a sua atuação através de órgãos,
como se de uma pessoa singular se tratasse.

PPV: a personalidade coletiva tem uma natureza jurídica análoga à da personalidade singular, à
da personalidade jurídica das pessoas humanas

As pessoas coletivas têm de comum com as pessoas humanas aquilo em que correspondem ao
exercício jurídico coletivo de pessoas humanas – associações e sociedades de pessoas – e à
autonomização de massas patrimoniais ou à institucionalização de fins de pessoas humanas –
sociedades de capitais e fundações.

As pessoas coletivas nascem, ou da institucionalização de agrupamentos de pessoas humanas


que através dela prosseguem organizadamente os seus interesses, ou da institucionalização de
fins de pessoas humanas que são por seu intermédio autonomizados, dotados de meios e
prosseguidos, ou da autonomização de massas patrimoniais de pessoas humanas que são
afetas à prossecução de fins humanos.

Pessoas coletivas são sempre, de alguma forma, um prolongamento de pessoas humanas. Não
são meras construções jurídicas ou puras ficções.

Mas não se lhes pode reconhecer uma posição paritária à das pessoas humanas, porque têm
em relação a elas diferenças relevantíssimas. Desde logo, as pessoas coletivas não têm
qualidade humana, e não têm a sua posição fundante e central no Direito. Por isso, a
personalidade jurídica é constituída e é-lhes atribuída pelo Direito, e pode por ele ser extinta,
ao contrário da personalidade das pessoas humanas, que e suprajurídica, e que o Direito não
pode deixar de reconhecer e respeitar.

A personalidade humana é hierarquicamente superior à das pessoas coletivas. Esta


superioridade não deve ser esquecida, principalmente quando perante pessoas coletivas de

Matilde Pinhol
enorme poder económico. É então de rejeitar a construção da dicotomia perfeita entre
pessoas coletivas e individuais, porque se trata de realidades que não se situam no mesmo
plano.

Relevante ainda as diferenças impostas pela natureza das coisas. As pessoas coletivas não são
pessoas humanas de carne e osso, não nascem e não morrem. As pessoas coletivas necessitam
de pessoas humanas que, enquanto titulares dos seus órgãos, tenham a consciência e formem
e exprimam a sua vontade.

A personalidade coletiva é enormemente mais pobre do que a das pessoas humanas. Por isso
sofrem grandes limitações ao nível da capacidade de gozo de direitos e têm os seus direitos e
deveres limitados ao que seja compatível com a sua natureza (art. 12º CRP).

A personalidade coletiva traduz-se na criação de uma nova subjetividade jurídica diferente da


dos seus fundadores, da dos seus membros, beneficiários, titulares dos seus órgãos e da de
terceiros, sem deixar, contudo, de ter a sua razão de ser na prossecução de interesses
humanos.

A lei exige a existência de um mínimo de substrato para a constituição e existência das pessoas
coletivas, que se extinguem quando esse substrato despareça. Mas a lei não é, salvo em casos
especiais, particularmente exigente quanto a esse substrato e à sua relevância social, limita-se,
em regra, a estabelecer requisitos mínimos.

a) Substrato

É a realidade social que suporta a personalização. É constituído por um complexo de


realidades que têm que ser reunidas e que se traduzem em três elementos: pessoas,
bens e fins (elemento teológico).

A lei e a doutrina resistiram em admitir a unipessoalidade das sociedades que a prática


dos negócios exigia e que era vulgarmente alcançada através de vários expedientes.
Pretendia-se evitar a limitação da responsabilidade patrimonial do empresário às
forças do negócio e da empresa. Mas a vida de relação e a natureza das coisas
acabaram por impor a admissão da constituição e continuação de sociedades
comerciais de capitais com um sócio apenas. O fim prosseguido é o da limitação do
risco económico da empresa, o que não envolve em si nada de ilícito.

PERSONALIDADE COLETIVA PERMITE COMPARTIMENTAÇÃO, LIMITAÇÃO E O


CONTROLO DOS RISCOS ECONÓMICOS DA EMPRESA

O elemento teleológico assume uma posição dominante como orientador da atividade


da pessoa coletiva.

Os elementos do substrato não devem ser encarados separados uns dos outros, mas
antes integrados entre si.

Nas associações o elemento pessoal – os sócios – é dominante. Os sócios associam-se


para, em conjunto, cooperarem com vista à realização do fim. Os bens postos em

Matilde Pinhol
comum são acessórios e fungíveis: são aqueles que forem necessários para financiar a
atividade social, normalmente dinheiro ou indústria.

Nas sociedades de capitais, o substrato inclui normalmente uma empresa, um seu


setor ou uma “unidade de negócio”. O elemento pessoal tem um diferente cariz,
consoante se trate de uma sociedade por quotas, em que a pessoas dos sócios tem
ainda individualidade, ou uma sociedade anónima em que se torna indiferente a
identidade dos sócios. O fim consiste na produção de lucro, através de certa atividade
(objeto social). Neste tipo de sociedades é notório o fim da limitação do risco
empresarial à empresa e aos capitais nela investidos. Nos grupos de sociedades, é
corrente estruturar partes ou setores da empresa em diferentes pessoas coletivas.

b) Elemento pessoal

Em todas as pessoas coletivas desempenham um papel importante as pessoas humanas.

