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Teoria Geral do Direito Privado

1 Profª Eliete Vanessa Schneider

5 NEGÓCIO JURÍDICO

5.1 Noções Gerais sobre o negócio jurídico: diante da atual estrutura


capitalista em que vivemos o negócio jurídico é o mais importante de todos
os fatos jurídicos. Pode ser conceituado como toda ação/omissão
decorrente de ato humano capaz de produzir efeitos jurídicos de criar,
modificar ou extinguir direitos. A mais forte marca do negócio jurídico é a
presença incontestável da autonomia da vontade. Em outras palavras,
“É a declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos
de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos
admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente” (STOLZE,
2016, p. 389).

O negócio jurídico mais comum é o contrato. Mas existem outros


como o testamento.

Importante mencionar que o negócio jurídico deve ser analisado sob


três planos:

a) Existência – um negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se,


para que seja considerado como tal, o atendimento a certos
requisitos mínimos;

b) Validade - o fato de um negócio jurídico ser considerado existente


não quer dizer que ele seja considerado perfeito, ou seja, com
aptidão legal para produzir efeitos;
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c) Eficácia – ainda que um negócio jurídico existente seja considerado


válido, isto não importa em produção imediata de efeitos, pois estes
podem ser limitados por elementos acidentais da declaração.

Entretanto, antes de adentrar no estudo dos planos supramencionados,


mister se faz a análise acerca da classificação dos negócios jurídicos.

5.2 Classificação. A classificação mais comum dos negócios jurídicos é a


seguinte:

* Negócios receptícios e não receptícios: O negócio jurídico receptício é aquele


em que a manifestação da vontade de uma parte deve estar em
consonância com a outra parte a fim de que o negócio se constitua e
produza efeitos.

A B (duas vontades dirigidas em


sentidos opostos). Por ex: contrato de
compra e venda

Já os negócios não receptícios são aqueles que se realizam com uma


simples manifestação unilateral de vontade. Por ex: promessa de
recompensa (art. 1512, CC).

A B

* Negócios inter vivos e mortis causa: Os negócios inter vivos são aqueles que
se realizam/aperfeiçoam enquanto as partes estão vivas. Por ex: contrato
de locação. Já os negócios mortis causa são aqueles cujos efeitos só se
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produzem depois da morte das partes. É o caso dos testamentos e contratos


de seguro de vida.

* Negócios onerosos e gratuitos: oneroso é o negócio em que as partes


acordam uma prestação e uma contra prestação pecuniária, produzindo,
para ambas, vantagens e encargos. São negócios sinalagmáticos
(reciprocidade). No negócio gratuito apenas uma das partes obtém
vantagens, enquanto a outra somente encargos. É o caso da doação.

* Negócios solenes e não solenes: solenes são aqueles que, por sua própria
natureza ou por determinação legal, exigem o cumprimento de
determinadas formalidades para que se configurem perfeitos. É o caso, por
ex., do casamento. Não solenes são aqueles que não exigem tais
formalidades para se constituírem. A forma nestes casos apenas é relevante
para a prova da existência do negócio.

Interpretação do Negócio Jurídico

*art. 112- “teoria da vontade acima da declaração”


*art. 113- boa-fé se presume
*art. 114- renúncia é interpretada restritivamente
*as cláusulas contratuais devem ser interpretadas em conjunto.

5.3 Plano de existência do negócio jurídico – Elementos constitutivos

É nesse plano que se estudam os elementos constitutivos do negócio


jurídico, sem os quais estar-se-ia diante de um “não ato”, não havendo que
se cogitar em validade ou eficácia. Importante mencionar que embora o
Código Civil não tenha reservado capítulo expresso para o plano de
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existência, o reconhecimento doutrinário e jurisprudencial desta teoria é


verdadeiro imperativo lógico, prescindindo de reconhecimento legal
expresso.

