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1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
Ainda considerando a teoria da escada ponteana, nesta aula trataremos sobre a
teoria da invalidade do negócio jurídico. Na ausência de qualquer dos pressupostos
essenciais, o negócio jurídico será declarado como viciado, nesse sentido, o ato jurídico
será inexistente quando faltar algum dos requisitos essenciais de existência (vontade,
objeto e agente), e será inválido quando faltar algum dos requisitos essenciais de
validade.
Especialmente no tocante à invalidade lato sensu, ela pode ser classificada em dois
graus: (a) nulidade absoluta, quando agredir norma de ordem pública; (b) nulidade
relativa (anulabilidade) quando agredir preceito de ordem privada.
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2. INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO
Conforme anotado em aulas anteriores, não é todo doutrinador que reconhece o
plano da existência, especialmente porque o Código Civil de 2002 não faz qualquer
menção a este que seria o primeiro degrau da escada ponteana. O legislador inicia o
livro III da parte geral do Código Civil, que trata sobre os fatos jurídicos, já tipificando os
requisitos de validade (CC, art. 104).
O negócio jurídico inexistente é um nada para o Direito, pois lhe falta algum dos
requisitos mínimos (vontade, objeto, agente e forma), de modo que sequer nos
preocuparemos com a sua validade ou eficácia. Excepcionalmente, é possível que um
negócio jurídico inválido produza efeitos, bem como que um negócio jurídico válido não
os produza. De modo diverso, o primeiro plano é prejudicial aos demais, não havendo
qualquer exceção à regra de que o negócio jurídico inexistente será também inválido e
ineficaz.
De acordo com Flávio Tartuce, “o negócio jurídico inexistente é aquele que não
gera efeitos no âmbito jurídico, pois não preencheu os seus requisitos mínimos,
constantes do seu plano de existência. São inexistentes os negócios jurídicos que não
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apresentam os elementos que formam o suporte fático: partes, vontade, objeto e
forma”1.
1
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume Único. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 254.
2
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - volume 1: parte geral. São Paulo: Saraiva,
2018, p. 487.
3
GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil – volume único.
São Paulo: Saraiva, 2018, p. 181.
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ordem pública, de modo que o vício presente é prejudicial não somente às partes, mas
também à sociedade como um todo.
De acordo com os artigos 166 e 167 do Código Civil, é NULO (nulidade absoluta) o
negócio jurídico quando:
Art. 166, III - O motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
Art. 166, V - For preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade
Art. 166, VII - A lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Também por envolver preceito de ordem pública, o legislador nos diz que o
negócio jurídico nulo deve ser pronunciado de ofício pelo juiz (ex officio), ou seja,
independentemente de provocação, pois os interesses da sociedade estão em risco. No
4
Op. cit., p. 488
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contexto processual, pela adoção do princípio da “vedação da decisão surpresa”,
ressalta-se que mesmo nas hipóteses em que o magistrado puder decidir de ofício, as
partes deverão ser intimadas anteriormente para se manifestarem (NCPC, art. 10).
Ademais, mesmo quando postulado pelas partes, o juiz não poderá suprir (sanar)
a nulidade absoluta, pois, novamente, o interesse social está em jogo.
CC, Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por
qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando
conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas,
não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.
O negócio jurídico nulo está gravemente viciado, por isso, regra geral, não tem
“conserto”, não dá para ser adequado. Como afirma Flávio Tartuce, “a nulidade absoluta
tem um efeito fatal, liquidando totalmente negócio” 5. Nesse sentido, conforme
inteligência do artigo 169 do Código Civil, o negócio jurídico nulo não pode ser
confirmado pelas partes, nem convalesce pelo decurso do tempo, enfim, não pode ser
reparado e nem aproveitado.
CC, Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem
convalesce pelo decurso do tempo.
5
Op. cit., p. 259
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Outrossim, refletindo novamente sobre eventual relação processual, ainda que a
demanda não esteja relacionada diretamente com a validade do negócio jurídico, a
nulidade absoluta pode ser arguida a qualquer tempo e grau de jurisdição. A única
observação que precisamos fazer é que o Superior Tribunal de Justiça já entendeu
reiteradas vezes que, em instâncias extraordinárias (STJ ou STF), o reconhecimento da
nulidade absoluta deverá respeitar o requisito do pré-questionamento.
STJ, Info 329. (...)Não obstante, ainda que se trate de questão chamada de
"ordem pública", isto é, nulidade absoluta – passível, segundo respeitável
doutrina, de conhecimento a qualquer tempo, em qualquer grau de
jurisdição –, este Superior Tribunal já cristalizou seu entendimento pela
impossibilidade de se conhecer da matéria de ofício, quando inexistente o
necessário prequestionamento.