Fundações:

- o elemento pessoal do substrato concentra-se na pessoa do fundador que institui a pessoa


coletiva e lhe fixa o fim que esta prosseguirá

- não têm sócios nem associados e o papel dos fundadores resume-se ao ato de fundação

Associações e sociedades:

- o elemento pessoal assume uma importância mais marcada e integra as pessoas dos
fundadores e bem assim dos associados ou sócios que venham a ingressar na associação ou
sociedade posteriormente à sua constituição e que regem os destinos da pessoa coletiva
durante toda a sua vida

Art. 46 CRP → Exige que os membros das associações o sejam livre e voluntariamente, não
podendo ninguém ser coagido a ingressar ou a permanecer membro de qualquer associação.

A lei estabelece números mínimos de sócios, consoante o tipo de sociedade.

Como corolário da importância do elemento pessoal nas associações e sociedades, estas


extinguem-se se desaparecer a totalidade dos seus associados (art. 182º/1, d) CC) ou se o
número de sócios se tornar inferior ao exigido pela lei.

c) Elemento patrimonial

Matilde Pinhol
As pessoas coletivas carecem de meios para a prossecução dos seus fins. Estes meios
são os bens com que os fundadores as dotam no ato da sua constituição, os que lhe
advenham posteriormente, ou por aumento de capital, ou pela entrada de novos
sócios e ainda aqueles que as próprias pessoas coletivas obtenham por si próprias.
Estes bens constituem o património da pessoa coletiva e desempenham um papel
instrumental à realização dos seus fins.

Fundações:

- menor importância do elemento pessoal conduz a um maior peso relativo do


elemento patrimonial

- o elemento patrimonial não deixa de ser instrumental em relação à realização do fim,


contudo, não deixa de ser verdade que há fundações que são constituídas à volta de
certo bem ou bens que se deseja perpetuar e a cujo suporte económico se dirige a
constituição da fundação e outras em que é o fim prosseguido que domina, sendo
indiferente a natureza dos bens que são dotados e que têm apenas de ser os
necessários à prossecução do fim social.

O ELEMENTO PATRIMONIAL É IMPRESCINDÍVEL, E NÃO SÃO PERMITIDAS AS PESSOAS


COLETIVAS SEM PATRIMÓNIO. QUANDO PERCAM O SEU PATRIMÓNIO, AS PESSOAS
COLETIVAS EXTINGUEM-SE POR FALÊNCIA.

d) Elemento teleológico

Fundações → fins de interesse social


Associações → fins não lucrativos
Sociedades → fins lucrativos

Nas fundações, o elemento teleológico é dominante. As fundações só podem ser


instituídas se tiverem um fim reconhecido como de interesse social (arts. 157º e
188º/1 CC). A importância deste elemento ressalta ainda do facto de constituir causa
de extinção das pessoas coletivas o preenchimento do fim ou a impossibilidade de o
alcançar, quando o fim real na coincida com o estatuário, ou quando seja
sistematicamente prosseguido por meios ilícitos e imorais (arts. 182º/2 e 192º/2 CC).
Também nas sociedades civis simples, o esgotamento ou impossibilidade do fim
determina a extinção (art. 1007º CC) e nas sociedades comerciais o artigo 141º CC
impõe a extinção no caso de realização completa ou de ilicitude superveniente do fim
social.

e) Reconhecimento

Caso a caso – reconhecimento por concessão

Matilde Pinhol
Ex: fundações (158º/3 e 188º CC)

Reconhecimento normativo – as associações ficam dependentes da constituição por escritura


pública, com respeito da lei, e do depósito dos estatutos do Governo civil

Este regime rege ainda as sociedades comerciais e as sociedades civis sob forma comercial e
ainda outras pessoas coletivas de direito privado, como os agrupamentos complementares de
empresas e os agrupamentos europeus de interesse económico, que adquirem personalidade
jurídica pela constituição por escritura pública com respeito pela lei e pela matrícula no registo
civil.

Divergência doutrinária: não existe consenso na doutrina quanto a serem ou não dotadas de
personalidade jurídica (as sociedades civis simples), pois a sua personalidade não resulta de
expressa declaração legal nesse sentido, mas antes do regime jurídico efetivamente constante
da lei.

A tipicidade das pessoas coletivas

Pessoas coletivas de direito privado:

- fundações

- sociedades (civis simples, anónimas, por quotas, em nome coletivo e em comandita)

- agrupamentos complementares de empresas

- agrupamentos europeus de interesses económicos

- cooperativas

Não é admitida a constituição de pessoas coletivas atípicas, mistas ou de outros tipos.

