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TEORIA GERAL DO NEGÓCIO JURÍDICO, ATO JURÍDICO, FATO
JURÍDICO
Amanda Godoy Cottas
Fatos jurídicos em sentido amplo são acontecimentos que podem ser oriundos
de determinação humana (atos jurídicos) ou de fatos naturais (fatos jurídicos em
sentido estrito), que geram, modificam, conservam, transferem ou extinguem relações
jurídicas.
Fatos simples ou ajurídicos: são aqueles cuja ocorrência não possui relevância
para o mundo jurídico.
Involuntários (naturais): fatos jurídicos em sentido estrito. Ocorrem
independentemente da vontade do ser humano. Ocorrem pela ação da natureza (a morte,
uma inundação, o nascimento etc.);
b) Voluntários (humanos): atos jurídicos em sentido amplo. Derivam da vontade
direta do ser humano e podem ser lícitos ou ilícitos.
Os atos jurídicos podem ser lícitos ou ilícitos.
a) Lícitos: quando produzem efeitos legais, conforme a vontade de quem os
pratica (casamento, contratos).
b) Ilícitos: quando produzem efeitos legais contrários à Lei (homicídio, roubo).
Os atos lícitos podem se dividir em:
a) atos jurídicos strictu sensu (aqueles praticados pelo homem, cujos efeitos já
são previamente definidos pela ordem jurídica – a vontade é manifestada para aderir aos
efeitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico).
b) negócios jurídicos (aqueles praticados pelo homem com a intenção de criar,
modificar, conservar, extinguir ou transferir direitos – os efeitos são escolhidos pelas
partes).
Assim, o negócio jurídico é uma declaração de vontade do indivíduo tendente a
um fim protegido pelo ordenamento jurídico.
No negócio jurídico há a manifestação de vontade dos contratantes. Além disso,
alguns negócios jurídicos requerem, além da declaração, uma ação material posterior,
como por exemplo, na compra e venda de um bem móvel, onde além de os contratantes
declararem que querem celebrar a compra e venda, há a posterior tradição do bem. Sem
a tradição, o negócio não se aperfeiçoa.
Em regra, o negócio jurídico envolve pelo menos a declaração de vontade de duas
ou mais partes, mas pode haver negócio jurídico onde existe apenas a declaração de
vontade de uma parte.
Assim, o negócio jurídico poder ser:
a) Unilateral: se existe apenas a manifestação de vontade de um agente
(declaração de nascimento de filho).
b) Bilateral: se existe a manifestação da vontade de dois agentes, criando entre
eles uma relação jurídica (contrato de compra e venda). Nesse caso, o Ato Jurídico
passa a se chamar Negócio Jurídico (todos os contratos, o empréstimo pessoal etc.).
c) Plurilateral: duas ou mais partes, com interesses coincidentes no plano
jurídico. Exemplos: Contrato de consórcio e o contrato de sociedade entre várias
pessoas.
Pontes de Miranda criou uma teoria para explicar e estudar a concepção dos
elementos essenciais, naturais e acidentais do negócio jurídico.
O negócio jurídico tem três planos:
–plano da existência;
–plano da validade;
–plano da eficácia.
ERRO: caracteriza-se pela falsa percepção da realidade, que deve ser espontânea
(pois se provocada essa falsa percepção, restará caracterizado o dolo).
De forma que por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, age
de modo que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação. Artigo 138
do CC.
Para viciar a vontade e anular o ato negocial, esse deverá ser substancial,
escusável e real. Artigo 139 do CC.
O erro, enquanto vício capaz de provocar a anulação do negócio jurídico, deve
ser substancial ou essencial (ou seja, aquele que recai sobre circunstâncias e aspectos
relevantes do negócio que celebra, bem como sobre a existência de norma jurídica que
afete a manifestação de vontade.) Será escusável, no sentido de que há de ter por
fundamento uma razão plausível ou ser de tal monta que qualquer pessoa de atenção
ordinária seja capaz de cometê-lo em face da circunstância do negócio. e real (produziu
um prejuízo ao declarante). Não haverá anulação nos casos em que apesar do erro a
pessoa a quem a vontade se dirige oferece para executá-la conforme a real vontade do
manifestante (art. 144, CC ).