Marcos Bernardes de Mello (APUD STOLZE, 2016, p. 395) afirma


que
no plano da existência não se cogita de invalidade ou
eficácia do fato jurídico, importa, apenas, a realidade da
existência. Tudo aqui fica circunscrito a saber se o suporte
fático suficiente se compôs, dando ensejo à incidência.

São elementos constitutivos os seguintes:

a) Manifestação da vontade: A manifestação ou declaração de vontade


poderá ser expressa- através da palavra escrita ou falada, gestos ou
sinais – ou tácita – aquela que resulta de um comportamento do
agente. O emprego de meios que neutralizem a manifestação
volitiva, como a violência física ou até a hipnose, tornam inexistente
o negócio jurídico.

b) Agente emissor de vontade: Sem o sujeito, não poderá falar-se e ato,


mas, tão somente em fato jurídico em sentido estrito. A participação
do sujeito de direito (pessoa natural ou jurídica) é indispensável para
a configuração existencial do negócio jurídico.

c) Objeto: O objeto é a utilidade física ou ideal, em razão do qual giram


os interesses das partes. Assim, se a intenção é celebrar um contrato
de mútuo, a manifestação de vontade deverá recair sobre coisa
fungível, sem a qual o negócio simplesmente não se concretizará. Da
mesma forma, em um contrato de prestação de serviços, a atividade
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do devedor em benefício do tomador (prestação) é o objeto da


avença.

d) Forma: a forma é o meio pelo qual a declaração se exterioriza. É o


tipo de manifestação através do qual a vontade chega ao mundo
exterior (escrita, oral, silêncio, sinais). Importante frisar que a
inobservância da forma legalmente prescrita atinge o plano de
validade, não de existência (exemplo: escritura pública para compra
e venda de área com mais de 30 salários mínimos).

5.4 Plano de Validade do Negócio Jurídico: O Código Civil brasileiro


enumera, em seu artigo 104, os pressupostos legais de validade do negócio
jurídico: Agente capaz, Objeto lícito, possível, determinado ou
determinável e Forma prescrita ou não defesa em lei. Embora não esteja
enumerado no artigo mencionado, considera-se ainda pressuposto a
manifestação de vontade livre e de boa fé. Passemos a analisa-los.

a) Manifestação de vontade livre e de boa fé: dois princípios devem


convergir para que se possa reconhecer como válida a manifestação de
vontade: o princípio da autonomia privada e o princípio da boa fé. Quanto
a este último, se uma parte obteve o consentimento da outra por dolo,
violou-se o princípio, e o negócio resultante há que ser invalidado.

A manifestação da vontade deve ser livre e de boa-fé, não podendo


conter vício do consentimento, nem vício social, sob pena do negócio
jurídico se considerado inválido. O consentimento pode ser expresso
(escrito ou oral) ou tácito. No segundo caso será sempre aceito, exceto se a
lei exigir que seja expresso. O silêncio também é fato gerador do Negócio
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Jurídico, mas deve indicar sempre um comportamento volitivo livre e


desimpedido (art. 111, CC).

b) Capacidade do agente: Como todo o negócio jurídico pressupõe uma


declaração de vontade, a capacidade do agente é elemento indispensável a
sua validade. Por esta razão que os absolutamente incapazes são
representados por seus pais, tutores ou curadores, conforme estejam sobre
o poder familiar, tutela ou curatela; e os relativamente incapazes, apesar
de poderem praticar atos da vida civil, deverão ser assistidos pelas pessoas
que a lei determinar, salvo naquelas hipóteses em que a lei permite que
atuem na esfera jurídica civil sem assistência.

Atenção: ato praticado por agente absolutamente incapaz sem a devida


representação é nulo (art. 166, I, CC), e o realizado pelo relativamente
incapaz, quando não for devidamente assistido é anulável (art. 171,I,
CC).