Associações – pessoas coletivas de base associativa (corporações) constituídas por uma


pluralidade de membros com vista à realização de um fim e dotadas dos meios económicos
necessários; não têm fins lucrativos

O voto é, em princípio, por cabeça, as participações sociais não são transmissíveis (art. 995º
CC) e não há distribuição de dividendos

Têm autonomia patrimonial perfeita, a responsabilidade das dívidas sociais é limitada ao


respetivo património e nunca se comunica aos sócios

Livre constituição (liberdade de associação)

Matilde Pinhol
Fundações – pessoas coletivas de caráter institucional

Não têm sócios nem membros e correspondem à autonomização e institucionalização de um


fim do seu fundador, que tem de ser de interesse social, e para cuja prossecução são dotadas
dos meios necessários.

Não têm fim lucrativo

Constituição não livre, depende de um ato específico de reconhecimento pelo Estado

Sociedades – pessoas coletivas de caráter associativo, com fim lucrativo

São sociedades comerciais aquelas que tenham por objetivo a prática de atos de comércio e
adotem um dos tipos previstos no CSC

São sociedades civis as demais

DOUTRINA: é discutido se as sociedades civis simples têm personalidade jurídica. Alguns tipos
de sociedades em nome coletivo não têm autonomia patrimonial perfeita, respondendo os
sócios pelas dívidas sociais, subsidiariamente em relação à sociedade, solidariamente entre si e
sem limitação de valor. Nas sociedades de pessoas – sociedades civis simples – e sociedades
em nome coletivo – o voto é por cabeça; nas sociedades por capitais – sociedades por quotas e
anónimas – e nas sociedades em comandita o voto é por capital. A sua constituição é livre e as
participações sociais são transmissíveis. Os lucros apurados no exercício são distribuídos pelos
sócios (dividendos).

ACEs – pessoas coletivas de cariz associativo formadas por pessoas singulares ou coletivas que
se agrupam com o “fim de melhorar as condições do exercício ou de resultado das suas
atividades económicas”.

Têm personalidade jurídica, mas sem autonomia patrimonial perfeita, sendo os membros em
princípio responsáveis pelas dívidas da ACE.

Em princípio, não têm fim lucrativo, mas podem ter por fim acessório a realização e partilha de
lucros apenas quando assim for autorizado expressamente pelo contrato constitutivo.

A transmissão, entre vivos ou por morte, da parte de cada agrupado só pode verificar-se
juntamente com a transmissão do respetivo estabelecimento ou empresa, mas a atribuição ao
transmissário da qualidade de novo membro depende do consentimento do agrupamento.

Constituição livre

Cooperativas – pessoas coletivas de caráter associativo e sem fim lucrativo formadas por uma
pluralidade de pessoas que se associam para a satisfação das necessidades e aspirações
económicas, sociais e culturais dos seus membros através da cooperação e entreajuda dos
seus membros e com obediência aos princípios cooperativos

O voto é por cabeça e não podem distribuir dividendos

Matilde Pinhol
Partes sociais não transmissíveis

Os tipos de pessoas coletivas têm alguma elasticidade. Significa isto que no seio de cada tipo é
ainda lícito estipular com alguma amplitude, nos respetivos estatutos ou no respetivo contrato
social, dentro da margem da liberdade que a lei deixa à autonomia privada.

No campo das pessoas coletivas privadas a autonomia está algo limitada:

- Existe autonomia no que respeita à decisão de criar a pessoa coletiva e de modelar os seus
estatutos, com respeito pelos preceitos da lei

- Com a limitação de que a constituição das fundações está sujeita à anuência da autoridade
administrativa no que respeita ao fim social e à suficiência dos meios

Mas a autonomia não abrange nem a criação de novos tipos de pessoas coletivas nem a
constituição de pessoas coletivas atípicas.

Em virtude, da estipulação no respetivo pacto social ou estatuto, as pessoas coletivas podem


desviar-se em relação ao cerne do tipo, sem que, todavia, deixem de ser típicas e sem violar o
princípio da tipicidade.

Exemplo: quando nos estatutos de uma sociedade anónima se estipula que a transmissão de
ações nominativas fica dependente da própria sociedade e sujeita a direito de preferência dos
demais sócios, ficando, porém, a sociedade obrigada a adquirir ou fazer adquirir essas ações e
pelos respetivos preços, em caso de recusa ou de transmissão projetada.

Nota:

A comandita divide-se em 2 subtipos:

1. Comandita simples
2. Comandita por ações

Tem 2 tipos de sócios: os sócios comanditários são de responsabilidade limitada e os sócios


comanditados respondem pessoal e ilimitadamente pelas dívidas sociais, subsidiariamente em
relação à sociedade e solidariamente entre si, tal como sucede nas sociedades em nome
coletivo.

Na comandita simples, as participações dos sócios são configuradas como nas sociedades em
nome coletivo; nas comanditas por ações, são representadas por ações como nas sociedades
anónimas

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Matilde Pinhol
As partes sociais das cooperativas são configuradas em títulos, à semelhança das sociedades
anónimas, mas a sua transmissão só é permitida com autorização da própria cooperativa.