O erro será substancial quando interessar à natureza do negócio, ao objeto
principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; disser respeito à
identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade,
desde que tenha influído nesta de modo relevante e quando sendo de direito e não
implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio
jurídico (art. 139, CC).
DOLO: ocorre quando alguém faz uso de artifício com o fim de induzir o sujeito
a se equivocar na manifestação de sua vontade. O dolo acidental (atinente a aspectos
secundários do negócio, já que este seria realizado, com ou seu a utilização dessas
manobras maliciosas), não gera a anulação, mas apenas dá direito a pleitear indenização
por perdas e danos (art. 146, CC).
Doutrinariamente se distingue o dolo bom (meros exageros) e dolo mau (com a
intenção de prejudicar), de modo que somente este tem o condão de macular o negócio
jurídico. Apenas este último vicia o negócio jurídico. O dolo pode ser comissivo
(através da ação) ou omissivo (silêncio intencional de informações relevantes –
influenciaria na intenção de querer ou não se relacionar).
O dolo pode ser praticado pelo próprio agente, aquele que será beneficiado com a
declaração de vontade, ou por terceiro, e, nesse caso, gerará anulação quando a parte
que o aproveite tem ou devesse ter esse conhecimento.
Art. 150, CC:. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo
para anular o negócio, ou reclamar indenização. – dolo recíproco.
Pode-se afirmar que o dolo difere do erro, em razão da espontaneidade deste.
O dolo acidental (dolo incidens) só obriga a satisfação de perdas e danos, sendo
acidental quando a seu despeito; o negócio seria realizado, embora por outro modo.
Nessa modalidade observa-se um elemento desimportante, secundário e, por isso, não
seria anulável.
Não se pode confundir o dolo-vício do negócio jurídico com o dolo da
responsabilidade civil.
O dolo-vício está relacionado com um negócio jurídico, sendo a causa da sua
celebração (dolo essencial). Sendo o dolo essencial ao negócio jurídico, causará a sua
anulabilidade, conforme art. 171, II, do CC, devendo ser proposta a ação no prazo de 4
anos (prazo decadencial) da celebração do negócio jurídico, pelo interessado (art. 178,
II, do CC).
O dolo da responsabilidade civil não está relacionado a um negócio jurídico, não
gerando anulabilidade. Porém, caso eventualmente atinja um negócio jurídico, será de
forma secundária, devendo ser tratado como dolo acidental, gerando somente o dever
de pagar perdas e danos (art. 146, do CC).
Coação: no plano da validade, faz-se referência à coação moral, já que a coação
física pertence ao plano da existência. Quando se trata de coação moral, pode-se dizer
que, o agente possui duas ou mais opções de escolha quanto ao comportamento que terá,
embora se saiba que essa escolha não é livre e desembaraçada.
A coação física é chamada, também, de vis absoluta, e a coação moral é chamada,
também, de vis compulsiva.
A coação há de ser séria e iminente (mal iminente e considerável à sua pessoa, à
sua família ou aos seus bens) e nessa análise as características pessoais do coagido
também serão levadas em consideração. Mas é importante esclarecer que o legislador
também permitiu que o juiz avalie a ameaça de mal iminente dirigida às pessoas que
não são da família do coagido.
Caso a coação seja exercida por terceiro é possível que se proceda à anulação do
negócio jurídico desde que o beneficiado saiba ou ao menos possua condições de saber
da sua ocorrência. Nesse caso, o beneficiário responderá solidariamente com o coator
(art. 154, CC), assegurado o direito regressivo (art. 155, CC). O mero temor reverencial
e o exercício regular de um direito não caracterizam coação (art. 153, CC).
A coação leva à anulabilidade do negócio jurídico, conforme art. 171, II e art. 178,
I, do CC.
ESTADO DE PERIGO (CC, 156): ocorre quando alguém, premido da
necessidade de salvar a si (ou a pessoa de sua família) de um grave dano conhecido
pela outra parte, assume prestação manifestamente excessiva.
O estado de perigo possui dois elementos. Um subjetivo e outro objetivo.