Apesar todo o exposto, contrariando a ideia de que o negócio jurídico não pode
ser aproveitado, existe uma única saída. Através do artigo 170 do Código Civil, o
legislador passou a admitir a CONVERSÃO SUBSTANCIAL do negócio jurídico nulo. Pela
conversão substancial, também chamada de recategorização, o negócio jurídico nulo
NÃO SERÁ CONSERTADO, até porque isto não é possível, mas TRANSFORMADO em
outro negócio jurídico cujos requisitos tenham sido preenchidos.
CC, Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de
outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor
que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
6
FIGUEIREDO, Luciano e FIGUEIREDO, Roberto. Direito Civil – parte geral. Salvador: Juspodivm,
2018, p. 458.
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artigo 108 do Código Civil. Não obstante, sabendo que o contrato preliminar é válido
independe da forma do prevista para o principal, essa compra e venda pode ser
convertida em promessa de compra e venda.
Para concluir, de forma bastante concisa, o ato jurídico nulo caracteriza-se por
agredir preceito de ordem pública, ou seja, por conter vício que ofende toda a
coletividade, razão pela qual poderá ser alegado por qualquer interessado
(legitimidade ampla), pelo Ministério Público e, inclusive, deve o juiz reconhecê-lo de
ofício (ex officio). Ademais, os defeitos que geram a nulidade não são passíveis de
confirmação ou convalescimento pelo decurso do tempo, consequentemente, não há
prazo para a sua alegação, pois a nulidade absoluta não está sujeita à prescrição ou
decadência.
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As causas de ANULABILIDADE estão previstas no artigo 171, que diz: “além dos
casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico”:
Os prazos e forma de contagem estão previstos nos artigos 178 e 179 do Código
Civil, senão vejamos:
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PRAZO DE DECADÊNCIA PARA ANULAR NEGÓCIO JURÍDICO
(CC, arts. 178 e 179)
I - Coação. → 4 (quatro) anos contados do dia em que cessar a coação.
CC, Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença,
nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita
exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou
indivisibilidade.
CC, Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo
direito de terceiro.
CC, Art. 173. O ato de confirmação deve conter a substância do negócio
celebrado e a vontade expressa de mantê-lo.
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CC, Art. 174. É escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi
cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava.
CC, Art. 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio
anulável, nos termos dos arts. 172 a 174, importa a extinção de todas as
ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor.
CC, Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização
de terceiro, será validado se este a der posteriormente.
Todavia, atualmente a questão não é mais tão pacífica. Existe uma forte corrente,
anunciada por doutrinadores tão relevantes quanto os citados acima (Zeno Veloso,
Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Flávio Tartuce),
que reconhece a produção de efeitos parcialmente retroativos (ex tunc) pela sentença
da ação anulatória. Para tanto, fundamentam-se no artigo 182 do Código Civil, que assim
dispõe: “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes
dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o
equivalente”.
7
Op. cit. p. 266.
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Evidentemente que esta regra não se aplica a negócio jurídicos de execução
periódica, tais como uma locação ou uma relação trabalhista, onde não há de se cogitar,
por exemplo, a devolução de valores já pagos.
5. QUADRO COMPARATIVO
e) Pode ser arguida pelas partes, por terceiro e) Pode arguida apenas pelos legítimos
interessado ou pelo Ministério Público. interessados.
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NCPC, Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz
considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a
finalidade.
Com o devido equilíbrio, esse princípio tem sido aplicado também ao direito
material, através de alguns institutos, tais como, a Conversão Substancial ou
Recategorização (CC/02, art. 170); Ratificação, Saneamento, Convalidação ou
Confirmação (CC, art. 172); e Redução ou Nulidade Parcial (CC, art. 184).
Nos termos do artigo 112 do Código Civil, “nas declarações de vontade se atenderá
mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. Com
fundamento nessa premissa, o STJ já se pronunciou no sentido de que meros vícios
formais não são suficientes para o reconhecimento da invalidade de testamento.
Por fim, resta-nos observar a regra exposta no artigo 184 do Código Civil, quando
à Redução do Negócio Jurídico. Assim dispõe o texto legal: “Respeitada a intenção das
partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se
esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações
acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”.
Nesse contexto, por exemplo, se o autor da herança deixa 75% do seu patrimônio
para determinada pessoa através de testamento, o que não poderia fazer por ter
herdeiros necessários, o negócio jurídico deverá ser invalidado apenas parcialmente,
reduzindo a disposição à 50%, porção que respeita o limite da legítima.
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