Os sócios não são responsáveis pelas dívidas sociais

Voto por cabeça

AUTONOMIA

Menor autonomia → sociedades civis simples

Maior autonomia → sociedades em nome coletivo e associações; autonomia superior nas


associações

Autonomia clara → cooperativas e sociedades de capitais; contudo não tão intensa como nas
fundações

Classificação das pessoas coletivas

1. De direito público VS de direito privado

D. Público: Estado, regiões autónomas, autarquias locais e Institutos públicos

D. Privado: corporações e fundações

2. Quanto ao fim prosseguido: fim desinteressado ou altruístico VS fim interessado ou


egoístico

As primeiras têm por fim a prossecução de interesses sociais ou alheios (fundações e pessoas
coletivas de direito público)

As segundas têm por fim a prossecução de fins próprios fundadores ou associados


(sociedades)

2.1 Pessoas coletivas de fim interessado: Fins ideais (não económicos; interesses
desportivos, culturais, científicos ou artísticos) VS fins económicos (obtenção de
vantagens patrimoniais para os seus membros)

2.1.2 Pessoas coletivas de fim económico interessado: de cariz lucrativo (obtenção de


um enriquecimento diretamente no património da própria pessoa coletiva, o qual,
deduzido dos respetivos custos, forma o lucro, que depois de apurado é
distribuído pelos associados) VS cariz não lucrativo (obtenção de vantagens
patrimoniais diretamente no património dos membros da pessoa coletiva, não
havendo lugar a distribuição de lucros)

Matilde Pinhol
A capacidade de gozo das pessoas coletivas

Arts. 160º/1 CC e 6º do CSC

O exercício jurídico por parte das pessoas coletivas tem limitações importantes decorrentes da
natureza das coisas (art. 12º CRP, 160º/2 CC e 2ª parte do art. 6 do CSC).

Não têm sentimentos, vontade psicológica ou intencionalidade → não têm capacidade de gozo
para a titularidade de situações e posições jurídicas que pressuponham a qualidade humana
(caráter familiar, sucessão ativa; não podem casar, não morrem…).

No entanto, as pessoas coletivas têm capacidade sucessória passiva (art. 2033º/2, b) CC) e
podem, por isso, ser herdeiras ou legatárias, se forem contempladas em testamento.

CONCLUSÃO: pessoas coletivas têm capacidade específica de gozo → esta ideia não é correta,
na verdade, se as pessoas coletivas têm a sua capacidade de gozo limitada pela natureza das
coisas, o mesmo sucede também com as pessoas singulares

Em matérias que são próprias à sua natureza, as pessoas coletivas têm capacidades de gozo
que as pessoas singulares não têm: podem fundir-se, aumentar e reduzir capital, modificar o
seu fim social e dissolver-se. A lei reserva-lhes ainda, mais às sociedades comerciais, o
exercício de atividades económicas específicas.

Às pessoas singulares está vedada a titularidade das posições jurídicas como as


correspondentes ao banqueiro e ao segurador.

Limitações legais específicas à atuação de certas pessoas coletivas

Há ainda, previstos na lei, casos algo frequentes em que certas pessoas coletivas são proibidas
de ser titulares de certas posições jurídicas, e exercer certas atividades ou de praticar certos
atos, sem que tal decorra da natureza das coisas, mas antes de específicas razões de
racionalidade económica ou de utilidade social.

Estas limitações à atividade das pessoas coletivas suscitam um problema de qualificação que
não é neutro em relação ao regime e consequências jurídicas. Importa saber se devem ser
qualificadas como incapacidades de gozo e qual a consequência jurídica da sua violação.

2 formas de abordagem do problema:

1. Poder-se-ia partir de uma prévia qualificação para o regime jurídico ou, inversamente,
deste para aquela; procurar-se-ia qualificar estas limitações a partir da natureza da
personalidade coletiva; se fossem qualificadas como incapacidades de gozo, a
consequência seria a nulidade dos atos praticados com a sua violação

Matilde Pinhol
2. O caminho aqui seria o inverso: partir-se-ia da descoberta da consequência jurídica da
violação das limitações legais e, com base nela, proceder-se-ia à qualificação

Uma solução que parte do conceito para o regime é dum acabado concetualismo. Limitada a
uma dedução lógica, ignora as necessidades da vida, é muito vulnerável ao erro e conduz a
soluções frequentemente desrazoáveis e injustas. Vale mais ensaiar as soluções possíveis para
concluir pelas mais adequadas e justas.

Caso a lei estatua expressamente sobre a consequência da violação, será esse o regime
aplicável. A personalidade coletiva é uma criação da lei. Não tem o fundamento ético-
ontológico da personalidade singular. Por isso, não há, em princípio, impedimento a que a lei
estatua a consequência jurídica da sua própria violação.