O elemento subjetivo é o conhecimento da outra parte da situação de risco que
atinge o primeiro. Esse elemento diferencia o estado de perigo da lesão e da coação.
O elemento objetivo é a onerosidade excessiva, ou seja, a pessoa, temerosa de
grave dano ou prejuízo celebra negócio mediante uma prestação exorbitante.
O estado de perigo leva à anulabilidade do negócio jurídico, conforme art. 171, II
e art. 178, II, do CC.
Para afastar a anulação do negócio e a correspondente extinção, poderá o juiz
utilizar-se da revisão do negócio jurídico. Assim é o entendimento da III Jornada de
Direito Civil, em que foi aprovado o Enunciado nº 148.
148 - “Ao ‘estado de perigo’ (art. 156) aplica-se, por analogia, o disposto no § 2.º
do art. 157”.
Lesão: (CC, 157): é caracterizada pela desproporção das prestações no
momento da celebração do negócio jurídico. A invalidação com base nesse vício tem
como fundamento o princípio do equilíbrio contratual.
A lesão ocorre quando uma pessoa, por premente necessidade ou inexperiência,
obriga-se a prestação manifestamente desproporcional.
Para a caracterização da lesão é necessária a presença de um elemento objetivo,
formado pela desproporção das prestações, a gerar uma onerosidade excessiva, um
prejuízo a uma das partes e um elemento subjetivo: a premente necessidade ou
inexperiência, da parte.
Não se confunde com a cláusula rebus sic standibus, porque a desproporção é
originária e não superveniente.
Na lesão, se a parte beneficiada concordar em suplementar o valor faltante ou
concordar com a redução do seu proveito, o negócio poderá ser mantido.
Esse é o entendimento adotado na III Jornada de Direito Civil:
Enunciado n. 149: Art. 157 - Em atenção ao princípio da conservação dos
contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial
do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os
contratantes a seguir as regras do art. 157, § 2.º, do Código Civil de 2002.
150 – Art. 157: A lesão de que trata o art. 157 do Código Civil não exige dolo de
aproveitamento.
E também na IV Jornada de Direito Civil:
290 – Art. 157. A lesão acarretará a anulação do negócio jurídico quando
verificada, na formação deste, a desproporção manifesta entre as prestações assumidas
pelas partes, não se presumindo a premente necessidade ou a inexperiência do lesado.
Enunciado n. 291: Art. 157 - Nas hipóteses de lesão previstas no art. 157 do
Código Civil, pode o lesionado optar por não pleitear a anulação do negócio jurídico,
deduzindo, desde logo, pretensão com vistas à revisão judicial do negócio por meio da
redução do proveito do lesionador ou do complemento do preço.
Tem-se buscado em atenção ao princípio da conservação dos contratos a revisão
contratual no caso de lesão e não a sua anulação.
A lesão gera a anulabilidade negócio jurídico viciado, conforme art. 171, II e art.
178, II, do CC.
Fraude contra credores: é o artifício utilizado pelo devedor no intuito de
dilapidar seu patrimônio prejudicando assim seus credores.
Nos termos preconizados pelo art. 158, CC, os negócios de transmissão gratuita
de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles
reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores
quirografários, como lesivos de seus direitos.
Neste vício a vítima não participa do ato, mas sofre suas consequências.
Vislumbra-se prática maliciosa, realizada pelo devedor, de atos que desfalcam
seu patrimônio, com o fim de colocá-lo a salvo de uma execução por dívidas em
detrimento dos direitos creditórios alheios.
Dois são seus elementos: o objetivo (eventus damni), que é todo ato prejudicial
ao credor, por tornar o devedor insolvente ou por ter sido realizado em estado de
insolvência, ainda quando o ignore ou ante o fato de a garantia tornar-se insuficiente; e
o subjetivo (consilium fraudis), que é a má-fé, a intenção de prejudicar do devedor ou
do devedor aliado a terceiro, ilidindo os efeitos da cobrança.
Essa fraude concede ao prejudicado a legitimidade para propor ação pauliana ou
revocatória. Também se estende essa legitimidade aos credores com garantia real,
quando esta se torna insuficiente. O prazo para a propositura dessa ação é de 4 anos (art.
