Você está na página 1de 9

INTENSIVO I

Flávio Tartuce
Direito Civil
Aula 7

ROTEIRO DE AULA

Teoria geral do negócio jurídico

4. Teoria geral do negócio jurídico (CC, arts. 104 a 185)

4.1. Conceitos iniciais: fato, ato e negócio jurídico

I – Esquema:

Natural: fato jurídico


Busca de finalidade
"stricto sensu".
específica: negócio
Exemplos: chuva e
jurídico
tempo.
Fato jurídico "lato Lícito: ato jurídico "lato
sensu" (Direito) sensu"
Fato (qualquer Humano (vontade): fato Efeitos legais: ato
ocorrência) jurígeno jurídico "strito sensu"
Ilícito (responsabilidade
Fato não jurídico
civil)

Ato-fato jurídico -
"Conceito
metamorfo"

1
www.g7juridico.com.br
II – Conceitos:

a) Fato jurídico: fato + Direito.


É um fato que interessa ao Direito, podendo ser natural ou humano. O fato humano é o fato jurígeno. O fato natural é o
fato jurídico "stricto sensu". Exs. Chuva, decurso do tempo, prescrição.

b) Ato jurídico: fato + Direito + vontade + licitude.


Trata-se de um fato jurídico, com elemento volitivo e conteúdo lícito.
Observação n. 1: há uma polêmica doutrinária em torno do “conteúdo lícito”: o ato ilícito também é ato jurídico? Duas
correntes:
• Não. Ele é antijurídico (Vicente Rao, Orosimbo Norato, Zeno Veloso, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona).
• Sim. O ato ilícito gera efeitos para o Direito (Pontes de Miranda, Silvio Venosa e Moreira Alves).

c) Negócio1 jurídico: fato + Direito + vontade + licitude + composição de interesse (s) com finalidade específica.
É um fato jurídico com elemento volitivo e conteúdo lícito. Nesse ato jurídico, há uma composição de interesse ou
interesses com finalidade específica.
Segundo Antônio Junqueira de Azevedo, o negócio jurídico é a principal forma de expressão da autonomia privada.
O autor conceituava negócio jurídico como todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que todo o
ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos pelas partes, desde que preenchidos os seus
elementos de existência, validade e eficácia.
Exemplos de negócios jurídicos: casamento, contrato e testamento.

d) Ato jurídico “stricto sensu”: fato + Direito + vontade + licitude + efeitos meramente legais.
Trata-se de um ato jurídico em que os efeitos são meramente legais (Marcos Bernardes de Mello).
Não há a busca de uma finalidade específica como acontece no negócio jurídico.
Exemplos de atos jurídicos “stricto sensu”: ocupação de um imóvel, reconhecimento de um filho e pagamento direto de
uma obrigação.
Observação n. 2: Art. 185 do CC: “Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber,
as disposições do Título anterior”. Pelo teor do dispositivo, aplicam-se aos atos jurídicos em sentido estrito, no que
couber, as mesmas regras dos negócios jurídicos. Exemplo: vícios do negócio jurídico. É possível anular o
reconhecimento de filho por erro. Ressalva deve ser feita para os casos de parentalidade socioafetiva, que serão
estudados no Intensivo II.

1
Origem da palavra “negócio”: “neg” + “otium”: negação do ócio.

2
www.g7juridico.com.br
e) Ato-fato jurídico ou ato real (Pontes de Miranda): trata-se de um fato jurídico qualificado por uma vontade não
relevante juridicamente em um primeiro momento, mas que se revela relevante por seus efeitos. Exemplos:

• Achado de um tesouro sem querer.


• Criança de 10 anos que compra o lanche na escola (Enunciado 138, III Jornada de Direito Civil2).
• Pouso de emergência de um avião (relação contratual de fato).

4.2. Elementos constitutivos do negócio jurídico (“Escada Ponteana”/”Pontiana” – Giselda Hironaka)


Pontes de Miranda dividiu o negócio jurídico em três planos:

• Plano da existência.
• Plano da validade.
• Plano da eficácia.
Esquema:

Plano da eficácia

Plano da validade

Plano da existência

O esquema é perfeitamente lógico, pois para que o negócio jurídico seja válido ele deve existir.
Para que o negócio jurídico gere efeitos, deve ele existir e ser válido, em regra.
Porém, como exceção, o negócio jurídico pode existir, ser inválido e estar gerando efeitos.
Exemplo: contrato acometido pelo vício da lesão (art. 157, CC), antes da ação anulatória. Aliás, se a ação anulatória não
for proposta no prazo decadencial de quatro anos (art. 178 do CC), o negócio jurídico convalida.