Caso a lei não preveja uma concreta consequência, importa saber perante o seu regime
específico, colocação sistemática e demais elementos de interpretação, e ponderados ainda os
valores e interesses em presença, qual a razão determinante da proibição legal e quais os
valores que a determina, isto é, qual a ratio legis.

As atuais proibições à aquisição de imóveis não necessários à instalação e funcionamento das


instituições de crédito e bem assim a realização de operações não autorizadas ou que lhes
sejam especialmente vedadas são consideradas “infrações especialmente graves” punidas com
coimas ou sanções acessórias.

Importa saber se os atos praticados com violação dessas limitações são válidos ou inválidos. As
limitações legais nos casos em questão, não têm a ver com os atos em si, mas antes e apenas
com a sua ligação à sociedade que os pratica.

O fim e o objeto social das pessoas coletivas

Fim – objetivo que desencadeia a ação do agente e que, por isso, está imanente nessa ação.
Implica intencionalidade e projeto

Fim social – aquele que orienta a vida das pessoas coletivas e que torna compreensíveis e
juridicamente valoráveis as suas ações

- Como o fim das pessoas coletivas está ligado ao seu objeto social

Objetivo social – âmbito social da atividade que a pessoa coletiva se propõe desenvolver a
título principal para prosseguir o seu fim; concretiza o sentido do fim social

A atividade que a pessoa coletiva vai exercer para a prossecução do seu fim determina esse
fim. O grau de amplitude do objetivo social pode ser maior ou menor e é determinado no ato
de constituição da pessoa coletiva, ficando expresso nos seus estatutos.

Art. 160 CC→ DIREITOS E OBRIGAÇÕES NECESSÁRIOS À PROSSECUÇÃO DO OBJETO SOCIAL


DA PESSOA COLETIVA

• Introduz grande maleabilidade e elasticidade na determinação da área de atuação


lícita

Matilde Pinhol
Art. 6 CSC

Em princípio, o fim e o objeto social das pessoas coletivas de direito civil e comercial estão ao
alcance da autonomia privada. São fixados pelos fundadores e podem ser modificados
posteriormente.

Esta regra tem exceções:

1. Fundações: o art. 188º do CC exige a prévia verificação do fim, que tem de ser
considerado “de interesse social pela entidade competente”.
2. Sociedades: a sua constituição está sujeita a licenciamento prévio como sucede, entre
outros, com as instituições de crédito e as companhias de seguros

A lei estatui um regime em que há um prévio e específico juízo de mérito. Se a constituição das
pessoas coletivas, nos casos como os referidos, é controlada, também a modificação posterior
do fim e do objeto social não ser alcançada livremente e sem prévio controlo. Estes casos são,
porém, excecionais e só vigoram quando previstos na lei. A regra geral é a da liberdade.

Capacidade de exercício nas pessoas coletivas

Pela sua semelhança com o regime de representação legal dos menores e dos maiores
acompanhados, a “representação” das pessoas coletivas pelos titulares dos seus órgãos foi
assimilada à tutela.

Em rigor, esta equiparação não se justifica. A ratio legis da incapacidade de exercício das
pessoas singulares não se verifica nas pessoas coletivas. As definições de experiência,
discernimento e de autodomínio de menores não existe nunca nas pessoas coletivas.

A necessidade de órgãos nas pessoas coletivas nada tem de patológico ou de anormal e


corresponde à sua natureza e normalidade.

É próprio da natureza das pessoas coletivas terem órgãos. As pessoas coletivas não podem
deixar de ter uma organização cuja sofisticação é variável com o respetivo tipo.

A organicidade é esta característica das pessoas coletivas de terem sempre, e não poderem
deixar de ter órgãos e funcionar por seu intermédio. Não é, pois, correto, falar de incapacidade
genérica de exercício a propósito das pessoas coletivas.

Tem sido criticada a qualificação como representação orgânica, da relação entre as pessoas
coletivas e os titulares dos seus órgãos.

Esta relação é muitas vezes qualificada como mandato e a própria lei remete por vezes a sua
disciplina jurídica para as regras do mandato (art. 164º/1 CC), assim como refere a atuação dos
órgãos externos das pessoas coletivas como representação (art. 163º CC).

Objeta-se que o conceito de representação exige que haja uma dualidade de pessoas e, em
rigor, tal não se verifica neste caso, porque os órgãos fazem parte da pessoa coletiva e não lhe
são alheios. Mas esta crítica é apenas concetual.

Matilde Pinhol
Representação → imputação à autoria de uma pessoa de atos ou omissões de autoria de
outrem

Na representação orgânica, é imputado à pessoa coletiva o agir, em seu nome, dos titulares
dos seus órgãos. Trata-se de uma modalidade de representação que é típica da organicidade.