Importante: *Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser
invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos co-interessados
capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação
comum. A incapacidade relativa de regra não pode ser invocada pela outra
parte em benefício próprio, POIS A INCAPACIDADE É UMA EXCEÇÃO
PESSOAL.
*Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus
poderes, produz efeitos em relação ao representado. A representação é a relação
jurídica pela qual determinada pessoa se obriga diretamente perante
terceiro, mediante ato praticado, em seu nome, por um representante ou
intermediário. A manifestação de vontade do representante produz efeitos
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em relação ao representado nos limites dos poderes a ele conferidos. Nesta


relação o representado adquirirá os direitos dele decorrentes e assumirá as
obrigações que dele advierem (este é o principal efeito da representação).

*Art. 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em


nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de,
não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem. O representante tem
o dever de provar a sua condição de representante e os limites dos poderes
a ele atribuídos para todos aqueles que em nome dele vierem a contratar
com o representado, sob pena de responder por excessos. De regra, todos
os atos podem ser praticados por intermédio de representante, exceto os
personalíssimos.

*Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico


que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo
mesmo. Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante
o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido subestabelecidos.
Dispõe sobre a permissão de realização de substabelecimento (exceto no
caso de poder familiar, tutela e curatela) e vedação, em regra, de
autocontrato.

*art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de


interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem
com aquele tratou. Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão
do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se
a anulação prevista neste artigo. Negócio Jurídico celebrado por
representante em conflito de interesses com o representado será nulo se a
parte celebrante tiver conhecimento do conflito. O prazo é de 180 dias para
fazer a alegação da anulabilidade. Para que os atos negociais celebrados
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em conflito de interesses entre representante e representado sejam válidos


a lei exige que sejam celebrados perante curador especial, art. 1692, CC.

*A capacidade não se confunde com a legitimação. Enquanto a primeira é


um requisito geral de validade do negócio jurídico a segunda, apesar de
também ser necessária à validade do negócio jurídico, exige-se apenas em
dadas circunstâncias. Ex.: outorga uxória, ilegitimidade do indigno no que
tange ao direito sucessório, ilegitimidade do tutor de adquirir bens do
tutelado, ilegitimidade do ascendente vender bens a descendente. Veja que
em todos os casos há capacidade, mas falta legitimidade, existe uma
proibição legal de negociar em algumas hipóteses especificadas. Assim a
falta de legitimação pode tornar o negócio jurídico anulável.

c) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável: para que o


Negócio Jurídico seja válido é necessário que o seu objeto seja lícito. A
licitude é a conformidade com a lei a não contrariedade aos bons costumes
e à ordem pública e moral. SE ILÍCITO O SEU OBJETO NULO É O
NEGÓCIO JURÍDICO (art. 166, II, CC). Além de lícito deve ser possível,
física (imóvel na lua) e juridicamente (alienação de herança de pessoa
viva). Também o objeto pode ser determinado, quando as partes o
descrevem anteriormente, ou determinável quando pode ser identificado
pelo gênero e pela quantidade (ver artigos. 252 e 106, CC).

d) Forma do negócio jurídico. A forma é o meio pelo qual se expressa a


manifestação de vontade nos negócios jurídicos. É o conjunto de
solenidades que devem ser observadas para que o negócio tenha validade
jurídica. O Código adota o princípio da forma livre. É o que dispõe o art.
107, CC: a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial,
senão quando a lei expressamente a exigir.
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Porém quando o ato exigir a forma determinada em lei a sua


ausência gera a sanção da nulidade do ato (art. 166, IV, CC).

Desta maneira, vige em nosso sistema a regra geral de que, qualquer


que seja a forma, a emissão de vontade, em princípio, é dotada de poder
criador, exceto quando a solenidade integra a substância do negócio
jurídico.