2
Enunciado 138, III JDC: “A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º é juridicamente
relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento
bastante para tanto.”

3
www.g7juridico.com.br
Observação n. 3: pela convalidação, o negócio jurídico inválido passa a ser válido. A convalidação pode ocorrer pela:

• Confirmação das partes (expressa ou tácita).


• “Cura pelo tempo”.
• Conversão.

a) Plano da existência
Aqui estão os elementos mínimos do negócio jurídico que formam o seu suporte fático (pressupostos de existência). São
substantivos sem adjetivos:
• Partes.
• Vontade.
• Objeto.
• Forma.

Se o negócio jurídico não apresentar tais pressupostos, será inexistente, ou seja, “um nada para o Direito”.
Observação n. 4: A teoria da inexistência foi criada na Alemanha, em 1808, por Zacarias, com a finalidade de explicar o
casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil, essa teoria não foi adotada pelo Código de 1916 nem pelo Código
de 2002, os quais procuraram resolver os problemas do negócio jurídico no plano da validade.
Sílvio Rodrigues dizia que a teoria da inexistência é inútil, inexata e inconveniente.

b) Plano da validade
Aqui os substantivos recebem adjetivos, surgindo os requisitos de validade previstos no art. 104 do Código Civil de
20023:
• Partes capazes.
• Vontade livre.
• Objeto lícito, possível e determinável.
• Forma prescrita ou não defesa em lei.

Se o negócio jurídico apresentar problema ou vício quanto a esses elementos, será inválido, o que é resolvido pela
teoria das nulidades.

3
CC, art. 104: “A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

4
www.g7juridico.com.br
Observação n. 5: Classificações das invalidades:
• Quanto ao grau:
✓ Nulidade absoluta ou nulidade: gera negócio jurídico nulo. Envolve ordem pública e é mais grave.
✓ Nulidade relativa ou anulabilidade: gera negócio jurídico anulável. Envolve ordem privada (interesse
particular) e é menos grave.

• Quanto à extensão:
✓ Invalidade total: todo o negócio jurídico é nulo ou anulável.
✓ Invalidade parcial (CC, art. 1844: princípio da conservação do negócio jurídico): parte do negócio
jurídico é nulo ou anulável. A parte inútil do negócio jurídico não o prejudica na parte útil.

Questão 1:
Existe nulidade absoluta parcial? Sim. Só parte do negócio jurídico é nula.
Exemplo: só cláusula penal é nula. O restante do contrato é válido.

Questão 2:
Existe nulidade relativa total? Sim. Todo o contrato é anulável, como no exemplo da lesão que atinge todo o negócio. .

c) Plano da eficácia
I - Aqui estão as consequências do negócio jurídico relacionadas à modificação ou à extinção de direitos.
Exemplos:
• Resolução (inadimplemento).
• Juros, cláusula penal, perdas e danos.
• Regime de bens de casamento.
• Registro imobiliário.
• Elementos acidentais do negócio jurídico (CC, arts. 121 a 137): condição, termo e encargo ou modo.

II – Estudo dos Elementos acidentais do negócio jurídico:

c.1) Condição: é o elemento acidental do negócio jurídico que relaciona a sua eficácia a evento futuro e incerto.
Conjunções: “se” (condição suspensiva) ou “enquanto” (condição resolutiva).

4
CC, art. 184: “Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte
válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não
induz a da obrigação principal”.

5
www.g7juridico.com.br
Classificações da condição:
• Quanto à licitude:
✓ Condições lícitas: não contrariam a lei, a ordem pública ou os bons costumes (CC, art. 1225).
✓ Condições ilícitas: contrariam os parâmetros acima. Observações:
▪ Consequência: geram invalidade do negócio jurídico (CC, art. 123, II6) (nulidade absoluta).
▪ Exemplos de condições ilícitas: condições que privam o negócio jurídico de efeitos (condições
perplexas) e as condições que se sujeitam ao livre arbítrio de uma das partes (condições
puramente potestativas).

• Quanto à possibilidade:
✓ Condições possíveis: podem ser cumpridas fática e juridicamente.
✓ Condições impossíveis: não podem ocorrer, por razão fática ou jurídica. Consequência: gera invalidade
do negócio jurídico quando suspensivas (CC, art. 123, I) (nulidade absoluta).