Organização das pessoas coletivas

Órgão de uma pessoa coletiva → centro institucionalizado de poderes funcionais a exercer por
um indivíduo ou colégio de indivíduos que nele sejam providos, com o objetivo de exprimir a
vontade juridicamente imputável à pessoa coletiva (MARCELLO CAETANO)

Arts. 162º, 164º e 170º do CC

“Mandato” → relação orgânica entre os titulares dos órgãos e a pessoa coletiva

1156º CC

Quando os titulares dos órgãos são membros da respetiva pessoa coletiva, o estatuto dos
titulares dos órgãos pode ser extraído do contrato social.

Quando os titulares dos órgãos sociais não forem sócios, torna-se mais clara a autonomia
entre o contrato de administração e os estatutos da pessoa coletiva a cuja estrutura esses
órgãos pertencem.

Previamente à sua designação como titulares de órgãos da pessoa coletiva, podem ser
celebrados contratos formais entre a pessoa coletiva e o órgão, em que sejam estipuladas as
pertinentes matérias quanto ao exercício profissional, remunerações, duração do mandato,
incompatibilidades, e outras que as partes, em autonomia privada, acordem entre si.

Na generalidade dos casos, porém, esta estipulação é oral, não ficando a constar de qualquer
escrito, ou mesmo simplesmente tácita.

Na falta de estipulação expressa, os usos vigentes na própria pessoa coletiva e no tráfego,


podem auxiliar a concretizar o conteúdo do contrato tal como tacitamente estipulado, pois
não é difícil concluir “com toda a probabilidade” que esse conteúdo será o que é usual naquela
pessoa coletiva naquelas circunstâncias.

Órgãos das pessoas coletivas:

1. Órgãos deliberativos
2. Órgãos executivos
3. Órgãos de fiscalização

Matilde Pinhol
Nas SA está hoje prevista uma estrutura orgânica mais complexa:

1. Assembleia Geral (competência deliberativa, eletiva e de fiscalização da


administração; se discordar da gestão pode destituir e substituir a administração, mas
não pode substituir-se-lhe no exercício das suas competências);
2. Conselho Geral;
3. Direção (tal como a gerência ou administração tem funções de gestão da pessoa
coletiva e bem assim do seu contacto e vinculação externos; podem ser-lhe confiadas
pelos estatutos e competências deliberativas, mas apenas em casos especiais);
4. Fiscal único (fiscalização da gestão e das contas da pessoa coletiva).

Nas sociedades que tenham emitido obrigações deve ainda haver um órgão
representativos dos titulares das obrigações.

Os atos ultravires

São legítimos os atos e atividades da pessoa coletiva que são dirigidos à prossecução do
seu fim, no âmbito do seu objeto social. Estão viciados por ilegitimidade os atos e
atividades das pessoas coletivas que sejam alheios ao seu fim e ou que estejam fora do seu
objeto. São atos e atividades ultravires.

Sobre o art. 160º CC → a doutrina tem levado socialmente a concluir que é a capacidade
de gozo da pessoa coletiva que aí está a ser limitada ao que for necessário ou conveniente
à prossecução do seu fim. Esta interpretação conduz à conclusão de que os atos praticados
pelas pessoas coletivas fora deste âmbito são nulos por falta de capacidade de gozo, por
aplicação conjunta dos arts. 160º e 294º CC.

Divergência doutrinária

Oliveira Ascenção: As pessoas coletivas têm capacidade de gozo genérica, limitada apenas
pela sua natureza não humana, o que as priva dos direitos exclusivos da personalidade
humana, como são os direitos de personalidade que se fundem na personalidade
ontológica. É isso que resulta do art. 12 da CRP. O regime do 160º “não tem praticamente
nada a ver com a capacidade de direito”. “A limitação pelo fim não significa uma limitação
da capacidade: ou só significará em hipóteses extremas, quando a prossecução do fim for
incompatível com a titularidade de certas situações jurídicas. A eventual anomalia residirá
no desvio em relação ao fim, e não na incapacidade. Pois a pessoa coletiva pode praticar
atos daquela categoria e ser titular dos direitos dela derivados. O que não pode é praticá-
los de maneira a afastar-se dos seus fins. Assim, diremos que também a pessoa coletiva
tem capacidade genérica, e não específica, não obstante a vastidão das limitações
constantes do art. 160º/2 CC.

Marcello Caetano: (acerca das fundações) “Mais que uma limitação de capacidade, o
princípio da especialidade é um condicionamento funcional do exercício dos direitos, de
que a pessoa coletiva é capaz. Deverão, assim, ser nulos os atos praticados com desvio dos
fins estatuários? Se tais atos interessaram a outras pessoas, e estas estiverem de boa fé,
não parece conveniente à segurança das relações jurídicas e ao próprio crédito da pessoa

Matilde Pinhol
coletiva adotar uma regra tão severa. Salvo o conluio doloso das partes, em que a nulidade
pleno jure se impõe, os negócios jurídicos em que intervenha uma pessoa coletiva com
violação do princípio da especialidade devem ser apenas anuláveis em ação judicial a
requerimento do Ministério Público ou de qualquer das partes.”