Assim, a forma do negócio jurídico pode ser:

livre- o negócio se perfaz por qualquer meio, desde que se


comprove uma emissão de vontade livre (mímica, gesto,
silêncio). Ex: arts. 227 e 541, CC.

solene- quando a forma é integrante do ato, garante


autenticidade, assegura a livre manifestação de vontade. Ela
pode ser única, quando não pode ser feita de outra maneira a
não ser a fixada especificamente para o caso, por exemplo, art.
108; plural, quando a mais de uma maneira para que o negócio
jurídico seja celebrado, podendo as partes optarem por um
dos modos, exemplo: art. 1609, CC; art. 62, CC e contratual,
quando eleita pela partes, art. 109, CC.

5.5 Plano de eficácia do negócio jurídico: Como já mencionado, o plano de


existência é o plano dos elementos, posto que elemento é tudo que integra
a essência de alguma coisa. Parte da doutrina classifica o plano de
existência como “elementos essenciais gerais” ao negócio jurídico.
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Já no plano de validade, será realizada a análise de requisitos do


negócio jurídico, porque estes são condição necessária para o alcance de
certo fim. Parte da doutrina nomeia o plano de validade como “elementos
essenciais particulares”.

Assim sendo, se não existir, ou não for válido, o negócio jurídico não
será eficaz. Pode também, o negócio jurídico existir, ser válido, mas não ter
eficácia, por não ter ocorrido ainda, por exemplo, o implemento de uma
condição imposta. Estas “condições”, importante mencionar, são
conhecidas como elementos acidentais.

5.6 Elementos acidentais: são estipulações ou cláusulas acessórias que as


partes podem adicionar em um negócio jurídico para modificar uma ou
algumas de suas consequências naturais (efeitos). São declarações de
vontade acessórias ligadas a outra que é principal. E podem ser implícitas
ou explícitas. Dividem-se em condição, termo e encargo.

Condição: cláusula que subordina o efeito do negócio jurídico a um fato


FUTURO e INCERTO. A condição dever ser: *possível, física e
juridicamente, arts. 123 e 124, CC; * lícita, art. 122, CC; * voluntária.

Esta condição pode ser suspensiva ou resolutiva. É suspensiva


quando as partes protelam, temporariamente, a eficácia do negócio até a
realização do evento futuro e incerto. Com o advento da condição
aperfeiçoa-se o efeito do negócio, operando-se ex tunc, desde o dia de sua
celebração. Tem, portanto, efeito retroativo. Art. 125 e 126, CC.

Já a condição resolutiva subordina a ineficácia do negócio jurídico a


um evento futuro e incerto, arts. 127 e 128, CC. Tem efeito ex nunc.
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Atenção para o art. 130, que dispõe sobre atos de conservação no


direito eventual. Conforme a redação do artigo a condição suspensiva ou
resolutiva não obsta o exercício dos atos destinados à conservação da coisa.
Os frutos também não precisam ser devolvidos.

Quanto à condição cumpre ressaltar as seguintes regras:

* a capacidade das partes e a forma do negócio regem-se pela norma


jurídica em vigor no tempo de sua constituição.
* o direito condicional é transmissível por ato inter vivos ou mortis causa.
* antes do inadimplemento da condição não é possível que o credor exija o
seu cumprimento.
* se o devedor pagar antes de cumprida a obrigação o credor fica obrigado
a restituir.

Termo: cláusula que subordina o efeito do ato a evento FUTURO e CERTO.


É o dia em que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico. O
termo pode ser inicial (suspensivo) quando fixar o momento em que a
eficácia do negócio deve iniciar, retardando o exercício do direito, arts. 131
e 135, CC. Pode ser final (resolutivo) se determinar a data da cessação dos
efeitos do ato negocial, extinguindo as obrigações dele oriundas. Ainda o
termo pode ser certo ou incerto, dependendo da (im)possibilidade de
estabelecer a data de sua ocorrência.

Encargo ou modo: cláusula acessória que impõe um ônus ao destinatário.


Normalmente vem com a doação ou com o testamento. O encargo não
suspende a aquisição nem o exercício do direito (art. 136, CC); e se
impossível é considerado como não escrito (art. 137, CC).

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