• Quanto à origem:
✓ Condições causais ou casuais: têm origem em fato natural.
✓ Condições potestativas: têm origem na vontade. Elas podem ser de dois tipos:
▪ Simplesmente potestativas: vontade de um + vontade de outro. São lícitas.
▪ Puramente potestativas: vontade de um. São ilícitas.
✓ Condições mistas: têm origem em fato natural e na vontade.

• Quanto aos efeitos (CC, arts. 125, 127 e 1287):

5
CC, art. 122: “São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes;
entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro
arbítrio de uma das partes”.
6
CC, art. 123: “Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados: I - as condições física ou juridicamente
impossíveis, quando suspensivas; II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita"
7
CC, artigos 125 a 128: “Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta
se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa. Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição
suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com
ela forem incompatíveis. Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio
jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido. Art. 128. Sobrevindo a condição
resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução
continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados,
desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.”

6
www.g7juridico.com.br
✓ Condições suspensivas (“se”): são aquelas que, se não verificadas, suspendem a aquisição e o exercício
do direito.
✓ Condições resolutivas (“enquanto”): enquanto não verificadas, vigorará o negócio jurídico, cabendo o
exercício de direitos (há direito adquirido). Sobrevindo essa condição, o negócio jurídico é extinto para
todos os efeitos.

c.2) Termo: elemento acidental do negócio jurídico que associa a sua eficácia a evento futuro e certo. Conjunção:
“quando”.
Esquema:
Prazo: lapso temporal entre os termos.

Termo inicial: “dies a quo” Termo final: “dies ad quem”

Classificações do termo:
• Quanto à origem

✓ Termo legal. Exemplo: termo inicial para atuação do inventariante.


✓ Termo convencional. Exemplo: termo inicial e termo final de uma locação.

• Quanto à determinação
✓ Termo certo (determinado): eu sei que ocorrerá e quando ocorrerá. Exemplo: fim de um contrato com
prazo determinado.
✓ Termo incerto (indeterminado): eu sei que ocorrerá, mas não sei quando. Exemplo: morte.

Artigos importantes:
• CC, art. 131: “O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito”.
• CC, art. 135: “Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e
resolutiva”. O art. 135 do CC prevê que, quanto aos efeitos, o termo inicial equivale à condição suspensiva e o
termo final equivale à condição resolutiva. Exceção (art. 131): o termo inicial não suspende a aquisição do
direito, mas apenas o seu exercício – há direito adquirido.

7
www.g7juridico.com.br
c.3) Encargo ou modo: é um ônus introduzido em ato de liberalidade. Conjunções: “para que” ou “com o fim de”.
Exemplo: “Dou-lhe um terreno para que você construa, em parte dele, um asilo”. O donatário já recebe o terreno. Caso
não construa o asilo no prazo fixado pelo doador, caberá revogação da doação (CC, art. 5558).
Observações:
• O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito – há direito adquirido (CC, art. 1369).
• Se o encargo for ilícito ou impossível, em regra, é considerado como não escrito (CC, art. 13710).

Quadro-resumo:
Condição suspensiva Termo inicial Encargo ou modo

Evento futuro e incerto (“se”). Evento futuro e certo (“quando”). Ônus + liberalidade (“para que”).

Suspende a aquisição e o exercício do Suspende só o exercício do direito. Não suspende a aquisição nem o
direito. exercício do direito.

Não há direito adquirido. Há direito adquirido. Há direito adquirido.

4.3. Vícios ou defeitos do negócio jurídico


Modalidades de defeitos do negócio jurídico. Ver o esquema a seguir.

8
CC, art. 555: “A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo”.
9
CC, art. 136: “O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no
negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva”.
10
CC, art. 137: “Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da
liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico”.

8
www.g7juridico.com.br
Erro/ignorância.

Dolo.

Vontade ou Anulável
Coação moral.
consentimento

Estado de
perigo.
Defeitos do
negócio jurídico Lesão.

Simulação (?) Nulo


Sociais
Fraude contra Anulável
credores.

Observação n. 6: Fraude à execução, vícios redibitórios e vícios do produto não são defeitos do negócio jurídico.
Observação n. 7: A doutrina majoritária, apesar de resistências, continua entendendo que a simulação é vício social.

9
www.g7juridico.com.br

Você também pode gostar