O fim concretizado pelo objeto social não tem a ver com o âmbito da capacidade de gozo
das pessoas coletivas, mas antes com a legitimidade que sejam alheias a esse mesmo fim.
A questão que suscita é antes de ilegitimidade

Art. 6º CSC → tem bastante elasticidade por não se restringir aos atos e atividades que
sejam rigorosamente necessários à prossecução do fim social e alarga-se também aos que
sejam simplesmente convenientes, que sejam coadjuvantes, auxiliares e ou que, para tal,
possam contribuir numa maior ou menor medida.

Art. 160º CC → não explícita as consequências jurídicas dos atos praticados; aplica-se
diretamente a associações, fundações e as sociedades civis simples, quando tenham
personalidade jurídica

O artigo 6º CSC deve ser interpretado de acordo com o artigo 9º da 1ª Diretiva sobre
Sociedades e deve ser concretizado sem desvios em relação ao seu sentido. Os atos
“alheios ao objeto social” vinculam perante terceiros, salvo apenas “quando esses atos
excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos.”

Esta regra está refletida na redação do número 4 do artigo 6º do CSC, naquilo em que
restringe a referência a “cláusulas contratuais e deliberações sociais”, excluindo assim, os
casos de contrariedade à lei.

Retira-se a necessidade de distinguir os casos em que a fixação do fim e do objeto são


exclusivamente tributários da autonomia privada (disponíveis) e aquelas em que na sua
fixação intervêm imposições heterónomas legais (indisponíveis).

Art. 188º CC

Art. 9º CC conjugado com o art. 160º/1 CC

Deve admitir-se que sejam cominados com a sanção da nulidade os atos praticados pelos
órgãos da pessoa coletiva em seu nome quando se conclua que a sua prática esteja fora da sua
disponibilidade, seja fixado por lei ou autorizado ou aprovado pelo Estado, com sentido de
Ordem Pública, de tal modo que a prática de ato ultra vires se traduza numa ofensa para a
ordem pública subjacente à fixação (ou aprovação ou autorização) do objeto social.

Matilde Pinhol
Também a sanção de nulidade será de admitir quando a prática do ato seja especialmente
vedada pela lei. Nestes casos, porém, a nulidade não é consequente de falta de capacidade de
gozo da pessoa coletiva, mas antes de contrariedade a lei injuntiva ou à ordem pública, do ato
praticado (art. 280º CC).

A vinculação das pessoas coletivas

Os atos praticados pelos titulares dos órgãos e representantes das pessoas coletivas que
estejam fora do seu objeto social e não possam ser considerados nem sequer convenientes
ainda que indireta e remotamente, à sua prossecução, vinculam a pessoa coletiva e podem ser
tidos como da sua autoria?

O CC não contém regras específicas sobre a vinculação das pessoas coletivas. De acordo com a
nova legislação, as SA e sociedades por quotas ficam vinculadas, perante terceiros, pelos atos
em seu nome praticados pelos seus administradores e gerentes, dentro dos poderes que a lei
lhe confere, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultantes de
deliberações dos seus sócios.

As sociedades só podem opor a 3os as limitações resultantes do seu objeto social se provarem
que esses 3os sabiam ou não podiam ignorar que os atos praticados não respeitavam o objeto
social. Isto tem de ser concreto e real, e não pode ser simplesmente inferido da publicidade
que legalmente deve ser dada ao contrato da sociedade.

Quando se prove que os 3os sabiam que os atos foram praticados para além do objeto social,
ainda assim esses mesmos atos são válidos e vinculam a sociedade se, entretanto, esta os tiver
assumido por deliberação expressa ou tácita dos seus sócios (206º/2 e 409 CSC)

O mesmo ocorre por analogia no caso das associações e fundações.

A responsabilidade das pessoas coletivas

A doutrina do direito civil tem-se debruçado sobre o tema da responsabilidade das pessoas
coletivas a propósito da velha querela da sua capacidade de exercício.

O regime da responsabilidade das pessoas coletivas tem sido utilizado como argumento para a
conclusão sobre sobre se as pessoas coletivas sofrem de uma genérica de incapacidade de
exercício, sendo então, necessariamente, representados por titulares dos seus órgãos, ou se,
ao invés organicidade que as caracteriza, dispensa recurso ao regime da incapacidade de agir.
A última alternativa é cada vez mais dominante.

Perante o conceito jurídico de representação, não se poderia responsabilizar a pessoa coletiva


por atos praticados e danos causados pelos titulares dos seus órgãos, considerados como seus
representantes. Seriam juridicamente imputáveis aos representantes que as praticassem.

MANUEL DE ANDRADE afirma que se traduziria num privilégio injustificável.

Matilde Pinhol
A lei diferencia responsabilidade civil:

- contratual

- aquiliana

- dos titulares dos órgãos das pessoas coletivas

Regime jurídico básico da RCA das pessoas coletivas → 165º CC

Art. 6º/5 CSC

Art. 998º CC (sociedades civis simples)

Remissão implícita para o 500º CC

A responsabilidade do comitente pelos atos ou omissões do comissário depende de se


verificarem em relação a este – ao comissário – os pressupostos da responsabilidade civil.