178, II, CC).
Sobre a fraude contra credores, foi aprovado na III Jornada de Direito Civil o
enunciado nº 151:
151 – Art. 158: O ajuizamento da ação pauliana pelo credor com garantia real (art.
158, § 1o) prescinde de prévio reconhecimento judicial da insuficiência da garantia.
E na IV Jornada de Direito Civil:
292 – Art. 158. Para os efeitos do art. 158, § 2º, a anterioridade do crédito é
determinada pela causa que lhe dá origem, independentemente de seu reconhecimento
por decisão judicial.
É possível a conservação do negócio quando o valor pago pelo adquirente tiver
sido aproximadamente o de mercado ou quando depositar a diferença (art. 160, CC).
A fraude contra credores não se confunde com a fraude à execução, já que nesta o
ato de alienação capaz de reduzi-lo à insolvência é praticado depois da propositura de
ação contra devedor, mesmo que em processo de conhecimento.
A fraude à execução está disciplinada no art. 792 do NCPC.
A fraude contra credores sujeita o negócio jurídico à anulabilidade, conforme art.
171, II e art. 178, II, do CC.
SIMULAÇÃO: constitui uma declaração enganosa de vontade para prejudicar
terceiros ou burlar lei imperativa.
Na simulação absoluta, não existe nenhum negócio jurídico celebrado, há apenas
um negócio aparente (simulado). Diferentemente, na simulação relativa, há um
negócio diverso (dissimulado) por trás do negócio aparente (simulado).
O que existe é uma declaração de vontade mentirosa.
São seus requisitos:
a) divergência intencional entre a vontade real e a exteriorizada;
b) acordo simulatório entre as partes;
c) o objetivo de prejudicar terceiros.
O Abuso de Direito
O abuso de direito acontece quando o agente, atuando dentro dos limites da lei,
não considera a finalidade social do seu próprio direito subjetivo e o exorbita, causando
prejuízo a outrem.
Parte da doutrina entende que no abuso de direito, não é necessário que o agente
aja culposamente, infringindo um dever preexistente, mas apenas agindo dentro do seu
direito, em alguns casos, pode ser responsabilizado.
Assim, prescinde da ideia de culpa.
art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-
fé ou pelos bons costumes".
A ilicitude do ato abusivo se caracteriza sempre que o titular do direito se desvia
da finalidade social para a qual o direito subjetivo foi concedido.
- tu quoque: ocorre quando alguém viola uma determinada norma e depois tenta
tirar proveito dessa situação. É a deslealdade que gera a quebra da confiança depositada.
A proibição desse tipo de abuso visa resguardar o equilíbrio.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do
indispensável para a remoção do perigo".
A legítima defesa (art. 188, I, primeira parte, do CC-02; art. 160, I, do CC-16)
pressupõe a reação proporcional a uma injusta agressão, atual ou iminente, utilizando-se
moderadamente os meios de defesa postos à disposição do ofendido.
A desnecessidade ou imoderação dos meios de repulsa poderá caracterizar o
excesso, proibido pelo direito.
Se o agente exercendo a prerrogativa de defesa, atingir terceiro inocente, caberá
indenização.
“Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188,
não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que
sofreram.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de
terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que
tiver ressarcido ao lesado.
Diferente do que ocorre na legítima defesa, o agente não reage a uma situação
injusta, mas atua para subtrair um direito seu ou de outrem de uma situação de perigo
concreto.
“Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou
porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar
passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário".
§ 2.º Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho,
poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.
Quem pratica ato ilícito fica responsável pela indenização dos danos a que
culposamente der causa.
“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo". Artigo 927 do CC.
Trata-se da sanção civil que a norma jurídica liga à prática de ato violador de
direitos subjetivos.
Assim, quem age como não deveria agir (incorre em ato ilícito) tem o dever de
indenizar as perdas e danos a que der causa.
Deve indenizar os prejuízos que produziu com sua conduta ilícita. É chamada essa
hipótese de responsabilidade civil subjetiva, porque fundada na culpa do agente
causador do dano.