O comitente não pode defender-se invocando a violação ou incumprimento das suas


instruções. O comitente tem direito de regresso contra o comissário, pelas quantias que tiver
pago no cumprimento da sua responsabilidade, excetuando o caso em que ele seja também
culpado, caso em que direito de regresso é graduado consoante “a medida das respetivas
culpas” (497º CC)

Art. 800º/1 CC

Assume ainda caráter relevante a importância do regime jurídico da responsabilidade civil dos
titulares dos órgãos das pessoas coletivas, perantes as próprias pessoas coletivas a que
pertencem, perante os seus credores e perante 3os.

Art. 72º CSC e ss

A desconsideração da personalidade coletiva

Pessoas coletivas:

- juridicamente autónomas em relação às pessoas dos seus instituidores ou membros

- atos e sit. Jurídicas imputadas às pessoas coletivas não podem ser imputadas aos seus
instituidores ou membros e vice-versa

- princípio da separação sempre coenvolvido pela personalidade coletiva

O mau uso da personalidade coletiva, para fins ilícitos, tem suscitado um movimento
jurisprudencial e doutrinário, com reflexo já na própria letra da lei, no sentido da
“desconsideração da personalidade coletiva”.

Disregard of legal entity – desconsideração, pelo juíz no caso concreto, quando a forma da
pessoa coletiva é utilizada abusivamente para fins desonestos

Matilde Pinhol
A desconsideração da personalidade coletiva ocorre quando não obstante a separação entre
as esferas jurídicas da pessoa coletiva e dos respetivos sócios, inerentes à personalidade
coletiva, o direito imputa ao sócio a autoria ou a responsabilidade de atos da pessoa coletiva,
como se, no caso concreto, personalidade coletiva não houvesse, sem que por isso, a
existência e a personalidade da pessoa coletiva em causa sejam denegadas.

Atua em 2 campos:

- imputação subjetiva de conhecimentos, qualidades ou comportamentos juridicamente


relevantes

- imputação da responsabilidade patrimonial

A principal dificuldade enfrentada pela teoria da desconsideração da personalidade coletiva


consiste na fundamentação, sem o suporte de preceitos legais, da imputação ao sócio de
situações ou comportamentos da sociedade, e vice-versa, ou de responsabilidades
patrimoniais da sociedade, e vice-versa. Nos casos expressamente previstos na lei, a
desconsideração justifica e fundamenta o regime legal, mas é a lei que suporta juridicamente a
decisão.

Será juridicamente permitido desconsiderar em casos não expressamente previstos na lei?

Numa perspetiva subjetivista, exige-se, como fundamento o abuso consciente e intencional,


com um fim ilícito, da separação pessoal e patrimonial entre a pessoa coletiva e o seu sócio, o
seu membro ou mesmo o seu instituidor ou beneficiário. Exige-se então que haja consciência e
intencionalidade de contornar e frustrar, melhor dizendo, de defraudar o regime legal de
imputação subjetiva ou de responsabilidade limitada. → no caso de se provar a consciência o
Direito desconsidera essa separação pessoal ou patrimonial como se não existissem. Não se
anula nem se declara a nulidade da pessoa coletiva em questão, que continua a existir, mas
simplesmente não atende à separação pessoal e patrimonial por ela envolvida.

Numa perspetiva objetivisita, pretende-se dispensar a demonstração da consciência e


intencionalidade subjetivas. Argumenta-se com dificuldade da sua prova e ainda que o
resultado juridicamente indesejável constituiria, só por si, fundamento suficiente para a
desconsideração, ainda que sem consciência nem intencionalidade subjetiva. A objetivação da
desconsideração facilita a sua aplicação. Também aqui pensamos no enquadramento desta no
âmbito da fraude à lei, permite conceder-lhe uma fundamentação sólida e uma operação
controlável.

Será então justificada a desconsideração desde que o regime jurídico de separação pessoal e
patrimonial inerente à personalidade permita contornar a intencionalidade normativa da
ordem pública, ainda que sem consciência nem intencionalidade subjetiva, ou apenas sem a
sua prova.

Matilde Pinhol
Pensa-se, pois, que é no quadro da fraude à lei que deve ser operada a desconsideração
extralegal da personalidade jurídica. Mas a mesma pode ainda operar nos quadros de
operadores jurídicos como abuso de direito, abuso do instituto, responsabilidade orgânica ou
responsabilidade por atuação sobre bens alheios. Porém, sem suporte legal ou de outros
operadores, a desconsideração, só por si, é inábil para o afastamento da separação pessoal e
patrimonial inerente à pessoa coletiva. No entanto, encontra autonomia enquanto operador
que permite desatender a separação pessoal e patrimonial inerente à personalidade jurídica,
no caso concreto, sem atingir a validade nem a personalidade da pessoa coletiva em questão.

Matilde Pinhol

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